Projeto Y de palhaçoterapia: Primeiros anos

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Revista de Pediatria do Ceará

ENSINO MÉDICO

Projeto Y de Riso, Sorriso e Saúde em Fortaleza, Ce: Relato de experiência The “Y” Project of Laugh, Smile and Health in Fortaleza, Brazil: An experience report Allan Denizard Mota Marinho1, Carolina Carneiro Rocha1, Cremeilda Dantas de Abrantes Lobo1, Daniel Magalhães Coutinho Mota1, Daniella Rosa Mota Martinho Barboza1, Elaine Gomes Rodrigues Vasconcelos1, Gabriela Maia Mota1, Helano Luiz Gomes Barbosa1, Kaila Barroso de Andrade Medeiros1, Luiz Edilberto Ferreira Júnior1, Melissa do Santos Salgado1, Marília Magalhães Tahim1, Mirela Costa de Miranda1, Nayan Cristina Gonçalves dos Santos1, Rafael Nogueira de Macedo1, Márcia Maria Tavares Machado2, Maria de Fátima Vitoriano de Azevedo3 Resumo Abstract Introdução: Inspirado em trabalhos como os realizados por “Patch” Adams nos Estados Unidos e pelos Doutores da Alegria no Brasil, o Projeto Y de Riso Sorriso e Saúde foi criado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Visa, a partir do bom-humor, da arte terapia e de métodos lúdicos do “médico-palhaço”, a aproximar os profissionais de saúde aos pacientes, contribuindo para uma relação mais humanizada. Busca, também, reduzir o estresse dos pacientes, gerando um impacto positivo no tratamento e no processo de cura. Objetivos: Descrever a estratégia adotada pelo Projeto Y de Riso, Sorriso e Saúde, criado em 2005, relatando a experiência em Fortaleza, CE. Resultados: O projeto atua interagindo com crianças, acompanhantes e profissionais no ambiente hospitalar, tornando o local mais agradável. No ambiente acadêmico, foi capaz de estabelecer uma aliança entre estudantes de Enfermagem, Medicina e Psicologia e de oferecer aos discentes a oportunidade de participarem ativamente do processo de humanização. Conclusão: A criação de grupos que se propõem a levar o humor ao ambiente hospitalar tem obtido bastante sucesso em escolas médicas de todo o Brasil. O Projeto Y, desde a sua criação, vem desempenhando, nos hospitais de Fortaleza-Ce, momentos de alegria e de descontração às crianças, tendo recebido apoio da direção dos hospitais e o envolvimento ativo de alunos desde o ingresso na universidade. Estudos para avaliar o impacto e a satisfação dos usuários necessitam ser realizados para verificar a sua efetividade e eficácia. Palavras-chaves: Criança, Terapia pela arte, Humanização da assistência, Relações médicopaciente. Recebido em: 10.07.07 Aceito em: 01.08.07

Introduction: Project Y of Laugh, Smile and Health was implemented at the Federal University of Ceará (UFC) inspired by activities such as those developed by “Patch” Adams in the United States and by “Doutores da Alegria” (Doctors of Joy) in Brazil. It aims at developing a closer approach of health professionals to patients by using humor, art-based therapy and “doctor-clown” techniques. By reducing patient stress the project is expected to generate a positive impact on treatment and the healing process. Objectives: To describe the strategy used since 2005 by Project Y of Laugh, Smile and Health and describe participants´ experiences in Fortaleza, Brazil. Results: The project was implemented at public hospitals in Fortaleza, where “doctor-clowns” interact with children, caretakers and other professionals. On the academic side, the project developed the spirit of cooperation between Nursing, Psychology and Medical students of offered students an opportunity to participate actively in the process of humanization. Conclusion: Groups of students and professionals introducing humor into the hospital environment have achieved great success in medical schools of all Brazil. Since its foundation, Project Y has brought moments of joy and relaxation to hospitalized children in Fortaleza, Brazil. It has received support from hospital managers and from students since their admission to the university. Studies to evaluate the impact and the satisfaction of the users need to be carried through to verify its effectiveness. Key-words: Child, Art-based therapy, Humanization of Assistance, Physician-Patient Relations 1. Acadêmico, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará. 2. Doutora. Pesquisadora, Departamento de Saúde Comunitária, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará. 3. Doutoranda. Professora adjunta, Departamento de Saúde Materno Infantil, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará. Rev Pediatr, 8(2): 95-9, jul./dez. 2007

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Introdução A palavra “clown” tem origem do inglês e significa “palhaço”. É uma forma de arte que convida à brincadeira, à interação e, acima de tudo, ao riso.1 A atuação de clown em hospital não é algo novo.1 Pioneiro em trazer o humor à prática médica, o médico americano Hunter “Patch” Adams serviu de inspiração para a criação de vários grupos de “doutores-palhaços” ao redor do mundo.2 Formado pela Virginia Medical University, Dr Addams optou por exercer a medicina de uma forma pouco convencional, revolucionando a forma de atendimento. Durante a faculdade, em 1985, iniciou um projeto para tratar os pacientes de forma mais humana a partir do uso da estratégia “clown”. Verificou, empiricamente, que as tensões têm efeito na fisiologia e que elementos como: humor, amor, surpresa, curiosidade, paixão, perdão, alegria e entusiasmo estimulam o sistema imunológico contra infecções, fortalecendo as células que combatem o câncer e refletindo na forma como cuidamos de nós mesmos e dos outros.3 Inspirada no trabalho realizado pelo Dr Adams, foi criada, em 1997, na Austrália, a fundação The Humour Foundation, pelo Dr. Peter Spitzer, médico australiano, e pelo Jean-Paul Bell, um profissional de clown. O objetivo dessa fundação é proporcionar os benefícios do humor aos pacientes hospitalizados na Austrália e em outros lugares, como Timor Leste e Afeganistão.4 Na França, existe o Le Rire Médicin, um grupo de cinqüenta atores praticantes das técnicas de clown que visita hospitais pediátricos duas vezes por semana.5 No Brasil, o grupo Doutores da Alegria - Arte, Formação e Desenvolvimento é uma organização pioneira no país, sem fins lucrativos, fundada em 1991. Desenvolve a inserção de experiências artísticas baseadas em técnicas circenses e teatro em espaços hospitalares, estabelecendo outras relações com crianças hospitalizadas, pais e profissionais da saúde, bem como com o saber médico e a disciplina hospitalar. Atualmente, suas atividades são 96

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regularmente desenvolvidas em 5 hospitais na capital paulista, em 2 hospitais no Rio de Janeiro e em 1 no Recife.6 Estudo relata experiência de alunas do curso de Enfermagem da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, onde realizavam visitas semanais com duração média de 3 horas na enfermaria pediátrica do hospital universitário. Quatro delas se dividiam em duplas e, após desinfecção dos brinquedos e passagem no posto da enfermagem para checar o estado de saúde das crianças, dirigiam-se a cada leito, sempre chamando as crianças pelo nome, buscando, também, interagir com os acompanhantes.7 No Ceará, existem diferentes grupos filantrópicos que buscam desenvolver essa estratégia em hospitais pediátricos, principalmente na capital. A Terapia do Riso é um desses grupos, sendo formada por profissionais voluntários de diversas áreas, tais como: contador, padeiro, panfleteiro, advogado, investigador e professor. O grupo visita diversos hospitais em Fortaleza e, inclusive, viaja periodicamente para outras cidades, como Mossoró e Natal.8 Nesse contexto, surgiu o Projeto Y de Riso, Sorriso e Saúde, vinculado à Pró-Reitoria de Extensão e ao Departamento de Saúde Maternoinfantil da Universidade Federal do Ceará (UFC). O Projeto Y visa, a partir do bom-humor, da arte terapia e da ludicidade do médico-palhaço, a aproximar profissionais de saúde e pacientes, contribuindo para a construção de uma relação mais humana, e, principalmente, a reduzir o estresse dos pacientes, gerando um impacto positivo no tratamento e no processo de cura. Os objetivos desse projeto são: • Estreitar a relação entre o profissional da saúde, o paciente e sua família; • Auxiliar a formação de profissionais da saúde preocupados com a qualidade de vida do paciente; • Humanizar o aprendizado dos acadêmicos e o tratamento ao paciente;


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• Desenvolver a empatia dos acadêmicos diante do paciente e sua família; • Diminuir o receio dos pacientes em relação aos profissionais da saúde e aos procedimentos técnicos realizados pelos mesmos; • Reduzir o estresse dos pacientes e acompanhantes; • Contribuir para uma melhor socialização dos pacientes durante os internamentos; • Resgatar a alegria e a vontade de viver de pacientes hospitalizados. Como instrumento de disseminação desse tipo de estratégia, esse estudo visa a descrever como é desenvolvido esse projeto por alunos da graduação, no Hospital Universitário, com o objetivo de disseminar e estimular a constituição de outras iniciativas semelhantes em Fortaleza. Metodologia O projeto surgiu em abril de 2005 e, atualmente, conta com vinte e dois integrantes, acadêmicos de Enfermagem, Medicina e Psicologia da Universidade Federal do Ceará. O grupo é coordenado por uma médica geneticista coordenadora da cadeira optativa de Arte terapia da Faculdade Medicina UFC e professora do Departamento Saúde Materno-Infantil da mesma instituição. O local escolhido para atuar, sistematicamente, é a enfermaria da Pediatria do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC). Nas visitas, são utilizados vários recursos materiais. Os estudantes caracterizam-se utilizando maquiagens, nariz vermelho, roupas e acessórios coloridos junto com o jaleco branco para conseguir, assim, aliar a imagem do médico à do palhaço. Cada médico-palhaço escolhe alguns brinquedos que podem remeter à figura do palhaço, como balões, chocalhos e animais de brinquedo ou instrumentos que lembrem a imagem do médico, como estetoscópios e termômetros de brinquedo.

Antes de cada visita, os acadêmicos se reúnem na sala do projeto e caracterizam-se de médicopalhaço. Quando estão prontos, caminham até a enfermaria de Pediatria, interagindo com as pessoas que encontram no caminho, sejam pacientes, familiares ou funcionários. Chegando à Pediatria, os palhaços se dividem em duplas ou trios e tentam interagir com todas as crianças. Os pacientes-crianças que apresentam melhor estado geral de saúde se reúnem geralmente no corredor da enfermaria e brincam com os palhaços. Aquelas impossibilitadas de deambular são visitadas em seu leito. A principal ferramenta utilizada para a interação é o clown, mas também são utilizadas: música, dança, pintura, sessões para contar histórias e artes manuais. As visitas são realizadas geralmente no horário do almoço ou no final da tarde, com duração média de 1h. Após cada visita, um dos acadêmicos faz o relato contendo suas impressões, que são registradas em um diário de campo. São realizadas quatro visitas por semana, cada uma contando com 4 a 6 médicos-palhaços. Além das visitas, são realizadas reuniões semanais quando são discutidos aspectos gerenciais e administrativos, bem como situações vivenciadas nas visitas. A partir das reflexões do grupo, são planejadas as atividades da semana seguinte. No início de cada semestre, é realizada reunião de planejamento semestral, onde as tarefas são compartilhadas entre os alunos participantes do projeto. Como apoio e consultoria, são ministradas, sistematicamente, oficinas sobre teatro com um expertise. A cada ano, um grupo de novos integrantes passa por 40h de treinamento em clown antes de iniciarem as visitas. Resultados Desde a sua implantação, o Projeto Y de Riso Sorriso e Saúde vem conseguindo, aos poucos, alcançar os objetivos propostos no início do trabalho. Rev Pediatr, 8(2): 95-9, jul./dez. 2007

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e teatro clown em ambientes hospitalares é uma iniciativa que vem obtendo sucesso nas escolas médicas brasileiras.9

No ambiente hospitalar, tem conseguido interagir com as crianças e seus familiares, tornando sua estada no hospital um pouco mais agradável. Estabelece, também, um vínculo com diversos profissionais da saúde que atendem na enfermaria de Pediatria do HUWC. Observa-se reconhecimento e respeito dos profissionais do Hospital, sendo o Projeto Y requisitado a visitar outros setores além da Pediatria, como as enfermarias de Clínica e de Cirurgia e o setor de Diálise. Durante os eventos comemorativos (Dia das Crianças, Natal), o Projeto Y é requisitado para se fazer presente.

O propósito do clown em hospitais é trazer humor, brincadeira e riso nesse ambiente, em benefício dos pacientes, dos membros da família e dos acompanhantes. Essa regra vem da expressão popular que reforça: “rir é o melhor remédio”.1, 3, 10, 11, 12 Podemos ressaltar que o Projeto Y tem seguido essa regra e receitado o “melhor remédio” aos pacientes do HUWC e a seus familiares.

No ambiente acadêmico, foi capaz de estabelecer uma aliança entre estudantes de Enfermagem, Medicina e Psicologia, de modo a praticar um trabalho interdisciplinar. Oferece aos acadêmicos a oportunidade de participar ativamente no processo de humanização, desde os primeiros semestres da graduação.

Mesmo verificando que o projeto vem alcançando os objetivos propostos, muitos desafios ainda persistem. Dentre estes, o aprimoramento das técnicas de teatro e de clown, além de utilizar outras formas de arte, como a música e a pintura, visando a uma melhor interacão com as crianças, despertando mais atenção daquelas menos receptivas.

No período da seleção de novos participantes, tem-se observado uma crescente procura pelos alunos, sugerindo um reconhecimento do trabalho desenvolvido pelo Projeto Y.

Tem como propósito a ampliação de sua atuação em outros serviços, como o Instituto do Câncer do Ceará (ICC).

Considerações finais A criação de grupos que desenvolvem experiências artísticas baseadas em técnicas circenses

A contribuição desse projeto não se reporta apenas à comunidade, mas também aos alunos dos cursos da área de saúde, introduzindo um processo reflexivo para uma relação mais humanizada entre profissionais da saúde, pacientes-crianças e família.

Referências 1.

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4.

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Marinho ADM et al

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