15_03 AF miolo
8/10/06
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UM HERÓI FAMINTO A imprensa alternativa gaúcha conheceu um herói, que também passou pelas páginas do Coojornal. Ele era feio, faminto, tinha barriga d’água, catava restos num depósito de lixo e cultivava um grande sonho a cada novo dia: fazer o desjejum. Seu nome, Rango, que pelas bandas do Sul quer dizer “comida”. Seu pai, o desenhista Edgar Vasques. “Ele nasceu do sentimento de resistência à mentira oficializada”, diz Vasques. Ao denunciar a fome dos brasileiros, Rango denunciava a falácia da ditadura, de que o País ia bem. Nascido numa revista de estudantes de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1970, Rango estreou na grande imprensa na Folha da Manhã, em 1973. Com a demissão dos jornalistas, entre eles Vasques, Rango foi pulando de jornal em jornal, sendo o pivô, inclusive, de uma apreensão nas bancas, do velho Pasquim. Antes de um mártir da luta contra a ditadura, Rango foi um sucesso editorial. Talvez porque a linguagem do humor atraísse o público, assim como a qualidade da piada e as alfinetadas nos militares. “O Rango ajudou a formar uma opinião pública contra a censura e a ditadura, a favor da democracia. Certamente, nós, humoristas, contribuímos”, entende Vasques. Rango queria comer, apenas. Mas era justamente por aí que as grandes questões da política nacional eram colocadas por Vasques. Afinal, como falar de desenvolvimento num país em que a miséria do povo era maquiada por uma bem arquitetada censura entre governo e empresários da imprensa? “O que mais me preocupava na época da censura era a alegação do milagre econômico. O grande problema era resolver a questão da fome no País. Isso era um ponto estratégico da discussão sobre democracia”, avalia. Hoje, Vasques participa do Sindicato dos Grafistas de Porto Alegre e possui uma série de problemas nas articulações das mãos, devido à compulsão por desenhar. Rango já tem 17 livros, mas está desempregado porque, para o autor, cada tirinha sua é uma porrada no estômago. E ironia do destino: sua fome é cada vez mais atual, tanto que em 2005, no prestigiado HQ Mix, o prêmio para os maiores cartunistas do Brasil foi justamente um troféu do Rango. Vasques ri: “Hoje, acho engraçado ver o presidente instituindo um programa chamado Fome Zero. Quando eu falava disso, dava cadeia”.