5 minute read
O Situacionismo de Debord
Aurora; explicação da técnica fotográfica pinhole. Nesta seção eu discorro como ocorreu a pesquisa de campo na rua Aurora e como surgiu o interesse de investigar especificamente essa rua, mais adiante descrevo o que notei na rua, as atividades comerciais ali presentes, o perfil do público que transita e reside na Aurora e a paisagem, o contexto físico, os prédios e demais construções que formam o seu entorno. No quarto capítulo trago o processo. As fotografias capturadas por pinhole de todo o percurso de deriva e as imagens do caderno de anotações, com as minhas impressões sobre a rua Aurora, trechos de conversas e os tempos de exposição do experimento fotográfico. O quinto e último capítulo traz a construção da peça e suas etapas de desenvolvimento: ideia gráfica, experimentação e linguagem, tipografia, suporte, grid, paleta cromática e arte final. Por fim, as considerações finais e o acervo bibliográfico consultado durante o projeto.
cap 1 referencial teórico
Advertisement
21
1 Poeta romeno, crítico de cinema e artista visual, fundador do Letrismo, um movimento literário e artístico com inspiração no legado revolucionário de esquerda do Dadaísmo e do Surrealismo.
22
O Situacionismo e a Deriva
A Internacional Situacionista surgiu na França no início dos anos cinquenta, resultado de uma formação coletiva anterior, chamada de a Internacional Letrista, pautada nos pensamentos de Isidore Isou1. O grupo, formado Guy Debord, Gil Wolman, Michele Bernstein, Mohamed Dahou, Jacques Fillon e Gilles Ivani, rompem com as ideias de Isidore e fundam a IS. O coletivo integra um conjunto de movimentos contestatórios que surgiram no contexto posterior à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), assim como as vanguardas, sendo formações engajadas numa prática antiarte e com alto teor de criticidade ante a sociedade burguesa e a alienação do sujeito. No centro dos interesses do grupo já não está a poesia, mas sim um modo de viver apaixonado que se traduz em aventura no ambiente urbano. Lê-se poesia, aqui, como uma metáfora das artes formais que recebem o reconhecimento da academia e uma crítica ao que é poesia, quem a define, se só é poético se construído na estrutura já reverenciada pela literatura.
A poesia chegou à consumação dos seus últimos formalismos. Para além da estética, a poesia está totalmente no poder que os homens terão nas suas aventuras. A poesia lê-se nos rostos. Assim, urge criar novos rostos. A poesia está na forma das cidades. Construímos a subversão. A nova beleza será de situação, vale dizer, provisória e vivida [...] A poesia não significa senão a elaboração de comportamentos absolutamente novos e dos meios com os quais se apaixonar. (CARERI, 2010, p.86).
A IS teve sua produção articulada sobre a tríade política, estética e espaço urbano, e possui fortes influências do Dadaísmo e Surrealismo, movimentos artísticos que também se aproximaram da concepção e experiência de uma cidade imaginária, carregada de conteúdo simbólico. As excursões dadaístas e as errâncias surrealistas são as primeiras tentativas de leitura da cidade através de sua configuração espacial.
2 A construção desse tipo de mapa não é uma invenção dos Situacionistas, mas remonta ao século XVII, mais especialmente na Carte de Tendre, realizada por Madeleine de Secudéry em 1653. A investigação da cidade pelo flâneur, segundo a historiadora de arte norte-americana, Christel Hollevoet, vem sido apropriada por grupos de poéticas artísticas desde meados do século passado. O pensamento situacionista estava interessado em ir além dos padrões vigentes da Arte Moderna, passando a propor uma prática artística ligada diretamente à vida, uma arte integral, que deslocasse o indivíduo da alienação do cotidiano. O grupo, no início, objetivava construir cidades, o ambiente apropriado para o despertar ilimitado de novas situações. As investigações urbanas estavam atreladas à experiência da cidade existente através de novos procedimentos e práticas: a psicogeografia, a deriva e a criação de situações novas no espaço urbano. Por meio desses novos procedimentos o grupo acreditava que os resultados das experiências trariam base para uma proposta de cidade situacionista, mas logo a ambição de construir cidades reais cedeu lugar à crítica contra o urbanismo, o sistema capitalista, a alienação do cotidiano e o planejamento em geral, que visava exclusivamente o discurso de uma classe dominante e a territorialização do espaço regida por interesses econômicos. Paola Berenstein Jacques, em seu texto Breve histórico da Internacional Situacionista, pontua que na ideia de pensamento urbano situacionista “não existiu uma forma situacionista material de cidade, mas sim uma forma situacionista de viver ou experienciar a cidade. “ (JACQUES, B. P., 2003) Uma das primeiras produções do grupo utilizando as práticas de deriva e psicogeografia foi o mapa Naked City2, realizado por Debord, que aparece em um dos manifestos da Internacional Situacionista (1959) e remete à possibilidade dos trajetos entres os pontos construírem narrativas. A definição de psicogeografia da IS é apresentada como “o estudo dos efeitos precisos do meio geográfico, conscientemente organizado ou não, que atuam diretamente no comportamento afetivo dos indivíduos.” (CARERI, 2010, p.90). A cartografia foi utilizada como recurso para representação gráfica de um percurso psicogeográfico, subjetivo e intuitivo.
23
24
Mapa Naked City, realizado por Guy Debord em 1959
Carte de Tendre, realizada por Madeleine de Secudéry em 1653
Em Além dos mapas (1997), Cristina Freire aponta que a apropriação da cidade de forma significativa se faz por ordem do acaso. As descobertas de lugares onde a imaginação ganha terreno não são voluntárias, mas remetem a múltiplas possibilidades de encontro. A psicogeografia é um método de abordagem da cidade que possibilita a construção de mapas imaginários. O objetivo dos mapas imaginários é de outra ordem, mais vivencial e narrativo, não possui responsabilidade de informar e não tem valor técnico. “A psicogeografia pressupõe a cidade como sendo também a representação que os cidadãos têm dela, isto é, a cidade enquanto usina do imaginário social”. (ANDRADE, 1993, p.17).
Debord chamou esse trabalho de “Guia Psicogeográfico de Paris”. São dezenove setores da cidade, entre os quais diversos monumentos, ligados por flechas vermelhas. Tais flechas indicam as possíveis trajetórias. Porém as distâncias nesse mapa não correspondem às distâncias reais, mas a intervalos vivências psicogeográfico. Não têm uma extensão objetiva e, portanto, não se prestam à quantificação, e as flechas são coloridas de vermelho, sugerindo a intensidade dos afetos. Naked City não cobre toda a cidade, mas apenas pontua lugares significativos da experiência urbana e traça, entre esses pontos, estranhos trajetos, onde as distâncias não são medidas físicas. Fragmentado, repudia a homogeneização dos espaços provocada pela sociedade capitalista. (FREIRE, 1997, p.72)
No mapa de Debord, cada setor da cidade tem uma atmosfera diferente e, portanto, comporta distintas narrativas. A cidade é compreendida como um teatro de operações e um dos procedimentos para sua exploração é a deriva. A deriva se corresponde diretamente com os princípios surrealistas de exploração da cidade, através de procedimentos que conectam o inconsciente, as fantasias e memórias, o imaginário. A definição de deriva segundo a IS “é um modo de comportamento experimental ligado às condições da sociedade urbana: técnica de
25