INTRODUÇÃO Passado apenas 1/5 do século XXI, já temos evidências suficientes de que precisamos reajustar a forma como produzimos, consumimos e nos relacionamos. São incontáveis as tragédias mundiais e nacionais que ocorreram nos últimos 20 anos: aumento no nível dos oceanos, acidentes nucleares irreversíveis, recordes de desmatamento e queimadas na Amazônia e no Pantanal, vazamento de óleo nos oceanos, rompimento da barragem em Mariana, e a mais recente tragédia sanitária mundial da COVID-19. Embora essa listagem aparente ser uma visão pessimista ou ainda uma anunciação do colapso inevitável, reforço que são apenas fatos de eventos reais que aconteceram nos últimos anos no Brasil e no mundo. Entretanto, tragédias não são apenas as de grande divulgação e comoção como as supracitadas, pois diariamente a nossa forma de habitar e viver avança em direção a situações irreversíveis, e a consequente destruição do planeta. E são nas cidades onde essas atividades ocorrem com maior voracidade, a partir do acúmulo de lixo incapaz de ser decomposto na mesma velocidade que é produzido, da poluição corrente de rios por falta de tratamento de esgoto, ou ainda da grande geração de dióxido de carbono pelos meios de transporte motorizados à combustão. Segundo dados da ONU, atualmente 55% da população mundial vive em áreas urbanas, e
a expectativa é de que essa porcentagem aumente para até 70% até 2050. Semelhante a isso, os gráficos abaixo mostram que no Brasil a situação é ainda mais representativa, podendo chegar a mais de 90% para o mesmo ano. Com isso, aumentam também a produção de lixo, a demanda por transportes motorizados, desmatamento, impermeabilização do solo, ilhas de calor, poluição dos rios etc. “Tomando-se como referência o fato de a maior parte da população brasileira viver em cidades, observa-se uma crescente degradação das condições de vida, refletindo uma crise ambiental. Isto nos remete a uma necessária reflexão sobre os desafios para mudar as formas de pensar e agir em torno da questão ambiental numa perspectiva contemporânea.” (JACOBI, 2003, p.190)
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Para além das questões ambientais, a forma como habitamos e produzimos a cidade atualmente é prejudicial também em termos de saúde. Segundo o médico patologista e pesquisador Paulo Saldiva, a vida urbana implicou na piora da saúde da população urbana de diversas formas, visto que algumas doenças surgiram ou são decorrentes da vida urbana e seus desdobramentos. Entre os casos, estão o aumento na obesidade, doenças cardiorrespiratórias, e as mortes no trânsito. O médico ainda afirma que para esses problemas a resposta não deve se dar por intermédio de medicamentos ou tratamentos, mas sim a prevenção e a melhora na qualidade de vida urbana. Em uma reportagem à Revista FAPESP em 2016, o médico comentou estudos que relacionam a proximidade de habitação a parques com a diminuição no risco de morte por infarto agudo, e que isso se deve ao aumento da umidade, diminuição da poluição e exercícios físicos ao ar livre. (FIORAVANTI, Revista FAPESP, 2016) Soma-se, finalmente, a maior crise sanitária e humanitária dos últimos com o surgimento do vírus SARS-CoV (popularmente conhecido como coronavírus), que no instante em que escrevo já fez mais de 3,94 milhões de vítimas globais, sendo 516 mil no Brasil - o segundo país com maior número conforme mostra o gráfico seguinte.