Reconversão de Usos do Conjunto Arquitetônico Fábrica de Sal - Ribeirão Pires

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC

Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo Thiago Hiroshi Washiimi

Reconversão de Usos do Conjunto Arquitetônico Fábrica de Sal Ribeirão Pires

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário SENAC, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo.

Orientação: Prof. Dra. Valéria Cássia dos Santos Fialho

São Paulo 2018


CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC

Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo Thiago Hiroshi Washiimi

Reconversão de Usos do Conjunto Arquitetônico Fábrica de Sal Ribeirão Pires

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário SENAC, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo.

Orientação: Prof. Dra. Valéria Cássia dos Santos Fialho

São Paulo 2018


All my sweetest doubts Let them help you out My emotion Parted ocean Walking right into the sun Don’t fear the ending Find the beginning Over another lonely star Brighter than who you are Walking right into the sun (Turunen, 2012)


Agradecimentos Inicialmente agradeço a minha orientadora Valéria Fialho, pelo suporte no pouco tempo que lhe coube, pelas suas correções e seus incentivos. Para todo o corpo docente do SENAC, pelo conhecimento passado e por toda a dedicação. Em especial Ricardo Dualde, Danielle Flores, Ana Coelho, Ricardo Luís. Em seguida é claro que meus avós. Minha avó Setuko por toda a complacência e afeto, e meu avô falecido, Hidenobu. Sem vocês esse dia jamais chegaria. Aos meus pais, Pedro e Aparecida, por todo amor, incentivo e apoio incondicional. Incluo também os meus tios mais presentes em minha vida, Carlos, Satiko e Kenji. Principalmente o último, sei que foi provavelmente um dos que mais me apoiaram nessa jornada, mesmo que indiretamente. As minhas colegas de equipe, Ana Brunelo e Gabrielle Moreira. Com vocês esses dias tão cansativos se tornaram suportáveis. Nós podemos rir disso agora. Ao meu querido amigo Rafael Revadam, que provavelmente foi a pessoa chave para a elaboração do meu trabalho. Você esteve presente do começo ao fim, sempre que precisei, e isso foi muito importante. E por fim a todas as pessoas que, direta ou indiretamente, me ajudaram nessa delirante jornada de formação. Em especial meus antigos professores da Etec Getúlio Vargas! Nilza Benites, Nilza Camargo, Camila Bais e Leonardo Carone. Foi com vocês que tudo começou. Sou excepcionalmente grato, foi a melhor época de toda uma vida.


RESUMO

Abstract

O presente trabalho é uma proposição projetual para a reconversão do antigo conjunto arquitetônico tombado de Ribeirão Pires, “fábrica de sal”, em um centro cultural local. A construção se encontra em completo abandono e estado de deterioração, apesar de reconhecida como monumento de valor histórico. Para a elaboração de um novo programa foram pesquisados autores e arquitetos que dialogam diretamente com a ideia de memória, restauro e preservação, objetivando um meio de abrigar usos contemporâneos que possibilitem vida útil ao patrimônio, e maior participação na consciência afetiva da população.

The present work is a project proposition for the reconversion of the old architectural set of Ribeirão Piires, “salt factory”, in a local cultural center. The construction is in complete abandonment and state of deterioration, although it is recognized as a monument of historical value. For the elaboration of a new program, authors and architects were interviewed who directly dialogue with the idea of memory, ​​ restoration and preservation, aiming at a means to shelter contemporary uses that allow a useful life to patrimony, and greater participation in the affective consciousness of the population.

Palavras chave: Reconversão.

Projeto,

Patrimônio,

Memória,

Keywords: Project, Patrimony, Memory, Reconversion.


SUMÁRIO Introdução.......................................................................................................................................................................................

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1.0 Aquilo que faz o lugar...............................................................................................................................................................

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1.1O Município de Ribeirão Pires....................................................................................................................................................

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1.2 A Fábrica de Sal..........................................................................................................................................................................

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2.0 Os Elementos Discursivos........................................................................................................................................................

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2.1 Dos Processos de Restauro.........................................................................................................................................................

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2.2 O Restauro e a Fábrica de Sal.....................................................................................................................................................

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3.0 Estudos de Caso........................................................................................................................................................................

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3.1 Lina Bo Bardi e o Sesc Fábrica Pompéia...................................................................................................................................

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3.2 Museu Casa Modernista - Gregori Warchavchik.......................................................................................................................

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3.3 Museu Lazar Segal.....................................................................................................................................................................

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3.4 A Fábrica de Sal - Primeira Intervenção, de Rafael Perrone......................................................................................................

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4.0 Projeto.......................................................................................................................................................................................

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5.0 Considerações Finais................................................................................................................................................................

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6.0 Bibliografia.................................................................................................................................................................................

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INTRODUÇÃO Esquecida na paisagem, quase que despercebida pelos usuários da linha férrea, há uma edificação que já foi de extrema importância para o município de Ribeirão Pires. As ruínas pertencem ao antigo Moinho Maciotta/ Fábrica de Sal dos Cartelesa, e compõe o início do ciclo de industrialização de São Paulo, fazendo parte do legado deixado pelos visionários imigrantes italianos que ali vieram morar. A construção, mesmo após a descaracterização que sofreu para adaptação de diferentes usos, ainda mantém elementos arquitetônicos originais, tendo valor histórico e afetivo com a região, porém sofrendo descaso pelo poder público e deixada ao abandono Já no período de operação como salina, muito depois do fechamento da firma de seus idealizadores e o funcionamento como moinho, teve papel relevante para o município. Era responsável pelo emprego de até 400 funcionários, o que ajudava a movimentar a economia local,gerando riqueza. Com sua total desativação, algo que era funcional e benéfico às dinâmicas da cidade passou a ser encarado como um estorvo na paisagem urbana, chegando até a ter sua remoção cogitada. O intento deste trabalho é, por meio das fundamentações teóricas, empíricas e bibliográficas, propor por meio do projeto um modo de reativar todo o valor histórico dormente e esquecido na edificação, colocando-a à dispor dos moradores do município. Há o intento de que com isso o patrimônio cumpra uma função ligada à coletividade de seu meio, agregando novo significado, reincorporando o conjunto arquitetônico à malha urbana e possibilitando sua vida futura. Vale salientar que a fábrica mantém potencial para ser uma ligação entre os centros alto e baixo, divididos pela linha férrea, podendo conferir fluidez e melhorar a dinâmica entre espaços que cresceram de forma desigual devido à barreira do trem. Para tanto são revisadas pensamentos que discutem a memória, o patrimônio e a requalificação/ restauração de objetos próximos ao trabalhado.

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1.0 Aquilo que faz o lugar


1.1 O MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PIRES

Usando como fonte a reportagem do Diário do Grande ABC: Ribeirão Pires sobre os trilhos da história, de Camila Galvez (2015), a ficha do município nos arquivos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Ribeirão Pires - São Paulo - SP, e o texto oficial disponível no site da prefeitura, foi traçado um breve histórico do município em que se encontra a Fábrica de Sal de Ribeirão Pires O lugar tem o nome derivado da antiga família Pires, detentora de consideráveis terras, cuja propriedade era cortada por um pequeno rio apelidado de Ribeirão Pires. Tem sua origem como trecho de passagem para os que advinham da região portuária de Santos e pretendiam chegar aos campos de Piratininga. A habitação na localidade só foi impulsionada quando se ergue, em 25 de março de 1974, a Igreja do Pilar. Cada vez mais famílias passam a se instalar por ali, levantando novas edificações, e dinamizando o comércio local. Colabora para a ocupação, se tratar de uma área de conexão entre São Bernardo do Campo e Mogi das Cruzes. Durante o ápice da produção cafeeira, se vê a necessário implantar uma união entre as regiões produtoras e o porto de Santos. Em 1º de março de 1885, idealizado pelo Conde Mauá, a São Paulo Railway inaugura a estação de Ribeirão Pires, que recebe o nome por se instalar perto do rio homônimo. Com o passar dos anos, o município começa a exportar, além de produtos agrícolas, madeira para produção de dormentes,assim como tijolos e telhas de olaria, devido à abundância de solo argiloso como matéria prima. O Centro do município se instala implantando lotes envolta da linha férrea, e se distinguindo entre “alto” e “baixo”, por conta da divisão gerada pelos trilhos. A imigração Italiana foi muito presente na região, se concentrando próxima à igreja do Pilar. Posteriormente, temos a vinda de japoneses, ingleses, sírios e, já nos anos 1960 e 1970, migrantes nordestinos, para trabalho nas indústrias regionais.

Imagem 1 e 2: Festa do Pilar em 1º de Maio de 1986. Fonte: Confraria dos Caçadores de Imagem de Ribeirão.

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A Estação de Trêm

A Estação de Ribeirão Pires é tombada pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) desde 1912, sendo classificada como de estilo inglês. Tem descendência da arquitetura fabril e industrial, porém ornamentada com florais vitorianos. Foi construída com material de altíssima qualidade para época, concebida para durar por muitos anos. O aço da construção é oriunda de Glasglow (Escócia), as telhas são francesas e a madeira advém do pinho riga, trazido da Inglaterra. É curioso notar que o estilo arquitetônico da estação não se espalhou pelas demais edificações da região, que apresentam características dos vilarejos portugueses e italianos, e também um pouco de Art Decó. O motivo provavelmente se deve ao fato do povo inglês vir ao Brasil, mas não querer misturar sua cultura com a existente aqui, preferindo o isolamento.

Administração Pública Inicialmente, a região se chamava Caaguçu (Mato Grande, ou Virgem), e passa a se tornar um distrito de São Bernardo do Campo pela lei estadual nº 401, de 22 de julho de 1836, sendo renomeado como Ribeirão Pires. Em 30 de novembro de 1938, sua sede é transferida por meio do decreto estadual nº 9775 para Santo André, onde permanece até sua emancipação pela lei estadual nº 2456, de 30 de dezembro de 1953. Reconhecida sua autonomia, o município é dividido em três distritos: Ribeirão Pires, Icatuaçu e Iupeba, sendo desmembrados posteriormente. Icatuaçu é elevado de categoria e passa a se chamar Rio Grande da Serra (lei estadual nº 8092, de 28 de fevereiro de

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Imagem 3: A Estação de Ribeirão Pires. Fonte: Acervo Próprio.


1964)..Devido à lei estadual nº 4954, em 27 de dezembro de 1985, é criado o distrito de Jardim Santa Luzia e anexado a Ribeirão Pires. O distrito de Iupeba altera seu nome para Ouro Fino Paulista. O município passa a ser composto pelos distritos de Ribeirão Pires Jardim Santa Luzia e Ouro Fino Paulista (antiga Iupeba), permanecendo até o presente.

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Lei de Proteção Ambiental

No ano de 1976 é aprovada a lei de proteção aos mananciais, visando a conservação dos recursos hídricos de necessidade ao abastecimento da zona metropolitana. Tinha como objetivo restringir a ocupação das áreas de proteção, aumentando as exigências legais, o que gerou um recuo da atividade industrial na região. A proteção ambiental é algo intimamente ligada às políticas tomadas pelo poder público, chegando a criar a Lei de Compatibilização do Plano Diretor com a Lei Específica da Billings, de modo a incentivar um crescimento sustentável para a localidade. As novas regras atuam por aproximadamente 70% do território, criando parâmetros maiores para taxa de permeabilidade do solo, e exercendo sobre o tamanho de cada construção, número máximo de pavimentos e percentual de preservação de cada lote .

Imagem 4: Em verde - Áreas de Ocupação Dirigida: Conservação Ambiental. Fonte: Acervo Próprio.


1.2 A FÁBRICA DE SAL Primeiros Anos

Hoje, o conjunto arquitetônico que compõe a Fábrica de Sal, localizada às margens dos trilhos que cortam o município de Ribeirão Pires, encontra-se esquecido e até mesmo ignorado na paisagem urbana da região. Outrora gozando de júbilo e importância, o complexo construído iniciou sua vida como um moinho que produzia a farinha de marca Flórida. É o resultado dos investimentos dos irmãos Federico, Anacleto e Ottávio Maciota, imigrantes de origem italiana que se instalaram na região.

Os Irmãos Maciotta Usando como base a pesquisa Uma família, um moinho e uma cidade: notas sobre o Moinho de Trigo Fratelli Maciotta em Ribeirão Pires (Fábrica de Sal), de Marcílio Duarte (2016, 15p.), o arquivo Diretriz de Tombamento do Moinho Fratelli Maciotta, autor homônimo (2015, 70p.), e a revista comemorativa Ribeirão Pires - 50 anosEstância Turística (2004, 15p.), constatamos que no passado existia uma Itália dividida entre o norte industrializado e o sul latifundiário, onde em um havia polos trabalhadores desempregados e no outro famílias inteiras sem terras para subsistir. O incentivo ao fluxo imigratório para a América do Sul

Imagem 5: Foto da Antiga Entrada. Fonte: Vitruvius.

foi visto como uma forma exportar a mão de obra excedente e ociosa. Muitos desses trabalhadores vêm para o Brasil, na esperança de enriquecimento, ludibriados por uma propaganda subversiva à realidade. Com nosso país sob as régias do Governo Imperial e a República da Espada, existe, em duas frentes, o interesse do “embranquecimento civilizador” de nossa pátria, aliado â necessidade de substituição da mão de obra escrava perdida. Dado o perfil do italiano (branco e católico), foi logo aceito nesta função. Muitos enfrentaram vidas miseráveis em jornadas de regimes análogos à escravidão, parte desse contingente ajudou com

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trabalho para a construção do município de Ribeirão Pires. Paralelo a este fluxo de miséria existiu uma empreitada formulada por famílias industriais capitalistas e visionárias (como os Matarazzo, Pinotti e Mortazzo), que com seus investimentos dão início ao processo de industrialização de São Paulo. Incluem-se nesse grupo os Maciotta, que apesar de um legado não tão duradouro, teve igual importância e compartilhou dos mesmos lapsos temporais. Os irmãos desembarcam em São Paulo em 1985, porém já em 1891 lavram em Gênova a firma comercial Fratelli Maciotta e C. Levou algum tempo para concretizar a empreitada, porém em 1897 transferem a sede da firma para São Paulo e, com recursos próprios, adquirem o terreno que logo recebe o projeto do moinho, juntamente a todo o maquinário necessário para seu funcionamento. Nasce então em 1898 o Molino de Semole Fratelli Maciotta, realizado completamente sem recursos ou incentivos públicos, em um cenário brasileiro industrial incipiente. É digno de nota a bravura e o pioneirismo dos proprietários, que seguiram a máxima do liberal econômico, acreditando no potencial da indústria e arcando sozinhos com tudo mesmo na falência.

O Moinho Em um cenário onde as terras eram dominadas por grandes latifundiários, os irmãos Maciotta decidiram adquirir uma parcela de 970.000m² para a instalação de seu moinho. A grande construção foi uma das bases para a urbanização das redondezas, e remontam ao período dos primeiros galpões industriais. Inacreditavelmente, depois de 119 anos após sua construção, as paredes resistiram às transformações urbanas e temporais. Destacam-se as técnicas construtivas para a realização de tal feito, as paredes travadas

Imagem 6 e 7: Desenhos do moinho projetado por Federico Maciotta em 1898. Fonte: Diretriz de tombamento do antigo moinho de trigo fratelli maciotta fábrica de sal.


em tijolo aos moldes do “aparelho flamengo” de construção, organizados em fiadas de meio tijolo por dois inteiros rejuntados. A fundação foi feita a dois metros de profundidade com largos blocos de granito. Do piso e caixilharia original de madeira, nada restou. Com a ausência de eletricidade na época, a edificação também contava com um dínamo trifásico que fornecia luz e energia suficiente para o funcionamento da fábrica. Ao lado da chaminé se instalava a caldeira, para a geração de energia a vapor. O negócio dos irmãos foi um marco industrial para a época, o pão começava a se difundir no Brasil com a vinda da Corte Portuguesa, porém sempre importado de outros países. Com o início da produção da farinha em território nacional, vê-se crescer o ramo de padarias e a disseminação do consumo. Dessa relevância é que se estrutura o empreendimento, localizado estrategicamente a 40 minutos de Santos e de São Paulo, e às margens da ferrovia. O moinho produzia a farinha Flórida, sendo responsável pelo barateamento de seus derivados e a difusão das panificadoras pelo ABC. Os anos que antecedem 1904 marcam o declínio do Molino de Semole Fratelli Maciotta, com a retirada de um de seus sócios, João Ugliengo, para investir em moinho que se instalava em Santos. Com a falta de pagamento dos funcionários e credores, protestos e dividas, o moinho é alugado para o Sr. Egydio Pinotti Gamba, proprietário da Gamba & Companhia. Apesar das tentativas, o moinho não gerava mais lucro, a ponto de pagar suas dívidas e hipoteca. Nesse meio tempo, Anacleto e Ottávio vêm a óbito, e em 1915 suas viúvas e os sócios remanescentes decidem por dissolver a firma, tendo o patrimônio sendo posto a leilão

posteriormente, e adquirido por José Mortari, funcionando como moinho de fubá entre 1916 e 1930.

Os Cotellessa Com o fim da sociedade dos Maciotta, o edifício passou por outros usos como a produção de adubo (que posteriormente foi transferido para Rio Grande da Serra, devido ao cheiro), ou salitre, durante o período da Segunda Guerra Mundial, entre outros. Em 1946, ele é adaptado para sediar a Fábrica de Sal da Família Cotellessa. Depois de operar por uma década na capital, procurando local propício para expansão, os Cotelessa viram potencial no antigo moinho, dada a localização favorável do imóvel, próximo à ferrovia e de fácil transporte para seu refino e distribuição.

Imagem 8: Embalagem do Sal Refinado Rodolpho Valentino, produzido pelo Cotellessa. Fonte: Diretriz de tombamento do antigo moinho de trigo fratelli maciotta fábrica de sal.

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O sal vinha de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, pelos trilhos até os depósitos da fábrica. Após a descarga, o material era escolhido e depois lavado, torrado, triturado e, por fim ensacado para venda. Por muito tempo, o empreendimento ajudou a movimentar a economia local, e chegou em seu ápice na contratação de até 400 pessoas. Os negócios prosperam nas décadas de 1960 e 1970, mostrando enfraquecimento apenas em 1980. Com a morte de Carmine Cotellessa e a administração por seus herdeiros, a fábrica passa então ao declínio, encerrando suas atividades em 1996 ao entrar em concordata No fim, a fábrica é vendida para a família Fernandes.

Processo Judicial Durante a gestão da Prefeita Maria Inês (PT), no início dos anos 2000, o prédio passa por um processo de desapropriação para sua transformação em um equipamento cultural voltado à população, prevendo sua integração com a Biblioteca Olavo Bilac e a Escola Municipal Lavinia de Figueiredo Arnonik, que se encontram no mesmo terreno. O processo se arrastou por vários anos, segundo consta o veículo de informação “Folha de Ribeirão Pires”, argumentando que o poder público interrompeu os pagamentos destinados ao ressarcimento pela desposse, o que gerou uma nova ação judicial, deixando o imóvel em sub judice.

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Requalificação de Usos Como parte do projeto “Centro com Qualidade”, o poder público passou a revisar e procurar formas de requalificar seu patrimônio e bens relevantes. Por conta de seu valor simbólico e histórico, a antiga Fábrica de Sal dos Cortellessa se tornou objeto de interesse e disputa. Em 2001, iniciam-se os estudos para sua readequação, mas só em 2003 começa todo o processo. A requalificação da fábrica se torna uma das grandes bandeiras do poder municipal, divulgando amplamente os investimentos em sua benfeitoria. A reconversão transformaria o lugar em um espaço de cultura e educação, mesclando áreas expositivas abertas para a população. Dentre seus outros usos relevantes, junto à integração com os outros dois edifícios próximos, destacam-se os de dentro do edifício histórico. A área toda é destinada para o Centro de Professores, juntamente ao auditório com capacidade para 160 pessoas. Essa decisão foi tomada devido à fácil adaptação destes programas às áreas livres de dentro da construção, por conta de sua liberdade. A biblioteca passaria a abrigar a nova Secretaria da Educação e, como elemento paisagístico remanescente, restaria uma seringueira plantada no centro do lote por um dos antigos administradores, para que sua filha pudesse brincar.

Rafael Perrone Rafael Antonio Cunha Perrone, arquiteto e urbanista formado pela Universidade de São Paulo em 1973, mestrado em Administração Pública e Planejamento Urbano pela Fundação Getulio Vargas – SP (1984), com doutorado (1993) e livre docência (2008) em Arquitetura e Urbanismo pela


Universidade de São Paulo, capitaneou os estudos e o projeto de requalificação da fábrica, junto a Márcio Amara Em seu texto publicado pelo site Vitruvius (Fábrica de Sal Conversão do antigo edifício fabril no Centro Educacional de Ribeirão Pires, 2016), o arquiteto narra detalhadamente todo seu processo de elaboração e desenvolvimento. Neste momento, abordase apenas alguns dos pontos relevantes para entender o raciocínio que norteou e caracterizou a fábrica tal como se encontra hoje, tendo uma análise mais aprofundada nos capítulos seguintes. A construção do projeto de requalificação se realizou em duas frentes de pesquisa, de ordem técnica e histórica. Essas medidas tiveram como objetivo avaliar o conjunto arquitetônico remanescente, procurando entender quais de suas partes não se encontravam comprometidas e colapsadas, e os elementos que na edificação possuíam significado e relevância para serem mantidos ou recuperados. As paredes levantadas em alvenaria obtiveram melhor resistência ao período de funcionamento como salina, do que as partes em concreto, corroídas nas ferragens dos pilares e vigas. Os escombros dos antigos galpões que vieram a ruir foram totalmente demolidos, por não terem nem um diferencial em sua composição, e esconderem o prédio principal. Constatou-se também a perda do coroamento da chaminé, que é um dos grandes referenciais da construção, junto ao seu corpo central. A linha férrea foi um elemento considerado durante toda a elaboração dos estudos, especulando-se a criação de um artifício que ligasse as duas partes do centro, cortadas pelos trilhos do trem. Por fim, após todo o trabalho de pesquisa já citado, os arquitetos responsáveis chegaram às seguintes diretrizes de projeto, segundo o próprio autor: “1-refazer a memória do prédio original do moinho caracterizando sua forma, escala e desenho com relação a cidade;

Imagem 9: O conjunto arquitetônico abandonado. Fonte: Diretriz de tombamento do antigo moinho de trigo fratelli maciotta fábrica de sal.

2- restaurar a chaminé – símbolo da edificação industrial; 3-evidenciar a relação com a ferrovia da qual decorreu a cidade e as edificações industriais; 4-revelar as transformações sofridas pelas edificações de forma didática apresentando inclusive o descaso com que em certos momentos foram tratadas.” (PERRONE,2016)

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Em discussões com o Conselho Patrimonial do município, foram estabelecidos parâmetros projetuais para a recuperação da fábrica. Segundo o autor, o processo de reconversão passaria pelos seguintes critérios, solicitados pelo CATP – Centro de Apoio Técnico ao Patrimônio de Ribeirão Pires: Chega-se a uma linha de linguagem projetual, derivada da sobreposição de elementos, que evidenciava quais partes eram contemporâneas e quais as mais antigas. Foi a forma escolhida para se ressignificar os elementos remanescentes, sem omitir os desgastes e, por vezes, o descaso sofrido pela edificação no decorrer dos anos. Os frontões foram recuperados e novas tesouras instaladas, de modo a travar as alvenarias remanescentes.

“[...]ampliação da área central preservada; a necessidade da valorização do prédio histórico; a garantia da visualização da construção como edifício histórico; a manutenção da inclinação das coberturas de duas águas; a garantia do restabelecimento das relações com o encontro urbano e com a ferrovia; a explicitação clara entre o que já existia e o que foi acrescentado; e o questionamento da mudança do sistema viário.”

A chaminé passou por um processo de recuperação, sendo removidas as paredes que a cercavam, tornando visível sua base octogonal. Todas as paredes colapsadas que demandaram remoção foram cuidadosamente demolidas, em maior parte do tempo a mão, e seus tijolos reutilizados na recomposição e complementação de outras alvenarias, possibilitando uma mínima necessidade de encomenda de mais material. A ligação dos dois pontos da ferrovia não se realizou, entendendo que esta não seria implantada no mesmo momento, permitindo sua elaboração futuramente. As obras se concluem em 2003, e no mesmo ano o prédio é entregue para a população, como prometido pela prefeitura. A Fábrica de Sal requalificada funcionou até 2009, ano em que o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) realiza um laudo de pesquisa identificando a contaminação de algumas salas por conta do sal, e recomendando sua manutenção.

Imagem 10: Colocação das tesouras para o novo telhado. Fonte: Diretriz de tombamento do antigo moinho de trigo fratelli maciotta fábrica de sal.


Imagem 11: Foto da Fachada Após as Obras para Reconversão de Usos. Fonte: Diretriz de tombamento do antigo moinho de trigo fratelli maciotta fábrica de sal.

Contaminação e Abandono

Segundo o laudo nº 17505-301 do IPT, sais remanescentes ao período de operação com refino e produção de sal impregnaram as alvenarias e peças metálicas do edifício, aconselhando-se então uma nova intervenção. O município desembolsou a quantia de R$ 113.882,34 para concepção de estudos e a elaboração do parecer com todos os problemas à serem sanados. Foi constatada a necessidade de compactação do solo, devido a sua deformação; problemas relacionados à umidade e escoamento das águas pluviais, por conta da corrosão de calhas; comprometimento das estruturas metálicas e alvenarias, bem como a argamassa nas paredes, ocasionados pela contaminação

dos sais, dentre outros problemas. Apesar das averiguações, o prédio não se encontrava colapsado ou em iminência de queda, porém foi desativado e esvaziado. Ainda em 2009, o gabinete do prefeito Clóvis Volpi solicita pelo processo administrativo nº 757 estudos de ações cabíveis para recuperação da fábrica, realizados pelo secretário de obras e arquiteto Agostinho Gomes. É aberto então o processo de compra nº 676 visando a efetiva reforma, na ordem R$ 148.951,36, porém a reserva do recurso foi cancelada inexplicavelmente em setembro do mesmo ano. O governo municipal começa a se movimentar, na tentativa de captação de recursos estaduais. Por meio do processo administrativo 1.791, de 04 de março de 2011, o prefeito envia seus ofícios à superintendente do IPHAN, Srª Ana Beatriz Aryoza Galvão, todavia sem resposta. O custo estimado para a recuperação total da Fábrica de Sal fixou-se em aproximadamente R$ 6.932.944,11, valor levantado por meio de uma licitação encaminhada pelo secretário da Juventude, Esporte, Lazer, Cultura e Turismo, Sr. Luiz Gustavo Pinheiro Volpi, e vencido pela Altaria Engenharia e Comércio Ltda. O mérito da obra foi consideravelmente elevado para ser arcado unicamente pelo município. Indagada diversas vezes sobre o interesse de recuperação do bem, a prefeitura alegava que isso só seria possível com o auxílio estadual.

(...) o Município possui sim interesse na recuperação do prédio da antiga fábrica de sal, tendo inclusive contratado a empresa ‘Altamisa

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Egenharia e Comércio Ltda.’ Para elaboração de projeto executivo de recuperação do mencionado edifício (...). Todavia, conforme apurado pela empresa contratada, o valor total para recuperação do prédio ficou estipulado em R$6.949.999,67 (seis milhões novecentos e quarenta e nove mil novecentos e noventa e nove reais e sessenta e sete centavos). Isto posto, ante o exorbitante valor fixado, o Município vem pleiteando junto aos Ministérios do Turismo e da Cultura, viabilidade para recuperação e efetiva utilização do edifício”. (PMTRB 2011, p. 50).

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Prefeito Saulo Benevides Em primeiro de janeiro de 2013 assume como prefeito de Ribeirão Pires, o vencedor das eleições passadas, Saulo Benevides (PSDB). O executivo municipal encaminha uma proposta de demolição da antiga fábrica de sal, para alocação de um estacionamento e o projeto de Shopping Center a ser instalado na região. A ideia seria manter apenas a chaminé símbolo da edificação, junto à criação de um memorial aos Maciotta dentro do complexo comercial, e a coleta de alguns tijolos em bom estado, destinados ao Museu Histórico Municipal Família Pires. Meio encontrado de amenizar as perdas históricas, e ligar o prédio recente com seu antecessor. A proposição do prefeito encontrou resistência tanto por segmentos da população, quanto de outros setores do poder municipal. Ao iniciar pesquisas e levantar informações preliminares para intervenção em um patrimônio histórico, sem nenhuma vez consultar o Conselho de Defesa de Patrimônio Cultural e Natural, o poder executivo colocou em questão sua transparência, demonstrando a centralização das decisões políticas em um único gabinete. A antiga Fábrica de Sal passa a ser então um objeto de disputas, que tem seu pico durante o lapso que antecede as eleições para a prefeitura do município (meados de 2015/2016). Neste meio tempo surgiram coletivos que visavam pressionar a transformação do conjunto arquitetônico em patrimônio tombado. Os processos de reconhecimento pelo valor histórico já haviam sido iniciados anteriormente pelo Condephaat e o Conselho de Defesa do Patrimônio do município. Amplamente divulgado pela mídia, o conflito prosseguiu até o dia 12 de dezembro de 2016, em após reunião é aceita a decisão de tombamento do edifício.


Imagem 12: Notificação sobre a aceitação do estudo de tombamento da fábrica de sal, pelo Condehaat. o que já gatantia proteção para o prédio. Fonte: CONDEPHAAT

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Imagem 13: Documento do CONDEPHAAT anunciando o inicio do reconhecimento da fábrica como patrimônio. Fonte: CONDEPHAAT

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2.0 Os Elementos Discursivos

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2.1 DOS PROCESSOS DE RESTAURO Para a elaboração deste trabalho, por meio de pesquisas bibliográficas, foram levantadas três vertentes de pensamento, que discutem sobre o ato de restauro. As duas primeiras, retiradas da obra Alegoria do Patrimônio, de Françoise Choay (2001, 282p.). A primeira é a linha “anti-intervencionista” pautada nas ideias de Choay apud Ruskin e Morris, que prolifera pela Inglaterra. Em segundo, os “intervencionistas”, se apoiando nas reflexões de Choay apud Viollet-le-Duc, advindo da França e se disseminando pela Europa. A terceira vem do discurso de “Restauro Crítico”, baseado no artigo Cesare Brandi uma releitura do restauro crítico sob a ótica da fenomenologia, de Fernanda Heloísa do Carmo, Henrique Vichnewski, João Passador e Leonardo Terra (2016), uma linha de pensamento mais recente que se manifesta na Itália, trazendo uma releitura da famosa Carta de Atenas¹, e culminando na elaboração da Carta de Veneza, em 1964. Tal documento é adotado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), criando parâmetros e questões a serem considerados para o manuseio de um bem histórico. Sobre as ideias de Ruskin e Morris, podemos notar que suas posturas em relação ao monumento são de não-intervenção a um modo radical. Entendendo que o valor dessas edificações, atribuído ao trabalho empregado pelas póstumas gerações, é sagrado e as marcas do tempo não devem ser apagadas, por serem elementos que compõem e dão veracidade para o objeto. Ruskin e Morris argumentam que não temos posse sobre o Patrimônio, por isso não somos aptos para intervir, tendo sua guarda remetida à sociedade criadora da obra, e às gerações humanas que ainda estão por vir. O destino de toda edificação

Imagem 14: Françoyse Choay. Fonte: Instituto Superior Técnico Lisboa.

¹Manifesto urbanístico resultante do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, realizado em Atenas -1933.


seria a ruína, encarando o ato de restaurar como uma falácia danificadora, falsificadora e impossível, que pressupõe poder penetrar o âmago do artista criador. Cabe a nós apenas consolidar e retardar o colapso das construções, de forma imperceptível.

torna ‘histórico’ quando se considera que ele pertence ao mesmo tempo a dois mundos: um mundo presente, e dado imediatamente, o outro passado e inapreensível. (CHOAY, 2001, p. 158)

[...] O projeto Restaurador é absurdo. Restaurar é Impossível. É como ressuscitar um morto. (CHOAY, 2001, p. 155).

Anos mais tarde, temos o surgimento de um novo movimento, que novamente se propõe a discutir sobre a memória e o patrimônio, bem como sua restituição e preservação. Cesare Brandi foi um dos principais pensadores da linha de “restauro crítico”, cujo discurso aparenta se apossar de elementos argumentativos de seus predecessores intervencionistas e anti-intervencionistas. Aproxima-se de Ruskin e Morris ao atentar sobre a veracidade do patrimônio quanto sua história e materialidade, de modo que uma restauração só deve ser aplicada em último caso, considerando sempre a consolidação e manutenção como mais recomendáveis. É o que aponta a Carta de Veneza:

Diferentemente da postura rígida tomada pelos pensadores já citados, Viollet-le-Duc se posicionava favoravelmente à intervenção restauradora. Sua visão de patrimônio está mais ligada ao futuro do que ao passado, optando por restituir as edificações até um ápice completo, mesmo que este possa nunca ter existido. Dialogava diretamente com a restituição e a substituição de elementos arquitetônicos, atentando para as necessidades específicas, e a escala do monumento. Para ele, o passado que Ruskin e Morris tanto almejavam proteção e revival, encontrava-se indubitavelmente morto. Isso explica em muito sua postura restauradora, que acabava por gerar um produto didático que restitui ao objeto um valor histórico, embora carecendo historicidade.

[...] Da mesma forma, a rudeza de suas intervenções em geral prende-se ao fato de que, absorto em suas preocupações didáticas, ele tende a esquecer-se da distância constitutiva do monumento histórico. Um edifício só se

Art. 9º - A restauração é uma operação que deve ter caráter excepcional. Tem como objetivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos do monumento e fundamenta-se no respeito ao material original e aos documentos autênticos.(1964, p. 3-4)

Ainda assim o discurso do restauro crítico não chega à radicalidade, admitindo a hipótese da intervenção/restauração em alguns casos, porém sempre se atentando à necessidade de manter a historicidade e legitimidade do objeto. Caso acréscimos

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e substituições sejam cruciais, são admissíveis desde que respeitem a edificação original, e se possam distinguir essas partes ao resto do conjunto, para que não ocorra falsificação. Também são aceitos o uso de técnicas construtivas mais modernas que as empregadas originalmente, caso sejam imprescindíveis para a consolidação do bem arquitetônico, considerando as premissas anteriores. Alerta-se para a necessidade de respeitar todas as contribuições posteriores incrustadas ao patrimônio, entendendo que fazem parte de uma narrativa histórica, muito mais significativa e desejada do que a mera uniformidade estilística.

2.2 O RESTAURO E A FÁBRICA DE SAL

É muito difícil ter clareza nas diretrizes de restauração de um objeto fabril, que se encontra desativado. Sua origem funcional hoje se choca com a realidade do abandono, mesmo com seu valor simbólico amplamente difundido pelo meio popular. O entorno que remonta a gênesis de sua concepção, em muito se modificou pelas dinâmicas sociais, que subscreveram o território com a lógica do avanço dos tempos. Ainda assim, temos elementos que se mantiveram ao longo das transformações, ou que retém o caráter de monumentalidade, mesmo que não sejam contemporâneos à construção dos irmãos Maciotta.

26 Imagem 15: Césare Brandi. Fonte: Cross-Sections.


Passados tantos anos, o edifício sofreu uma série de modificações em massa para atender os usos que ali se abrigaram, descaracterizando totalmente o projeto original. Uma reversão ao seu nascimento, porém, ignoraria a relevância de cada uma dessas funcionalidades na fabricação do valor histórico ao qual o patrimônio se orgulha em ostentar. Como citado por Françoyse Choey, em seu livro Alegoria do Patrimônio, esse tipo de intervenção remontaria a um passado idealizado, que não necessariamente pode ter existido. (2001, p. 158) Todavia, não é possível, para o resultado final almejado, que a fábrica permaneça intocável e que seu fim seja apenas retardado com manutenções, como é defendido nas teorias de Choay apud Ruskin e Morris. No mais, não se pode afirmar com precisão que apenas seu valor histórico será suficiente para garantir vitalidade e público, que justifiquem despesas para retardo da degradação. Tendo isso em mente, é desejável para a arquitetura abrigar alguma função compatível, que contribua para seu processo de conservação e consolidação, como já apontada pela Carta de Veneza em 1964.

Art.5- A conservação dos monumentos é sempre facilitada pela sua utilização para fins sociais úteis. Esta utilização, embora desejável, não deve alterar a disposição ou a decoração dos edifícios. É apenas dentro destes limites que as modificações que seja necessário efetuar poderão ser admitidas.(1964, p. 02) Imagem 16: Lateral da fábrica, nos dias atuais. Fonte: Acervo Próprio.

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Apesar de criar parâmetros e elencar questões importantes para o momento de abordagem de um monumento arquitetônico, a Carta de Veneza não tem poder de lei. Cabe então aos profissionais, respaldados pelos interesses vigentes, valores e as ideias aceitas em seu âmbito cultural, interpretar o conteúdo do documento para desenvolver a linha de atuação. As visões de restauro se modificam constantemente, conforme a geografia e a passagem do tempo, não sendo uma constante. Acredito que a visão de Rafael Perrone, em seu texto narrando o primeiro processo de intervenção na Fábrica de Sal (Fábrica de Sal - Conversão do antigo edifício fabril no Centro Educacional de Ribeirão Pires, 2016), é muito assertivo sobre como se dá a visão atual em nosso meio, acerca do processo de preservação:

A preservação do patrimônio arquitetônico compõe-se hoje, de um conjunto de procedimentos cuja conceituação deriva da evolução da ideia de restauração, conforme indica Beatriz Mugayar Kuhl. A preservação é contemporaneamente entendida dentro dos seguintes conceitos: restauração é a reconstrução idêntica de parte ou de todo um edifício em virtude de seu valor patrimonial; reconversão é uma operação realizada para mudar o uso de um edifício impedindo que ele torne-se inútil; reabilitação é a ação de melhorar um edifício conservando a sua função original. (PERRONE apud KUHL, 2016)

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Vale também salientar que a Fábrica de Sal de Ribeirão Pires já sofreu uma simplificação, em seu primeiro processo intervencionista, chegando a uma síntese de elementos que o conferem importância. Não há necessidade de reformulação e recuperação de elementos já descartados por Perrone, resignando o trabalho em cima do que existe atualmente no terreno. Acerca das contribuições de Lina Bo Bardi, obtidas no documentário Arquiteturas:Sesc Pompéia (SescTv ,2014) e na entrevista Lina Bo Bardi e o Patrimônio, de Marcelo Ferras e Raíssa de Oliveira (Vitruvius, 2007), em relação à memória e preservação, não se diferem tanto das questões já levantadas pela linha de restauro crítico, tendo em vista que se trata de uma arquiteta ítalo-brasileira. Ainda assim, podemos destacar alguns elementos presentes em seu discurso, que são de relevância fundamental para o tipo de intervenção pretendida com a fábrica de Ribeirão. Acima de tudo, relembrar que a adaptação de um novo uso para edificação, é benéfico a ela, como apontado na Carta de Veneza. Lina já entendia sobre a importância de se atrelar o programa de necessidades a todas as dinâmicas da coletividade existentes no local, sendo fundamental para garantir a continuidade da vida da arquitetura, independente do gosto estético vigente. Chama a atenção também, devido à importância de se pensar sobre a perspectiva do presente, e seus agentes, cabendo ao projeto ser um elemento que ressurge toda carga histórica do patrimônio, o colocando à disposição das pessoas.

Imagem 17: A fábrica em ruínas. Fonte: Acervo Próprio.

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A beleza em si, por si mesma, é uma coisa que não existe. Existe enquanto é, porque existe um período histórico, depois muda o gosto, depois vira uma porcaria. Quando é uma coisa que é imprescindivelmente ligada à coletividade, é bonito! Porque serve, e continua a viver. (BARDI, 2014).

Imagem 18 Lina Bo Bardi. Fonte: Vitruvius,


3.0 Estudos de Caso


3.1 LINA BO BARDI E O SESC FÁBRICA POMPÉIA Antecedentes

Antes de se apresentar como um grande centro cultural, abrigando diversas atividades e atendendo a população, o prédio intervencionado para se tornar o Sesc Pompéia iniciou sua vida servindo como uma fábrica de tambores de óleo, fundada pela Mauser & Cia Ltda em 1930. Conforme apurado na dissertação A Capacidade de Dizer Não: Lina Bo Bardi e a Fábrica Pompéia, de Liana Paula Perez de Oliveira, (2007, 200p.) o prédio foi edificado com base em um projeto inglês, o que levou a uma construção simples e rigorosa, com detalhes típicos do estilo, como os tijolos rebocados aparentes, estruturas de ferro e concreto, simetria de planos e o uso de sheds para complementar a iluminação. Segundo o artigo Espaço-Tempo na Cidade de São Paulo: Historicidade e Espacialidade do “Bairro” da Água Branca (2015, 11p.), a fábrica se instalava geograficamente em um ponto chave para a época, a Avenida Água Branca. O bairro paulistano passava por um processo de industrialização, em grande parte por conta dos grandes lotes, relativamente planos, disponíveis a baixo custo. Contribui também para sua ocupação fabril a instalação de duas importantes ferrovias: a estrada de

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ferro Sorocabana e Santos-Jundiaí, construída pela São Paulo Railway, e a estação Água Branca. Cinco anos depois, o prédio veio a ser incendiado,por causas pouco esclarecidas, sendo anunciado no jornal Estado de S. Paulo(1935). Constando em registro na matéria Como era São Paulo sem Sesc Pompéia (acervo Estado de S. Paulo, 2013), na eclosão da Segunda Guerra Mundial, os proprietários, de origem alemã retornam ao seu país, resultando no embargo da fábrica. Indo a leilão, o prédio abandonado é passado para Indústria Brasileira

Imagem 19: Nota do Incêndio. Fonte: Acervo O Estado de S. Paulo.


de Embalagens (Ibesa), servindo para a montagem de geladeiras de querosene da marca Gelomatic No ano de 1971, o terreno é vendido para o Sesc (Serviço Social do Comércio), com a fábrica já desativada, objetivando a construção de um grande centro cultural. Tal fato foi divulgado pela mídia da época, segue um trecho veiculado em 1978: A fábrica de geladeiras construída em estilo Manchester, situada na rua Clélia, 93, na Pompéia, comprada pelo Sesc, será restaurada para a implantação de um novo centro cultural. O projeto de restauração, elaborado pela arquiteta Lina Bo Bardi, já foi aprovado pelo presidente do Conselho Regional do Serviço Social do Comércio. (O Estado de S. Paulo, 1978).

na Itália que resulta na já apresentada Carta de Veneza, mas adaptado à sua própria interpretação da arquiteta. A edificação em si não é uma unanimidade entre a crítica, porém é um objeto que conta com um retorno positivo em relação aos seus usos, e tem vivacidade. Para entendermos melhor o conceito por trás da elaboração do projeto, penso ser imprescindível mergulhar um pouco na forma de pensar da arquiteta. Inicialmente, é interessante saber que no Brasil, Lina se sentia mais livre para ousar em suas intervenções, diferentemente

O Sesc Pompéia A elaboração arquitetônica do conjunto que hoje conhecemos como Sesc Pompéia foi uma empreitada que levou nove anos, da elaboração até a obtenção do produto final. Idealizado pela arquiteta Achillina Bo, mais conhecida como Lina Bo Bardi, é uma amostra que, segundo a prof. Beatriz Kühlé, no vídeo Unesp em Pauta - A restauração de bens culturais arquitetônicos (TvUnesp, 2015), deriva da linha de pensamento pautada no discurso do restauro crítico, advindo de um movimento articulado Imagem 20: Obras do Restauro. Fonte: Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi,foto de Peter Sheier.


do que seria na Europa, como nos é narrado na entrevista Lina Bo Bardi e o Patrimônio, de Marcelo Ferras e Raíssa de Oliveira (Vitruvius, 2007) . No velho continente, os bens patrimoniais, em sua maioria, têm incubido valor considerado ímpar para a humanidade, categorizados como extremamente valiosos. Na América do Sul, essa consolidação do valor do monumento ainda não tinha tanta força, sendo um espaço propício para experimentações de caráter mais arrojadas e vanguardista. Considerada uma pensadora paradoxal por seus colegas de trabalho, segundo Marcelo Ferraz, era uma mulher de contradições, sempre disposta a reformular suas ideias. Todavia, existiam conceitos bem definidos, sempre presentes em seu discurso de trabalho, e dou ênfase à ideia de “Presente histórico”. Incrustado neste termo, temos o pensamento de que o patrimônio guarda em si, às vezes adormecido, tudo aquilo que ainda vive de épocas anteriores. Por meio da ação, do projeto, podemos reavivar esse potencial, que sempre estará vinculado ao momento contemporâneo e às dinâmicas da atualidade, restando o descarte de tudo aquilo que não pode mais dialogar com o agora.

O “presente histórico” é o presente que traz raízes, memórias. Mas é presente, não é passado. Ninguém vive no passado, assim como, ninguém vive no futuro. É uma coisa muito pragmática, então, nós fazemos projeto para um horizonte de hoje, da maneira que nós vivemos hoje. Como utilizamos os objetos, como nos deslocamos, nos comunicamos. Isso é presente. Lina é muito pragmática nesse sentido. Sempre é presente, ainda

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que carregado de elementos simbólicos ou históricos que enriquecem o imaginário para formular o que está por vir. O mundo é assim, deveria ser assim. Essa formulação é um ponto extremamente importante.(FERRAS, 2007).

Outro termo que merece destaque é o da “Prática Social” da edificação, que dialoga diretamente com o anterior. É uma busca para relacionar todos os agentes que se envolvem no projeto, e uma preocupação direta para com seus usuários. Um exercício que consiste na contextualização da arquitetura pretendida, buscando sua integração ao instante presente e suas variáveis.

Os Galpões

Imagem 21: Entrada do Sesc Pompéia, atualmente. Fonte: Acervo Próprio

Registrado no documentário Arquiteturas:Sesc Pompéia (SescTv, 2014), o processo de construção do Sesc Pompéia pouco mexeu nos galpões já existentes no terreno. As paredes que se encontravam rebocadas pelo lado de fora foram despidas das camadas responsáveis em esconder seus tijolos, que a partir daquele momento seriam evidenciados, não apenas como elementos estéticos, e sim como símbolos que carregam em si a passagem dos anos na edificação. As telhas foram lavadas e recolocadas, e ao final de todo o processo, os elementos originais de construção ressurgiram: a estrutura em hennebique, paredes externas e sua cobertura.

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Lina não tinha o desejo de camuflar os acréscimos atribuídos ao projeto entre os elementos do passado, optando por evidenciálos. Tal decisão de projeto é pautada na ideia de se conseguir narrar as evoluções e transformações sofridas pelo edifício histórico. As tubulações que alí necessitaram ser instaladas foram demarcadas com cores marcantes que indicam suas finalidades (vermelho para esgoto e incêndio, amarelo para som, azul para eletricidade, azul para telefone e verde para água). A ideia de contraste dialoga diretamente com a Carta de Veneza. Lina, de acordo Marcelo Ferraz na entrevista, estudou também com Gustavo Giovannoni e tinha conhecimento sobre o processo de restauro científico, adaptando todos esses elementos ao seu discurso e raciocínio arquitetônico

Artigo 12º - Os elementos destinados a substituir as partes faltantes devem integrar-se harmoniosamente ao conjunto, distinguindose, todavia, das partes originais a fim de que a restauração não falsifique o documento de arte e de história.(1964, p.3)

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Imagem 22: Interior de um dos galpões, transformado em uma praça coberta. Fonte: Acervo Próprio.


Para resolver a setorização de seu projeto, Lina empilha as áreas destinadas ao esporte em um anexo, próximo também aos espaços destinados à administração. Todas as atividades vocacionadas à convivência e comunicação são dispostas horizontalmente, abrigando-se entre os galpões. De seus primeiros esboços projetuais, onde acreditava poder transitar por passarelas entre os prédios, surge o conceito das lajes destinadas à leitura, feitas em concreto armado. A intenção de restauro não é uma recomposição literal no discurso conceptivo da autora, admitindo tecnologias construtivas mais modernas do que as contemporâneas à construção da fábrica. Suas ideias almejavam criar um espaço de acolhimento e conforto, como uma praça coberta, atrativa, onde se pudesse manifestar o tempo de ócio. Ela busca recuperar elementos arquitetônicos do passado, como os muxarabis utilizados nas janelas, parte de sua obsessão dos elementos que compõem as manifestações culturais da população. Os espaços destinados para oficinas são agrupados em núcleos cercados de meia parede, o que garante sua privacidade, porém mantendo a oportunidade de participação e apreciação das atividades por pessoas de fora. Para os prédios em anexo, Lina Bo Bardi se dispõe a quebrar as noções de ordem e proporção clássicas, vigentes no discurso da arquitetura até então. Suas janelas em formato irregular têm origem incerta, apontado a possibilidade de referência nas entradas de cavernas e grutas. Buscou-se uma mimetização da prática esportiva em campo aberto, optando por não vedar aberturas e proteger as passarelas entre os prédios de intempéries. Os programas esportivos contam também com um diferencial, não sendo concebidos nos parâmetros competitivos, uma decisão da autora beneficiando o esporte como um exercício lúdico e de convivência, e não como prática rivalizadora.

37 Imagem 23: Anexo Esportivo. Fonte: Acervo Próprio.


Distribuição horizontal das atividades destinadas a convivênca (Biblioteca,lanchonete e etc...) e comunicação.( Oficina, Teatro, espaços expositivos).

Empilhamento das atividades esportivas, em um anexo novo, feito completamente em concreto armado. Equipamentos esportivos fora dos padrões competitivos, para serem usa dos apenas como lazer

Imagem 21: Planta Sesc Pompéia Fonte:ArchDaily

38


D

C

projeção cobertura

A

1.52

2.53

2.53

3.37

A 5.41

1.41

5.13

7.05

1.56

projeção estrutura metálica

4.22

1.40

4.67

15.17

1.99

7.44

3.2 MUSEU CASA MODERNISTA 1.01

2.54

projeção marquise

1.89

3.94

GREGORI WARCHAVCHIK

B

3.83

8.11

B

1.16

2.50

9.20

6.71

6.01

2.97

3.07

Histórico

10.51

17.04

D

C

PLANTA PISO TÉRREO 0

1m

2m

5m

Equipamento

museu da cidade - CASA MODERNISTA IBIRAPUERA/VILA MARIANA

Assunto

Fonte do le

PLANTA PISO TÉRREO

SECRETARIA MUNICI

Data

12.14

D

C

Não é de responsabilidade do Museu da Cidade possíveis alterações que venham a ser realizadas neste desenho

DIVISÃO DE PRESERV SEÇÃO TÉCNICA DE P

11.01

A

3.93

A

projeção cobertura

2.67

4.69

3.65

2.33

13.91

3.97

4.07

2.79

4.26 4.00

3.37

0.56

3.50

2.72

39 D

PLANTA PISO SUPERIOR

C

Imagem 25: Planta Museu Casa Modernista Fonte:Museu da Cidade de S. Paulo- Casa Modernista

B

2.90

6.42

7.10

3.94

B

2.50

2.80

Como consta nos artigos: Clássicos da Arquitetura - Casa Modernista da Rua Santa Cruz / Gregori Warchavchik, de Igor Fracalossi (2013), e A Restauração da Casa da Rua Santa Cruz, por Marcos José Carrilho (2000), a casa de Gregori Warchavchik, projetada em 1927 e realizada em 1928, é a primeira de estética moderna no Brasil. É relevante por sediar a Exposição de Arte Modernista. Foi idealizada com uma limpeza visual vanguardista para época, necessitando ser ornamentada em seu projeto para a aprovação na prefeitura de São Paulo, posteriormente, suprimindo esses elementos na finalização alegando falta de verba. O imóvel também conta com um projeto paisagístico pioneiro, bolado por Mina Klabin (esposa do arquiteto), que usa espécies tropicais para sua composição. É uma edificação marcada pelo uso da simetria na fachada e na elaboração do interior, porém toda executada de forma tradicional, escondendo o telhado de quatro águas com o uso da platibanda, que visualmente faz parecer se tratar de uma cobertura de laje. Passou por reformas para se adequar ao crescimento da

Urbe

0 Equipamento

museu da cidade - CASA MODERNISTA

1m

2m

5m


família, causando mudanças na forma de circulação original e na composição volumétrica. A família permaneceu ali até a década de 1970, quando decide vender o imóvel para uma construtora que bolava demolir a edificação em prol de um condomínio residêncial. Em 1984, a casa é tombada pelo Condephaat, tendo seu valor reconhecido também pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e, finalmente, o Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo). Esse procedimento impulsionou o tombamento de duas outras casas do arquiteto (casa da Rua Itápolis e Rua Bahia). Um processo longo se trava na justiça, em que os proprietários não foram obrigados a manter a manutenção do imóvel. Em 1994, o Estado é obrigado a comprar a residência e ressarcir os donos em detrimento de uma decisão judicial, porém tal fato não alterou o estado de abandono da edificação. Isso só se inverte em meados dos anos 2000, em que inicia-se o processo de restauro, com foco apenas na casa principal seguido do jardim e da edícula. Segundo funcionários locais, o processo de restauro iniciado no começo dos anos 2000 renovou toda a casa e substituiu a maior parte da materialidade original, devido ao avançado estado de deterioração do edifício, tendo sido reproduzidos e respeitados os desenhos e os materiais usados originalmente. Desde 2012, o poder público não mais autoriza o uso da casa para abrigar exposições ou outras manifestações artísticas, alegando não haver estruturas no imóvel para tal. Hoje, o espaço é dedicado para a discussão de arquitetura.

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Análise

Imagem 26: Foto dos fundos da edificação. Fonte:Acervo Próprio.

É muito interessante e dicotômico o modo como se deu a recuperação desse bem arquitetônico. Devido ao avanço de sua deterioração, como já citado, grande parte de sua materialidade foi perdida durante o processo de restauro. Buscou-se então uma recomposição do espaço, respeitando os desenhos e registros deixados pelo arquiteto, em vida. Digna-se de nota que todo o processo recompôs a casa aos tempos posteriores à sua reforma, período cuja crítica por vezes aponta um desvio de sua linguagem vanguardista e moderna, não revertendo-a ao seu caráter original, possível graças às catalogações do objeto em questão. Uma postura de restauro mais alinhada aos pensamentos franceses intervencionistas de Choay apud Viollet-le-Duc, oriundos do século XIX. Essa decisão acaba por eliminar da edificação as marcas da passagem do tempo, criando um produto novo seguindo os padrões de um modelo predecessor já bem definido, remetendo a um ápice existencial incerto de veracidade, porém munido de “valor histórico”, embora careça de historicidade. É discutível se essa é a melhor forma de se lidar com o patrimônio, tendo em vista que somente o edifício central e uma edícula se beneficiaram do restauro. Contrastase em muito o estado das áreas de lazer, jazendo em ruínas bem ao lado da edificação renovada, mas tratadas como algo desassociado e entregue ao consumo do tempo. Ainda assim, podemos aceitar que foi a escolha adotada pelo poder público para sua recuperação, levando em conta o modelo de gestão vigente e verba disponível. Deixando de lado as questões de ordem mais técnica, é curioso o título de “Museu” dado à edificação de Warchavchik. Em seu interior, nada se abriga e nada se expõe além da arquitetura

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em si, crua e despida inclusive do mobiliário característico do estilo. Resta então ser um polo de atração para os interessados nas construções do século passado, nicho específico demais para garantir vitalidade e um aproveitamento maior de seu potencial. Independente dos fatores que resultaram essa forma de apropriação do espaço patrimonial, sejam elas de ordem econômicas ou da gestão governamental, podemos intuir que ela não é a mais indicada. A falta do uso de uma edificação nem sempre é positivo, podendo transformar a arquitetura em algo isento de significado e memória afetiva para com a população. Sendo então pobre a sua função social e devolutiva para a comunidade, apenas ostentando um nome importante. O que é o museu? Corretamente, quando se quer designar uma pessoa, uma coisa, uma ideia antiquada, inútil, fora de uso, costuma-se dizer: ‘é uma peça de museu’. Querendo indicar com estas palavras o lugar que, no quadro da cultura contemporânea, o museu ocupa. lugar poeirento e inútil. ( Bardi, 2009, p.100-101)

Com essa frase emblemática de Lina Bo Bardi, podemos compreender que a conversão da casa em um museu minimamente acrescentou à edificação. Das visitas feitas ao local, poucos eram os que adentravam o recinto interessados em sua estética, tendo o jardim maior destaque pelo seu caráter de permanência. O valor histórico da casa em si aparenta não ser o bastante para lhe conferir vivacidade e público. Os informativos sobre a residência, difundidos em totens e vídeos exibidos, quase sempre passam batidos para o grande público.

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Imagem 27: Visão do prineiro andar para o jardim. Fonte:Acervo Próprio.


3.3 MUSEU LASAR SEGALL

Histórico

O Museu Lasar Segall, como averiguado em entrevista com funcionários locais, é uma realização idealizada pelos filhos do pintor Mauricio Segall e Oscar Klabin Segall, juntamente à sua viúva Jenny Klabin Segall, como uma associação desprovida de fins lucrativos para abrigar o acervo deixado pelo artista em sua morte. A edificação é uma adaptação da residência e ateliê da família, idealizada pelo seu concunhado Gregori Waschavchik. Em 1985, o Museu foi incorporado à Fundação Nacional PróMemória, integrando hoje o Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, do Ministério da Cultura, como unidade especial.

Análise É interessante que duas casas do mesmo arquiteto estejam geograficamente tão próximas, beneficiando-se de proteção em detrimento ao seu valor histórico, porém com usos e vivacidade completamente destoantes. Enquanto restou à residência de Gregory Waschavchik ser um monumento de arquitetura, Imagem 28: Janela do ateliê de Segall, trecho tombado. Fonte:Acervo Próprio.

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expondo a si mesmo como objeto central, o Museu Lasar Segall é mais flexível, e abriga diversas atividades diferentes. Apesar de ambos serem equipamentos que agora se apresentam como bens culturais, suas devolutivas para o público são completamente diferentes. O mais interessante do exemplo desse museu é como o uso pode trazer vivacidade e significado para o patrimônio, impedindo que ele se torne um nada para a população. A versatilidade da antiga casa de Segall reflete diretamente no discurso de universalização da arte, que norteou a readaptação do espaço residencial em museológico. As portas da instituição estão sempre abertas para o público, não sendo cobrado ingresso. O espaço também conta com diversas oficinas abertas, ministradas por professores concursados, cujo único custo exigido é o do material que a casa não pode fornecer. Por conta da proliferação de atividades, aliada a espaços expositivos e de permanência, existe uma empatia das pessoas com o lugar, um vínculo. Existe uma devolutiva social em resposta ao tombamento do imóvel, que o impede de se tornar um objeto obsoleto na paisagem. O nível de proteção de tombamento de ambos os objetos também dá maior liberdade ao Museu Lasar Segall, apenas alguns trechos da edificação estão de fato protegidos, congelando alguns cenários importantes. O restante da antiga casa é livre para reconfigurações, podendo se reformular para abrigar novas funcionalidades. É uma comprovação de que abrigar uma função pode ser algo extremamente benéfico ao bem tombado. Algo já salientado pela Carta de Veneza, e posto em prática. Diferentemente da residência de Waschavchik, o Museu Lazar Segall é um espaço de possibilidades e capaz de nos despertar afeição, um modo completamente diferente de se lidar com o patrimônio e a memória.

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Imagem 29: Entrada do museu. Fonte:Acervo Próprio.


3.4 FÁBRICA DE SAL PRIMEIRA INTERVENÇÃO, RAFAEL PERRONE Conforme já apresentado anteriormente, quando levantado o histórico da Fábrica de Sal, o edifício passou por uma primeira intervenção entre 2003 e 2004. Durante a égide do mandato da prefeita Maria Inês (PT), discutiu-se a possibilidade de requalificar o prédio em um espaço de cultura e lazer para a população, sendo parte da ação denominada “Centro com Qualidade”. Um processo de desapropriação já se encontrava em andamento, e com a tutela do imóvel, Rafael de Cunha Perrone foi solicitado para elaborar a reconversão dos usos. Ainda com base em seu texto para o site Vitruvius (Fábrica de Sal - Conversão do antigo edifício fabril no Centro Educacional de Ribeirão Pires, 2016), entende-se que devido ao estado de abandono e ruína, foi necessário elencar o quão colapsada a edificação se encontrava, determinando quais elementos se tornavam passíveis de recuperação/consolidação, e quais poderiam ser descartados sem que isso representasse um prejuízo para o valor documental do monumento. Duas vertentes de pesquisa foram elaboradas, de origens técnica e histórica, para iniciar o processo de restauração A fábrica se encontra em um ponto privilegiado, na parte central alta e às margens da ferrovia, com potencial para ser um ativador das dinâmicas dessa metade. As primeiras incursões projetuais consistiram na elaboração de um complexo educacional multifuncional, e em segundo momento, uma ligação para carros e pedestres que atravessaria a linha férrea, elemento que divide o centro e impede uma permeabilidade no tecido urbano. Por meio

da pesquisa histórica, traçou-se uma linha do tempo do objeto, que sofreu uma série de adequações para abrigar diferentes atividades, resultando numa completa descaracterização de sua origem. A falta de critérios construtivos, agindo de forma indistinta, e o fato de seus acréscimos serem erguidos à revelia da regulamentação legislativa edilícia, dificultaram o conhecimento do prédio por parte do poder público. O produto que se apresentava para a equipe responsável pelo restauro, já em nada lembrava seu passado como o moinho dos irmãos Maciotta. Necessitou-se então o levantamento cadastral do imóvel, bem como o fotográfico, que possibilitaram a dedução das fases de sua construção, os desenhos contidos na arquitetura e suas alterações.

Imagem 30: Fachada em ângulo, após as obras para reconversão de usos. Fonte: Diretriz de tombamento do antigo moinho de trigo fratelli maciotta fábrica de sal.

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da pesquisa histórica, traçou-se uma linha do tempo do objeto, que sofreu uma série de adequações para abrigar diferentes atividades, resultando numa completa descaracterização de sua origem. A falta de critérios construtivos, agindo de forma indistinta, e o fato de seus acréscimos serem erguidos à revelia da regulamentação legislativa edilícia, dificultaram o conhecimento do prédio por parte do poder público. O produto que se apresentava para a equipe responsável pelo restauro, já em nada lembrava seu passado como o moinho dos irmãos Maciotta. Necessitou-se então o levantamento cadastral do imóvel, bem como o fotográfico, que possibilitaram a dedução das fases de sua construção, os desenhos contidos na arquitetura e suas alterações. Por meio da pesquisa histórica, traçou-se uma linha do tempo do objeto, que sofreu uma série de adequações para abrigar diferentes atividades, resultando numa completa descaracterização de sua origem. A falta de critérios construtivos, agindo de forma indistinta, e o fato de seus acréscimos serem erguidos à revelia da regulamentação legislativa edilícia, dificultaram o conhecimento do prédio por parte do poder público. O produto que se apresentava para a equipe responsável pelo restauro, já em nada lembrava seu passado como o moinho dos irmãos Maciotta. Necessitou-se então o levantamento cadastral do imóvel, bem como o fotográfico, que possibilitaram a dedução das fases de sua construção, os desenhos contidos na arquitetura e suas alterações. A investigação técnica demandou a colaboração do engenheiro Dr. Luís Sérgio Franco, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), para levantar quais paredes encontravam-se em processo de queda iminente e quais resistiram bem ao passar dos anos. Constatou-se a perda do coroamento da chaminé, tendo este sido retirado ou ruído, bem como o comprometimento das paredes em concreto, devido

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à corrosão de suas estruturas metálicas, oriundas do sal. As paredes em alvenaria mostraram melhor estado de conservação entre as demais estruturas. Em seu parecer, o professor avaliou como segura a manutenção da chaminé e analisou as paredes colapsadas, definindo com clareza os elementos tecnicamente possíveis de serem preservados. (PERRONE, 2016)

Imagem 31: A chaminé simbolo do conjunto, sem seu coroamento Fonte: Diretriz de tombamento do antigo moinho de trigo fratelli maciotta fábrica de sal.


Mais adiante, as primeiras propostas de implantação e setorização são feitas, e o modelo inicial ainda contava com um componente de ligação entre os dois lados da linha férrea. A pesquisa histórica da fábrica também se prontificou a entender a importância e o significado que aquela arquitetura tinha para a região, não se limitando apenas em sua narrativa evolutiva. Ambas as linhas de averiguação (histórica e técnica) embasaram a elaboração da identidade do lugar, bem como a memória possível de recuperação. Fixam-se então as diretrizes iniciais da incursão projetual. Refazer a memória do prédio original do moinho caracterizando sua forma, escala e desenho com relação a cidade; Restaurar a chaminé – símbolo da edificação industrial; Evidenciar a relação com a ferrovia da qual decorreu a cidade e as edificações industriais; Revelar as transformações sofridas pelas edificações de forma didática apresentando inclusive o descaso com que em certos momentos foram tratadas.(PERRONE, 2016)

Dos elementos paisagísticos que compunham o terreno, apenas uma árvore existente se manteria, sendo plantada por um dos antigos administradores, para que sua filha pudesse brincar.

Imagem 32: Passarelas internas, evidenciada em vermelho. Fonte: Diretriz de tombamento do antigo moinho de trigo fratelli maciotta fábrica de sal.

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Restauro

Os entendimentos dos processos de preservação de bens patrimoniais, para os envolvidos no projeto, passavam pela evolução do significado de restauro, assimilados e sintetizados contemporaneamente nos seguintes conceitos:

Restauração é a reconstrução idêntica de parte ou de todo um edifício em virtude de seu valor patrimonial; Reconversão é uma operação realizada para mudar o Uso de um edifício impedindo que ele torne-se inútil; Reabilitação é a ação de melhorar um edifício conservando a sua função original. (PERRONE, 2016)

Insatisfeitos com o enquadramento em qualquer uma dessas categorias, propõe-se a criação de um novo conceito, o de “recomposição”. Tal linha projetual perpassa pela ideia de se mudar o uso, porém as idéias de recuperação da memória ainda guiam as conjunturas projetuais. Haveria então uma subversão da máxima funcionalista de Perrone apud Sullivan (1856-1924), sendo a função quem se adaptaria à forma. Imagem 33: Chaminé atualmente, com o coroamento refeito. Fonte: Acervo Próprio.


Passa-se então para a pesquisa de referencial arquitetônico, procurando casos em que outros profissionais também necessitaram dialogar diretamente com dois momentos no tempo, lidando com ideias de passado e presente, memória e continuidade. Chegam até: Das referências internacionais: As intervenções de Reichen e Robert, na antiga Fábrica de chocolates Menier, (1992-1995); As intervenções de Herzog e Du Meuron, na Nova Tate Modern,(1995-2000); Das referências Nacionais O processo de restauro do Sesc Fábrica Pompéia, realizado por Lina Bo Bardi,(1982-1986); O Parque das Ruínas, no Rio de Janeiro (1997-1998), projetado pelos arquitetos E. Freire e S. Lopes. O resultado de todas as averiguações, em seus diferentes setores, colaboraram para a elaboração da linguagem arquitetônica usada no projeto. De forma didática, o contraste dos materiais nos mostraria a relação entre o presente e o passado, mas respeitando certas continuidades visuais e tipológicas Também não era desejo ocultar as marcas da passagem do tempo, e que estas estivessem impressas e visíveis na arquitetura. Para isso, a inserção de novos elementos usou-se uma técnica parecida a da colagem, que permitiu a coexistência de ambiguidades, criar novos significados, e evidenciar aspectos de memória e engenho.

O conselho patrimonial local também se mostrou um colaborador entusiasta da recuperação da antiga fábrica. Fornecendo diretrizes que reafirmavam a importância da fábrica na história da cidade, para isso solicitavam: [...]a ampliação da área central preservada; a necessidade da valorização do prédio histórico; a garantia da visualização da construção como edifício histórico; a manutenção da inclinação das coberturas de duas águas; a garantia do restabelecimento das relações com o encontro urbano e com a ferrovia; a explicitação clara entre o que já existia e o que foi acrescentado; e o questionamento da mudança do sistema viário. (PERRONE, 2016)

O órgão público também foi responsável pelo fornecimento de novos materiais, como fotos e plantas antigas, que permitiram um melhor conhecimento do objeto. As investigações projetuais são redefinidas para atender as demandas do Conselho, chegando à sua configuração final sem a ligação entre as duas partes centrais do município, sendo algo a ser implantado e discutido posteriormente.

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Implementação

Durante todo o processo de construção houve uma incursão descobridora em cima das ruínas da fábrica. Com o descascamento das paredes, arcos nos salões principais indicavam a existência de porões e alicerces de pedra. Partes, que inexplicavelmente estavam abauladas, sofriam de sobrepeso dos silos e tanques construídos no interior. Detalhes não explicitados em registro surgiam a todo momento. As tesouras foram calculadas de modo a ajudar ao travamento das paredes do silo. Os galpões foram removidos, pois não apresentavam nem um diferencial em sua composição, e escondiam o corpo central da fábrica. A recuperação da chaminé foi fruto da colaboração de Gerhard Abeling, que a libertou das paredes que a usavam como apoio, revelando sua base octogonal. O coroamento foi refeito, as trincas tratadas e se aplicou um reforço estrutural com cintas. Todas as demolições ocorreram de maneira cirúrgica, predominando a ação manual. Os tijolos em bom estado, sendo reciclados na recomposição e complementação das alvenarias, o que minimizou a necessidade de encomendar material de fora. Para os procedimentos de recuperação das paredes, diversas técnicas foram utilizadas, sendo ilustradas com orientações em um caderno. Para a fixação das estruturas metálicas foram desenhadas diversas ligações conforme necessidade técnicas ou expressivas. Por fim, em seu artigo, Rafael conclui que o processo de redescobrimento do galpão foi algo muito significativo para Imagem 34: As estruturas metalicas evidentes, já em ruína Fonte: Acervo Próprio.


o município, intimamente ligado à reflexão de sua história. A nova configuração da fábrica, agora a valoriza e permite ser explorada por visitantes, e a preocupação do poder público se torna fundamental para sua manutenção.

Imagem 35: Base do elevador e a escada, deteriorados pelo abandono. Fonte: Acervo Próprio.

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Imagem 36: Plantas e corte da intervenção de Perrone. Fonte: Altamisa Engenharia e Comércio Limitada S.A

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4.0 Projeto


Descritivo

A readequação do conjunto arquitetônico Fábrica de Sal para o abrigo do uso cultural se desenvolve tendo como partido o contraste dos elementos construtivos, cuja diferenciação nos facilita identificar acréscimos e modificações, dialogando com as teorias do restauro crítico apresentado em capítulos anteriores. A interação com os elementos já presentes no terreno da fábrica (a escola, biblioteca e a linha férrea) também são considerados na concepção inicial, sendo de maior importância a passarela que liga as duas metades do centro, outrora divididas pela linha do trem, com o objetivo de facilitar as dinâmicas entre os dois lados Um anexo é construído um pouco a frente da fábrica, cujas medidas são aproximadamente equivalentes às da edificação mais antiga. A chaminé, objeto de destaque da paisagem, é mantida como elemento de maior altura no entorno próximo. O prédio tombado passa por uma remodelagem das lajes metálicas, com recortes e dimensões diferentes das propostos inicialmente por Rafael Perrone. Da primeira intervenção são mantidas as prumadas de banheiro, escada, elevador e as tesouras do telhado, que ajudam no travamento da edificação. A implementação da rede wi-fi por todo o terreno e o térreo universal são elementos importantes do projeto, se tornando atrativos para grande parte da população, o que nos leva a criação de um café no galpão próximo a biblioteca. O novo espaço tem como objetivo ser uma opção de ambiente para leitura e estudos, com mesas amplas que podem ser tomadas por pessoas com seus notebooks ou mesmo cadernos e livros emprestados. As paredes que ruiram são refeitas com concreto e vidro, cujas desenhos

são simplificações das linhas existentes no corpo principal da fábrica. O segundo galpão, que abrigou um anfiteatro, agora tem uso esportivo seguindo o raciocínio de implementação do Sesc Pompeia, em que os equipamentos não obedecem os padrões oficiais e servindo apenas para recreação. O espaço é reformulado

Esboço Inicial de uma das salas, desenho de estudo.

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56

Perspectiva com as primeiras investigações para o Foyeur

e passa a contar com duas quadras cobertas poliesportivas e novos banheiros encaixados ao fundo. Bancos de madeira circundam todo o ambiente. O corpo principal da edificação tem suas lajes sustentadas por novos pilares metálicos, o térreo se reparte em três ambientes, sendo o principal situado na entrada, destinado ao ócio e a apropriação livre, contando com bancos e tomadas para uso público. Mais ao fundo instala-se uma sala multimídia para projeções e pocket shows, além de paredes destinadas a exposição de fotos antigas do conjunto. Já no primeiro andar são alocadas mesas para pequenas atividades, que podem ser oferecidas para adultos ou crianças, e uma sala mais privativa, caso exista a necessidade de um ambiente mais isolado. Mais ao fundo se encontra o acervo histórico presente na nova pinacoteca municipal, que já foi abrigado uma vez dentro da fábrica. Devolvê-lo é algo interessante, pois ele estaria dentro de uma construção que é testemunha de parte da história do município e tem relevância, ao invés de um prédio novo e sem esse caráter. Chegando ao último pavimento se alocam as alas administrativas, com mesas para trabalho, isoladas de todas as atividades dos andares inferiores. Um talude com escadas e rampas dá acesso ao anexo do novo centro cultural, que contempla atividades complementares aos do edifício histórico. A concepção da nova estrutura continuou com a lógica dos contrastes dos materiais, sendo formada por estruturas metálicas e paredes de concreto. A volumetria nasceu dos recortes de um cubo com proporções equivalentes ao do prédio original, hermético para mimetizar o ambiente fabril, e se valendo das mesmas janelas em igual ritmo para diálogo direto. O primeiro andar permanece de apropriação livre, dispondo mobiliários básicos para usufruto variável. Rasgos, revestidos em vidro, nas arestas do cubo quebram a monotonia da forma e


permitem a entrada de luz natural. Os pilares marcam o ambiente em todos os andares, com um ritmo de espaçamento simples e bem delimitado. Mais acima o pavimento se divide entre o office e o expositivo. Mesas de estudo individuais e coletivas se dispõem para estudantes, sejam da escola próxima, da biblioteca ou arredores. O objetivo é criar um ambiente propício para os mais diversos público, que podem interagir e trocar conhecimento entre si . Uma ala expositiva divide o andar e pode abrigar mostras itinerantes e renováveis. Fazendo fronteira com os dois ambientes há um polo de descanso, com puffs e um deck de madeira. Por fim o último andar é destinado para o cinema, ressaltando que os moradores precisam sair do município para esse tipo de atividade, devido a inexistência de opções. Três salas se dividem ao fundo, e no centro do andar se espalham pequenos quiosques para lanches e pipocas. Uma varanda envidraçada e em balanço desponta da arquitetura, abrigando um foyeur que dá vista direta para os trilhos. Do teto, um rasgo na laje garante luz zenital em dias claros. De todos os andares do anexo, é possível visualizar a linha férrea que corta o centro de Ribeirão Pires

Esboços de estudo para implantação do Térreo

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Implantação Geral Escala 1:1000

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100


2

4

2

3

3

3

4

3

4

CENTRO CULTURAL MACIOTTA, RIBEIRÃO PIRES.

0.00

5

6

0.69

ELEVADOR

ELEVADOR

0.51

2

0.00

2

0.00

2

1

1

1

4.77

4.42

CORREDOR

5

1

5

1

CHAMINÉ

3 0.90

PLANTA TÉRRO, ANTIGA FÁBRICA - ESCALA 1:500

Legendas 1 Área Livre 2 Esposição

3 Café 4 Esportico 5 Espaço de Estudos/Oficinas 6 Espera

2

4

2

4

0.51

PLANTA PRIMEIRO PAVIMENTO, ANTIGA FÁBRICA - ESCALA 1:500

7 Administração 8 Acervo de Livros/documentos 9 Almoxarifado 10 Sala dos funcionários

11 Praça de Alimentação 12 Foyeur do Cinema 13 Bilheteria 14 Salas de Cinema


7

6

2

4

CENTRO CULTURAL MACIOTTA, RIBEIRÃO PIRES.

3

3 29 28 27 26 25 24

ELEVADOR

5

23

8.50

WC

5

7

WC

8

1

1

1

2

4

PLANTA SEGUNDO PAVIMENTO, ANTIGA FÁBRICA - ESCALA 1:500

60

PLANTA TÉRRO, ANEXO- ESCALA 1:500

7

6

0.00


7

6

7

6

7

2

5

1

7

8

14

14

14

9

5

5

5

5 13

11

+4.00

+8.00

PLANTA PRIMEIRO PAVIMENTO, ANEXO- ESCALA 1:500

0

10

20

30

7

6

7

6

12

PLANTA PRIMEIRO PAVIMENTO, ANEXO- ESCALA 1:500

40

50

60

70

80

90

100

61


CENTRO CULTURAL MACIOTTA, RIBEIRÃO PIRES.

ELEVAÇÃO FRONTAL ANTIGA FÁBRICA- ESCALA 1:500

62

ELEVAÇÃO POSTERIOR ANTIGA FÁBRICA- ESCALA 1:500


0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

63


CENTRO CULTURAL MACIOTTA, RIBEIRÃO PIRES.

ELEVAÇÃO DIREITA ANTIGA FÁBRICA- ESCALA 1:500

64

ELEVAÇÃO ESQUERDA ANTIGA FÁBRICA- ESCALA 1:500


0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

65


CENTRO CULTURAL MACIOTTA, RIBEIRÃO PIRES.

CORTE 1,1 ANTIGA FÁBRICA- ESCALA 1:500

66

CORTE 3,3 ANTIGA FÁBRICA- ESCALA 1:500


0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

67


CENTRO CULTURAL MACIOTTA, RIBEIRÃO PIRES.

CORTE 2,2 ANTIGA FÁBRICA- ESCALA 1:500

68

CORTE 4,4 ANTIGA FÁBRICA- ESCALA 1:500


0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

69


CENTRO CULTURAL MACIOTTA, RIBEIRÃO PIRES.

ELEVAÇÃO FRONTAL ANEXO- ESCALA 1:500

70

ELEVAÇÃO POSTERIOR ANEXO- ESCALA 1:500


0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

71


CENTRO CULTURAL MACIOTTA, RIBEIRÃO PIRES.

ELEVAÇÃO DIREITA ANEXO- ESCALA 1:500

72

CORTE 6,6 ANEXO- ESCALA 1:500


0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

73


CENTRO CULTURAL MACIOTTA, RIBEIRÃO PIRES.

CORTE 7,7 ANEXO- ESCALA 1:500

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CORTE 5,5 ANEXO- ESCALA 1:500


0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

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Perspectiva esquemática, mostrando as relações das fachadas com a passarela e a linha que corta Ribeirão Pires.

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CENTRO CULTURAL MACIOTTA, RIBEIRÃO PIRES.

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Perspectiva da antiga fábrica, já reconvertida, ointerior do galpão café/ateliê e a fachada do anexo.


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80


5.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS A nova configuração da antiga fábrica, agora rebatizada como “Centro Cultural Maciotta” em homenagem aos irmãos italianos que a construíram como moinho, tem objetivo inicial possibilitar uma aproximação do patrimônio com a população residente do município e lhe garantir vida útil para tempo indeterminado. O abrigo do novo programa leva em consideração todos os elementos importantes próximos (a linha férrea, biblioteca e escola), e os articula de modo a atrair pessoas e as instigar na apropriação de uma construção que pertence a história e consciência delas. Os usos propostos também são uma opção de lazer para a população local, que por vezes precisa sair do município para atividades corriqueiras como uma tarde no cinema. Os novos equipamentos são alocados, tendo em mente que o conjunto já passou pelo processo de descontaminação necessário para seu funcionamento. O produto final é uma tentativa de diálogo entre público e o patrimônio histórico, que foge da simples opções museológicas e expositivas.

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Lista de Imagens Imagem 1 e 2: Festa do Pilar em 1º de Maio de 1986 Fonte:http://www.ribeiraopires.fot.br/Eventos/1986/19860501-Festa_do_Pilar.htm> Acessado em 26/05/2018 Imagem 3: A Estação de Ribeirão Pires Fonte: Acervo Próprio Imagem 4: Em verde - Áreas de Ocupação Dirigida: Conservação Ambiental Fonte:Fonte:http://ceaam.net/rbp/legislacao/index.php> Acesso em 27/11/2017 Imagem 5: Foto da Antiga Entrada Fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/16.183/5972> Acessado em 20/08/2017 Imagem 6 e 7: Desenhos do Projeto Original - Moinho Maciotta Fonte: DUARTE, Marcílio.Diretriz de tombamento do antigo moinho de trigo fratelli maciotta fábrica de sal - Ribeirão Pires, 2015. 71 p. Imagem 8: Embalagem do Sal Refinado Rodolpho Valentino, produzido no Moinho Cotellessa Fonte: DUARTE, Marcílio.Diretriz de tombamento do antigo moinho de trigo fratelli maciotta fábrica de sal - Ribeirão Pires, 2015. 71 p. Imagem 9: O conjunto arquitetônico abandonado. Fonte: DUARTE, Marcílio.Diretriz de tombamento do antigo moinho de trigo fratelli maciotta fábrica de sal - Ribeirão Pires, 2015. 71 p. Imagem 10: Colocação das tesouras para o novo telhado Fonte: DUARTE, Marcílio.Diretriz de tombamento do antigo moinho de trigo fratelli maciotta fábrica de sal - Ribeirão Pires, 2015. 71 p. Imagem 11: Foto da Fachada Após as Obras para Reconversão de Usos. Fonte: DUARTE, Marcílio.Diretriz de tombamento do antigo moinho de trigo fratelli maciotta fábrica de sal - Ribeirão Pires, 2015. 71 p. Imagem 12: Notificação sobre a aceitação do estudo de tombamento da fábrica de sal, pelo Condehaat. o que já gatantia proteção para o prédio. Fonte: CONDEPHAAT Imagem 13: Documento do Condephaat anunciando o inicio do reconhecimento da fábrica como patrimônio. Fonte: CONDEPHAAT

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Imagem 14: Françoyse Choay Fonte: Fonte:https://tecnico.ulisboa.pt/pt/eventos/cerimonia-de-atribuicao-do-grau-de-doutor-honoris-causa-a-francoise-choay/> Acessado em


15/09/2017 Imagem 15: Césare Brandi Fonte:https://cantorscience.org/2010/05/11/cesare-brandi/> Acessado em 15/09/2017 Imagem 16: Lateral da fábrica, nos dias atuais. Fonte: Acervo Próprio Imagem 17: A fábrica em ruínas Fonte: Acervo Próprio Imagem 18: Lina Bo Bardi Fonte: Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-153205/classicos-da-arquitetura-sesc-pompeia-slash-lina-bo-bardi> Acessado em 20/08/2017 Imagem 19: Nota do Incêndio Fonte: http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19351116-20273-nac-0007-999-7-not> Acessado em 20/08/2017 Imagem 20: Obras do Restauro. Fonte: Fonte: Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi,foto de Peter Sheier. Imagem 21: Entrada do Sesc Pompéia, atualmente. Fonte: Acervo Próprio. Imagem 20: Interior de um dos galpões, transformado em uma praça coberta. Fonte: Acervo Próprio. Imagem 23: Anexo Esportivo. Fonte: Acervo Próprio. Imagem 24: Planta Sesc Pompéia Fonte:https://www.archdaily.com.br/br/01-153205/classicos-da-arquitetura-sesc-pompeia-slash-lina-bo-bardi> Acessado em 25/09/2017 Imagem 25: Fonte:http://www.museudacidade.sp.gov.br/casamodernista.php>Acessado em 25/09/2017 Imagem 26: Foto dos fundos da edificação.

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Fonte:Acervo Próprio. Imagem 27: Visão do prineiro andar para o jardim. Fonte:Acervo Próprio. Imagem 28: Janela do ateliê de Segall, trecho tombado. Fonte:Acervo Próprio. Imagem 29: Entrada do museu. Fonte:Acervo Próprio. Imagem 30: Fachada em ângulo, após as obras para reconversão de usos. Fonte: DUARTE, Marcílio.Diretriz de tombamento do antigo moinho de trigo fratelli maciotta fábrica de sal - Ribeirão Pires, 2015. 71 p. Imagem 31: A chaminé simbolo do conjunto, sem seu coroamento Fonte: DUARTE, Marcílio.Diretriz de tombamento do antigo moinho de trigo fratelli maciotta fábrica de sal - Ribeirão Pires, 2015. 71 p. Imagem 32: Passarelas internas, evidenciada em vermelho. Fonte: DUARTE, Marcílio.Diretriz de tombamento do antigo moinho de trigo fratelli maciotta fábrica de sal - Ribeirão Pires, 2015. 71 p. Imagem 33: Chaminé atualmente, com o coroamento refeito. Fonte: Acervo Próprio. Imagem 34: As estruturas metalicas evidentes, já em ruína Fonte: Acervo Próprio. Imagem 35: Base do elevador e a escada, deteriorados pelo abandono. Fonte: Acervo Próprio.

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