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Conclusão
from O ESGAR DO CRÂNIO NU: a construção da imagem do corpo em Hilda Hilst e Iberê Camargo
by Andre Araujo
CONCLUSÃO
O trabalho que compreende uma tese teórico-prática é marcado por um duplo caminho, que envolve uma reflexão sobre o tema escolhido e, simultaneamente, a criação de obras artísticas. É o que se chama de uma pesquisa em artes. O texto apresenta e discute a parte prática como um diário de bordo das experiências sobre os caminhos escolhidos, as dificuldades e mudanças de rotas. E também apresenta o embasamento conceitual com o qual procurei trabalhar ao longo da pesquisa. Nesta tese, a escrita procurou contextualizar os trabalhos práticos, bem como as relações entre a palavra e a imagem nas obras de Hilda Hilst e de Iberê Camargo, estabelecendo associações com referências na história da arte e da literatura.
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Neste trabalho duplo entre o fazer da escrita e o fazer prático tem-se que lidar com um processo ininterrupto de ir e vir, de um caminho a outro, com uma constante sensação que o outro ainda não está terminado. E, nesse processo, quando se está debruçado sobre um dos lados, o outro fica a chamar.
A pesquisa para a escrita foi pautada pelas leituras que ofereceram um campo de descoberta imenso e constelar, onde um autor pode despertar outro, estabelecendo uma rica rede de referências. Já o trabalho prático se baseia na experimentação de ideias, gerando obras que podem se concretizar e integrar o trabalho final, ou serem meros processos que, mesmo incompletos, são parte do procedimento e podem permanecer guardados à espera de novos elementos.
As obras de Iberê Camargo e de Hilda Hilst são muito ricas em infinitos aspectos, porisso foi necessário muito esforço para manter-me focado apenas na questão do corpo nas obras desses dois artistas. Na parte escrita desta pesquisa, segui estratégias que permitiram a discussão da temática do corpo em Fluxo-floema e nas pinturas de Iberê Camargo. Essas estratégias, ofereceram-me um levantamento de sentido histórico sobre as transformações que aconteceram ao longo do tempo no universo da literatura e das artes plásticas.
O corpo tem sido objeto de curiosidade do homem desde que ele tomou consciência de sua materialidade. E vem sendo até hoje motivo de investigações de várias áreas do conhecimento, como a sociologia, as ciências, a antropologia, a literatura, as artes visuais, dentre outras. Na contemporaneidade entende-se que o corpo carrega informações culturais, artísticas, sociais ou políticas. O corpo não é só carne e osso, não se limita à leis da fisiologia, no corpo estão escritas todas as regras, medos e valores de uma determinada sociedade.
É justamente por ser considerado um instrumento de comunicação que o corpo foi, e ainda é, usado nas artes visuais e na escrita como elemento de constituição do trabalho de artistas e escritores. Ao olharmos para as linguagens da escrita, da pintura, da escultura, podemos perceber que a representação do corpo é um dos temas mais frequentes dos poetas e artistas, desde o Renascimento.
A construção da imagem do corpo nas obras de Iberê Camargo e de Hilda Hilst foi oquenorteou esta pesquisa. Identifiquei diversas correspondências entre o pintor e a escritora, no que diz respeito à temática corporal. Tanto em Hilda quanto em Iberê o corpo é a demarcação primeira, e é nele que ambos imprimem suas expressividades, através de uma representação grotesca, abjeta e quase sempre agressiva.
Constatei, baseado nas leituras, que mesmo distante fisicamente e temporalmente, o pintor e a escritora apresentam um alto grau de irmandade artística. Seus procedimentos, seja na escrita, seja na visualidade, entrecruzam-se em homologias e diálogos.
Numa espécie de desenho esquemático delineei esta tese. Sobretudo, minha intenção foi identificar correspondências entre a escrita e a imagem, numa hipótese de relação acerca do corpo entre as obras do pintor e da escritora. Foi instigante produzir este trabalho múltiplo, onde a identificação dessas relações na construção da imagem do corpo foi uma homenagem a Hilda e a Iberê. Mais do que uma homenagem, trata-se aqui de recuperar aspectos que considero fundamentais em suas obras, e ao procurar evidenciar essas relações procuro também manter viva a obra desses dois nomes fundamentais da arte brasileira.
Assim, constatada a hipótese, a título de uma conclusão, nunca absoluta já que o término de uma tese é, ou deve ser, muito mais a abertura a novas indagações do que propriamente o encerramento de um problema, pude sublinhar os resultados a partir da construção da imagem do corpo nas obras propostas aqui.
Ao longo da pesquisa, tornou-se evidente a hipótese de que há relações entre a obra de Hilda Hilst e as pinturas (na fase final) de Iberê Camargo, no que se refere à imagética corporal. Exemplo disso é a presença das figuras grotescas, da abjeção, a presença da morte e da violência humana nas obras dos dois. Constatei também que, tanto em Hilst quanto em Camargo, a linguagem do corpo aparece sob a égide da fragmentação e da multiplicidade.
Ao longo de suas trajetórias artísticas, Hilda Hilst e Iberê Camargo marcaram seus trabalhos por uma extrema entrega aos problemas do corpo e seus mistérios. Entregues a essa busca souberam ser fiéis às suas próprias poéticas. É a partir dessa fidelidade que tantas mudanças ocorreram em suas obras, conforme tive a oportunidade de acompanhar e aqui expor.
Tenho certeza de que não esgotei as análises e estudos teóricos pertinentes à temática da construção do corpo. O diminuto espaço de uma tese não permite o esgotamento dessas relações justamente por seu caráter infinito e múltiplo.
Afora as questões objetivamente apontadas, a partir das hipóteses e conclusões apresentadas, esta tese indica também algumas questões não explicitadas de forma direta, mas que derivam, de modo geral, dos problemas aqui estudados. Entre essas questões, destaco a importância dos estudos do corpo, no sentido de permitir a visualização de novas perspectivas nos estudos intermidiáticos, sob um olhar mais integrado e menos isolado em relação aos artistas contemporâneos e suas produções. Visto assim, o corpo, sob a luz da intermidialidade, torna-se uma ferramenta para o estudo sistêmico da interarte, a partir dos encontros e desencontros de escritores e artistas visuais, seus silêncios e suas evidências.