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O Caminhar. O visível. O invisível

26 passagem apressada por vários ambientes. Mais particularmente, também designa a duração de um exercício contínuo desta experiência. “ (CARERI, 2010, p.90). É preciso pontuar a distinção entre o flâneur e a deriva. O primeiro, no século XIX, tinha como característica principal o prazer de olhar, mas em contrapartida, aquele que deriva se apropria dos objetos nos quais investe seu olhar e sua fantasia. Trazendo uma atitude mais crítica comparada a do flâneur, o teor crítico e político do indivíduo que deriva está estritamente relacionado com o período pós-Guerra, quando os veículos de comunicação em massa ganham mais impulsos e os espaços perecem de contrastes e tornam-se homogeneizados por meio da lógica de um sistema organizacional capitalista pautado no valor de troca e propriedade.

Aquele que deriva não considera as coisas espontaneamente visíveis, objetos de contemplação como o flâneur, mas entende que os quarteirões por onde andam são construções sociais e, portanto, ele é capaz de “reconstruí-los”, rompendo-os, fragmentando-os com o seu caminhar. (FREIRE, 1997, p.68). Thomas McDonough em seu livro, The Situationist space, explica: A deriva como um “discurso pedestre” reinstala o valor de uso do espaço numa sociedade que privilegia o “valor de troca”, ou seja, sua existência enquanto propriedade [...]. Uma importante ferramenta para os Situacionistas era fazer com que a deriva pudesse mudar o significado da cidade, através da forma como ela era habitada. Essa luta foi conduzida não para que fosse feito um novo mapa cognitivo, mas para se construir um mapa coletivo mais concreto, um espaço cujas potencialidades permanecessem abertas para todos os participantes nessa narrativa lúdico-construtiva de um novo território urbano. (MCDONOUGH, 2010, p.75).

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Além da psicogeografia e da deriva, conceitos fortemente articulados pelo movimento Situacionista, seus membros e idealizadores também acreditavam ser possível a criação de situações novas capazes de fazer o indivíduo emergir de sua alienação cotidiana e dos

3 Termos usado nos escritos desenvolvidos pelo próprio grupo da IS. espaços de insurgência da cidade e se reconhecer como sujeito da própria história, pois a partir desse reconhecimento o indivíduo passa de habitante e simples espectador a construtor, transformador e vivenciador3 de seus próprios espaços, o que impediria a espetacularização urbana. A Internacional conceitua a situação construída como “momento de vida, concreta e deliberadamente construído mediante a organização coletiva de um ambiente unitário e de um jogo de acontecimentos” (CARERI, 2010, p.90) O pensamento acerca da construção das situações está ancorado na ideia de jogo abordado por Johan Huizinga, na publicação do Homo Ludens: O jogo como elemento da cultura, e na relação que o indivíduo estabelece com o tempo, pois na dinâmica de uma sociedade de consumo a fruição de tempo se associa com a lógica do mercado e até o momento destinado ao lazer passa a ser um prolongamento do trabalho alienado. A IS almejava reprogramar esse padrão de comportamento. Desestimulando tal associação, o indivíduo daria voz aos seus desejos e vontades, distanciando-se de sua função de mantenedor do sistema, tornando-se protagonista e sujeito de suas ações e experiências, o que desencadearia uma maior percepção do tempo, espaço e sua realidade urbana.

[...] Se o tempo de espairecimento se transformava cada vez mais em tempo de consumo passivo, o tempo livre tinha de ser um tempo dedicado ao jogo, tinha de ser um tempo não utilitarista, mas lúdico. Por isso, era urgente preparar uma revolução fundada no desejo: procurar no cotidiano os desejos latentes das pessoas, provocá-los, reativá-los e substituí-los por aqueles impostos pela cultura dominante. Assim o uso do tempo e o uso do espaço escapariam às regras do sistema e chegariam a autoconstruir novos espaços de liberdade... desse modo, a construção de situações era o modo mais direto de realizar na cidade novos comportamentos e de experimentar na realidade urbana os momentos do que teria podido ser a vida numa sociedade mais livre [...] (CARERI, 2010, p.90).

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