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5.1.6. Livro de artista

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5.1.5.	Animação

5.1.5. Animação

Figura 153- O arquivo do Photoshop é exportado para o After Efects e editado

5.1.6 - LIVRO DE ARTISTA

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Outra linguagem produzida para a série NADANADA foram os livros de artista. Escolhi o livro de artista como forma de expressão para este trabalhopor se tratar de um local privilegiado das artes, onde podemos ter dentro de uma mesma obra diversas mídias diferentes. Isso naturalmente faz um diálogo com o livro de Hilda Hilst que também é um livro intermidiático. A professora Maria do Carmo Freitas Veneroso nos explica:

Os livros de artista utilizam frequentemente a fusão entre mídias que pode ocorrer nas relações intermidiáticas, quando por exemplo palavras e imagens dialogam, sendo que o elemento visual funde-se conceitual e visualmente com as palavras. Os livros de artista podem, pois, ser considerados textos ou gêneros multimídias. (VENEROSO, 2012; p.86)

Foram desenvolvidos dois tipos de livro de artista: um foi criado para ser impresso em gráfica com uma certa tiragem, e o outro para ser uma peça única. Como já foi mencionado antes, inicialmente meu objeto de pesquisa era o livro de

Hilda Hilst Contos d'escárnio, textos grotescos, porém, no decorrer do processo, mudei para o livro Fluxo-floema por razões já descritas aqui. O fato é que, como a pesquisa em artes prevê uma produção prática concomitante à teórica, criei o livro Olho de Cão (2016) que foi baseado no livro Contos d'escárnio... e que acredito ser relevante apresentar aqui pois fez parte do processo de trabalho.

O livro Olho de Cão é um diálogo entre texto e imagem, produzido a partir da transmutação intersemiótica do texto de Hilst para a linguagem visual, e com base na metodologia de pesquisa em artes.

Contos d’escárnio... é um livro intermidiático por conter em seu texto uma grande diversidade de gêneros e estilos. Como explica Alcir Pécora:

“Contos d’escárnio. Textos grotescos (1990), de resto, é um desses típicos livros hilstianos, nos quais ocorre a mistura de gêneros. Certa disposição discursiva anárquica desordena a narrativa, que se compõe sucessivamente como romance memorialístico; diálogos soltos intercalados à história; imitação de certames poéticos à moda das antigas academias; apóstrofes aos leitores, maltratados como ignorantões; apóstrofes aos órgãos sexuais personificados, como apropriações bizarras de lugares-comuns do discurso pornográfico; contos e mini contos com autoria distribuída a diferentes personagens do livro; crônicas políticas; comentários etimológicos e eruditos; crítica literária etc. [...] Há ainda, no mesmo livro, paródias de textos didáticos; textos dramáticos, muito incorretos politicamente, que fazem jus ao título de teatro repulsivo; fábulas e piadas escabrosas; partes de novelas epistolares; excertos filosóficos; textos psicografados etc. - tudo em sucessão acelerada, como a despencar precipícios e vertigens.” (PÉCORA, 2010; p.15)

Outro fator que dialoga a produção do livro Olho de Cão com os conceitos do livro de artista é o fato de ter sido usado o textode Hilst,do livro Contos d’escárnio... Isso é uma prática frequente na arte contemporânea e principalmente na produção de livros de artista. “A apropriação de textos e imagens é recorrente ao longo da história da arte, mas a apropriação de livros inteiros é um fenômeno recente. Alguns livros de artista são baseados em uma obra literária ou em um exemplar específico preservando suas marcas de uso.” (CADÔR, 2016; p.9) O conceito de apropriação se dá também no sentido de deslocamento. Muda-se o lugar do objeto do âmbito da literatura para o lugar das artes visuais. “A apropriação integral de um livro por um

artista é um novo modo de hipertextualidade, que modifica a obra pelo deslocamento do seu contexto original.” (CADÔR, 2016, p. 390) Ou seja: “Há um deslocamento de gênero da obra, da literatura para as artes visuais, realizado pela inclusão do nome do artista visual na capa do livro. O livro passa a circular no circuito das livrarias especializadas e das galerias de arte.” (CADÔR, 2016, p. 391) Assim, oconceito de autoria também é posto em questão na produção do livro Olho de Cão. Ao apropriar-me dos textos de Hilda Hilst questiono o processo criativo da escritora,que também apropria-se de outros textos e baseia sua criação no emprego de matrizes canônicas de diferentes gêneros da tradição. Aproveito para citar um poema de Glauco Mattoso:

A obra é um roubo. O leitor é um bobo. O autor é um ladrão. A autoria é uma usurpação. A criação é uma fraude. Criatividade é repertório. Imaginação é memória. Ideia não é propriedade.(MATTOSO, 2001, S.P. apud. CADÔR, 2016; p.386)

Todas as artes foram exclusivamente criadas para o livro e todas produzidas digitalmente, ou seja, no computador, lembrando que nenhuma arte foi uma reprodução de obras pré-existentes. As artes finais foram criadas com o intuito de obter uma excelente reprodutibilidade técnica. Foram utilizados softwears como o Photoshop para a manipulação de imagens e colagens digitais, o Artrage para pinturas digitais e o Indesign para a paginação e preparação para a impressão na gráfica em tecnologia offset. Prezou-se por uma edição do livro em que constasse o ISBN (International Standard Book Number), e foi produzida uma tiragem de 300 exemplares numerados e assinados.

Gostaria de ressaltarque o título do livro Olho de Cão é uma referência aum livro de Hilda Hilst Com meus olhos de cão (1986). É também uma referência à centena de cães que elacriava em sua Casa do Sole,por fim, uma referência à capa do disco de

Tom Zé, Todos os olhos (1973), na qual aparece uma fotografia em close de um ânus com uma bola de gude em cima.

Figura 154-Caderno de esboços Olho de Cão

Figura 155-Caderno de esboços Olho de Cão

Figura 156-Caderno de esboços Olho de Cão

Figura 157-Página dupla do livro Olho de Cão

Figura 158-Capa do livro Olho de Cão

Outra produção em Livro de artista feita para essa série foi o livro Corpo-Fluxo (2018). Ao contrário de Olho de Cão, o livro, é uma peça única, que não pode ter uma tiragem impressa. O trabalho foi desenvolvido em um exemplar físico do livro Fluxo-floema, edição de 1970. Trata-se de uma apropriação do livro de Hilst, um livro raro, comprado de segunda mão, onde foi mantido o nome do antigo dono e uma dedicatória de 1971.

Neste trabalho foram preservados todos os conteúdos do livro referentes à imagem do corpo - fragmentos, frases e palavras. As outras partes foram apagadas com alguma intervenção artística: desenho, pintura ou colagem. Ao final temos uma narrativa apropriada e ressignificada com a temática do corpo. Como esclareceu Cadôr, a apropriação integral do livro de Hilst tornou-se um modo de hipertextualidade, , deslocando a obra para um outro contexto. Transmutando o livro de HildaHilst da literatura para as artes plásticas.

Fig.159

Fig. 160

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