TERRITÓRIOS REDE: AS LINHAS DE FORÇA DA PERIFERIA

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ANAISDASCAP TERRITร RIOS REDE: As linhas de forรงa da periferia




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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Unidade São Gabriel

IV SEMANA DE CIÊNCIA, ARTE E POLÍTICA Belo Horizonte, 21 de setembro de 2012

ANAIS DA SCAP TERRITÓRIOS REDE: as linhas de força da periferia

Belo Horizonte 2012


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EXPEDIENTE

Secretário de Comunicação:

Prof. Mozahir Salomão Bruck

Organização:

Prof.ª Elisa Cristina de Oliveira Rezende Quintero Prof.ª Marialice Emboava

Prof.ª Elisa Cristina de Oliveira Rezende Quintero

Edição:

Fotografia: LabSG Henrique Cacique Thadeu Borges Cupello Projeto Gráfico e Direção de Arte: Prof.ª Dulce Albarez

Diagramação:

Revisão:

Prof.ª Dulce Albarez Prof. Jeter Neves


7

Grão-chanceler:

Reitor:

Vice-reitora:

Dom Walmor Oliveira de Azevedo Prof. Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães Prof.ª Patrícia Bernardes

Chefia de Gabinete da Reitoria:

Prof. Paulo Roberto de Sousa

Assessor Especial:

Prof. José Tarcísio Amorim

Pró-reitores:

Prof.ª Maria Inês Martins (Graduação)

Prof. Wanderley Chieppe Felippe (Extensão)

Prof. Sérgio de Morais Hanriot (Pesquisa e de Pós-graduação)

Prof. Paulo Sérgio Gontijo do Carmo (Gestão Financeira)

Prof. Rômulo Albertini Rigueira (Logística e de Infraestrutura)

Prof. Sérgio Silveira Martins (Recursos Humanos)

Secretário de Comunicação:

Prof. Mozahir Salomão Bruck

Secretária de Cultura e Assuntos Comunitários:

Secretário Geral:

Prof.ª Maria Beatriz Rocha Cardoso Prof. Ronaldo Rajão Santiago

Secretário de Planejamento e Desenvolvimento Institucional:

Prof. Carlos Barreto Ribas

ró-reitor Adjunto da PUC Minas P no São Gabriel:

Prof. Alexandre Rezende Guimarães

Diretor de Graduação:

Prof. Cláudio Listher Bahia

Coordenadora de Extensão PUC Minas no São Gabriel:

Assessora de Extensão PUC Minas no São Gabriel:

Prof.ª Luciana Fagundes da Silveira

Coordenador de Pesquisa e Pós-graduação PUC Minas no São Gabriel:

Prof. Sílvio Jamil Ferzolli Guimarães

Assessora de Pesquisa e Pós-graduação PUC Minas no São Gabriel:

Prof.ª Aline Mendes Aguiar Vilela

Coordenador da Pastoral PUC Minas no São Gabriel:

Frei Mário da Paixão Taurinho

Assessora de Comunicação PUC Minas no São Gabriel:

Prof.ª Elisa Cristina de Oliveira Rezende Quintero

Michelle Stammet


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EDITORIAL É com grande satisfação que

Nessa dimensão, a ruptura dos

apresentamos a publicação dos

limites da sala de aula e das grades

anais da 4ª edição da Semana de

curriculares permitiu a reflexão

Ciência, Arte e Política – SCAP,

articulada à formação integral do

realizada pela PUC Minas no São

acadêmico, buscando a produção

Gabriel. Tendo como eixo temático

do saber alicerçado às atividades de

“Territórios Rede: as Linhas de

Extensão, Pesquisa e Ação Pastoral.

Força da Periferia”, o evento em 2012 propôs focar a ocupação do

A abertura à comunidade externa

espaço urbano por seus moradores

ganhou destaque com circuitos

e compreender como o “centro” e a

culturais e artísticos, atividades em

“periferia” se deslocam, provocando

escolas de ensino médio, seminários

uma nova configuração.

e oficinas.

O formato adotado em 2012,

Por fim, o plantio de 21 mudas de

que partiu da análise de edições

árvores foi uma ação local simbólica

anteriores, sustentou-se em seis

que coloca a Universidade em

linhas de atuação: Ciclo de Palestras,

sintonia com a agenda de discussões

SCAP Lá&Cá, Circuitos Culturais e

mundial sobre o meio ambiente, a

Artísticos, Seminário de Pesquisa e

Rio+20, chancelada pelo Programa

Extensão, Semana de Psicologia e

da Organização das Nações Unidas.

SCAP+21. Assim, convido o leitor a conhecer Entendemos que a proposta nesse

parte das atividades realizadas

formato permitiu à comunidade

e consolidadas nesses anais,

acadêmica interagir com uma nova

estendendo o convite à participação

forma de pensar a Universidade.

nas próximas edições da SCAP.

Prof. Miguel Alonso de Gouvêa Valle Pró-reitor Adjunto da PUC Minas no São Gabriel


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ÍNDICE

REDES, EXTRAMUROS E NOVAS POSSIBILIDADES

Wanderley Chieppe Felippe

11

OUTRAS PERIFERIAS

Eduardo de Jesus

17

CIDADE, CÓDIGO E CRIAÇÃO ERRANTE Cláudio Bahia

25

NA MELODIA DA VIDA

Marta Neves

39

O CONSTRANGIMENTO DO RISO

Tiago Max

53

CÉU, HOMEM, TERRA E A INSTITUIÇÃO

SCAP: UM DIÁLOGO DA UNIVERSIDADE COM OS ARTISTAS DA PERIFERIA

Ana Senra

66

A PASTORAL E O ESTÍMULO A CRIATIVIDADE

Frei Mário da Paixão Taurinho Frei Oswaldo Rezende Júnior Irmã Marina Estevam de Jesus

77

INCLUSÃO DIGITAL E O EXERCÍCIO DA CIDADANIA

Soraia Lúcia da Silva

83

ARTE, CULTURA E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Hildegardo Martins Lima

91

O DIREITO ENTRE A UNIVERSIDADE E O ESTADO

Antônio Cota Marçal

99

O IMPACTO DA PESQUISA E DA EXTENSÃO NA FORMAÇÃO DOS ALUNOS

Aline Aguiar Mendes Vilela

148

OFICINAS DE EXTENSÃO SCAP LÁ&CÁ

Elisa Rezende

152

PENSANDO MEU PROJETO DE VIDA

Maria Aparecida Ramos Queiroz

156

A PUC TV NA COBERTURA JORNALÍSTICA DA IV SCAP

Cláudia Siqueira Caetano

160

Daniela Maura

60


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REDES, EXTRAMUROS e novas POSSIBILIDADES Wanderley Chieppe Felippe 1

Peço licença às alunas que

Mais do que conhecimento técnico,

produziram o vídeo “Extensão”2

permitimos a alunos, professores

como atividade da disciplina

e funcionários mergulharem numa

Vídeo Institucional ministrada pela

realidade distinta e enriquecedora.

professora Beth Miranda, para fazer minhas as definições que tão

Quando temos a oportunidade

bem utilizaram para se referir ao

de participar de eventos como a

conceito de extensão: “expandir,

Semana de Ciência, Arte e Política

estender, ir além”. Esses três termos

(SCAP), da Unidade São Gabriel,

simples e, ao mesmo tempo, tão

percebemos como a extensão se

significativos dão uma pista sobre

fortifica e cria raízes profundas.

como são desenvolvidas as práticas

A quarta edição desse evento, com

de extensão na PUC Minas. Mais do

a temática “Territórios rede: as linhas

que projetos, buscamos atender

de força da periferia”, contemplou

a demandas sociais. Mais do que

em si o caráter extensionista. A troca

ações pontuais, orquestramos

de saberes entre a comunidade

parcerias que englobam o ser

local e a academia, por meio de

humano em sua complexidade.

apresentações culturais, debates,

Pro-Reitor de Extensão da PUC Minas

1

2

Disponível em http://vimeo.com/51714267 Disponível em http://issuu.com/revistafio/docs/primeiraedicao

3

Disponível em http://www.fca.pucminas.br/radio/archives/category/jornalisticos/ programa-ex 4


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palestras, oficinas e tantas outras atividades, é digna de aplausos. A Revista FIO3, da Coordenação de Extensão da Unidade São Gabriel, lançada na abertura da IV SCAP, presenteou-nos não com meras imagens, mas, sim, com a emoção, a dedicação e a simplicidade capturadas pelas lentes do aluno do curso de Publicidade e Propaganda e extensionista Henrique Cacique. O programa de rádio EX4 e a FIO são exemplos de novos ares e perspectivas que as professoras Elisa Rezende e Luciana Fagundes estão imprimindo à prática de extensão na Unidade. A mim, como Pró-Reitor de Extensão, cabe agradecer o empenho, parabenizar pelas conquistas e incentivar que o esforço seja ininterrupto, a fim de que continuemos a colaborar para que seja concretizada diariamente a missão de nossa Universidade: “Promover o desenvolvimento humano e social, contribuindo para a formação humanista e científica de profissionais competentes, que tenha como base valores da ética e da solidariedade e compromisso com o bem comum, mediante a produção e disseminação das ciências, das artes e da cultura, a interdisciplinaridade e a integração Universidade e Sociedade”.


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OUTRAS PERIFERIAS Eduardo de Jesus1

Sou do punk da periferia, sou da freguesia do Ó. Gilberto Gil É som de preto, de favelado, mas quando toca ninguém fica parado. Amilcka e Chocolate

São aproximadamente 7h35 da

dicotomias estabilizadas durante

noite de uma quinta-feira quente

a modernidade? Hoje tudo parece

e abafada de setembro em Belo

se rearranjar de outra forma, em

Horizonte. Estou parado em

outras dinâmicas que sugerem um

um engarrafamento na Avenida

reposicionamento das relações entre

Cristiano Machado, uma das artérias

centro e periferia. Desde o BRIC ao

da cidade que liga a região central

modo como usamos a internet, tanto

à zona leste e Sabará. Centro e

no plano local quanto global, tudo

periferia - situação geográfica de

colabora para relativizar a dicotomia

uma relação tensa, conflituosa e

entre centro e periferia. O arranjo

sobretudo provocativa.

agora, território-rede por excelência,

Em contextos sociais e políticos

se coloca em novos e outros

complexos, as dinâmicas do espaço

termos mais reticulares, formando

e suas formas de apropriação

outras redes com centros móveis e

(entre lisos e estriados) possibilitam

periferias que rizomaticamente se

outros arranjos que transcendem

aproximam.

a mera questão topológica do território e do lugar. Territórios-

Continuo seguindo na Cristiano

rede. Então podemos pensar como

Machado (o nome vem do ex-

experimentamos hoje em dia essas

prefeito de Belo Horizonte, oriundo

Professor da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5318807610605332

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de Sabará, e que concorreu

voz emergente. Interesso-me pelo

com Getúlio Vargas na eleições

pensamento de Sodré, caro ao

presidenciais de 1950) hoje é apenas

campo comunicacional e que, ao

mais um nome de um corredor

longo dos últimos anos, vem se

de carros que rasga a cidade e a

apresentando em uma série de livros

paisagem. Atrasado, confiro mais

fundamentais para se compreender

uma vez as horas no celular e

não apenas a comunicação na

vejo que se o trânsito continuar

contemporaneidade, mas sobretudo

tão intenso vou perder o começo

as formas que assumem as novas

da conferência de Muniz Sodré

lógicas culturais baseadas nos

na PUC Minas no São Gabriel. O

fenômenos da comunicação, como a

taxista reclama do trânsito, da

midiatização. As abordagens vindas

quantidade de carros, da prefeitura,

das reflexões de Sodré prezam pela

da BHTRANS (empresa responsável

complexidade e visibilidade dos

pelo transporte público na cidade)

arranjos emergentes. Ex-diretor

e depois do fracasso do futebol

da Biblioteca Nacional e da TV

mineiro. Distante, consigo fugir da

Educativa, Sodré é professor da

prosa-fática do motorista e me

Escola de Comunicação da UFRJ

concentro na paisagem do entorno,

e iniciou sua fala, na Semana de

que posso perceber de forma quase

Ciência, Arte e Política da PUC Minas

contemplativa, já que não temos

no São Gabriel, recorrendo à bela

sinais de seguir no engarrafamento.

imagem da Orquestra Bachiana

A paisagem que me circunda parece

regida por seu mentor, o Maestro

construção e ruína. O dia abafado

João Carlos Martins, executando

desenha de laranja os recortes dos

“Trem das onze”, samba clássico de

prédios e os luminosos mudam

Adoniran Barbosa, com integrantes

a feição da cidade. Vejo a cidade

da escola de samba paulista Vai

desde a periferia.

Vai. O concerto reuniu Vivaldi, Villa Lobos, além de Adoniran e o Hino

O teatro lotado, alunos em profusão

Nacional, em ritmo de samba. Muniz

(alguns em busca da lista de

descreve essa imagem como um

presença e outros encantados em

momento ímpar que nos permite

ver que existe alguém real por trás

refletir sobre a cultura e a voz das

do nome na bibliografia costumeira

minorias. Ao concerto da Orquestra

– MUNIZ, Sodré). Encontro com

Bachiana com a Escola de Samba,

outros professores, conversamos

no Teatro Municipal do Rio, Sodré

brevemente e, apesar do atraso e

associa um embate entre um índio

do trânsito, chego a tempo. Muniz

Pataxó e um segurança no Rio+20,

Sodré inicia sua explanação em

para apontar os índices significativos

torno do tema: a periferia como

de uma sociedade que começa


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a se reconhecer culturalmente

Vindo inclusive em autorretratos

diversa. Trata-se, segundo Sodré, da

produzidos por operadores

ressemantização da palavra periferia,

simbólicos individualizados, como

para além dos termos topográficos,

Ferrez, MV Bill, Mano Brown e outros

dando visibilidade a um conceito de

coletivos e organizados como a

minoria cidadã que, ao aproximar-

CUFA – Central Única das Favelas

se de periferia, acaba por revelar a

e o Grupo Cultural Afroreggae,

força com que a periferia se impõe

experiências de sucesso de

como dispositivo de ressimbolização

ressimbolização urbana.

da cidade. Ouvindo a bem articulada reflexão A explanação de Muniz vai

de Sodré, deixo derivar o seu

avançando, dando contorno a toda

pensamento sobre essa força que

uma questão política ligada às

ressimboliza a cidade e o urbano

minorias e gerando desdobramentos

para gerar minhas próprias imagens.

da noção de cultura, como um

A ideia ecoa forte e tento, ao mesmo

conjunto de processos sociais que

tempo, absorver os desdobramentos

se materializam em repertórios,

de Muniz e navegar pelas memórias

perspectiva inovadora pelo corte

afetuosas que trago comigo

sócio-semiótico. Hoje em dia, esses

das múltiplas representações e

diversos repertórios se cruzam e

experiências da periferia, às quais

se realimentam em outros arranjos

sou profundamente ligado.

culturais, abrindo espaço para novas

Lembro-me do curta metragem

vozes na composição da trama

“Lá e Cá”, de Sandra Kogut (1995)2,

complexa da cultura.

e uma imagem inesquecível de

A construção conceitual de Sodré

Regina Casé no portão de uma

encaminha-se para uma total

casa coberta de azulejos coloridos,

abertura das noções de cultura,

ouvindo em um pequeno toca-fitas

produção simbólica e política, em

“Whiter shade of pale”, de Procul

torno da ampliação das relações

Harum3, a inesquecível canção

entre cultura e periferia, apontando

romântica do fim dos anos 60

movimentos sociais, artistas e

que embalou toda uma geração

articuladores que vêm expandindo

de vitrolas de plástico colorido,

e dando outros contornos a essas

compactos simples e calças de

novas vozes que emergem na cena

boca-sino. Mais recentemente, me

contemporânea brasileira.

ocorrem “O céu de Suely” (2006),

Como afirma Sodré, a música,

de Karim Aïnouz, e “Linha de

a dança e a festa são importantes

passe” (2008), de Walter Salles,

operadores simbólicos dessa

que mostram distintos lados da

transformação cultural da cidade.

multiplicidade cultural da periferia


22

e de sua força na ressignificação

de detalhe. Assistimos a cenas

da cidade. O cinema brasileiro tem

domésticas do casal, com uma

construído representações fortes

bem composta fotografia em preto

da periferia, às vezes revelando e

e branco e suaves movimentos

avivando as cores da violência e

de câmera, revelando uma certa

do abandono. “Cidade de Deus”

melancolia que associada à música

(2002), de Fernando Meirelles, é um

constrói as nuances do romance e

marco no cinema nacional e uma das

do amor. A escolha da cama, a prova

formas de olhar-mostrar-construir

do vestido e da aliança, os últimos

a realidade da periferia. Mas talvez

retoques no bolo e os ajustes no

seja o documentário o que mais

vestido de noiva são mostrados

aprofundou o olhar na periferia,

com uma requintada elegância da

como em “Santo Forte”(1999)

periferia. Lembro-me mais ainda de

e “Babilônia 2000” (2000), de

uma das frases da música: “Pra eu

Eduardo Coutinho. Personagens

te dar a mão nessa hora, levar as

menores, pequenas histórias e visões

malas pro fusca lá fora… que eu vou

da periferia que talvez o coloquem

guiando, eu te espero, vem…”. Tão

mais próximo da abordagem

próximo de nós e tão distante ao

sócio-semiótica de Sodré, como

mesmo tempo.

uma nova forma de produção

O fim do clipe é surpreendente.

de conhecimento e de visões do

Ótima e afetuosa lembrança

mundo. Por último, lembro-me de

provocada pelos pensamentos de

um delicado clipe “Luz dos olhos”

Sodré.

(2004)4, de Nando Reis, que traz um casal selecionado como em um

A conferência segue e se encaminha

reality show para participar do vídeo,

para as considerações finais.

revelando os preparativos,

As imagens e conceitos suscitados

o casamento e a festa. A música

pela reflexão densa desenvolvida

virou o tema dos noivos Marcelo e

por Sodré reverberam forte em um

Carla, de Pirapora do Bom Jesus,

desejo de expansão das ideias como

cidade da região metropolitana de

forma de dar consistência a essa

São Paulo. A periferia aqui, pela

visão. Talvez este texto se justifique

sensível direção de Vitor Amati

pelo imenso desejo de ver ecoar as

e Cassio Amarante, assume uma

vozes emergentes da periferia dando

visão delicada, peculiar e cheia

outra configuração para a cultura

de sutilezas nas cenas e planos

brasileira contemporânea.

Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=ZNq_MPtDvVE

2

Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=Mb3iPP-tHdA

3

Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=gvF6E_SeoXc&feature=fvsr

4


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CIDADE, CÓDIGO e CRIAÇÃO ERRANTE Cláudio Bahia 1

Esta reflexão tem origem no

uma categoria literária em fricção

pensamento da Professora Maria

com a cidade de Belo Horizonte,

Beatriz de Almeida Magalhães

suscitada pela origem desta

apresentado em sua conferência

na interioridade do Estado, e o

“Cidade, Código e Criação Errante”,

confronto especular - em que isto

durante a IV SCAP – Semana de

signifique visão invertida, superficial

Ciência, Arte e Política da Unidade

e intransponível - de uma poética

São Gabriel da PUC Minas, em

sedentária insurgente com uma

setembro de 2012. Objetivamente,

poética nomádica contingente.

a Professora Beatriz verifica criações

Pois bem, a reflexão, em sequência,

levadas a efeito por errantes, em

é uma transcendência do que

Belo Horizonte, que compõem

foi explicitado, experimentado e

linguagens em extrema oposição à

entendido de Belo Horizonte como

linguagem pronunciada pela cidade.

ideia de cidade, a partir de uma

Rememore-se que a capital de Minas

visão particularizada e sensível da

foi constituída pelo Estado,

professora Beatriz.

a partir de rígidos códigos espaciais e estéticos extraídos dos princípios

Em suma, esta reflexão é um livre

positivistas de superação do Natural

pensar. Só pensar.

pela Ordem e para o Progresso e em função de confirmar a República e

(DES)CONSTRUINDO

conformar a nacionalidade.

BELO HORIZONTE

A fundação in toto de uma cidade, procedimento inédito no Brasil,

A utopia republicana produziu em

pretendeu marcar a passagem do

Minas Gerais seu primeiro grande

país para a condição plena de nação

gesto, a construção de uma cidade

pós-colonial. O pensamento da

– Belo Horizonte - segundo os

professora mostra a existência de

padrões do urbanismo, área de

Professor da PUC Minas e Diretor Acadêmico da Unidade São Gabriel.

1


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conhecimento que estava dando

O conceito de Moderno relaciona-se

seus primeiros passos e se pretendia

com a questão temporal, possui um

a solução para os problemas das

significado aberto e passa designar

cidades. Nessa mesma cidade,

o novo, o desconhecido, o estranho.

40 anos depois, outra utopia urbanística, o modernismo de JK

A Modernidade pode ser entendida

e Niemeyer, que através dos ideais

como um processo iniciado com

modernistas levariam o Brasil ao

a renovação cientifica do século

panteão das nações desenvolvidas.

17 – a partir da qual o universo é

Uma era da Pampulha a Brasília.

concebido infinito, a subjetividade e a crença na racionalidade são

Questões

inauguradas. Se a Modernidade surgiu como um processo na

• O que é produzir ou planejar uma

Idade Média, ainda não concluído,

cidade?

verificou-se também, como discutiu Teixeira Coelho2, a existência de

• Urbanismo como técnica ou uma

um “projeto de modernidade” que

teve seu lançamento no século 18 e

disciplina do século 19?

firmado no 19 – representado pela • A práxis do Modernismo

revolução industrial, por um novo

apresenta uma dialética

pensamento social, a exemplo de

socioespacial em que o sujeito

Marx, e pela psicanálise de Freud.

tem uma dominação consciente

Esse projeto corresponderia aos

sobre o objeto. Em BH, para

últimos três séculos da cultura

uma análise de sua realidade

ocidental de extração europeia,

e experiência modernista, seria o

cristalizando-se no século 20,

sujeito o cidadão ou sua

quando assume contornos mais

idealização republicana?

bem trabalhados e novos conceitos

O Objeto seria a cidade ou uma

fundamentais como o de espaço e

representação de um ideário

tempo, a exemplo na relatividade

político da República?

de Einstein. Entretanto, observa-se que, se processo ou se projeto, a

• Utopia seria um lugar que ainda

Modernidade tem-se configurado

não como uma disciplina fechada

não existe?

dentro do campo das ciências • Moderno, modernismo e

sociais, mas como estrutura aberta

a partir da reflexão contínua

modernidade?

sobre Cultura e o processo de desenvolvimento do pensamento humano.


29

Não se entende a Modernidade

em que as promessas e esperanças

como ação globalizante,

foram formuladas. Assim, o

mas uma ação caracterizada

Modernismo estabeleceu seus planos

fundamentalmente a partir das

urbanísticos a partir de metas

formas diversas de assimilação e

dimensionadas em futuro. Conforme

reconhecimento das diferenças entre

Bauman, o signo da esperança que

as várias culturas e as ressonâncias

caracteriza o Modernismo pode hoje

deste processo na trajetória da vida

ser entendido como uma possível

humana.

interpretação da destemporalização do espaço. O espaço projetado

De maneira mais determinada que

sobre o tempo ofereceu ao tempo

outros pensadores, Matei Calinescu

características que só o espaço

narra a “irreversível” divisão entre

possui, a linearidade de um caminho,

modernidade como estágio na

a direção e um sentido como se o

história da civilização ocidental –

tempo também tivesse um antes

um produto do progresso científico

e um depois lineares. De qualquer

e tecnológico, da Revolução

maneira, o que se discute aqui é a

Industrial, das amplas mudanças

sociedade humana em processo, isto

econômicas e sociais trazidas pelo

é, realizando-se pelos preceitos do

capitalismo – e a modernidade

Modernismo. Essa realização se dá

como conceito estético ou, melhor

sobre uma base material:

denominada, modernismo.

o espaço e seu uso; o tempo e seu

A Modernidade com o Modernismo

uso; a materialidade e suas diversas

processou uma autorreflexão

formas; as ações e suas diversas

objetivada por uma percepção de

feições.

si mesma que por fim revelaria sua impossibilidade, pavimentando

Os modernistas se ocuparam

o caminho para uma avaliação

em tomar o tempo concreto e

pós-moderna.

apreendido, e assim manipulá-lo no domínio do cotidiano e na

Para uma interpretação inicial é

perspectiva do seu uso para prazos

necessário o entendimento de uma

e metas de proposições a serem

basal condição do Modernismo, a

cumpridas, a exemplo do plano

esperança, como forma de projetar

original da Nova Capital – BH -

a sociedade em um mundo melhor

formulado por Aarão Reis.

do que somos. O urbanismo e a arquitetura modernista foram

Para Belo Horizonte, o conceito

tanto uma exposição de promessas

republicano esboçado foi o mesmo

cumpridas, ou não, como,

trabalhado por Platão na sua utopia:

e sobretudo também, o manifesto

o argumento da razão para definir


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a interação entre ordem espacial e

ideologia positivista republicana,

ordem social.

concebida pela utopia de uma cidade ideal, saneada, ordenada

A mudança de regime associada

e iluminada. Assim, a nova capital

a uma intenção de um novo país

do Estado de Minas foi pensada,

impregnou o imaginário da época,

planejada e oficializada, como

criando a necessidade de construir

determinaram os artigos do Decreto

novos símbolos. Belo Horizonte

do Governo, em 1895, sobre o

legitimaria o desejo e a expressão

projeto urbanístico de

de um novo tempo, pautado pela

Belo Horizonte:

Art. 2º - A sua área será dividida em seções, quarteirões e lotes, com praças, avenidas e ruas necessárias para a rápida e fácil comunicação dos seus habitantes, boa ventilação e higiene. (...) Art. 3º - As praças e ruas receberão denominações que recordem as cidades, rios, montanhas e datas históricas mais importantes, quer do próprio Estado de Minas Gerais, quer da União, e bem assim, os cidadãos que, por serviços relevantes houverem merecido da Pátria Brasileira. Art.4º - Na mesma planta serão designados os lugares destinados para os edifícios públicos, templos, hospitais, cemitérios, parques, jardins, matadouros, mercados, etc.; quarteirões que convenha deixar reservados; e, bem assim os lotes destinados a concessões aos funcionários públicos estaduais e aos proprietários de casas em Ouro Preto (...) Criada no limite das transformações

Caberia também à nova capital

arquitetônicas e urbanísticas do

equilibrar as diversas regiões;

século 19, Belo Horizonte nasceria

descompassadas economicamente,

como um cenário de modernidade,

bem como solucionar as questões

expressando a ruptura com o

técnicas e administrativas de um

passado colonial e o Império

grande Estado. Ouro Preto não

brasileiro, com uma função de

se mostrava preparada, em seus

transcendência da cidade-capital a

aspectos físicos, para tal projeto

um símbolo republicano.

modernizante.


33

O plano urbanístico desenvolvido

belo-horizontino. A racionalização

para Belo Horizonte orientou-se,

do projeto da nova cidade

primordialmente, em sua concepção,

atendeu, sobretudo, os interesses

por três diretrizes:

políticos das forças dominantes – a ideologia republicana tomou

1 Ordenação do espaço –

forma concreta, configurando-se

geométrico, no traçado,

como uma nova ordem também de

na hierarquização e na nomeação

natureza espacial. Belo Horizonte

das vias;

definiu-se na especificidade de uma cidade-administrativa pela

2 Controle do espaço – setorização

sua função de capital, tendo a

funcional e circulação, funções

responsabilidade de abrigar o poder

essenciais da cidade;

público que desempenharia um papel controlador, em relação a toda

3 Higiene ambiental – saneamento

região a ela legalmente submetida.

Inventou-se uma cidade-capital,

científico do espaço urbano.

onde a ordem política apresentarO conceito urbanístico para a

se-ia como uma ordem separada

nova capital do Estado incorporou

das bases sociais e econômicas.

atitudes, formas e uma defesa

A criação da cidade de Belo

funcionalista do protagonismo

Horizonte não foi simplesmente

humano através do método,

uma decisão linear e mecanicista do

da razão, dos meios tecnológicos e

emergente espírito modernista da

do valor social do espaço citadino.

sociedade, simplesmente pautado

Belo Horizonte traduziu e introduziu

na mobilidade e na descontinuidade

toda a vocação modernista do final

do seu tempo e espaço.

do século 19, anunciando o que se

Na formulação da nova capital,

concretizaria e particularizaria na

há que se considerar o processo

modernidade do século 20 – a arte,

histórico e a conjuntura política

a arquitetura e fundamentalmente

específica que não se fixaram em

o urbanismo.

fatos ocasionais. Sua construção representou uma profunda mudança

Entretanto, não foi apenas o

no plano material e no plano

urbanismo em seu espírito

imaginário, acarretando vários

utópico e sua postura científica no

desdobramentos, pois não significou

tratamento modernista da cidade,

um aparamento do passado, na

com intuito de planejar todas

vida individual, familiar ou de grupo,

as questões futuras de natureza

mas, pelo contrário, integrou-se ao

social, econômica e cultural, que

momento presente da época, com

fundamentou o tempo e o espaço

muita força, principalmente na vida


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36

de seus primeiros habitantes, todos

ideologia republicana para a

imigrantes.

Nova Capital que nos permite, hoje também, uma analogia da

Belo Horizonte, sob a condição de

espacialidade temporal do projeto,

cidade criada para a modernidade,

com três ordens da educação do

pressupunha prioritário o

Positivismo de Comte:

planejamento urbanístico e, consequentemente, uma legislação

• Ordem afetiva: a vontade,

que ordenasse e controlasse

o sentimento, o passado da

a apropriação do solo urbano.

Humanidade, enfim a natureza.

Os próprios edifícios estavam

O Espaço da ordem natural –

subordinados aos aspectos legais

espaço natural (o parque posição

urbanísticos. A imagem da cidade

central, dominação e nomes dos

particularizou-se e diferenciou-se

logradouros);

de outros centros, por exemplo, na relação orgânica entre o tecido

• Ordem especulativa: a razão,

urbano e o uso e a estética dos

a lei, a inteligência, o dogma,

edifícios. A legislação de uso e

o cívico, o presente da

ocupação do solo urbano de Belo

Humanidade, enfim o Estado.

Horizonte já era um fato desde 11 de

O espaço da estática social,

janeiro de 1895, quando se assinou

o espaço potencializado;

o Decreto n.º 853, criando o Plano

Praça da Liberdade

da Nova Capital, estabelecendo as diretrizes básicas para o seu projeto

• Ordem ativa: a atividade,

de urbanismo. A Planta Geral da

o progresso, o futuro da

Nova Capital, apresentada por

Humanidade, enfim a sociedade.

Aarão Reis, em 23 de março de 1895,

O espaço da dinâmica social,

estava toda parametrizada pelos

o espaço progressivo. Centro e

artigos do Decreto n.º 853, no qual

periferia.

se enfatizaram como características do Plano da Nova Capital,

Porém, é clara a situação

principalmente os aspectos da boa

de supremacia do espaço

circulação, da higiene, da beleza

potencializado – estado, sobre o

e do conforto. Este Plano propôs,

espaço natural – a natureza, e o

também, a divisão da cidade em três

espaço progressivo – a sociedade.

zonas – Urbana, Suburbana e Rural.

Isto se verifica na submissão do cidadão ao Estado, inclusive se

Aarão Reis, se por própria

observado que não existia o cidadão

determinação ou não, desenvolveu

natural belo-horizontino, este

um plano de representação da

também foi inventado, no princípio


37

forasteiro. Também é verificada outra

Belo Horizonte, uma cidade

submissão, a do desenvolvimento

planejada no tempo. “Fazer

da sociedade civil ao Estado, que

planos” é um meio de conquista

predeterminava a questão social na

da humanidade, inerente a ela, em

sofisticação ideológica, científica e

que um viés teleológico se impõe.

tecnológica da era industrial.

Nessa lógica de começo, meio e fim de um plano, podemos fazer

Em suma, conforme Prof. Rodrigo

indagações acerca do tempo de

Andrade, a Belo Horizonte de Aarão

efetivação do planejamento urbano

Reis é a corporificarão do desejo

original belo-horizontino. O que

de supremacia do Estado sobre

se observa desde seus primórdios

todos os segmentos da sociedade,

é uma situação contraditória na

que a euforia da Proclamação da

formação do território urbano, pois

República enseja e que se baseia

há uma Belo Horizonte idealizada e

na confiança, por parte de grupos

edificada no tempo projetado pela

tradicionais no poder, de sua

perspectiva modernista, circunscrita

gerência permanente.

pela Avenida do Contorno – a área urbana do plano original, cuja

A cidade de Belo Horizonte foi

transposição só se daria no ano

fundada em 12 de dezembro de 1897,

2000. Mas, concomitantemente,

esta é a sua materialidade jurídica,

há outra Belo Horizonte construída

sua data cívica que a constitui em

no contingenciamento socioespacial

um fato histórico localizado num

de um tempo imediato, não

tempo estático. Belo horizonte

projetado – a periferia urbana:

na sua concepção modernista

bairros informais, inclusive a primeira

apresenta sua realidade de cidade,

favela, Pedreira Prado Lopes, e a

uma espacialidade urbana projetada

especulação imobiliária da área

no tempo empriricizado. Tempo da

central. Belo Horizonte apresenta

dinâmica da moralidade republicana.

então em sua origem uma realidade

Tempo de ruptura com o tempo da

a partir de uma relação cultural

moralidade do Império Brasileiro.

ambivalente e complexa de tempo e

É esta dimensão temporal que na

espaço. Assim, Belo Horizonte difere

sua dinâmica aponta uma nova

dos demais centros por apresentar

direção para a evolução histórica do

um planejamento inicial que

Brasil, como também se apresenta

procurou informar uma realidade

como o tempo futuro de uma

que a levasse a uma pretensa

nova sociedade de perspectiva

perfeição urbana que encontrasse a

modernista. Belo Horizonte tem a

mais justa adequação - tudo métrica

idade das idéias republicanas.

e rima modernista. Mas a vida é real

A idade do tempo não linear.

e de viés, e hoje BH revela na sua


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paisagem urbana a realidade das

Por fim, se analisarmos Belo

grandes cidades brasileiras que não

Horizonte pelo ideário republicano

pode ser observada e planejada

e as ordens positivistas que

pela dicotomia da formalidade e da

determinaram sua experiência

informalidade legal de seu espaço-

temporo-espacial de cidade,

tempo, pois sua realidade esta na

teremos:

contradição orgânica da periferia e centralidades.

• ESPAÇO NATURAL:

uma paisagem urbana consumida

Nosso maior problema é que

– desaparecimento do Rio

perdemos a proposição de projetar

Arrudas e a ocasional imagem

uma sociedade melhor do que

urbana da Serra do Curral;

somos. Eis a questão. Nossos planos diretores, planejamento e

• ESPAÇO POTENCIALIZADO:

projetos urbanos pressupõem um

o permanente Poder do

entendimento de cidade esfacelada

Estado - linha verde e a nova

em sua realidade, pois dividem o

sede administrativa

objeto em espaço formal e espaço informal e operam apenas no

• ESPAÇO PROGRESSIVO:

primeiro. Sendo, talvez, necessário

uma conurbação descontrolada –

resgatarmos o sentimento de cidade

30 municípios compõe a RMBH

e não mais o que entendemos dela até agora, e operarmos e

Enfim, Belo Horizonte – uma

planejarmos o espaço urbano

desconstrução de uma cidade

pela unidade de sua realidade no

planejada. Uma criação errante.

paradoxo e totalidade dos termos centro-periferias.

COELHO NETTO, 1995. p.20.

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Na MELODIA da VIDA Marta Neves 1

Falar de atividades culturais e

de suas utilidades ao longo do

especificamente artísticas de um

tempo: função ritual na Pré-História,

evento cujo foco é a periferia tem

formação de uma consciência cívica

um gosto especial. Em comparação

na Grécia Antiga, propaganda

com as grandes discussões, os

política para os imperadores

grandes temas universais – violência,

romanos, instrumento de instrução

desigualdade social, preconceito,

religiosa na Idade Média, registro da

doenças incuráveis, aborto, política,

realidade no Renascimento, signo

fé, bioética, ecologia e tantos

de status social elevado em todas

outros – a própria arte pode parecer

as épocas e até absoluta falta de

assunto periférico. Não raramente

função na modernidade – como uma

associada à mera ornamentação da

espécie de crítica ao utilitarismo do

vida cotidiana ou ao resultado da

mundo industrializado.

loucura de uns tantos indivíduos bizarros, a arte recebe um sorrisinho,

Mas, para além dessas e de muitas

entre condescendente e de desdém,

outras finalidades da arte ao

de muita gente, mesmo dentro da

longo da história, sempre existiu

comunidade acadêmica.

e existe algo a mais, talvez aquele elemento “eterno” a que o poeta

Nesse ponto vale a pena relembrar

Charles Baudelaire se referia ao

a velha pergunta: qual a função da

comentar a beleza e a arte na vida

arte, afinal?

moderna. É algo difícil de medir e de definir, um elemento que se renova

Bem, para quem deixa de lado a

conforme o momento, mas que está

associação entre a vida prática

continuamente presente no homem.

e a arte, basta lembrar algumas

Há algo em nós que faz ecoar a

Professora da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2861637905717664

1


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fala dos Titãs: “a gente não quer

à PUC Minas no São Gabriel – era

só comida / a gente quer bebida /

impossível não se contagiar com

diversão, balé”...

o samba requintado de artistas do Centro Mineiro.

E é essa estranha necessidade de alguma coisa além do mundo

Aliás, talvez uma das funções

do trabalho, da sobrevivência, da

atuais da arte seja mesmo a

ciência, das (des)crenças, das uniões

do “contágio”. Se a atividade

amorosas - e por que não dizer do

artística é uma estranha forma de

“desnecessário” - que nos liga a

comunicação (que prevê ruídos,

todos, independentemente de sexo,

desvios, que foge deliberadamente

idade, classe social e lugar onde

da lógica e da objetividade em

moramos. Nesse aspecto, a arte é

suas mensagens), ela funciona,

semelhante à morte: estamos todos

por outro lado, como elemento

condenados a ambas.

aglutinador de corpos e espíritos de um poder comunicativo invejável.

Mas é à vida que a arte dá novo

Foi a verdadeira experiência do

sentido. Apesar das condições

“contágio” que fez se juntarem,

adversas, da carência de recursos

um a um, alunos, funcionários,

ou das improvisações eventuais,

professores, interessados, até que

foi na busca dessa força vital que

se formasse uma verdadeira arena

se organizou há anos o Centro

de curiosos em torno do Duelo de

Mineiro de Cultura do Bairro São

MC’s, também ocorrido na Semana.

Paulo, vizinho aqui da PUC Minas no

No “coliseu” formado na entrada da

São Gabriel. Várias apresentações

PUC Minas no São Gabriel, na Rua

artísticas na IV Semana de Ciência,

Walter Ianni, todos queriam ver o

Arte e Política (SCAP) são fruto de

“duelo de leões”. Quem não gosta de

parcerias com o Centro. Nascido

uma boa briga? Deliciosamente, no

de um grupo de excelentes

entanto, a violência aqui converte-

sambistas, o conhecido “Curral do

se em atitude estética, na força

Samba” promove hoje uma série

da troca não de agressões físicas,

de atividades culturais, envolvendo

mas de palavras de uma poesia

gravações e divulgação de talentos

que lembra a dos repentistas

musicais diversos, incluindo

nordestinos. Assim como Walter

orquestra de flautas e grupo de

Benjamin falava de um certo

violeiros que se apresentaram na IV

“inconsciente ótico”, liberado pelo

SCAP. No sábado final da Semana,

cinema, especialmente nas situações

no circuito Bim&Now – trocadilho

violentas dos desenhos animados,

bem-humorado com a Bienal de São

que satisfazem e substituem nossas

Paulo e o Bar Itaobim, em frente

pulsões destrutivas mais íntimas,


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parece que os MC’s liberam nossos

Samba, rap, soul – tudo isso parece

instintos violentos, transformando-

apontar para escolhas do que

os, entretanto, em poesia.

seriam manifestações típicas de grupos “periféricos”, oriundos de

E é essa a grande história do

guetos e de conjuntos de pessoas

rap, afinal: a possibilidade de

socialmente excluídas. Mas a

transformação da vida, a inversão

abordagem do conceito de periferia

das situações de agressão e

em nosso circuito cultural na SCAP

humilhação, a passagem do horror

não foi bem por aí. Como disse

ao orgulho (como acontece com

anteriormente, a arte é uma espécie

a palavra “funk”, derivada de um

de necessidade de todos – o que

dialeto africano e originalmente, na

já é um princípio de desconstrução

língua inglesa, associada ao suor de

de fronteiras entre periferia e

medo dos escravos; posteriormente,

centro, e entre popular e erudito.

como lembra o filósofo Richard

A sofisticação das atividades até

Shusterman, o termo foi convertido

aqui mencionadas é paralela à

em elogio e numa espécie de “suor

complexidade da chamada “grande

positivo”, que nos remete à música e

arte”. Mesmo em manifestações

à dança).

mais discretas (porque de curtíssima duração e com estrutura bem

Falei de necessidade, de contágio

mais modesta), como a do ator-

e de transformação. No dia da

cantor-inventor José Francisco,

apresentação de um dos grupos

pudemos ver o diálogo entre as

de dançarinos do Quarteirão do

marchinhas populares de Carnaval e

Soul de Belo Horizonte, na IV SCAP,

as performances artísticas nascidas

uma chuva forte impediu que seu

no seio da chamada cultura de

espetáculo fosse ao ar livre. A

elite. Ou, ainda, no exemplo das

solução foi a transferência para o

intervenções no muro da PUC

foyer do Teatro da PUC Minas no

Minas no São Gabriel, em frente ao

São Gabriel. Com o chão mais liso e

Anel Rodoviário, onde uma mistura

os espectadores mais próximos, os

eclética de referências (grafite,

artistas, com seus sapatos lustrados

assemblage e até ritos funerários

e suas roupas de luxo, deslizaram

envolvendo pintura em animais

macio como príncipes negros.

acidentados no trânsito caótico do

Invejados por sua nobreza, fizeram

Anel) reflete, sem qualquer ranço

parceiros, meio desajeitados, é fato,

academicista, as mais profundas

entre os espectadores ávidos por se

reflexões filosóficas sobre o

contagiarem do suor regenerador da

caráter multifacetado da arte

música soul.

contemporânea.


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Mais ainda: vale lembrar aqui, como

não é incompatível com a alegria.

queria Oswald de Andrade, que “a

E, claro, não se pode esquecer o

alegria é a prova dos nove” – o que

coroamento de toda essa celebração

foi também um marco na SCAP de

da vida pela generosidade de nosso

2012. Intervenções artísticas em

Profeta Gentileza de Belo Horizonte,

meio ao tumulto dos carros, nos

a artista plástica Thereza Portes,

horários de maior movimento na

que montou uma gigantesca mesa

Unidade São Gabriel, “perturbando”

de café da manhã em plena rua, nos

o mau humor dos motoristas, as

moldes do que acontece sempre

belas fotografias expostas na galeria

na Rua Padre Belchior, no centro

LabSG, a ludicidade das imagens

de Belo Horizonte, em frente ao

projetadas nas paredes dos prédios

Instituto Undió, por ela coordenado.

pelo Laboratório de Vídeo em sua mostra de 10 anos, a divertida

Mas um café da manhã é uma

aparição de um conjunto de surfistas

atividade artística? Não importa:

no mar imaginário da rua asfaltada,

a própria vida já não se separa da

o lançamento do vídeo A Cidade

arte, como não se devem separar

dos Palhaços (cujo tom melancólico

periferia e centro. Afinal, viver

não esconde, por outro lado,

(ou sambar), como dizia Noel Rosa,

a oportunidade do riso), tudo isso

“é chorar de alegria / é sorrir de

garantiu, mais uma vez, que a arte

nostalgia / dentro da melodia”.

Em referência ao paulista José Datino que se tornou conhecido nos anos de 1980 pelas suas inscrições em viadutos, calçadas e ruas do Rio de Janeiro. “Gentileza gera gentileza” era sua frase mais conhecida.

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O CONSTRANGIMENTO do RISO Tiago Max1

A imagem de dois palhaços

para a história, fui descobrindo um

posicionados um em frente ao

pouco sobre a função do palhaço

outro, um de joelhos, o outro em pé

e o quanto é antiga; logo alguns

com uma arma pronta a disparar,

personagens ganharam nomes e

certo suspense e logo o truque

personalidades, alguns extraídos da

onomatopeico trata de quebrar

Commedia dell’arte, outros vieram

o ritmo, mas não traz a graça

de contos que fui coletando e, assim,

para o qual foi destinado, só um

a ideia de trazer aquele personagem

desconforto.

típico – o palhaço - e colocá-lo em uma situação inesperada a sua

A ideia para o filme2 surgiu desta

essência foi se expandindo. Logo

cena há cerca de três anos.

surge Policarpo, que recebe o nome

Transformar os pensamentos em

em homenagem ao personagem

imagem me pareceu um grande

de Lima Barreto, mas possui a

desafio, pois precisaria modelar toda

personalidade de um pierrô e, para

uma cidade fictícia, mas à medida

tanto, busca a sua colombina.

que descobria mais sobre aqueles personagens, uma ânsia de ver a

Um palhaço é destinado a levar

história acontecer fez com que eu

alegria, contudo parecemos não

iniciasse um conto. Ali surgiram a

nos importar com a maneira com

marchinha e alguns truques textuais

que ele lida com os seus próprios

como “a piada mais engraçada do

sentimentos. Inicialmente, pensei

mundo”, que aparece no início tanto

em análogos de Pagliacci, aquele

do texto quanto do filme e, ao fim,

que esconde sua tristeza para

será recordada pelo espectador

trazer felicidade aos outros, mas

mais atento. A partir da pesquisa

logo vi que ali se tratava de seres

Jornalista formado pela PUC Minas no São Gabriel em 2012. Roteirista, diretor e produtor do curta metragem “Cidade dos Palhaços”.

1

O curta metragem “Cidade dos Palhaços” foi apresentado no encerramento da IV SCAP.

2


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que não conseguiam mais exercer

A presença da artista visual e

essa função, o sorriso pintado

professora Marta Neves, no filme,

não condizia com o olhar que eles

foi uma surpresa para todos os

apresentavam, eles haviam desistido.

envolvidos. O convite para atuar foi aceito por ela, com a condição

A crítica social não estava planejada

de que seu personagem fosse

e, se aparece como personagem

masculino, seguido por outro

diegético, é porque é impossível

pedido, que era o de poder criar seu

não pensar nos papéis e funções

figurino. Conhecendo o seu trabalho,

sociais que somos obrigados a

não havia porque recusar; foi um

desempenhar, se tratamos de nos

presente para nós que ela aceitasse

tornar exceção, somos postos de

se tornar o Delegado Matamoros.

lado, esquecidos, tal como os seres

Porém, no primeiro dia em que

abandonados naquela cidade.

filmamos com ela veio o choque: Marta se apresentou de vestido,

Com o texto pronto, comecei a

salto alto e barba. Aquilo não era

pensar na adaptação junto com

nem de perto o que imaginávamos,

os outros dois diretores, Rafaela

mas ao mesmo tempo era um

Rodrigues e Daniel Chico. Devido

espetáculo. Com sua habitual

ao prazo para concluir tudo,

desconstrução, ela conseguiu trazer

optamos, em um acesso de egoísmo

um aroma do próprio teatro, onde

e desespero, por interpretar os

homens e mulheres se revezam em

personagens principais e, assim, três

papéis de gêneros opostos, e, ao

completos inexperientes em atuação

mesmo tempo, recuperou a essência

deram vida a Policarpo, Colombina

do circo que havíamos perdido

e Doutor Asclepíades. Com os 10

ao transportar aqueles seres para

anos do LabSG, pensamos em fazer

outro local. Buscamos referências

uma homenagem, já que antes de

em Chaplin, na literatura de cordel e

ser um curta aquele era um Projeto

em tantos outros lugares que quase

Nonada , e entendemos que ali

corremos o risco de perder o básico:

estava o elenco de apoio. Técnicos,

o circo.

monitores e coordenação, todos se prontificaram a pintar seus rostos

A presença de Matamoros recupera

e por o nariz vermelho, dando vida

o humor e funciona estranhamente

aos mais diversos tipos, do clássico

bem em um filme em que o drama

saltimbanco ao contemporâneo

e a melancolia imperam. Estranho

“palhaço hipster” e, aos poucos,

também é perceber como a graça

os laboratórios de vídeo, áudio e

causa desconforto. Sempre que uma

fotografia se transformaram na

piada, contada ou demonstrada

Cidade dos Palhaços.

visualmente, surge, o efeito acaba


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sendo o oposto: sentimos vergonha,

O cenário passou a não existir,

pois estamos rindo deles e não com

a não ser na mente do próprio

eles. No circo não há problema,

espectador. Naquele fundo preto há

porque ali o palhaço se resigna a

prédios e objetos que se refazem

isso, mas lembremos de que naquela

a cada nova sessão, de acordo

cidade são todos desistentes de sua

com o entendimento de cada

função.

um. Buscamos o palhaço, um dos grandes representantes da arte

No fim, o tempo e os poucos

cênica, passeamos pelo cordel e

recursos de que dispúnhamos para

circo, fomos ao encontro do vídeo

elaborar a Cidade dos Palhaços

e voltamos ao teatro.

acabaram sendo nossos grandes

Um trabalho complicado,

aliados, pois nos fez encontrar

em que todo o apoio da equipe da

esse âmago teatral. Assim, o

Universidade, representado

estúdio do laboratório de vídeo,

por técnicos, monitores, professores

um porão e um galpão serviram de

e amigos, foi mais do que

palco improvisado, captado pelas

importante.

lentes como uma peça filmada.

Projeto desenvolvido pelo VideolabSG que consiste na produção anual de um curta metragem por alunos com a orientação, supervisão e recursos técnicos do Laboratório de Vídeo da PUC Minas no São Gabriel.

1

O objetivo do projeto é incentivar a produção e a reflexão sobre o fazer audiovisual na Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas.

Disponível em http://vimeo.com/album/1719633


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CÉU, HOMEM, TERRA e a INSTITUIÇÃO 1

Daniela Maura2

Muito sol. Sol. Chuvisco.

cinza. Recebe.

Trabalho com prazos.

Obriga ao plano detalhe.

Muito vento, daqueles que movem

Multiplica-se. Traz velocidade para

nuvens, daqueles que movem lixo.

caminhada ao mesmo tempo em

Vento daqueles que te fazem comer

que alonga o caminho.

poeira. Seleciona.

Espera o taxi mais de uma hora.

Vento do céu e da velocidade de

Tempo subjetivo, apesar do esforço

caminhões e ônibus.

para contar o tempo no relógio.

Espera ônibus, pensa muito.

Papel higiênico vira nuvem nessa

Tem seu tempo: das estações,

hora. É ótimo para desenhos de

da ruptura delas. Censura.

perspectiva renascentista.

Tempo do estrondo do monumental.

Preocupa-se com a imagem.

Exige listas detalhadas.

Responde por si mesmo. Gera lixo.

Acolhe a diversidade. Contrata.

Visto do céu é uma linha.

Tempo de movimento. Age sobre

Pode ser página. Exige assinaturas.

o homem em seu espaço, corpo e

Mudanças lentas. Esforça-se para

pensamento. Faz as próprias cores,

pensar seu papel. Ordena. É sólido.

luz. Infinito. Teme.

Serve como pigmento, sua cor é

Pede favores. Ruídos. Come.

matéria. Tempo cíclico. Acolhimento.

Segmenta-se para dar conta de

Tem brechas. Afeito a assepsia.

todas suas funções. Legitima e se faz

Convive. Se esforça para reter sua

legitimar. Será isso um jogo?

memória porque isso a legitima.

O chão é um plano. Caçoa. Muros

Documenta, registra. Lugar de onde

são planos que brotam do chão

vem um sujeito. Apta para o cultivo.

e separam, protegem, segregam.

Aceita o imprevisto.

São muito úteis para garantir

Custa dinheiro. Divulga. Tem lente

propriedade, privacidade, proteção e

própria para ver o mundo. Risca.


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Dois tempos marcados: quando

Adapta-se às mudanças com

precisa de algo acelera o tempo,

agilidade. Precisa de água.

quando responde a pedidos estende

Improviso. Na boca e nos olhos.

o tempo. Sente. Gasta e deve lucrar

Afeto. Inapto para muros.

mais. Cria imagens. Compete.

Importa-se com dinheiro. Lucra.

Alegra-se, angustia-se. Tem memória

Gasta. Será isso um jogo? Tem trato.

de onde veio e vive, identidade.

Se organiza em grupo,

Deslocamento é uma questão.

cria regras, normas, lista interesses

Agradece. Precisa de transporte para

e funda instituições.

grandes deslocamentos.

Azul, com poucas nuvens.

Dirige carros, caminhões.

Tem dobras. Articula-se.

Chapiscado, fere. Sorri. Por vezes

Habitua-se a vários espaços.

atropela animais andarilhos. Carniça.

Transforma os espaços. Dialoga.

Desvia das carniças. Lembra-se da

Escolhe suas cores e cria identidade.

morte. Beija. Contém em si uma série

Incomoda-se. É gentil.

de labirintos, percorridos por papéis.

Coloca-se no lugar do outro.

Usa ferramentas, instrumentos,

Lista condutas. Lista prioridades.

materiais. Age sobre a matéria.

Respira. Investe. Cresce.

Trabalha. Constrói sua memória.

Sai do lugar. Seduz. Exclui, inclui.

Despede.

Será isso um jogo? Convida.

“Projeto Canteiro - A casa, o corpo e as imagens no espaço urbano”, realizado de 17 a 22 de setembro de 2012, no espaço do muro que divide a PUC Minas no São Gabriel com o Anel Rodoviário. A ação foi coordenada por Dagson Silva e Daniela Maura com a participação de Rafael Perpétuo, Raison Lucas, Gabriel Nast, Marcelo Dolabella e Wagner Fear, artistas plásticos atuantes no Projeto Arena da Cultura da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.

1

2

Artista Plástica. Mestre em Artes Visuais, pela Universidade Estadual de Campinas, 2006.


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SCAP:

um DIÁLOGO da UNIVERSIDADE com os ARTISTAS da PERIFERIA Ana Senra1 É preciso sugar da arte um novo tipo de artista: o artista-cidadão. Aquele que na sua arte não revoluciona o mundo, mas também não compactua com a mediocridade que imbeciliza um povo desprovido de oportunidades2.

Não importa o lugar, o que importa

vielas e becos da periferia.

é criar... Talvez fosse essa a fala dos artistas da periferia para entoar um

“Dos becos e vielas há de vir a voz

diálogo com a Universidade...

que grita contra o silêncio que nos pune. Eis que surge das ladeiras um

Mesmo (muitas vezes) sem conhecer

povo lindo e inteligente galopando

a dimensão da Universidade e seu

contra o passado.

potencial para ser mais que um

A favor de um futuro limpo,

lugar ou um muro, esses artistas

para todos os brasileiros3.”

vieram e estão aí, demonstrando que vêm, com força, para mostrar que a

Para além do paradoxo, voz em

periferia é um lugar fértil e plural em

espiral, a periferia no centro:

manifestações culturais e talentos de

dos 500 mil moradores de vilas e

rappers, breakers, grafiteiros e outras

aglomerados de Belo Horizonte,

galeras. E para trazer as linguagens e

pelo menos 7 mil estão envolvidos

valores de sua arte, de sua música e

em atividades culturais e das

de sua poesia, dando viabilidade às

226 favelas da capital,

expressões próprias e singulares que

740 grupos produzem arte4.

estão se produzindo nas ruas,


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A essa voz a SCAP não se fez

A importância desse ato fez-se

de rogada, fez-se porta-voz

escutar em suas ressonâncias

da Universidade e sustentou

nas palavras de alunos da Escola

o diálogo. Diálogo que, havia

Oswaldo França Jr5, suas professoras

muito, a comunidade do entorno

e suas mães, nos comentários dos

pacientemente acalentava. Um

participantes do PUC Mais Idade

diálogo com uma Universidade que

e, principalmente, nas vozes dos

além da ciência clamasse por arte

alunos extensionistas que agora

e cultura, que verdadeiramente se

fazem coro com os artistas–

propusesse Universidade para a

cidadãos, abandonando o lugar

diversidade. Comprometida com a

de “privilegiados pela frequência à

liberdade de opção, com a crítica e

Universidade de rico”.

com a responsabilidade que nascem

Esses testemunhos eu escutei.

da múltipla escolha!

E por isso busco transmitir e refletir a importância dessa SCAP 2012

A abertura dos portões e a

(pela qual parabenizo, muito,

disponibilização dos muros

seus idealizadores e organizadores).

foram a prova na qual a SCAP logrou melhores condições para

Mas é bom lembrar que todo ato –

potencializar as possibilidades

e seus efeitos- cria responsabilidade.

que a PUC-São Gabriel vinha

Essa palavra originária do latim,

sustentando por meio de suas ações

responsus, particípio passado de

extensionistas, de re-conhecer que

respondere, implica responder, e

a periferia vive hoje uma realidade

com habilidade... A habilidade em

diferente de décadas anteriores e

causa requer, me parece, escapar

que sua gente não quer só comida

ao espanto primeiro frente à

que minimize suas dificuldades,

capacidade de produção das gentes

quer diversão e arte, que maximize

da periferia e ir além, trazer ao

suas potencialidades para escapar

diálogo com os artistas-cidadãos as

ao silêncio.

contribuições que a Estética pode aprimorar e trazer ao “batuque que nasce na cozinha ... à poesia periférica que brota na porta do bar, ao teatro que não vem do “ter ou não ter..., ao cinema real que transmite ilusão, às Artes Plásticas, que, de concreto, querem substituir os barracos de madeira, à Dança que desafoga no lago dos cisnes, à Música que não embala os adormecidos, à Literatura das ruas despertando nas calçadas6”


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e à violenta banalização do sexo e à

Respondendo assim, a Universidade

fragmentação dos corpos nas letras

sustentará seu lugar – e seu talento

dos funks...

extensionista -, de Universidade para a diversidade, ou seja, uma Universidade ao lado da comunidade e “Contra a arte domingueira que defeca em nossa sala e nos hipnotiza no colo da poltrona. Contra a barbárie que é a falta de bibliotecas, cinemas, museus, teatros e espaços para o acesso à produção cultural. Contra reis e rainhas do castelo globalizado e quadril avantajado. Contra o capital que ignora o interior a favor do exterior7”

Respondendo assim, a Universidade cantaria junto ao microfone: “Miami pra eles? Me ame pra nós!8”

Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1998). É psicanalista com experiência clínica com crianças, adolescentes e adultos. É consultora em Educação Inclusiva pela perspectiva da Psicanálise. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6196061521400418

1

2

Poeta Sérgio Vaz. Manifesto da Antropofagia periférica. Disponível em http://revistaraiz.uol.com.br/portal/index.php?option=com_ content&task=view&id=762&Itemid=190. Acesso: 05/02/2013 Manifesto da Antropofagia periférica. Disponível em http://revistaraiz.uol.com.br/ portal/index.php?option=com_content&task=view&id=762&Itemid=190. Acesso: 05/02/2013

3

Disponível : http://www.favelaeissoai.com.br/guiacultural.php. Acesso: 05/02/2013

4

Escola Municipal Oswaldo França Junior. No ano de 2012, Ana Senra coordenou o projeto de extensão “Ações Inclusivas na Escola Oswaldo França Jr” e o projeto de extensão “PUC Mais Idade” da Unidade São Gabriel.

5

6

Manifesto da Antropofagia periférica

Manifesto da Antropofagia periférica

7

Manifesto da Antropofagia periférica

8


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A PASTORAL e o ESTÍMULO a CRIATIVIDADE Frei Mário da Paixão Taurinho1 Frei Oswaldo Rezende Júnior1 Irmã Marina Estevam de Jesus1

Quando, logo no início das

bairros, esparramando-se ao longo

atividades da Unidade São Gabriel,

do traçado do que deveria ser uma

o então arcebispo de Belo Horizonte

linha de trem, um entre tantos

e Grão Mestre da PUC Minas,

projetos faraônicos nascidos das

o cardeal D. Serafim Fernandes

miragens do “milagre econômico” do

de Araujo, convidou os frades

tempo da ditadura militar. O terreno,

dominicanos para nela encetarem

aplainado para receber os trilhos

um projeto piloto de Pastoral

da estrada férrea e abandonado,

Universitária, já se sabia de antemão

foi logo ocupado por sem-tetos,

os desafios que essa missão

que lá viviam sem direito algum.

comportava. A nova Unidade,

Oficialmente, a população que vivia

ainda com poucos cursos, poucos

na Beira-Linha simplesmente não

alunos e pouco espaço, estava

existia.

instalada numa área bastante carente. E quase encostada a ela,

Ao se instalar na unidade São

atravessando vários bairros do seu

Gabriel em 2002, a primeira

entorno, encravava-se, serpenteando

preocupação da Pastoral foi a de

entre os bairros São Gabriel e Paulo

levar estudantes e professores a se

VI, a favela Beira-Linha.

preocuparem com o seu entorno.

Uma favela diferente, que não

Quem quer pregar e viver a verdade,

ocupava um espaço homogêneo

antes de tudo tem que ser verídico.

nem constituía uma única

Dai nasceu o Projeto – depois

comunidade, mas atravessava vários

Programa Beira-Linha, fruto de uma

1

Ordem dos Pregadores


80

estreita colaboração entre a Pastoral

O grande problema era – e é – a

e a Coordenação de Extensão da

renda dessa população. É claro que

unidade São Gabriel. Todos os

mesmo com a máxima boa vontade

cursos foram convidados a participar

era impossível à PUC Minas dar uma

ativamente do empreendimento,

solução satisfatória a esse problema,

numa sinergia de esforços

que depende essencialmente de

propriamente interdisciplinar.

políticas públicas. Mas mesmo assim

E o projeto foi crescendo e se

havia algo que podíamos fazer: era

amplificando à medida que a

o incentivo à criatividade para que

própria unidade São Gabriel via seus

fossem capazes de procurar por

cursos e o número de seus alunos

eles mesmos os meios de geração

crescerem e se multiplicarem.

de renda. Cursos nesse propósito foram oferecidos às pessoas

O primeiro foco do Projeto foi o

da Beira-Linha; com os planos

público jovem. Era uma questão

assistenciais, ajudados pela situação

de urgência: parecia evidente que

macroeconômica, houve mudanças

o desenvolvimento urbanístico

contínuas e importantes nesse

de Belo Horizonte teria como

campo nos últimos dez anos.

vetor os eixos conduzindo às suas regiões norte e nordeste. Se os

A periferia foi-se inserindo cada

níveis de criminalidade nessas

vez mais no sistema econômico da

áreas eram muito elevados, o crime

cidade. E o que se verificou por toda

propriamente organizado ainda não

parte tornou-se também visível no

se achava presente. Havia drogas,

entorno da Unidade São Gabriel.

mas eram pobres vendendo-as para

Uma nova consciência emergiu: de

pobres. Mas, se não fossem tomadas

agentes passivos da economia e do

medidas educativas preventivas, ele

mercado, os moradores da periferia

logo se instalaria, pois aquilo que

se sentem hoje, cada vez mais,

constitui sua razão de ser estava

agentes participativos e dinâmicos,

chegando: a boa e rica freguesia que

não apenas como consumidores,

o alimenta financeiramente em toda

mas como produtores.

impunidade. Essa urgência justificava a escolha dos jovens como alvos

Assim, a IV Semana de Ciência,

número um do projeto.

Arte e Política (SCAP) da unidade São Gabriel da PUC Minas, tendo

Mas e os adultos? Aqueles que

como foco a emergência da periferia

foram enxotados, empurrados e

como elemento dinâmico no

jogados à beira daquilo que deveria

desenvolvimento global da cidade,

ter sido uma estrada de ferro e que

não podia deixar de lado o seu

nem mesmo constava do mapa?

“periférico” entorno, com o qual,


81

enquanto instituição universitária,

criatividade de pessoas e grupos

ela colaborou no sentido do seu

que se lançam corajosamente no

desenvolvimento humano. Pessoas

mercado, a Feira era a exposição

e grupos exercendo atividades que

viva de assuntos tratados nas

geram renda foram convidados a

inúmeras palestras, oficinas e

expor e vender seus produtos numa

minicursos, ilustrando com sua

feira organizada dentro da unidade

presença uma das principais linhas

São Gabriel, não como um apêndice

de força da periferia: sua emergência

à SCAP, mas como parte integrante

no espaço urbano não apenas

do conjunto de atividades previstas

como consumidores, mas também

para este ano.

como protagonistas no mercado que deixou de ser um determinado

Vinte barracas foram montadas

espaço para se constituir numa

bem no centro da Unidade, nas

vasta rede, um território novo,

quais os participantes da Semana

ao mesmo tempo físico e virtual,

podiam encontrar artesanato,

abrindo novas possibilidades aos

vestuário e produtos alimentícios

que não temem entrar com arrojo no

para consumo imediato. Além

empreendorismo.

de um estímulo às iniciativas e à


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INCLUSÃO DIGITAL e o EXERCÍCIO da CIDADANIA Soraia Lúcia da Silva1

INCLUSÃO DIGITAL: Por que e

de redes e grupos, podendo gerar

Para Quem? Esse foi o tema

desigualdades e segregações, além

escolhido pelos colegiados dos

de abrir portas para a exclusão,

cursos de Sistemas de Informação,

para a perda da identidade, para

Engenharia de Computação e

a desintegração, dificultando a

Tecnologia em Jogos Digitais da

sustentação da cidadania a todos

PUC Minas no São Gabriel para as

os indivíduos. Uma das formas de

atividades da área de Tecnologia da

exclusão social que merece atenção

Informação (TI) na IV Semana de

das autoridades é a exclusão

Ciência, Arte e Política (SCAP) que

digital que afeta negativamente a

teve como tema geral “Territórios

vida em sociedade, pois coloca o

Rede: as linhas de força da periferia”.

excluído em desvantagem, causando interferências em vários campos de

Podemos começar esta reflexão

sua vida, o que fere a construção

nos estendendo um pouco sobre

de uma cultura baseada em direitos

a palavra “territórios”. O território

humanos, condição de extrema

é basicamente edificado por

importância em todos os espaços

relações sociais, sejam essas de

sociais.

poder ou não. Uma vez definido, o território motiva raízes e

A temática da inclusão digital é de

identidade sociocultural, o que

grande interesse social e econômico,

normalmente leva a um sentimento

uma necessidade inerente deste

de pertencimento e também à

século, que vem sendo expressa

criação de alguma liderança. Como

como pilar básico para promover a

conseqüência, tem-se o surgimento

cidadania, garantindo que indivíduos


86

fruam do exercício dos direitos

fundamental para o exercício da

sociais. Com isso, é de direito,

cidadania na contemporaneidade.

e ético, oferecer essa possibilidade a todos.

Para a realização das atividades de TI na IV SCAP, contou-se com a

Considerando que estamos vivendo

parceria da Prodabel2, por meio do

em uma sociedade informacional,

Programa BH Digital, que foi criado

caracterizada pela integração e

em 2005 e possibilita a inclusão

interligação, as tecnologias da

social dos cidadãos excluídos

informação possibilitam ampliar

digitalmente.

oportunidades, mas podem também

A Prodabel disponibilizou a sua

causar diferenças e exclusão.

“Unidade Móvel de Inclusão

Incluir digitalmente não significa

Digital” (UMID), que possui duas

apenas prover a infraestrutura de

salas de aula equipadas com sete

acesso à internet. É também um

microcomputadores interligados

trabalho de orientação que deve

e conectados à internet e dois

preparar e motivar os usuários para

televisores. O objetivo dessa unidade

o uso dessas novas tecnologias,

é circular pelos bairros de Belo

permitindo-lhes usufruir desse

Horizonte oferecendo cursos de

suporte para melhorar as condições

informática básica e disponibilizar o

de vida e a qualificação profissional,

acesso à rede mundial.

entre outros benefícios que a tecnologia traz.

Nessa unidade móvel, executou-se a primeira oficina de “Construção de

Desse modo, o projeto dos cursos

Jogos Digitais em 2D”, coordenada

de TI para a IV SCAP teve como

pelo professor Romanelli Lodron

objetivo geral resgatar o papel

Zuim, do colegiado do curso de

desempenhado pela TI como canal

Engenharia de Computação.

para promoção do desenvolvimento

A oficina mostrou aos participantes

da periferia e sua inserção no

alguns fundamentos lógicos para

mundo conectado, além de

a construção de jogos digitais em

ferramenta catalisadora das novas

duas dimensões. A utilização da

manifestações que advêm dessa

ferramenta propicia a criação de

nova cibercultura.

jogos de maneira rápida e fácil, não

A intenção foi colocar em prática a

apenas para fins de entretenimento,

inclusão social por meio da inclusão

mas também para fins didáticos e

digital realizando ações específicas

publicitários. A oficina foi destinada

que incrementassem o acesso às

à comunidade em geral.

novas Tecnologias da Informação

O público presente era eclético:

e Comunicação (TICs), um critério

desde crianças e adolescentes até


87

alunos da área de TI da unidade

coordenada pela profa. Andreza

São Gabriel. O único pré-requisito

Nazareth, cujo objetivo principal foi

foi o conhecimento básico de

utilizar as peças não aproveitadas na

manipulação do sistema operacional

oficina de “Recondicionamento de

Windows com teclado e mouse.

Computadores” para organizar uma

Nove monitores voluntários, alunos

“Oficina de Arte com Lixo Digital”.

do curso de Tecnologia em Jogos Digitais, deram as oficinas que

A quarta oficina foi a de

durou 2 horas e atendeu cerca de

“Robótica Educacional”, sob a

50 pessoas. Todos concluíram a

responsabilidade do prof. Alexandre

oficina com a elaboração de um ou

Teixeira, coordenador do curso de

mais jogos e demonstraram grande

Engenharia de Computação.

satisfação pelos resultados obtidos.

O objetivo foi apresentar aos alunos

Foi-lhes oferecido um CD com os

de escolas do entorno da PUC

jogos que eles mesmos elaboraram

Minas no São Gabriel conceitos de

juntamente com a ferramenta de

computação aplicada à robótica,

criação para que possam criar

montagem de um robô e gerência

outros.

de projetos, utilizando um kit educacional da LEGO. A oficina,

Uma segunda oficina

que contou com a participação

oferecida à comunidade foi

de 19 alunos extensionistas

a de “Recondicionamento de

voluntários do curso de Engenharia

Computadores”, coordenada pelo

de Computação, teve como

Prof. Pedro Alves de Oliveira, do

metodologia de trabalho a divisão

curso de Sistemas de Informação.

da turma em cinco grupos cuja meta

O Centro de Recondicionamento de

era construir um robô utilizando os

Computadores (CRC), da Prodabel,

componentes do kit. Participaram

realizou a oficina com o objetivo de

desta oficina cerca de 50 alunos do

dar informações sobre hardware e

ensino médio, da Escola Estadual

software de maneira mais técnica,

Zilda Arns e 90 alunos da nona série

na tentativa de prolongar a vida útil

do ensino fundamental do Colégio

do computador. A ação teve início

Santa Maria Espanhol.

em agosto, quando foi organizado, com a ajuda da Pastoral, um ponto

Além das oficinas, a equipe preparou

de coleta de computadores usados

também palestras relacionadas ao

para serem utilizados na oficina

assunto proposto. Discutiu-se

realizada em setembro.

o tema “Inclusão Digital: Por que e Para Quem?” em uma

A terceira oficina foi a de

mesa redonda composta pela

“Metareciclagem com Lixo Digital”,

Diretora de Inclusão Digital da


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90

Prodabel, Silvana Márcia Veloso

se tornou modelo no país não

de Castro, pelo superintendente

apenas pela contribuição ao pleno

de Inclusão Digital da Prodabel,

direito dos jovens à educação e

Samir Rodrigues Haddad, e pelo

participação, mas também pela

professor Simão Pedro P. Marinho,

forma inovadora e bem sucedida

coordenador da equipe “Um

de articular parcerias e realizar

Computador por Aluno” (UCA), na

mobilizações.

PUC Minas. Eles debateram diversos pontos,

Preocupados com a questão

tais como o Projeto Nacional de

ambiental, alunos do curso de

Banda Larga, os telecentros, o

Tecnologia em Jogos Digitais,

descarte de lixo eletrônico e o

sob orientação do professor Marcelo

próprio Programa UCA.

Nery, desenvolveram uma aplicação virtual de plantio de árvores e

Foi oferecido também uma palestra

ideias no planeta. A ação virtual,

sobre a temática “Protagonismo,

que simboliza a preocupação da

inovação e juventude – o exemplo

Universidade com o meio ambiente

do Plug Minas”. A palestrante

e sua preservação, ainda pode ser

Hannah Drumond, diretora de

feita: plante a sua árvore virtual e

projetos especiais do Instituto Sérgio

deixe uma mensagem sobre o que

Magnani/Plug Minas, falou sobre o

deseja para o planeta.

Plug Minas – Centro de Formação e

O link para o acesso é: www.

Experimentação Digital .

allansamurai.com/scap+21.

Este é um projeto do governo de

Anime-se! Plante a sua e ajude-nos a

Minas, dedicado à juventude, que

conscientizar as pessoas.

3


91

PROJETOS DE EXTENSÃO Os cursos de TI da PUC Minas São Gabriel realizam projetos de extensão abertos à toda comunidade durante todo o ano letivo. Os projetos, executados pela profa. Soraia Lúcia da Silva, coordenadora de extensão dos cursos, sediam suas ações nos bairros São Gabriel, Ribeiro de Abreu, São Paulo e na própria unidade da PUC Minas no São Gabriel. As principais atividades oferecidas são: curso básico de informática, curso de criação de personagens em jogos digitais, curso de inglês básico e intermediário, oficinas de matemática e oficinas de projeto de vida e orientação profissional. São ofertados também o curso de reciclagem e manutenção de computadores e a promoção de palestras para conscientizar a população a respeito do problema do lixo eletrônico, problema que vem crescendo devido à rapidez das inovações tecnológicas, fazendo com que equipamentos eletrônicos se tornem obsoletos em pouco tempo. Nesses projetos, a tecnologia é beneficiada de maneira consciente, capacitando as pessoas a saberem decidir quando, como e para que utilizá-la. O que se pretende é melhorar a qualidade de vida das pessoas através das tecnologias de informação e comunicação. Certamente que ações como estas contribuem para a construção de uma sociedade em rede mais efetiva, proporcionando maior comunicação e novas formas de interação social.

Professora da PUC Minas Lattes: http://lattes.cnpq.br/0668855776005593

1

2

Empresa de Informática e Informação do município de Belo Horizonte parceira de diversos projetos da PUC Minas O curso de Tecnologia em Jogos Digitais possui um projeto de extensão no Plug Minas, uma parceria da PUC Minas com a Usiminas, no qual são atendidos em torno de 500 jovens da rede pública estadual de ensino da grande Belo Horizonte para o desenvolvimento de jogos digitais 2D.

3


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ARTE, CULTURA e TRANSFORMAÇÃO SOCIAL Hildegardo Martins Lima1

“Arte, Cultura e Transformação

36.432 moradores nas favelas do

Social”, conferência proferida pela

município, e em 1965 esse número

antropóloga Clarice Libânio, teve

era de 119.799 pessoas. Pelos dados

como principal público os alunos do

apresentados pela conferencista,

curso de Ciências Contábeis, cujo

constatamos um crescimento de

interesse era conhecer a evolução

328% em dez anos. Atualmente,

populacional de vilas e favelas,

há 232 vilas, favelas e conjuntos

bem como a influência das artes e

habitacionais construídos pelo poder

culturas nessas áreas. Soma-se a isso

público com aproximadamente

a curiosidade em entender como os

500 mil pessoas. A conferencista

recursos captados pelas empresas,

destacou que a grande marca

por meio das leis de incentivo à

dessas comunidades é a diversidade

cultura, são aplicados.

cultural, urbanística e social, dentre outros aspectos econômicos e

Clarice Libânio falou sobre o

humanísticos.

nascimento das favelas de Belo Horizonte e o seu crescimento,

Em 2002, após nove meses de

principalmente em relação ao

trabalho de campo, profissionais

número de habitantes; ao mesmo

do Guia Cultural das Vilas e Favelas

tempo, mostrou o surgimento e

visitaram todas as áreas constantes

a evolução de grupos musicais,

da listagem da URBEL com o

artesanato, artes plásticas, dança e

objetivo de cadastrar as pessoas das

teatro.

comunidades que de uma forma ou de outra estavam envolvidas com a

Em Belo Horizonte, as favelas

arte e a cultura.

nascem com a construção da cidade. Em 1912, cerca de 60% da população

O trabalho teve início com a

localizava-se nas zonas suburbanas

entrevista dos líderes comunitários

e rural. Já em 1955, o IBGE cadastrou

e, a partir daí, foi feito um cadastro


94

de todos os grupos culturais e

artefatos em madeira. Nas artes

artistas das áreas de música, teatro,

plásticas, o grafite é a modalidade

artesanato, folclore e religiosidade.

mais desenvolvida, seguido do

Por meio das informações das

desenho. O percentual de artistas

lideranças, foi mapeada a existência

envolvidos com artes plásticas

de equipamentos culturais, meios

e dança atingiu 13% do total dos

de comunicação locais, as principais

artistas e grupos cadastrados,

festas e eventos da comunidade,

sobressaindo-se, na categoria dança,

bem como as iniciativas voltadas

a capoeira, seguida do street dance.

para a geração de emprego e renda.

Por fim, destacam-se 37 grupos de teatro ligados em sua maioria às

No mapeamento realizado, a equipe

igrejas.

cadastrou 739 grupos culturais nas vilas e favelas da capital, chegando

Metade de todos os entrevistados,

a 6.911 pessoas envolvidas em

ou seja, 3.450 pessoas, são

atividades artísticas, constatando

artistas solos, e a maioria está

uma grande diversidade de

desenvolvendo os trabalhos há

produção cultural, com um papel

menos de 5 anos.

fundamental na inserção social dos indivíduos, na elevação da sua

Observa-se uma alta rotatividade

qualidade de vida, na geração de

dos grupos nas vilas e favelas. Na

renda e no combate à violência.

maioria das vezes, isso se deve

Infelizmente, verificou-se que essa

à falta ou insuficiência de renda,

diversidade fica restrita a essas

fazendo com que a arte fique

comunidades, não sendo divulgada

em segundo plano, gerando seu

para o restante da população

abandono em caso de necessidade.

belorizontina. Outro dado apontado pela pesquisa Em primeiro lugar, destacou-se a

e destacado pela conferencista

música, com 39% dos grupos se

é o fato de que 20% dos artistas

dedicando aos diversos estilos,

cadastrados, ou seja, 1.382 pessoas

sobressaindo-se o gênero pagode,

tiram seu sustento da atividade

seguido de perto pela música

cultural. Os demais continuam

gospel, o rap e o samba.

desenvolvendo atividades paralelas para sua sobrevivência. Nessa

Em segundo lugar, com 24%

categoria, os que utilizam a arte e

dos artistas cadastrados, está

a cultura para complementarem

o artesanato em suas diversas

a renda familiar destacam-

modalidades, destacando-se o

se: pedreiros, vigias, porteiros,

bordado e a bijuteria, seguidos dos

professores, office-boys, domésticas,


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dentre outras profissões. Deve-

desenvolvidos pelo poder público,

se destacar que é nas áreas de

como o Arena da Cultura e o Projeto

artesanato e música que há maior

Guernica. Outros grupos reivindicam

incidência de pessoas vivendo de

patrocínio de empresas e incentivo

sua atividade artística.

do poder público para comprar uniformes, instrumentos musicais

A pesquisa levantou alguns

e matéria-prima, bem como para a

problemas enfrentados pelos

divulgação de CDs.

artistas das comunidades estudadas, dentre eles a falta de espaços

Na época da pesquisa, foi apontada

para a produção, exibição e

a ausência de organização da

comercialização dos trabalhos,

produção cultural nas vilas e favelas

além da falta de espaço físico

de Belo Horizonte. Como podemos

para ensaiar, pintar, criar e mesmo

constatar nos comentários acima, na

comercializar a produção. Todas

maioria dos casos o que se via eram

essas atividades são realizadas nas

pessoas isoladas, fazendo trabalhos

próprias residências dos artistas, o

desarticulados. A realidade atual

que prejudica a produção em escala

modificou-se, tendo em vista que

e o desempenho nas produções

já existem projetos coletivos que

artísticas. Alguns grupos possuem

articulam e integram os movimentos

CD gravados, mas têm dificuldades

culturais das diversas comunidades.

na sua divulgação e distribuição.

O movimento hip hop é um bom

Eles têm problemas no custeio

exemplo que reflete essa organização.

do transporte, na capacitação e aperfeiçoamento nas diversas áreas,

Com base nas experiências e

além de sofrerem discriminação,

resultados do Guia, foi criada a

desvalorização e preconceito.

organização não governamental (ONG) “Favela é isso aí” que tem

Os artistas dessas comunidades

como principal objetivo o apoio e

apresentam os shows em bares da

divulgação da produção cultural e

capital, sendo mais aceitos os grupos

artística da periferia.

musicais ligados ao samba, pagode, forró e sertanejo. Já os grupos de

Como parte de seu trabalho, a ONG

teatro e dança apresentam-se mais

“Favela é Isso Aí” tem despendido

em festas de rua e em entidades

esforços para conseguir recursos por

como igrejas, escolas e centros

meio de incentivos fiscais, fazendo

comunitários.

com que as comunidades de vilas e favelas de Belo Horizonte possam se

Constatou-se que alguns artistas

desenvolver de forma adequada e

tiveram a participação em projetos

equilibrada.


97

Os artistas dessas comunidades

outros espaços e oportunidades.

vêm conquistando espaço na

Isso introduz novos conceitos,

mídia, e essa visibilidade tem

experiências, informações,

contribuído para uma mudança

referências e, principalmente,

lenta, mas promissora, da imagem

vivências.

e dos estereótipos negativos das vilas e favelas junto à sociedade.

Em relação à transformação política

Mesmo com esse crescimento, os

e participativa dessas comunidades,

movimentos e grupos culturais não

observa-se uma efetiva participação

têm conseguido sobreviver da sua

comunitária nas novas formas de

arte; faltam recursos para manter a

ação coletiva, via movimentos

arte ativa. A conferencista destacou

culturais, em substituição às

que a produção artística das vilas

tradicionais mobilizações sindicais,

e favelas cumpre outros papéis

de associações de moradores e de

distintos, tais como: a transformação

partidos políticos.

pessoal, social e política das comunidades.

Percebe-se como resultado dessa inserção planejada e ordenada da

A transformação pessoal pode

comunidade no meio artístico uma

ser verificada pela elevação

ampliação dos direitos da cidadania.

da autoestima, tendo como consequência a construção de uma

O trabalho apresentado faz parte de

nova representação do indivíduo

uma pesquisa profunda da realidade

perante a si memo. O envolvimento

artística nas vilas e favelas de Belo

dos jovens com a arte transforma e

Horizonte; mostra o crescimento

fortalece sua identidade enquanto

populacional e de moradias nessas

pessoa, o que o leva a um

localidades, identifica as pessoas

“empoderamento”.

e grupos envolvidos com a arte e cultura, além de apresentar alguns

Já a transformação social pode ser

desafios a serem enfrentados por

observada na mudança de formas

todos para o desenvolvimento da

de sociabilidade e convivência.

arte e da cultura como objeto de

Por meio da arte, os moradores

transformação de uma sociedade.

de vilas e favelas têm acesso a

Coordenador do curso de Ciências Contábeis da PUC Minas no São Gabriel. Foi o mediador da conferência “Arte, Cultura e Transformação Social”, durante a IV SCAP.

1

2

O Guia é resultado de uma pesquisa, feita entre 2002 e 2004, que cadastrou 739 grupos culturais nas vilas, favelas e conjuntos habitacionais de BH.


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DIREITO entre UNIVERSIDADE e ESTADO Antônio Cota Marçal1 1 INTRODUÇÃO Como vem demonstrando o exercício moderno da razão científica, a realidade é um processo em permanente construção. Nesse processo, o que é denominado de real seria tão somente a efetivação de uma entre incontáveis outras possibilidades. Ao decidir agir ou não agir, o agente racional está escolhendo uma possibilidade, tornando-a efetiva e determinando o momento seguinte da realidade. Fruto da mesma Modernidade, o indivíduo humano se autodesignou o agente racional por excelência, aquele que, em princípio, se orienta pela consecução de fins através da escolha de meios adequados para efetivá-los. Não satisfeito com a pretensão de ser, de direito e de fato, o único agente racional entre os animais dotados de maior ou menor racionalidade, o indivíduo humano parece não se dar conta do inevitável perspectivismo resultante da limitação espaço-temporal, cultural e ontológica, no qual se constitui e em que atua enquanto indivíduo e pessoa. Considerando-se livre e racional em suas escolhas e decisões, o agente humano reserva para si a função de fiel da balança a propósito da realidade, seja ela estado de coisas ou estados mentais. É sabido e admite-se, no entanto, que a observação interfere no observado e o altera. Ademais, desde o final da segunda dezena do século XX, com o princípio da indeterminação ou da incerteza de Heisenberg, as ciências denominadas duras (hard sciences) não mais se consideram exatas (HEISENBERG, 2007, LINDLEY, 2008). Já a partir de 1931, com o princípio da incompletude de Gödel (GOLDSTEIN, 2008, p. 124 e seguintes), demonstrouse que todo sistema formal consistente, lógico ou matemático, é incompleto e incapaz de provar sua não contraditoriedade com seus próprios recursos. Nas décadas seguintes o conhecimento científico tornou-se apenas um conhecimento aproximado (BACHELARD, 1969) e, a seguir, passou a ser concebido como função de diferentes fatores e um conhecimento que se au-


tocorrige continuamente (KUHN, 1973; POPPER, 1963 e 1972). Deste modo, as ciências formais, naturais e exatas fizeram uma autocrítica do idealismo apriorístico-platônico e do cientificismo positivista que marcaram suas respectivas construções no início da Modernidade. Estas ciências caminharam inclusive na direção das ciências humanas, na medida em que passaram a adotar também metodologias qualitativas. Por seu lado, as ciências humanas começaram a repensar a adesão à dicotomia diltheyneana entre metodologia das ciências da compreensão (Geisteswissenschaften) e metodologia das ciências da explicação (Naturwissenschaften) e passaram a trabalhar também com metodologias quantitativas. Não é diferente na discussão científica hoje. E não poderia ser diferente no Direito, inserido que está no mundo da vida e em interlocução com práticas, crenças, interesses, valores, saberes e conhecimentos de toda ordem. No entanto, no Direito se discute ainda hoje positivismo e antipositivismo na metodologia jurídica, pouco se faz pesquisa empírica e é muito pouco usada a metodologia quantitativa. O tema do presente encontro assume contornos completamente diferentes quando seu título é enfocado a partir de perspectivas diversas. Pode-se pensar, por exemplo, que o conteúdo e o desenvolvimento do Direito se fazem em um embate entre as instituições Universidade e Estado, de tal modo que o Direito se veria movido e eventualmente polarizado por uma ou outra das referidas instituições. Pode-se pensar hipoteticamente que os agentes profissionais do Direito, movidos por busca de status e prestígio ou por vaidade pessoal e ganho financeiro, tentariam alojar-se em ambas as instituições. Pode-se também supor que autêntica vontade de pesquisa e de transmissão de conhecimento aliada a empenho em transformar a realidade social e política levariam os profissionais do Direito a buscar atuar em ambos os espaços institucionais. Não se pode também excluir que ausência de espírito público

* A primeira versão deste texto foi apresentada na IV Semana de Ciência, Arte e Política, da PUC-São Gabriel, em 21 de setembro de 2012. Sou grato à promotora Claudia Spranger, à doutoranda Paula M. Nasser e a meus colegas Prof. Brunello e Prof. Fernando Armando pela interlocução acerca da temática. 1

Graduado em Filosofia pela UFMG e em Direito pela PUC-MG, doutor em Filosofia pela Johann-Wolfgang-Göthe Universität de Frankfurt am Main, professor de Hermenêutica e Argumentação Jurídica da graduação do Curso de Direito da PUC-MG e professor de Filosofia do Direito do curso de Pósgraduação stricto sensu da PUC-MG.


associada a pouco preparo técnico possam ser razões para que profissionais, especialmente aqueles não afeitos a controle e dispostos apenas a fazer carreira e a usufruir de determinados privilégios e benesses, tenham como objetivo a ocupação simultânea de tais postos. É relevante destacar, de início, que as três instituições objeto do presente texto são construções histórico-culturais, permanentemente submetidas a críticas teóricas e práticas na condição de meios para a efetivação de fins sociais específicos e complementares entre si. Direito, Universidade e Estado são instituições-meios e não instituições fins em si mesmas. Aliás, cabe questionar se, no âmbito público, há instituições fins em si mesmas em um Estado de Direito Democrático e se aquelas, que assim se apresentam ou são vistas como tais, não passam de deturpações de instituições-meios. Em razão de seu interesse coletivo, do aporte de recursos públicos em sua manutenção e em seu desenvolvimento, de sua formação e constituição intersubjetivas e, não menos importante, em razão de sua continuidade e de seu papel conformador intergeracional, a manipulação e o uso das referidas instituições como meios de autopromoção pessoal em detrimento do alcance dos fins da comunidade, que as instituiu e mantém, são incompatíveis com suas funções e seus objetivos institucionais. A seguir, especificar-se-á em que sentido instituições complexas como Direito (2), Universidade (3) e Estado (4) são compreendidas e como estarão sendo referidas, para, a propósito de questionamentos, serem abordados alguns problemas resultantes do respectivo descompasso e ou desvirtuamento das mencionadas instituições relativamente aos padrões contemporaneamente vigentes de cientificidade e de democracia.

2. DIREITO O termo ‘direito’ é eminentemente polissêmico. Em sentido amplo, na acepção convencional de ius e law, abrange a totalidade das normas institucional e legitimamente estabelecidas. O Direito é, assim, o regramento ou regulamento (do latim regula-régua e por derivação a regra, a lei e os princípios que delimitam a direção correta de ações e comportamentos) para que se efetive o bom correto para todos e cada




um dos integrantes da comunidade politica e juridicamente organizada. Usualmente esta dimensão do Direito é denominada direito positivo ou ordenamento jurídico, isto é, formulado e publicado pelos órgãos competentes do Estado. Disciplinas conexas perfazem ainda o Direito, como a Ciência do Direito, a Filosofia do Direito, a Teoria do Direito, a Sociologia do Direito, bem como a Filosofia da Ciência, as quais, correlacionando princípios éticos intersubjetivos e elementos de caráter interdisciplinar, teorizam acerca da justiça enquanto correção racional da vida e do agir humanos em sociedade. Em complemento a esta dimensão objetiva, escrita e explícita do direito positivado, é também Direito, na acepção de right, o poder ou a pretensão do sujeito de direitos de exigir do Estado, de outra pessoa física ou de pessoas jurídicas que façam ou se abstenham de fazer algo. É o chamado direito subjetivo. Pretensão de direito e obrigação de fazer algo ou de deixar de fazer constituem-se em relações simétricas, recíprocas e complementares entre os integrantes do Estado. No Estado de Direito Democrático, simetria, reciprocidade e complementaridade são fundamentais e mais visíveis no que diz respeito tanto à igualdade racional de todo e qualquer cidadão, enquanto titular de direitos e pretensões, quanto à correção ético-legal de normas justas universalmente imponíveis a todos. Para melhor compreensão do Direito, hoje, vale rever como se chegou ao Direito contemporâneo. Pode-se afirmar que o Direito grego se caracterizou por introduzir racionalidade, via discussão, diálogo e entendimento discursivo na formulação da norma legal (nomos), em contraposição a uma suposta norma do sangue ou da natureza (physis). Já o Direito romano teria introduzido racionalidade administrativa através de comandos e editos de uma autoridade política ou de construções prático-teóricas de experimentados juristas. Após a queda do império romano do Ocidente e o predomínio das religiões monoteístas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo), as diferentes crenças passaram a ditar o bom e o justo em suas áreas de domínio. Esta ordem única em suas respectivas áreas de influência começou a desintegrar-se, no Ocidente cristão, já no início do segundo milênio, com as Cruzadas. O europeu cristão ocidental conheceu de perto seu “outro”: primeiro o bizantino ortodoxo e, a seguir, o árabe, vistos como “infiéis” por seguirem religiões consideradas não verdadeiras, embora derivadas de um tronco comum, o Judaísmo.


Neste processo de reconhecimento de seu “outro”, o europeu conheceu a si próprio. Percebeu quanto estava atrasado em matéria de medicina, matemática, astronomia e de outras áreas, inclusive do Direito. O europeu conheceu também uma instituição de ensino e produção de conhecimento que congregava em um mesmo espaço teologia, matemática, medicina, astronomia, direito e outras áreas do conhecimento, que denominaria depois de Universidade. O que mais importa neste processo para o Direito é o fato de que a individualidade e a subjetividade começaram a ser construídas no nível prático das condutas e dos papéis sociais. Até então espaços e posicionamentos sociais eram dominados pela ideia de comunidade, de fim último, de desqualificação do mundano, do corpóreo e do temporal e pela preponderância de algumas poucas individualidades, como aquelas que exerciam autoridade religiosa e política. A constituição dos Estados nacionais europeus, a redescoberta da indução, a valorização da observação e da linguagem matemática como instrumentos da nova racionalidade científica experimental, bem como a reforma luterana, trouxeram para o centro da vida em sociedade o indivíduo. Com efeito, é fundamentalmente o indivíduo, enquanto pessoa, que se torna explicitamente cidadão e titular de direitos. É também o indivíduo que faz ciência ao observar, experimentar e teorizar, como é igualmente o indivíduo que se salva ou se condena por sua crença, seus atos e seu posicionamento em face do objeto de sua fé ou crença. A partir de então, individualidade e subjetividade passaram a conviver com a alteridade e com a objetividade. Individualidade e subjetividade levaram à diversidade e identidades na diferença abriram espaço para o diferente. O outro, enquanto os demais indivíduos, não apenas passou a contar, assim como, sem ele, seus interesses e necessidades, a produção, a engrenagem sócio-política, o grupo e a comunidade nacional não avançavam. O regime feudal começou a perder espaço para o capitalismo, a unidade imposta para a diversidade assumida, o monopólio eclesiástico do conhecimento para a multiplicação e disseminação de informação, o trabalho rural e militar em torno do burgo para a industrialização, a vida centrada no após-a-vida-terrena para novas concepções de mundo e para outras modalidades de trabalho, de conhecimento e de interação. O indivíduo e seu exercício da razão passaram a decidir o que é bom e o que é mau no espaço privado, sem ingerência do Estado e da Igreja. Ao Estado passou a caber o gerenciamento do correto no espaço público e nas relações interpessoais em sociedade.




2.1

E o que se passou com o Direito nesta transição para a Modernidade?

Com exceção do Direito internacional, que, aliás, ainda não se consolidou satisfatoriamente, o Direito não acompanhou as mudanças à sua volta ou só acompanhou aquelas que lhe pareceram convenientes.

2.1.1

Assim, o Direito não desenvolveu uma metodologia própria e

à altura das novas concepções de mundo e das novas práticas científicas. Ao contrário, o Direito aprofundou seu uso da lógica dedutiva clássica, como se fosse uma ciência formal. A subsunção de ações e fatos à norma posta consolidou-se, tornando-se a diretriz metodológica exclusiva no âmbito do Direito derivado do Civil Law. Isso ocorreu quando, na atribuição de responsabilidades a propósito de ações e suas consequências, a observação dos fatos, a consideração do contexto e suas variáveis, bem como a explicitação de crenças e intenções dos agentes já eram vistas como decisivas e mais adequadas para identificar intenções, mensurar consequências e atribuir responsabilidades.

2.1.2 E, mais grave, ao invés de fundamentar o Direito e sua nor-

matividade em elementos consentâneos com os parâmetros da nova racionalidade científica intersubjetivamente construída, como, por exemplo, valer-se do convencimento subjetivo racionalmente esclarecido e fundamentado, da discursividade argumentativa ou do exercício amplo e livre da dialogicidade intersubjetiva e multidisciplinar, o Direito continua fundamentando sua normatividade preponderantemente na autoridade e no uso da força. Autoridade, porém, não é argumento racional e científico. Autoridade é função, é posição social e nem sempre corresponde ao exercício da racionalidade ou tem como pressupostos suficientes conhecimento prático e competência teórica. Para poder exigir obediência de alguém são suficientes poder, delegado ou originário, e força coercitiva, fatores que não podem ser identificados com a racionalidade e nem com a normatividade jurídica. Além de não condizerem com uma sociedade complexa e plural, de liberdade de expressão e informação, de caráter democrático e que valoriza a pessoa enquanto entidade racional, autônoma e co-autora das normas que instituem o Estado e regem a vida dos cidadãos nele, poder e coerção desvirtuam radicalmente a eticidade do negócio jurídico “estado de direito democrático”. Esta eticidade consiste no reconhecimento do outro, isto é, de todos os integrantes


do Estado de Direito como igualmente racionais, autônomos, titulares do poder que instituiu e mantém o Estado como meio e instrumento para efetivar o bem de todos e de cada um dos sócios da comunidade estatalmente organizada. A expressão prática e final desta eticidade foi muito bem formulada legalmente para o juiz na aplicação da lei: atender aos fins sociais a que a lei se dirige e às exigências do bem comum (ver art. 5º do DL 4.657/1942). O mesmo comando pode ser estendido ao legislador, enquanto considerado como quem elabora a lei, em cujos conteúdo e objeto são explicitados tanto os fins sociais a atingir quanto as exigências do bem comum a serem cumpridas. Se se considera o art. 3º do Título I (Dos Princípios Fundamentais) da Constituição em vigor, tem-se não apenas um comando explicitador, em termos pragmáticos e operacionais, do que sejam e em que consistem os fins sociais e as exigências do bem comum, como um comando constitucional que vincula também o Executivo. É relevante, porém, levar em conta que o conteúdo conceitual de bem comum e, por via de consequência, também o conteúdo de exigências do bem comum mudaram na Modernidade. Por influência de crenças religiosas, nos primeiros séculos da Idade Média pensava-se o outro na comunidade e não primariamente como indivíduo e menos ainda como sujeito autônomo. E a comunidade em mente não era o grupo imediatamente vivido, mas a comunidade idealizada dos crentes. Quando se falava em bem comum pensava-se em bem da comunidade e não no bem dos indivíduos integrantes da comunidade. Acontece que “comunidade” neste caso era uma entidade ideal e igualmente o era o bem comum. Esta concepção começou a mudar no século XII (ver Weber, 1970), quando, em virtude de uma relativa autonomização de grupos de indivíduos exercendo a mesma profissão, ocorreram inicialmente o desenvolvimento de formas de cooperação entre estes grupos e, a seguir, a constituição de corporações com estatutos, objetivos comuns e atividades administrativas próprias. Mudança maior quanto ao conteúdo dos referidos conceitos e quanto a um comprometimento real com sua efetivação só ocorreu em meados do século XIX, quando alguns Estados (Inglaterra e algumas de suas ex-colônias, bem como os países escandinavos, por exemplo) adotaram as concepções utilitarista e pragmatista da vida em sociedade (ver Jeremy Bentham, John Stuart Mill, Oliver Holmes e John Dewey, entre outros) na condução dos negócios do Estado. Objetivo das ações




do Estado passou, então, a ser o bem do maior número de pessoas e cidadãos. E isto planejado e conduzido de modo quantificado tanto do ponto de vista orçamentário, quanto sob o ângulo do número de cidadãos beneficiados. Na medida em que este redirecionamento da ação do Estado foi feito ouvindo os destinatários e com sua participação, o Estado e sua atuação puderam passar a mensurar quantos cidadãos acabam prejudicados com a realização de uma obra ou com sua postergação. De igual modo, o Estado pôde melhor estabelecer prioridades e também melhor aferir a qualidade de suas ações. Vê-se que, com semelhantes iniciativas e concepção da ação do Estado, o bem comum até pode vir a ser a somatória do bem dos indivíduos ou cidadãos que integram uma determinada comunidade política. Declarar um bem privado de ‘interesse público’ mediante o puro exercício de autoridade, como é comum na prática política brasileira, não o constitui pelo fato mesmo em ‘interesse comum’. Sem os cuidados antes associados ao utilitarismo alguém ou alguns integrantes da comunidade política saem prejudicados. Em tais situações desenvolveu-se a concepção de que é obrigação do Estado reparar os danos causados e tudo fazer para que a lesão a terceiros seja a menor possível. Razoabilidade e proporcionalidade são as diretrizes aqui.

2.1.3 Enquanto as línguas modernas se constituíam e muito pou-

cos ainda falavam latim, o Direito assumiu o latim como língua de referência, mesmo quando outras áreas, como Filosofia, Física, Matemática foram migrando progressivamente para os vernáculos dos novos Estados nacionais. Esta prática é ainda cultivada no meio jurídico, tanto brasileiro quanto internacional. O “juridiquês”, enquanto uso de expressões latinas ou de outra língua estrangeira quando se dispõe de expressões equivalentes em português, é ainda uma de suas manifestações mais perniciosas para a universalização do conhecimento do direito positivo por parte de seus destinatários finais. Os principais fautores aqui são juízes, promotores, defensores, advogados, professores universitários e teóricos do Direito, que frequentemente usam este linguajar e exigem de seus auxiliares, alunos e subordinados que também o façam. Qual a justificativa para se usar ainda hoje expressões como erga omnes, inaudita altera parte, ex positis, writ of mandamus, due process of law e Parquet, entre muitas outras? Uma vez que, levando-se em conta inclusive o atual público acadêmico, boa parte dos brasileiros não domina bem o


português, frequentemente não domina bem um idioma estrangeiro e menos ainda o latim, como explicar a sobrevivência desta prática? Ostentação de um aparente conhecimento que de fato não se tem? Vaidade ou recurso evasivo para não abordar o que não se domina? Manifestação de dominação, de status apenas aparente? Em qualquer caso, trata-se de descumprimento de preceito legal quando este jargão é usado no processo judicial, em qualquer de seus procedimentos ou atos (art. 156 do CPC). É uma péssima prática, tendo em vista o destinatário do Direito e o exercício da cidadania. Pode-se inclusive considerar que o uso do “juridiquês” no processo contraria o que prescreve o inciso IX do art. 93 da Constituição de 1988: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade [...]”. Publicidade, com efeito, não é apenas ser aberto a todos. Aliás, o inciso citado prevê restrições a respeito. De que adiantariam portas abertas e entrada franca se a língua falada e usada é incompreensível? De que vale a fundamentação, quando existente, se expressa em uma linguagem que a parte não compreende e, não poucas vezes, nem mesmo o procurador da parte?

2.1.4 Dos grupos profissionais anteriores e emergentes, os agen-

tes institucionais do Direito foram os únicos a assumir como distintiva uma veste talar (aquela que desce ou vai até os calcanhares ou tornozelos) semelhante à usada então pelo clero: a toga, a beca e, em vários países, a peruca de cabelos brancos ou cabeleira postiça, em uso ainda hoje em julgamentos. Seguramente uma sequela desta herança é o formalismo do terno, de preferência escuro, e da gravata usados até mesmo em países de clima tropical, não importando a temperatura ambiente. Escólio retrógrado, moralista e injusto deste formalismo tem se mostrado a recorrente restrição de acesso a fóruns e tribunais de cidadãos considerados mal vestidos ou mal calçados em razão de sua condição econômica ou de práticas culturais disseminadas na sociedade brasileira. Talvez seja este fato mais uma manifestação “da pompa e circunstância” também herdadas da mesma fonte. Além da denominação “Palácio da Justiça”, a suntuosidade de alguns tribunais e fóruns contrasta frequentemente com o nível de moradia da maioria da população brasileira. Se tudo isto for manifestação da chamada “dignidade da justiça”, mesmo que ainda não se tenha conseguido tornar efetiva a dignidade do cidadão em sua moradia, no saneamento básico e no




respeito a seus demais direitos e garantias constitucionais, é mesmo para se pensar que os meios assumiram de vez o lugar e a importância dos fins, na estrutura do Estado brasileiro.

2.1.5 Afirmou-se antes que o justo é o bom correto. O bom é aqui-

lo que alguém ou um grupo considera valioso ou digno de apreço, seja em razão de si mesmo, seja por prestar-se como meio para a consecução de algo mais valioso e mais desejável. Aí está o valor, mesmo que não designado como tal. Não haveria, na Modernidade, o bom em si. Coisas ou estados considerados bons, só o são dentro da dinâmica processual e socializada de autorrealização de indivíduos e grupos. Diz-se, por outro lado, correto o procedimento, a ação, o comportamento enquanto em conformidade com regras ou padrões previamente definidos. Do mesmo modo que o bom e o mau, o correto é uma relação e, como tal, se estrutura sobre pelo menos dois extremos e uma conexão entre eles. A conexão ou uma determinada relação pode ser estabelecida ou analisada sob pontos de vista diversos como, entre outros, pertinência, finalidade, adequação, eficiência, razoabilidade, proporção, economicidade. Tomando-se o bom como o móvel da ação do agente, algo bom e o agente seriam os extremos, enquanto o agir seria a conexão entre eles. Sob esta perspectiva, o correto se mostra como aquilo que deve ser feito ou para obter-se algo, ou para tornar-se algo, ou para chegar a algo e assim por diante. Entre o bom, estabelecido pela consciência individual autônoma e socialmente vinculada, e o justo , concebido e delimitado de modo a priori, a partir da experiência com o mundo real ou da interação entre os indivíduos, é que se situa o Direito. É no âmbito do correto que o Direito se organiza e se concretiza factualmente. É neste contexto que o Direito se constitui permanentemente enquanto normas, procedimentos, institutos e órgãos para realizar ou efetivar o justo. A consideração históricoconceitual das diferentes positivações do Direito permite afirmar que o Direito positivo nada mais é do que uma aproximação daquilo que um determinado grupo humano objetivou ter como correto para se chegar ao justo. O estabelecido sob a forma da norma legal é, então, uma aproximação daquilo que deve ser. A norma positivada não é um resultado acabado e definitivo. Com efeito, é no processo de elaboração e revisão continuadas do conteúdo do Direito, na sua discussão, no exercício amplo da intersubjetividade, na passagem da concepção do bom para sua efetivação através do correto, que se realiza e se faz o justo.


Como o bom correto é função de valores e contravalores vigentes na sociedade politicamente organizada, complexa e plural, valores e contravalores não são igualmente compartilhados por todos e estão sempre submetidos a críticas e reavaliações. Por via de consequência, o que seja bom e correto em uma situação concreta e específica estará submetido a um constante e contínuo processo de construção. O Direito, pois, apesar de apresentar-se muito frequentemente como mantenedor do status quo ou de parecer chegar sempre atrasado relativamente a mudanças sociais e culturais, não é estático e nem se apresenta definitivamente pronto e acabado. O mesmo ocorre com sua interpretação e aplicação.

2.2

Questões em busca de respostas

Diante do exposto, alguns questionamentos se impõem.

2.2.1 Problemático não é o fato de o Direito estar entre a Uni-

versidade e o Estado, mas que agentes institucionais do Direito (juízes, promotores, defensores, procuradores e advogados de entidades públicas) possam estar irregularmente na Universidade e no Estado. Questiona-se se estes agentes do Direito estão simultaneamente na Universidade e no Estado em desconformidade com a previsão legal, se sua atuação simultânea nestes dois espaços é antiética e ou se é científica e pedagogicamente prejudicial aos objetivos das instituições envolvidas. A Constituição Federal em vigor prevê, no inciso XVI do art. 37, a acumulação remunerada de cargos públicos por parte de agentes da administração pública, quando houver compatibilidade de horários, observada a limitação prevista no inciso XI do citado artigo. Especificamente o inciso I do parágrafo único do art. 95 permite ao magistrado o exercício do magistério. No mesmo sentido determina o parágrafo 1º. do art. 26 da Lei Complementar 35/79: “o exercício de cargo de magistério, público ou privado, somente será permitido se houver correlação de matérias e compatibilidade de horários, vedado, em qualquer hipótese o desempenho de função de direção administrativa ou técnica de estabelecimento de ensino”. A Resolução n°. 34, de 2007, do CNJ disciplina a acumulação da função de professor por juízes e estabelece no parágrafo único do art. 1º: “O exercício da docência por magistrados [...] pressupõe compatibilidade entre os horários fixados para o expediente forense e para a atividade acadêmica, o que deverá ser comprovado perante o Tribunal”.




Se legal, é ética e pedagogicamente defensável tal acumulação? O fator a ser considerado aqui é algo inelástico e não inteiramente sujeito ao controle individual: o tempo medido pelo relógio ou por qualquer outro instrumento que possibilite um controle intersubjetivo de seu uso. Sabendo-se que, nos cursos noturnos de Direito, as aulas ocorrem também aos sábados e supondo-se que o regime de trabalho seja de 20 horas semanais, um desempenho razoável das funções docentes não se limita a 20 horas. Com efeito, entre deslocamentos, aulas, cumprimento de formalidades de assinatura de ponto, apanhar e devolver registros de presença, analisar e responder uma ou outra solicitação de alunos, em suma, o exercício efetivo de 20 horas semanais de atividades acadêmicas mínimas exigiriam pelo menos 4 horas diárias fora do ambiente judiciário. É sabido que, após as aulas, são inevitáveis e até desejáveis questionamentos por parte dos alunos, o que também exige tempo e disponibilidade. Quando e durante quanto tempo as aulas são preparadas, exercícios e provas são estruturados e corrigidos são quesitos indispensáveis e que consomem tempo considerável. Quanto tempo é, então, dedicado às atividades tipicamente judiciárias da outra função, a principal? Estudar processos e executar os atos procedimentais necessários, realizar pesquisa e teorizar acerca do caso concreto sob análise, dirigir ou participar de audiências, redigir decisões interlocutórias e sentenças, receber as partes ou seus representantes, debruçar-se sobre recursos e exarar despachos, participar de inevitáveis reuniões administrativas, atualizar-se através de participação em cursos e eventos, com que tempo? E para a vida pessoal, familiar e social haveria ainda algum tempo? Estranho e nada democrático em tudo isto é a inexistência, como para os demais agentes da administração pública e da iniciativa privada, de um tempo fixo e determinado de trabalho a ser cumprido por parte dos referidos agentes judiciários. Em questão está um tempo que seja compatível com os privilégios e as garantias da função, com a remuneração recebida, com a relevância e alta demanda da atividade principal exercida e que seja passível de controle pelos mantenedores e destinatários últimos da função pública. Possivelmente estaria aqui mais uma explicação para a morosidade do judiciário, sua baixa “produtividade”, a precariedade ou inexistência de fundamentação jurídica de decisões e, não menos relevante, seu elevado custo econômico-financeiro para o país.


Critica-se muito, e não sem razão, a formação ministrada nos cursos brasileiros de Direito. Como a maior parte dos cursos de Direito só oferece o bacharelado e a pós-graduação stricto sensu ainda não é generalizada e é majoritariamente frequentada por alunos mais jovens e recém-graduados, é uma questão aberta a formação pedagógica e didática destes professores adventícios. Não se defende aqui a exclusão destes profissionais do exercício do magistério, apenas se exige que sejam de fato profissionais do ensino, simultaneamente especializados e cientistas, capazes de uma reflexão teórica autônoma sobre sua atuação e função. A profissionalização é uma das características da contemporaneidade, exigível também dos docentes profissionais. Por experiência própria, na condição de ex-aluno de três faculdades de Direito bem posicionadas no ranking nacional, foram estes profissionais não qualificados didática e pedagogicamente os mais autoritários, os maiores cultores do formalismo e do “juridiquês”, além de pensarem que aprender era repetir acriticamente o que o professor falou e apresentou. E isto, a inelasticidade do tempo e a inexorável renúncia à efetivação de inúmeras outras possibilidades, vale para todos os docentes, sejam eles agentes estatais do Direito ou não. Manter-se atualizado, integrarse na multidisciplinaridade hoje vigente, atender às novas exigências quanto ao exercício de múltiplos papéis na complexa sociedade atual, teorizar sem dissociar-se da prática, assumir posição na sociedade em que se vive enquanto coautor e desenvolvedor do Direito demandam mais que 40 horas semanais e dedicação integral. É incompreensível do ponto da especialização profissional, embora encontradiço no dia -a-dia, que alguns docentes assumam quatro, cinco ou mais disciplinas em um mesmo semestre e, às vezes em diferentes faculdades, dois ou mais regimes de 40 horas semanais (completar aqui ...e não fugir do principal)

2.2.2 Se presente a capacidade racional e cultural mínima por

parte dos cidadãos titulares de direitos, se disponíveis recursos tecnológicos possibilitadores de interlocução direta entre legisladores e destinatários das normas legais e se, por se tratar de Estado de Direito Democrático, tanto legisladores quanto os demais titulares de direitos são agentes do Direito, o que ainda impede que os titulares de direitos sejam efetivos coautores das normas que regem suas vidas em sociedade?




2.2.3 A partir das mesmas premissas da questão anterior, qual ou

quais as razões de se fazerem tão poucos plebiscitos e referendos no Brasil, sendo que ocorrem eleições de dois em dois anos em âmbito nacional?

2.2.4 Se o conteúdo conceitual das normas e do bom correto es-

tão em permanente mudança e construção, a vitaliciedade na mesma função, especialmente a de juízes, não se constitui em obstáculo ao desenvolvimento e permanente construção do Direito?

2.2.5 Se a democracia direta é o ideal a ser perseguido e o deten-

tor do poder no Estado é o Povo, por que razão ou razões não se instituiu ainda no Brasil o instrumento do Recall (remoção de um agente público de suas funções mediante voto popular)?

2.2.6 Sob a máscara da segurança jurídica, para obstar inovação

relativamente aos precedentes, não se esconde a recusa a pensar em profundidade e a teorizar por conta própria, sob novas circunstâncias e com novas informações e conhecimentos disponíveis?

2.2.7 Cultivar demasiadamente o recurso à Jurisprudência, fonte

secundária do Direito, não equivale a buscar refúgio na autoridade?

2.2.8 Servir-se de súmulas não significa desconhecer a identidade

única e irrepetível de cada caso submetido a julgamento?

2.2.9 Se o Direito é meio e se o processo judicial é instrumento

para efetivação do bom correto, por que as partes são mantidas tão à parte no processo? Só falam quando interrogadas, suas falas parecem não valer o que suas palavras dizem e precisam ser vertidas pelo juiz para serem registradas.

2.2.10 Por que a ampla defesa, o contraditório e o acesso ao juiz

natural estão sendo cada vez mais restringidos no Brasil?

3 UNIVERSIDADE 3.1

Origem, função e desenvolvimento

A Universidade é uma instituição estatal ou privada, que congrega e inter-relaciona diferentes áreas do conhecimento científico e tem como finalidades formar profissionais para atender demandas da sociedade,


produzir conhecimentos nas áreas de sua atuação e desenvolver atividades de promoção, desenvolvimento e integração da comunidade em que atua. O referencial teórico e prático no desempenho dessas atividades é a racionalidade científica exercitada intersubjetivamente. Subjacente ao termo Universidade (do latim universitas, unitas e diversitas, respectivamente totalidade, unidade e diversidade), uma totalidade pensada como unidade, estaria a pretensão de abarcar toda a diversidade fenomênica da realidade em uma unidade metodológica e de objetivos intersubjetivamente racionais. No entanto, dados históricos relativos às primeiras universidades europeias e a consideração do Direito Bizantino, então vigente, apontam antes para o significado jurídico do termo. No Direito, universitas significava mais que adição de unidades distintas ou grandezas diferentes. No Codex Juris Civilis e na prática jurídica medieval, o termo universitas designava a unidade institucional de uma associação ou corporação de agentes atuando como pessoa jurídica, de que communitas, collegium, corpus, societas seriam expressões equivalentes (HAMMERSTEIN, 2001). Havia diferentes configurações de universidades. A de Bologna era inicialmente uma corporação de estudantes. Falava-se em Universitas Magistrorum e em Collegium Doctorum para referir-se ao conjunto ou corporação de professores, que nem sempre eram pagos pelo Estado. Havia também a Universitas Magistrorum et Scholarium, como a universidade de Paris, para designar uma associação de escolas e que incluía professores e estudantes (TINNEFELD, 1997). Os europeus pretendem ter sido os criadores da Universidade ou de instituições de ensino superior como conhecidas hoje (GOODY, 2008). Diversas fontes informam que Teodosio II teria criado uma universidade em Constantinopla já no século V e que esta universidade teria sido restaurada em 849, durante o governo de Miguel III. A primeira universidade europeia, de que se tem notícia e que continua funcionando até hoje, foi a de Bologna e teria sido criada em 1088. Deve-se mencionar, porém, que havia uma instituição de ensino e pesquisa mais antiga, em Salerno, muito parecida com as posteriores universidades medievais e voltada para medicina, filosofia, teologia e direito. Teve como patrono Frederico II, neto de Frederico Barba Roxa, e o primeiro registro de sua existência e funcionamento é de 985. Com ela teria ocorrido a primeira quebra do monopólio eclesiástico do ensino. O ensino era pago. Havia inclusive participação dos estudantes na direção da universidade. A




liberdade de ensino e pesquisa era assegurada legalmente. Esta universidade reunia conhecimentos e especialistas das culturas árabe, romana, grega e judaica. Foi fechada por Napoleão em 1811 e só reaberta em 1944. Em contraposição, em Fez, no Marrocos, há uma universidade que funciona até hoje e que teria sido criada no ano de 859: Al-Karueein ou Al-Karaouine. Há também, na cidade do Cairo, a universidade Al-Azahr, criada em 988.

3.2

A disseminação da instituição universitária

As universidades surgidas na Europa, a partir do século XII, continuaram formando os antigos especialistas de que a sociedade medieval precisava, como altos funcionários da administração, capazes de registrar elementos contábeis, redigir protocolos, atas e textos de acordos e tratados, e, sobretudo, qualificando especialistas em Teologia e Direito Canônico. Muito rapidamente, porém, outras áreas como Filosofia, Medicina, Direito em geral, Matemática, Astronomia, Lógica, Retórica e Gramática integraram o leque de ofertas de cursos universitários. Novas universidades foram estabelecidas por toda Europa e, a seguir, mundo afora: Oxford (1096), Modena (1175), Cambridge (1209), Salamanca (1218), Coimbra (1290), Roma (1303), Praga (1348), Cracóvia (1364), Viena (1365), Heidelberg (1368), Louvain (1425), Glasgow (1451), Tübingen (1477), Copenhagen (1479), Vilnius (1579), Zagreb (1669), São Petersburgo (1724), Oslo (1811), Atenas (1837) e a de Lisboa (1911), entre muitas outras na Europa. Na colônia inglesa na América do Norte foi criada, em 1636, a Harvard University. Na América Latina, os colonizadores espanhóis criaram diversas universidades: em 1538, a Universidad Autonoma de Santo Domingo; em 1551, a Universidad Nacional de San Marco, no Grande Peru; em 1551, a Universidad Autonoma de Mexico; em 1613, a Universidad Nacional de Cordoba; em 1676, a Universidad de San Carlos, na Guatemala e, em 1728, a Universidad de Havana. Enquanto isto ocorria, os portugueses só tinham a universidade de Coimbra e não deram importância à universidade em sua colônia brasileira. No Brasil, houve Academias, Faculdades, Escolas e Institutos isolados de ensino superior ao longo dos séculos XVIII e XIX. Somente no século XX foram criadas universidades. A Real Academia de Arti-


lharia, Fortificação e Desenho foi criada em 1792, no Rio. As primeiras Faculdades foram a de Medicina da Bahia (1808) e as de Direito de Olinda e de São Paulo em 1827. Em 1839 e em 1876 foram criadas, respectivamente, as Escolas de Farmácia e de Minas, em Ouro Preto. Em 1893 e em 1896, respectivamente, a Escola Politécnica de São Paulo e a Escola de Engenharia Mackenzie, em S. Paulo. A primeira universidade brasileira, isto é, com a denominação de universidade e congregando mais de um curso, só foi criada em 1912, no Paraná. Seguiram-se então as demais universidades federais: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1913), do Rio (1920), de Minas Gerais (1927) e de São Paulo (1933). A PUC de Campinas foi criada em 1941, seguindo-se as do Rio (1946) e de Minas (1958).

3.3

Repensando a Universidade pós-medieval.

A conceituação de universidade apresentada no tópico 3.1 não descreve a universidade medieval. Reflete antes o que se pensa acerca da universidade após o início do século XIX, quando a instituição passou por uma reforma significativa, implantada na criação da universidade de Berlin por Wilhelm von Humboldt. A atividade principal da universidade medieval não era a pesquisa e a investigação, mas o ensino que autorizava o titulado a lecionar em qualquer lugar. As áreas de estudo concentravam-se na Teologia, considerada a mais importante, no Direito e na Medicina como as mais procuradas e socialmente valorizadas, bem como no saber básico para as demais áreas, as chamadas Artes Liberais: Gramática, Retórica, Dialética, Aritmética, Geometria, Astronomia e Música. Embora os europeus pretendam estabelecer uma grande diferença entre sua universidade e as antigas, especialmente islâmicas, o estudo universitário medieval foi basicamente autoritativo e teve a Teologia como referência maior. Seus textos básicos eram a Bíblia, o Corpus Juris Civilis e os textos de Galeno e de Aristóteles. Embora a Disputatio (discussão pública e também modo de apresentar e de construir a fundamentação de uma tese) sempre seja referida, quer como forma de aula, quer como recurso de demonstração e verificação de conhecimento para promoção acadêmica, a atividade de decorar e repetir foi sempre central. Reformadores religiosos, como Melanchthon, foram os primeiros críticos do arcaísmo esotérico do então vigente sistema universitário de ensino. Simultaneamente, porém, a confessionalização da vida




sócio política e acadêmica, e a convivência de diferentes identidades religiosas provocaram resultados positivos. Desentendimentos e rivalidades alimentaram discussões e controvérsias que levaram à busca por fundamentação das diferentes posições e fizeram com que, no âmbito das universidades, o esclarecimento via dissuasão argumentativa diminuísse a animosidade e aproximasse os contraentes. Resultados foram liberdade de opinião e de ensino, convivência com a crítica e diminuição da censura, mais abertura para o classicismo redescoberto e mais sensibilidade para a formação de um pensamento tipicamente nacional. Ocorreram, então, o reposicionamento da Filosofia acima das demais áreas de conhecimento, o início de um novo humanismo e a progressiva universalização da forma mais democrática de exercício da racionalidade, a ciência ou a objetividade intersubjetivamente construída. Ilustrativo deste movimento é o texto kantiano Der Streit der Fakultäten (O conflito das Faculdades, de 1798). Estava, pois, claro que a universidade precisava incorporar novas ideias e práticas, rever suas funções e objetivos, reestruturar-se enfim. Para enfrentar as novas situações internas e externas, como a revolução francesa, a dissolução do sacro Império Romano-Germânico, perda de peso político entre os Estados europeus, a Prússia deu início a uma ampla reforma de suas instituições administrativas, sob a coordenação de Heinrich Friedrich Karl vom und zum Stein e de Karl August von Hardenberg. Neste contexto, Wilhelm von Humboldt, nobre, funcionário do Estado Prussiano e próximo aos citados Karl vom Stein e August von Hardenberg, foi encarregado da direção do Departamento de Ensino Público do Ministério do Interior. A ele coube fazer uma ampla reforma pedagógica do ensino prussiano. Coube-lhe também a tarefa de projetar, dos pontos de vista conceitual e operacional, uma nova universidade para Berlim. Humboldt levou para estas tarefas suas ideias acerca da linguagem, da educação e da cultura como Bildung, bem como acerca da política. Esta, através do Estado, deve estar a serviço da formação cultural do cidadão. Neste contexto, a universidade foi concebida como a principal responsável pela construção da identidade nacional. Humboldt buscou por em prática suas próprias ideias e aquilo que sua atuação no serviço público mostrou necessário. Institucionalizou medidas e procedimentos que acabaram se constituindo em modelo adotado em muitas outras universidades. A pesquisa e o ensino, concebidos como interdependentes e complementares, passaram ao primei-


ro plano das atividades universitárias. Requisitos foram estabelecidos para a admissão à universidade, como comprovação da conclusão do ensino médio. Passou a ser exigida a Habilitação ou elaboração e defesa de um trabalho científico para poder lecionar em uma universidade. Dos cursos foi exigida uma estrutura curricular mínima a ser cumprida.

3.4

3.4.1 A Universidade continua ainda o local privilegiado da pesqui-

Questões abertas.

sa e do ensino? Ou grandes grupos empresariais desempenham estas funções de forma tão ou mais eficiente? Os salários pagos para cargos de direção e supervisão por entidades privadas são maiores do que os desembolsados por Universidades com seus professores e pesquisadores. Na área do Direito, que pesquisas inovadoras e que intervenções efetivas na realidade social da comunidade podem ser apresentadas como iniciativas da Universidade? Que uso de novos recursos tecnológicos tem sido feito no ensino universitário do Direito e na sua efetivação?

3.4.2 Se a universidade é espaço público de discussão livre e teo-

ricamente irrestrita, como se explica a pouca participação e iniciativa dos cursos de Direito no exercício da crítica, no debate, na apresentação de propostas e na discussão de alternativas para os problemas da sociedade e do Direito brasileiros?

3.4.3 Tendo em vista a rapidez e continuidade das mudanças nos

valores e nas práticas sociais, como se explica tão pouca inovação no direito legislado, em sua aplicação e desenvolvimento interpretativo pelo judiciário, bem como na iniciativa e na atuação do Ministério Público e das Defensorias Públicas?

3.4.4 Sendo o exercício intersubjetivo da discursividade o padrão

de referência da racionalidade científica contemporânea, como justificar a endogenia vigente nos cursos de Direito? Mesmo em se tratando de disciplinas de outra área científica, o professor é, na maioria dos casos, alguém graduado em Direito e que, frequentemente, apenas cursou uma disciplina da outra área na graduação em Direito. Como justificar tal fechamento da área em si mesma e tão pouco exercício da interdisciplinaridade? Até recentemente a pós-graduação em Direito não era aberta a graduandos oriundos de outras áreas. Como explicar o uso de expressões como “dogma, dogmático, doutrina, doutrinador” a propósito da ciência do Direito, bem como de expressões latinas que




têm correspondentes em português, de termos e construções gramaticais passadistas e não mais em uso, que nem sequer são expressões técnicas?

3.4.5 Se integrar a Universidade é objeto de desejo por significar

prestígio social, então como conciliar a criticidade da pesquisa e criação científicas com o culto da autoridade? Onde e como se apresenta o cientista ou teórico do Direito? O excessivo apoio em súmulas, a transcrição seletiva da jurisprudência, fundamentações funcionalmente autoritativas e nem sempre racionais das decisões (fundamentações religiosas, ideológicas, meramente subjetivas ou simplesmente inexistentes) são as manifestações mais comuns da ausência de um trabalho de construção teórica acerca da identidade e singularidade únicas de cada caso em apreço.

3.4.6 Se Direito significa “correto”, é função de interesse público

e seu conteúdo conceitual é construído intersubjetivamente, por que tanto medo e tanta resistência em face do necessário e democrático controle público do judiciário pela sociedade civil? Sem desconhecer o mérito do CNJ, por que sua composição tem que ser quase exclusivamente de membros da magistratura e advogados? Definitivamente esta composição não é democrática e não representa a sociedade civil, mas uma corporação. E não se alegue que juiz não pode ser julgado por um colegiado integrado por não juízes: a questão é de competência e de qualificação. A primeira é outorgada ou atribuída pela sociedade politicamente organizada, cujo titular é o povo, todos e cada um dos cidadãos. A segunda se obtém, pode ser comprovada e avaliada. Não se pode é sustentar, com referência ao judiciário, que a qualificação técnica esteve ou esteja sempre presente naqueles casos em que a competência foi e é outorgada e exigida. Quanto ao mais, os juízes não diferem dos demais cidadãos. Hoje a cultura, a educação cultural, vai muito além do direito positivo e cada vez mais cidadãos estão em condição de entender o Direito e seus meandros. Nem tão técnico e nem tão complexo é o Direito quando comparado com as demais ciências, principalmente com as ciências duras.

4. ESTADO Por Estado entende-se uma organização política de dominação e sua conformação histórica, cultural e territorial. Do ponto de vista do


Direito, o Estado é uma forma juridicamente organizada de dominação política e territorial, enquanto tentativa de assegurar uma convivência harmônica e justa entre os titulares do Estado, seus cidadãos. Em sua formatação moderna, o Estado é o modo como as diferentes nações europeias organizaram o exercício do poder em substituição ao Feudalismo, a partir do século XIII. Segundo Max Weber (2004), enquanto representação da existência de uma ordem legítima, este Estado se caracteriza pela centralização das relações políticas em uma instância impessoal, unitária e detentora do monopólio da força e pela racionalização jurídica do exercício do poder. Ainda segundo Weber, esta ordem do Estado de Direito “está garantida externamente pela probabilidade da coação (física ou psíquica) exercida por determinado quadro de pessoas cuja função específica consiste em forçar a observação dessa ordem ou castigar sua violação” (WEBER, 2004, p. 21). Abstraindo desta caracterização do Estado como mantido pela probabilidade de coação, de que Weber não parece suficientemente convencido e nem se mostra convincente para o leitor, resulta claro que o Estado foi estabelecido como meio para efetivação do bom e do justo na convivência em sociedade. O Estado assumiu o âmbito da política e a prevalência dos fins materiais e existenciais definidos pelas relações sociais e econômicas. Os integrantes da comunidade, os indivíduos, se associaram e constituíram (“Constituição” é, assim, plenamente a norma fundante e estruturante do Estado moderno) o Estado de Direito para melhor efetivarem seus objetivos, seu bem-estar e sua autorrealização. Em jogo estão sim os bens mundanos e temporais, como também a pessoalidade do indivíduo cidadão, livre, autônomo, sujeito de direitos e obrigações e fim do Estado. Este o Estado de Direito configurado já em meados do século XIX.

4.1

A necessidade de repensar a formatação do Estado de Direito

4.1.1

O Estado de Direito consolidado já no século XIX, após e em

consequência das revoluções inglesa, norte-americana e francesa, é um Estado conformado pela Lei, a qual define suas competências, o âmbito e fins de suas ações, e objetiva assegurar a igualdade jurídica e as liberdades individuais dos cidadãos. É um Estado que só pode fazer o que a lei permite e determina. Este Estado assume na sequência distintas conformações: liberal, do bem-estar social e de Estado Democrático de Direito. Elemento central e simultaneamente precário




nessas transformações é a representação, uma vez que os cidadãos não governam, não legislam e nem controlam diretamente os atos do Estado. Governar, legislar e controlar se fazem por representantes, nem sempre eleitos e, quando eleitos, muitas vezes através de processos não transparentes e não democráticos. De fato, os representantes frequentemente não representam os cidadãos, apenas representam parcela da população ou a si mesmos, seus próprios interesses e ideologia. Mesmo quando se defende que a representação do eleito é do partido político, na maioria das vezes os partidos políticos não têm uma clara definição ideológica, programas e propostas claras e consistentes, mas perseguem interesses não confessados e, o que é pior, a apropriação privada do que é público. Com toda a evolução tecnológica havida e em curso, em razão dos fatos da complexidade social e do pluralismo cultural contemporâneos, da maior conscientização política da população e da mais ampla disseminação da informação é não apenas possível como necessário avançar na direção de mais democracia direta. O que impede este avanço? O que o Direito e a Universidade têm feito nesta direção? Estão pelo menos começando por suas próprias áreas imediatas de atuação? Até quando Direito, Universidade e Estado vão continuar insistindo no sofisma de que a democracia se perfaz pelo voto? Democracia é o poder de o povo decidir o quê e como fazer. O voto, em razão da representação, se reduz a decidir apenas quem deve decidir. Diversa é a situação do voto em um plebiscito ou referendo. Fica evidente que a obrigatoriedade do voto nas atuais circunstâncias, além de um contrassenso ao obrigar alguém a exercer seu direito, não tem nem mesmo a alegada função educativa.

4.1.2 Na medida em que Estado e Democracia são processos em

permanente situação de construção e autocorreção, urge acelerar a passagem de uma democracia apenas formal para uma democracia efetiva e de fato. Opte-se por uma democracia direta ou por uma democracia efetivamente deliberativa ou participativa, o certo é que não é mais possível contentar-se apenas com a letra da norma constitucional asseguradora formal de direitos e garantias. É tempo de o Estado, através de Executivo, do Legislativo e do Judiciário, cumprir de fato seus deveres. Quando o Estado, na figura dos três entes federados, vai disponibilizar um sistema de saneamento básico, de saúde, de educação, de se-


gurança pública e de infraestrutura à altura da tributação arrecadada? Quando o Legislativo vai acabar de cumprir sua obrigação de regulamentar disposições da Constituição de 1988? Quando vai finalmente assumir sua função fiscalizadora dos atos do Executivo e dispor de fato sobre todas as matérias de competência da União, principalmente as tão reclamadas e sempre postergadas reformas política e tributária, tendo em vista os cidadãos enquanto mantenedores e destinatários últimos do Estado como instituição meio? Quando, após 24 anos da promulgação da Constituição de 1988, o Judiciário vai finalmente cumprir a determinação constitucional do caput do art. 93 e enviar ao Congresso Nacional o projeto de Lei Complementar que disporá sobre o Estatuto da Magistratura?

4.1.3 Frequentemente se usa o argumento de que o Brasil é país

novo ou de que carrega uma herança perversa da colonização para explicar e justificar o baixo nível de desenvolvimento cívico, cultural e democrático nacional. Estes são argumentos para se levar a sério? Abstraindo da pouca vivência democrática, em razão de longos períodos de ditadura, o pouco tempo de independência e a colonização não são argumentos convincentes. Afinal, o Brasil está a 10 anos de completar 200 anos como país independente. Por outro lado, se se tem conhecimento dos males derivados da colonização, o que se tem a fazer não é persistir neles, mas mudar para melhor. Infelizmente não é o que se constata: a utilização do público em proveito do privado, a inexistência de controle do público pela sociedade civil e o não cumprimento pelos agentes do Estado da obrigação legal de agentes públicos prestar conta de seus atos e de responder por eles continuam sendo a cultura e o modo de agir dominantes.

4.1.4 Do mesmo modo são correntes afirmações como: o brasileiro

não sabe votar, não sabe planejar sua vida, não tem respeito pela privacidade alheia, não é solidário, não sabe portar-se em público, não tem interesse pelo que é coletivo e público, etc, etc. A pergunta que se põe é: quando finalmente o Estado brasileiro vai assumir sua obrigação básica de educar o cidadão para o exercício da cidadania? Fazer isto significar também o Estado, através de seus agentes, respeitar o espaço privado do cidadão, não restringir sua liberdade pessoal, econômica e política com restrições e constrangimentos




injustificados ou desnecessários, fomentar a participação dos cidadãos no exercício do poder e na distribuição de riquezas.

4.1.5 Relativamente aos agentes institucionais do Direito, ainda

uma das parcelas da sociedade mais diretamente envolvida com pensar o Estado, sua estrutura e ações, e dentro do espaço aberto pelo tema da presente discussão, duas questões finais se colocam. A primeira: a não eleição pela população dos integrantes dos Tribunais de Justiça Estaduais e do Supremo Tribunal Federal e também a vitaliciedade nas funções da Magistratura e dos integrantes do Ministério Público não são antidemocráticas e prejudiciais ao desenvolvimento do Direito e à efetivação do Estado de Direito Democrático? A segunda pergunta: a exagerada autoestima e a encenação formalista desenvolvidas e alimentadas junto à população pelo modo de agir de não poucos agentes institucionais do Direito, no sentido de se considerarem diferentes dos cidadãos comuns em face do Estado, de se comportarem como fora ou acima do alcance da lei, de agirem como se tudo pudessem, de se recusarem a dar satisfação à sociedade por seus atos e omissões, não se devem ao excesso de garantias a eles asseguradas? Não se devem também a um excessivo corporativismo desses agentes que não se reconhece como tal, por esconder-se sob o argumento da proteção ‘necessária’ ao desempenho da função pública?

CONCLUSÃO Se ter perguntas é o início da solução, perguntas e questionamentos é o que não falta acerca do tema aqui abordado. Poder-se-ia pensar que cumprir efetivamente cada uma das três instituições seu respectivo papel já seria um bom começo. No entanto, um passo estaria sendo dado se as instituições e seus agentes autocompreenderem e atuarem como complementares na busca dos próprios objetivos, enquanto instituições-meios. Outro passo bem maior, mas nem tão difícil, seria abrirem-se as referidas instituições e seus agentes para a multiplicidade e para a diversidade, ou seja, passarem a atuar de fato em rede e exercitando a multidisciplinaridade em todas as suas áreas de atuação. Para que este passo seja dado de modo eficaz, seria necessário, e isto talvez não seja tão fácil, que alguns ou muitos agentes das instituições envolvidas se despissem das máscaras com que se identificam e des-


cessem dos pedestais que montaram para si próprios. Embora penoso para alguns, este último passo poderá mudar as instituições para melhor e muito. Enquanto agentes que moldam a realidade, fazer as instituiçõesmeios funcionarem como nós titulares de direitos e obrigações (no Direito), como nós responsáveis pela própria formação e autorrealização (na Universidade e na Vida politicamente organizada) e como nós titulares do Estado de Direito Democrático (cidadãos no e do Estado) queremos e objetivamos ao instituí-las e mantê-las, depende somente de nós e de nossas ações. Mãos à obra, pois.

REFERÊNCIAS BACHELARD, G. Essai sur la connaissance approchée. Paris: J. Vrin, 1969. GOODY, J. O roubo da história: Como os europeus se apropriaram das ideias e invenções do Oriente. São Paulo: editora Contexto, 2008. GRÖSCHNER, R. DIRKMEIER, C. HENKEL e WIEHART, A. Rechts-und Staatsphilosophie: Ein dogmenphilosophischer Dialog. Berlin-Heidelberg: Springer, 2000. HAMMERSTEIN, N. Universität, In: Historisches Wörterbuch der Philosophie, Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, vol. 11, p. 212-218, 2001. HEISENBERG, W. Physics and Philosophy: The Revolution in Modern Science. New York: Harper Perennial, 2007. KUHN, Th. Die Struktur wissenschaftlicher Revolutionen. Frankfurt: Suhrkamp, 1973. LINDLEY, D. Uncertainty: Einstein, Heisenberg, Bohr, and the Struggle for the Soul of Science. New York: Anchor Books, 2008. MILL, J. S. Utilitarianism: Oxford University Press, 1998. Ed: Crisp, Roger. POPPER, K. Conjectures and Refutations: The Growth of Scientific Knowledge. London: Routledge, 1963. POPPER, K. Objective Knowledge: An Evolutionary Approach. Oxford: Clarendon Press, 1972. TINNEFELD, F. Universität, In: Lexikon des Mittelalters, Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, vol. 8, p. 1249-1256, 1997. VON HUMBOLDT, W. Schriften zur Politik und zum Bildungswesen. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Werke, vol. IV, 2010. WEBER, M. Economia e Sociedade. São Paulo: editora UNB, vol. 1, 2004. ZIPPELIUS, R. Das Wesen des Rechts: Eine Einführung in die Rechtsphilosophie. München: Beck, 1997.




150

O IMPACTO da PESQUISA e da EXTENSÃO na FORMAÇÃO dos ALUNOS Aline Aguiar Mendes Vilela1

O Seminário de Pesquisa e

aluno no curso decorrem da

Extensão teve como abertura a

possibilidade do exercício de

conferência do professor Manuel

atividades remuneradas ligadas à

de Almeida Neto que versou sobre

pesquisa e extensão. Outro dado

a pesquisa “Dilemas e desafios

que nos acerta em cheio nos faz

relativos à permanência e a

notar que a inserção no mercado de

profissionalização de estudantes

trabalho também é maior para os

pobres no ensino superior: o caso

alunos que fizeram atividades como

dos alunos de Ciências Sociais da

essas durante o curso. Ainda outro

PUC Minas”. O próprio título indica o

aspecto apontado que nos concerne

tema tratado, qual seja, o impacto da

diz respeito ao fato de que os alunos

participação de alunos em projetos

com menor renda familiar foram

de pesquisa, extensão e estágios na

aqueles que mais se inseriram nessas

formação acadêmica e no ingresso

atividades.

2

no mercado de trabalho. Nesse sentido, temos que evocar A conferência permitiu que o que

Boaventura de Souza Santos

intuíamos ganhasse peso e corpo a

(2005)3 quando nos alerta sobre a

partir dos resultados trazidos pelo

reforma necessária à universidade

colega.

do século XXI. Embora referindo-se a um contexto mais abrangente do

A pesquisa constata que a

que estamos tratando, suas palavras

permanência e conclusão do

nos interessam fundamentalmente,


151

já que enfatizam a necessidade

chega experimentar o protagonismo

da universidade responder

de uma escolha e abrir-se para

positivamente às demandas sociais

as surpresas e conseqüências

pela democratização radical, pondo

decorrentes desse ato de escolher

fim a uma história de exclusão de

uma universidade.

grupos sociais e seus saberes de que a universidade tem sido protagonista

Dessa forma, a pesquisa e extensão

por bastante tempo.

ao mesmo tempo que possibilitam um amadurecimento e preparam

Essas considerações já seriam

para a saída da universidade e

suficientes para nos apontar a

ingresso no mercado, também

importância de políticas para

são inaugurais ao permitir o

pesquisa e extensão em uma

pertencimento daquele que chega

instituição universitária. No entanto,

à universidade.

há um outro aspecto ressaltado na palestra também tão caro para nós:

Por isso, acreditamos e apostamos

a pesquisa e extensão permitem

que a valorização das atividades

àqueles que chegam à universidade

de pesquisa e extensão fazem

construir um pertencimento a

da universidade uma instituição

esse lugar físico composto de

animada, no que entendemos por

abstrações: expectativas, códigos,

isso o ato ou efeito de dar vida,

modos de agir e pensar. A pesquisa

vigor no que se escolhe fazer!

e extensão propiciam àquele que

Assessora de Pesquisa e Pós-graduação da PUC Minas no São Gabriel e Professora da PUC Minas.

1

2

Realizado como parte integrante da programação da IV SCAP Santos, B. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, 2005

3


152


153


154

OFICINAS de EXTENSÃO SCAP LÁ&CÁ Elisa Cristina de Oliveira Rezende Quintero1

Durante a IV Semana de Ciência,

Durante cinco dias, os alunos Diogo

Arte e Política da PUC Minas

Benigno, Luane Caldas e Michael

no São Gabriel realizou-se, ao

Assis passaram as tardes com 18

longo da semana, uma série de

alunos do ensino médio,

oficinas de extensão ministradas

entre 16 e 18 anos de idade2.

por alunos e coordenadas por professores dos diversos cursos da

A metodologia foi baseada no

unidade São Gabriel. As oficinas

trabalho de extensão e pesquisa

aconteceram em escolas públicas

que desenvolvi de 2003 a 2010 por

e também na unidade e reforçaram

meio de oficinas de Comunicação

o caráter extensionista do evento,

para meninos e meninas do Morro

possibilitando a muitos alunos o seu

do Cascalho. O grande desafio da

contato inicial com atividades de

metodologia é que ela não impõe

extensão.

regras aos participantes. Trata-se de vivenciar descobertas

Dentre as oficinas realizadas, os

no próprio fazer criativo. É uma

cursos de Comunicação Social

proposição que tira o sujeito de

da unidade ofereceram a Oficina

um lugar seguro e coloca-o diante

de Fotografia Lá&Cá, na Escola

do inusitado. Isso inclui o jovem

Estadual Zilda Arns Neumann.

do ensino médio que participa da

Professora da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas e Coordenadora de Extensão da Unidade São Gabriel.

1

As câmeras fotográficas do tipo “aponte/dispare” foram cedidas pela Pastoral da Unidade São Gabriel. Os participantes permaneceram com as câmeras durante uma semana, podendo fotografar livremente a casa e a comunidade.

2


155


156

oficina e o jovem estudante da PUC

No documento de avaliação da

Minas que ministra a oficina.

oficina, os estudantes da PUC Minas

Em “A Lógica do Sentido”,

relatam que observaram ao final

o filósofo Gilles Deleuze descreve o

dos encontros, junto aos alunos

“jogo ideal” como uma proposição

do ensino médio, uma postura que

sem imposição de regras.

refletia certo fortalecimento da

Isso permite que os participantes

auto-estima e uma visão mais

desdobrem o jogo para outras

positiva do futuro. Foram apenas

direções não determinadas a

cinco encontros, e é provável que

princípio e, portanto, não previsíveis.

o ganho maior tenha se dado por

Para tentar fugir de clichês é

parte dos alunos extensionistas,

necessário que a ação tenha algo

sobretudo no que se refere às

de desestabilizador, que propicie a

competências relacionais que se dão

suspensão de sentidos e a formação

no encontro com o outro,

de novos significados .

no compromisso com o coletivo,

3

com o ambiente e com a diversidade Isso é importante quando se

cultural.

pretende trabalhar o potencial do jovem. O Instituto Ayrton Senna

A atividade de extensão, mesmo

sugere como forma de qualificar

que pontual, desafia a todos a sair

a educação o desenvolvimento

de uma zona de conforto e encarar

das competências pessoais,

os jovens como sujeitos de direitos e

competências relacionais,

não apenas como aprendizes de um

competências cognitivas e

saber técnico.

competências produtivas . 4

MATOSINHOS, Leandro Mascarenhas; MENDONÇA, Ricardo Fabrino. Encontros de Diálogo. Rio de Janeiro: Oi Futuro; Belo Horizonte: Associação Imagem Comunitária, 2011.

3

LIMA, Rafaela Pereira (Org.). Mídias Comunitárias, juventude e cidadania. Belo Horizonte: Autêntica/ Associação Imagem Comunitária, 2006.

4


157


158

PENSANDO meu PROJETO de VIDA Maria Aparecida Ramos Queiroz1

Nos dias 17 e 18 de setembro de

dos determinantes de sua própria

2012, como atividade da disciplina

trajetória pode reduzir esse leque

de Orientação Profissional e da IV

drasticamente. A forma de escapar

SCAP, participamos da SCAP Lá&Cá,

dessa armadilha e ampliar o grau

com o tema: “Pensando meu projeto

de liberdade de escolha é tomar

de vida, pensando minha profissão”.

consciência dos determinantes, ou

Seu principal objetivo foi sensibilizar

seja, tomar consciência de que esses

um grupo de adolescentes para seu

fatores influenciam a vida da pessoa.

projeto de vida, incluindo a escolha profissional. Esse encontro se deu

Por isso, durante esse encontro,

por meio de oficinas de intervenção

utilizamos técnicas que

psicológica em duas escolas

possibilitaram auto-conhecimento,

públicas de Belo Horizonte,

conhecimento de habilidades

para alunos do ensino médio.

pessoais, das profissões, das diversas formas de acesso às

Falar de projeto de vida e escolha de

universidades, além de falarmos

profissão tem a ver com o processo

sobre as influências que sofremos

de escolhas que nem sempre é

para escolher entre cursos técnicos,

fácil e que é determinado por

tecnológicos, etc.

fatores muito fortes. Dessa forma, uma pessoa pode ter um enorme

Os adolescentes ficaram surpresos

leque de opções profissionais, mas

ao perceberem que eles partilham

a incorporação, ao longo da vida

medos e sonhos muito parecidos,

dos padrões de sua classe social,

que é possível encontrar

do sistema econômico, da forma

possibilidades juntos.

de ver o mundo de sua família e

Aí mesmo, ao falarmos sobre o


159


160


161

acesso à universidade, alguns tinham

Ao final da experiência, todos saímos

experiências que enriqueceram

com o horizonte ampliado: eles, com

muito a conversa.

o horizonte das possibilidades, nós, com o horizonte do conhecimento

Os alunos foram muito receptivos.

prático e teórico. E com a certeza

Agradeceram demais a proposta

da importância para nossa formação

feita e pediram que voltássemos

pois possibilitou-nos o contato e

outras vezes, e que o fizéssemos

percepção de questões que só a

para outras turmas.

teoria não abarca, além de ser uma forma bonita, efetiva, de partilha e solidariedade.

1 Aluna do 8.º período do curso de Psicologia da PUC Minas no São Gabriel 2 Escola Estadual Zilda Arns Neumann e Escola Estadual Professor Hilton Rocha


162

A PUC TV na COBERTURA JORNALÍSTICA da IV SCAP Cláudia Siqueira Caetano1

A PUC TV, emissora universitária

sociedade. Para dar conta desse

da Pontifícia Universidade Católica

objetivo, tem-se buscado, desde o

de Minas Gerais, entrou no ar

primeiro semestre de 2012, atuar de

em setembro de 1998, após a

forma mais próxima das unidades,

promulgação da Lei 8977, de 6 de

faculdades e órgãos que integram a

janeiro de 1995, conhecida como Lei

PUC Minas.

da Cabodifusão. Ela é transmitida pela NET (canal 12) e pela OI TV

A cobertura jornalística da IV

(canal 14). O objetivo da grade da

Semana de Ciência, Arte e Política

emissora, constituída por programas

(SCAP) da PUC Minas no São

diários, semanais, quinzenais e

Gabriel, realizada pela PUC TV,

mensais, é oferecer ao público um

foi uma oportunidade de marcar

conteúdo que se destaque pela

essa nova fase da emissora,

experimentação de novas linguagens

mais voltada para a exibição de

e novos formatos.

conteúdos que privilegiam o ensino, a pesquisa e a extensão na

O compromisso com a promoção

Universidade.

da cultura e da cidadania perpassa toda a programação da PUC TV.

Durante a cobertura da Semana,

A intenção é socializar o saber

a PUC TV realizou a transmissão

produzido na Universidade,

ao vivo da conferência de abertura

aproximando a academia da

do evento, com o professor


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Muniz Sodré, intitulada A periferia

os estagiários da emissora que

como voz emergente. Para essa

desenvolvem a programação da PUC

transmissão, contou-se também

TV sob a supervisão de profissionais

com o apoio da TV Horizonte (Rede

de comunicação.

Catedral). Palestras, atividades

A cobertura jornalística da IV

artísticas, culturais e intervenções

SCAP teve um papel importante

se tornaram pauta da programação

na formação técnica e humana dos

da PUC TV entre os dias 17 e 22 de

estagiários da emissora universitária.

setembro de 2012.

Esses jovens estudantes de

Foram produzidos dois Espaços PUC

comunicação social vislumbraram na

e diversos Giros, boletins diários de

experiência uma oportunidade para

notícias que vão ao ar três vezes ao

desenvolver a prática profissional

dia, dando visibilidade aos temas

aliada a uma discussão crítica

trabalhados na IV SCAP.

sobre o centro, a periferia e os deslocamentos característicos da

A produção de matérias, stand ups,

contemporaneidade nas formas de

flashes, notas cobertas, mobilizou

ocupação do espaço urbano.

1 Coordenadora da PUC TV (SECAC) e professora da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas. 2 Lattes: http://lattes.cnpq.br/0860690527004267


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http://www.youtube.com/watch?v=nE3S7H6Mtiw Conferência:

O Consumo na Base da Pirâmide:

um “retrato” do consumidor de baixa renda no Brasil

Conferencista: Marcelo de Rezende Pinto

Doutor e Mestre em Administração pelo CEPEAD/UFMG

http://www.youtube.com/watch?v=vhtrQZcF9O0 Conferência:

O impacto da experiência da pesquisa,

extensão e estágio na formação do aluno

Conferencista: Manoel de Almeida Neto

Doutor em Sociologia

http://www.youtube.com/watch?v=EWZxJj8xmA8 Conferência:

O processo de ampliação (e diluição, em alguns casos)

das fronteiras entre as disciplinas ‘psi’,

o desenvolvimento de novas práticas e o lugar/papel

da periferia no âmbito dessa discussão.

Conferencista: Leny Sato

Doutora em Psicologia Social pela USP

http://www.youtube.com/watch?v=FDJJx9X7d1g Conferência:

Protagonismo, inovação e juventude

– o exemplo do Plug Minas

Conferencista: Hannah Drummond

Diretora de Projetos Especiais do Instituto Cultural

Sérgio Magnani / Plug Minas.

http://www.youtube.com/watch?v=fSLS0qtk4n4&feature=youtu.be Conferência:

Arte, Cultura e Transformação Social

Conferencista Clarice Libânio

Fundadora e diretora da ONG “Favela é isso aí”.

http://www.youtube.com/watch?v=GA8n6o4HcEU Conferência:

Co-criando a transformação em rede

Conferencista André Lima Maciel.

Sócio-fundador do Hub Belo Horizonte.


ISBN:

978-85-8239-005-4


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