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Formação: O que nos falta para nos tornarmos interessantes?

O negócio dos transportes – e, no que me é mais caro, transportes marítimos – é dotado de elevadíssima especificidade: jurídica, económica, operacional. Acontece que, ao contrário da Inglaterra ou da Dinamarca, onde existem licenciaturas, mestrados e doutoramentos dedicados aos transportes – nomeadamente ao Shipping –, em Portugal fazemos uma repescagem de conhecimentos de cada uma das áreas especificas, juntamos em procedimentos et voilá… aí estão os conhecimentos especializados. Mas não específicos. O mais próximo que temos são as licenciaturas em Gestão Logística e, eventualmente, Comércio Internacional. Mas todos muito

Pedro Carvalho Esteves Advogado (maritimista) PMCE ADVOGADOS pedro.carvalho.esteves@pmce.pt

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longe das especificidades do negócio dos transportes.

A competitividade dá-se, não apenas pelo saber-fazer rápido – a otimização de procedimentos pré-estabelecidos, mecanizados e monótonos – mas pela via da otimização do conhecimento no sentido de evitar o erro, conhecer o risco, medir o risco e seus impactos, e no final prestar um serviço consciente e calculado. O que acaba por acontecer nos dias de hoje é que se “navega à vista” aguardando que tudo corra bem… e, se correr mal, acaba tudo no Tribunal. Este último caminho é o menos desejado e o mais habitual: amigos passam a estar desavindos, negócios deixam de fluir, o mercado perde operadores… enfim, tudo piora por causa da negligência alheia. Como é que se discute responsabilidade por perdas de carga em carga rolan- te no transporte multimodal motivadas por acontecimentos de mar, se não se consegue perceber que carga rolante no transporte multimodal tem regras muitíssimo próprias? Ou sequer o que é um acontecimento de mar? Ou o que é responsabilidade? Ou qual o impacto dessa responsabilidade no transportador, carregador, segurador, entre tantos outros envolvidos? Parece tudo de resposta tão simples! Mas depois vêm os peritos, e dizem que não…, e os Tribunais, e dizem que não também… E assim se gastam umas dezenas, centenas ou milhares de euros em danos, lucros cessantes, perda de negócio, contencioso – sempre o contencioso – e indemnizações, juros, custas…

Óbvio será dizer que tudo o que não se pretende é conhecimento empírico –aquele que é adquirido no curso da experiência – porque este modo de conhecimento é mecanicamente capaz, mas não se estriba em qualquer fundamento de razoabilidade, porque o seu detentor não sabe quais são as bases da sua prestação. O que se pretende é conhecimento científico – aquele que deriva do afanoso estudo metódico dos temas, e que os interliga e conexiona entre si, permitindo uma visão holística e não já uma visão simplista, atomista, sincopada, da realidade subjacente.

O conhecimento adquire-se nas Universidades. Claro que um curso de Direito habilita a muito, mas nada habilita em matéria de economia ou engenharia.

Todavia, é tão habitual ver Engenheiros sem quaisquer conhecimentos jurídicos a debater cláusulas contratuais com a sincronia de rodas-dentadas e sem-fins, mas “espremendo” não sabem mais do que aquilo que passa pela “espuma dos dias”. Também não é raro economistas ou gestores opinarem sobre normas e regras e contratos e termos. Mas já é muito raro ouvir-se um jurista falar sobre embraiagens ou hélices de passo variável sem consultar um engenheiro primeiro. Ou, então, falar sobre a “conta 22” sem antes falar com o economista. É que, em boa verdade, cada um sabe do que sabe, e em conjunto todos formam o conhecimento agregado. Mas já não de outra forma qualquer.

…não basta ter funcionários “porreiros” e dedicados; o negócio dos transportes e da logística aporta responsabilidades e valores (económicos, sociais, jurídicos) que vão muito além da abnegação, da simpatia, da autoiniciativa e do altruísmo.

A solução passa por dois momentos: ou as universidades percebem que há necessidade de mercados de gente especializada, de banda larga, que domina os temas em toda a sua cadeia; ou então sobram as pós-graduações em Transportes e Logística. As primeiras são as que fazem por certo mais sentido: 3 ou 4 anos a estudar Direito, Economia, Gestão, Engenharia, num curso amplo, com unidades curriculares densas e interligadas. As segundas, aproveitando os conhecimentos científicos específicos e empíricos de cada um, agregados em focos de interesse, que permitem a cultura do conhecimento especializado.

Olhando para o Código do Trabalho, vigente à data de hoje [e que poderá não ser o mesmo nos próximos dias, tal é a cadência da natalidade jurídica que não se sabe como é que o Legislador tem tempo para fazer outras coisas senão apenas parir normas e mais normas que dizem tudo, sobre tudo, e o seu contrá- rio também!] todos os trabalhadores gozam do direito – imperativo – a formação profissional. Não raras vezes, Higiene e Segurança no Trabalho, Informática e pouco mais. Porque não pós-graduações? É que, se formar um profissional fica caro, imagine-se ter um profissional não formado a laborar? Isso, sim, fica caríssimo! É, precisamente, esta a pedra angular desta nossa mensagem: não basta ter funcionários “porreiros” e dedicados; o negócio dos transportes e da logística aporta responsabilidades e valores (económicos, sociais, jurídicos) que vão muito além da abnegação, da simpatia, da autoiniciativa e do altruísmo. Uma empresa mede a sua sustentabilidade atual e futura pela qualidade dos seus quadros, capacidade de resolver problemas, e sobretudo capacidade de os evitar. Como o fazer? Com conhecimentos especializados, gerais e específicos, que na ponderação do “tabuleiro” consigam fazer o “Xadrez” sem deixar a organização em “Xeque-mate”. Este é o nosso problema. Por que é que muitos Transitários são jocosamente epitetados de “transitórios”? Porque a sua credibilidade não é alicerçada em conhecimento e ancorada em assertividade. Antes, escorada em procedimentos rotineiros que, voltando ao início, redundam em mecanização, sem perfil e sem qualidade.

Assim, estimados leitores, pugnando pela necessidade, aceitem o desafio: formem os vossos quadros com a qualidade científica de que as organizações precisam. Essa é a chave do sucesso, da continuidade e da sustentabilidade. E não fica caro –um custo de contexto numa estratégia a médio prazo e já não numa tática do momento. E tenham sempre presente que a retenção de talentos é a incógnita mais complexa das organizações. Portanto, se formarem os talentos sempre estarão a potenciar as suas vontades em ficar.

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