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5.1.3. Gravuras

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5.1.2.	Desenhos

5.1.2. Desenhos

5.1.3 - GRAVURA

A gravura também foi uma das linguagens que utilizei para produzir a série NADANADA. A gravura, seja em metal, xilogravura, litografia ou serigrafia, é uma prática recorrente no meu fazer de artista plástico. No ano de 2000, nas Oficinas Culturais Oswald de Andrade, em São Paulo, iniciei minhas pesquisas no campo da gravura em metal,certamente por influência do trabalho gráfico de Iberê Camargo. Porém, as artes gráficas aparecem na minha trajetória desde os meus primeiros trabalhos comerciais, quando trabalhei em uma gráfica como arte finalista. Sempre me interessaram muito as técnicas de impressão, seja comercial ou artística. Na minha formação acadêmica em Artes Plásticas na Escola Guignard em Belo horizonte, formei com ênfase em gravura. Sou especialista em gravura em metal, serigrafia e litografia por aquelainstituição.

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A professora Maria do Carmo Freitas Veneroso, daEscola de Belas Artes da UFMG, em seu artigo "O campo ampliado da gravura: continuidades, rupturas, cruzamentos e contaminações" (2014), reflete justamente sobre o que me proponho a pesquisar em termos de contaminações formais nas artes plásticas. Veneroso baseia-se no conceito de Rosalind Krauss acerca de um campo ampliado, no qual a gravura dialoga com outras linguagens. Krauss, segundo Veneroso, determina que esse conceito de campo ampliado pode se tornar infinitamente maleável. Ou seja, em contrapartida a uma demanda modernista de pureza e separação dos vários meios de expressão, a prática pós-modernista preza por um estilhaçamento das fronteiras entre esses meios,fazendo com que múltiplas linguagens operem conjuntamente em uma obra. Segundo Veneroso:

A troca frequente que tem existido entre as linguagens artísticas faz com que, ao interagirem umas com as outras, elas contribuam para que ocorra uma ruptura com antigos parâmetros que preservaram a autonomia das disciplinas, exigindo assim, novas formas de abordagem. (VENEROSO, 2014,p. 172)

Assim, estender o campo das artes para além da pura visualidade, tem sido o questionamento de muitos artistas. A gravura tem como objetivo contemporâneo

ampliar seu campo de atuação. É o que percebe-se no procedimento de vários artistas contemporâneos ao lançarem mão de processos comerciais de impressão.

Iberê Camargo tem uma extensa obra gráfica. Por toda a sua existência não se furtou aos mais variados experimentos com gravura. Produziu em xilogravura, em monotipia, em serigrafia, , no metal, a maneira-negra e a gravura em cores. Sua extensa obra gráfica é composta de inúmeras experiências. Camargoera um curioso, fazia para saber como se faz. Mas a meu ver, é em procedimentos técnicos específicos, como no metal, nas águas-fortes e águas-tintas, que ele conseguiu maior desenvoltura para a construção da imagem desejada.

O artista deixou um grande legado para a história da gravura brasileira. Além do seu completo Catálogo Raisonné (2006). Camargo também lançou um livro, A gravura (1992), no qual compartilha todo o seu conhecimento técnico, resultado de anos de pesquisa e estudos, que se iniciaram em 1948 em Roma, com o professor Carlos Alberto Petrucci.

No livro, Iberê Camargo, de forma bastante didática, mostra as diversas técnicas da gravura em metal e até desenha um projeto de uma prensa para impressão de gravuras.Um livro bastante útil para iniciantes e mesmo para apreciadores da arte gráfica do metal. Nele, Camargo ensina praticamente todas as maneiras de se fazer gravura. Uma atitude bastante generosa do Mestre, visto que, comumente, essas "receitas" eram escondidas dos discípulos como uma forma de poder. Camargo desfez esta ditadura e mudou a relação entre professor e aluno, divulgando para quem quer que quisesse saber, depois de ter compilado com muito esforço, todas as técnicas da gravura.

Entretanto, apesar de muito experimento, domínio da técnica e compartilhamento do conhecimento, os experimentos de Camargo giravam dentro da técnica tradicional da gravura. O artista sempre prezou uma pureza da linguagem. Seja na pintura, que era a óleo sobre tela, no desenho ou na gravura, ele não contaminou sua arte com outras linguagens. Cada produção artística era produzida dentro de suas técnicas tradicionais .

O que proponho para a série NADANADA, com o intuito de corroborarcom a arte contemporânea, que é onde minha arte se insere, é uma contaminação

intermidiática de linguagens. Para começar, esta pesquisa já tem, em sua gênese, o diálogo estreito entre a palavra e a imagem. Estas contaminações muitas vezes envolvem, por exemplo, procedimentos de impressão . Como explica Veneroso:

Sem dúvida o desenvolvimento e a popularização de novos processos de impressão colaboraram fortemente para que a imagem gráfica inundasse até mesmo o espaço público, na forma de intervenções urbanas. A apropriação de imagens pré-existentes, a colagem, os processos fotográficos, a busca da tridimensionalidade na gravura são alguns dos fatores que colaboraram para a expansão do modo de atuação dos gravadores. (VENEROSO, 2014, p. 175)

Para a professora de gravura, tem havido uma nítida aproximação entre impressão, texto e imagem, e estediálogo tem desfocado as fronteiras que definiam a gravura tradicional. Enquanto vários gravadores continuaram fiéis às técnicas tradicionais de gravura, como foi o caso de Iberê Camargo, outros passaram a estender os seus limites para além daqueles usualmente aceitos.

Em todas as peças produzidas para a série NADANADA, pode-se notar uma estreita relação entre a palavra e a imagem. Não só nas gravuras, mas também nas pinturas, nos desenhos, no vídeo, nas performances, ou seja, toda a série está calcada no diálogo entre diferentes códigos de linguagens.

Este diálogo se revela em contaminações aparentes nas peças, onde utilizei a apropriação de fragmentos da realidade urbana: material impresso como textos tipográficos, jornais, partituras musicais, embalagens, bilhetes de metrô, de forma a introduzir a palavra na produção visual. Uma prática recorrente para dadaístas, surrealistas e cubistas, e que a contemporaneidade retoma valorizando esta vocação das artes visuais em dialogar com a escrita.

A apropriação do jornal,e de outros materiais impressos de segunda mão vai ser feita por vários artistas contemporâneos do século XX e início do século XXI. Esses procedimentos intermidiáticos é o que vem norteando a minha produção plástica, como apresento aqui.

Na série NADANADA a opção de técnica para a produção das gravuras foi a da gravura digital. O processo de impressão digital pode ser visto como uma metáfora da contaminação da gravura tradicional, ressaltando assim que não faz mais sentido

tentar preservar uma suposta pureza da gravura, já que o diálogo entre arte e nãoarte pode ser estimulante. Afinal agravura já traz, inerente a seu DNA, a genética da impureza já que, em termos históricos, foi utilizada com finalidades não artísticas como o jornal, rótulos e ilustrações científicas, ou seja, circuitos que não são reconhecidos como arte. Assim essa impureza do meio torna-se excitante ao ser colocada à luz da produção artística.

Ou seja, talvez seja desafiador buscar não a diferenciação entre gravura comercial e gravura artística, mas algo na direção oposta, que questione, coloque em xeque, provoque um curto-circuito na diferenciação, como já vem sendo feito por vários artistas. (VENEROSO, 2014, p. 177)

A criação das gravuras impressas da série, por meio digital, envolveu diversos procedimentos, inclusive manuais. Foi gerado um arquivo que funcionou como uma matriz, a partir da qual foram impressas as cópias. Dessas cópias vinte foram selecionadas para integrar uma edição. Por fim o arquivo-matriz foi destruído, e assim a edição adquiriua categoria artística, ou seja, não poderá mais ser impressa.

Em uma edição de gravura tradicional, é comum a destruição da matriz e a impressão desta matriz destruída para que se tenha certeza que não haverá impressões eternas. E assim as cópias feitas tornam-se objetos artísticos, assinados e numerados. Nota-se que, apesar da técnica de impressão digital, alguns procedimentos tradicionais foram preservados, não havendo assim exclusão de procedimentos, mas uma soma, onde técnicas contemporâneas de última geração tecnológica dialogam com procedimentos tradicionais artísticos. Como esclarece Maria do Carmo Veneroso:

A gravura atravessa, neste início de milênio, uma fase de mudanças e indefinições, que também caracterizam grande parte da arte que vem sendo produzida. Neste contexto, não seria adequado recorrer a conceitos fixos, por tratar-se de um terreno movediço, e por isso mesmo, instigante e desafiador, onde não cabem definições fechadas. Aos poucos, processos de impressão digital estão sendo disponibilizados, para que também possam ser incorporados pelos artistas aos seus trabalhos, fazendo com que a matriz numérica seja usada e valorizada, lado a lado com as matrizes físicas, ampliando ainda mais o campo da gravura. (VENEROSO, 2014, p. 182)

Fig. 143 Fig. 144

Fig. 145 Fig. 146

Figura 143 a 146 -Andre Araujo, Entranhas da d'alma, 2018. Gravura digital,31 x 42 cm

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