CEMITERIO VERTICAL
refletindo os espaรงos da morte e cidade
JOSร TIAGO BELARMINO DE LIMA
CEMITÉRIO VERTICAL
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CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO APRESENTADO AO CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC COMO EXIGÊNCIA PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE BACHAREL EM
ARQUITETURA E URBANISMO
JOSÉ TIAGO BELARMINO DE LIMA ORIENTADORA: PROF. DRA. VALÉRIA FIALHO SÃO PAULO 2018
CEMITÉRIO VERTICAL REFLETINDO OS ESPAÇOS DA MORTE E CIDADE
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“[...] Cavaleiro marginal, banhado em ribeirão. Conheci as torres e os cemitérios. Conheci os homens e os seus velórios. Quando olhava da janela lateral [...]” Lô Borges - Paisagem da Janela 33
RESUMO As atuais necrópoles ocupam imensas áreas das cidades e não estabelecem boas relações com seu entorno e acabam se tornando equipamentos que ao longo da história da humanidade foram se afastando e até mesmo sendo excluídos do cotidiano das pessoas. A falta de espaço para o crescimento das cidades é uma realidade que vem crescendo a cada dia nas grandes metrópoles como São Paulo. Quanto maior a quantidade de pessoas, maior também é a necessidade de áreas para sepultamentos. A tendência é que cada vez mais os cemitérios verticais substituam os cemitérios tradicionais de jazigos ou jardins. O trabalho discute as relações entre os espaços de sepultamentos e o meio urbano, bem como a relação do indivíduo com sua própria morte e a morte de seus próximos, e terá como principal objetivo a proposição de uma edificação funerária vertical, localizada no centro da cidade de São Paulo, o projeto do espaço funerário que não escamoteie a morte e a entenda como parte e finalidade da vida, essencial para a vivência do homem na contemporaneidade e se abrindo à cidade dos vivos para recebe-los para além da função de memória, mas como um espaço de convivência, um símbolo de reflexão da ausência e um farol para a cidade.
PALAVRAS-CHAVE Arquitetura funerária, centro de São Paulo, espaços cemiteriais, morte, verticalidade. 4
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SUMÁRIO
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INTRODUÇÃO
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ESTUDOS DE CASO
INDIVÍDUO, SOCIEDADE E MORTE
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CEMITÉRIO DE SAN CATALDOCEMITÉRIO IGUALADA
ESPAÇOS DA MORTE E CIDADE
CONCURSO DEATH & THE CITY - TOKYO VERTICAL CEMETERY
TIPOLOGIAS CEMITERIAIS
DEATH IS NOT THE END. BEING FORGOTTEN IS
CEMITÉRIO TRADICIONAL OU CLÁSSICO
IN-BETWEEN
CEMITÉRIO JARDIM OU PARQUE
THE POROSITY OF LOSSES
CEMITÉRIO CONTEMPORÂNEO
THE ROOM
CREMATÓRIO
TOKYO VOID
ESPAÇOS DA MORTE E A CIDADE DE SÃO PAULO
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TOKYO VERTICAL CEMETERY
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TERRENO
CEMITÉRIOS MUNICIPAIS
EXEMPLOS; REFERÊNCIAS E ESTUDOS DE CASO
PROPOSIÇÃO DE CEMITÉRIO VERTICAL
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PROPOSTAS (NÃO CONSTRUÍDAS)
PROGRAMA
PROPOSTA DE CEMITÉRIO VERTICAL EM OSLO
PARTIDO
PROPOSTA DE CEMITÉRIO VERTICAL EM PARIS
MEMORIA DESCRITIVO MEMORIAL
PROPOSTA DE CEMITÉRIO VERTICAL EM MUMBAI
PROJETO
EXEMPLOS CONSTRUÍDOS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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MEMORIAL NECRÓPOLE ECUMÊNICA
REFERÊNCIAS
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CEMITÉRIO DE LA PAZ CEMITÉRIO YARKON
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INTRODUÇÃO
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INTRODUÇÃO O medo de enfrentar a morte e o desconhecido é inerente ao ser humano. A sociedade associa o ambiente do cemitério como o local onde elas irão quando não pertencerem mais a este mundo material, causando certo receio. Este temor acabou ultrapassando as barreiras naturais do ser humano e, nos tempos atuais, em que questões ambientais se sobrepõem até mesmo às de cunho cultural, há que se discutir a necessidade de novas metodologias em meio à problemática da morte e seu encaminhamento.
do edifício, buscando melhor relação entre o cemitério, espaço público e a paisagem urbana.
Entende-se por cemitério o local ao qual se confia os restos mortais dos ancestrais. Local este onde o passado e o presente se confrontam, que se constituem em ambientes de reflexão, oração e comunicação. Partindo do pressuposto de que há a necessidade de se criar espaços para a prática do sepultamento, pretende-se propor, a partir desta pesquisa, uma quebra dos dogmas relacionados à construção cemiterial através de uso de técnicas tais como; percepção ambiental aplicada ao projeto de um cemitério vertical cuja multifunções, simbologia e de conceitos históricos adaptados a arquitetura contemporânea. Este estudo teve como principal objetivo a proposição de uma edificação funerária vertical, localizada no centro da cidade de São Paulo, foi realizado levantamento bibliográfico, a fim de criar base teórica estruturada da relação entre a tipologia de espaço/edifício proposto e o meio urbano, assim como as relações simbólicas entre as pessoas e a morte. Além de estudos de caso de edificações com programa similar para compreensão do funcionamento organizacional
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“Ser imortal é insignificante; com exceção do homem, todas as criaturas o são, pois ignoram a morte.” BORGES, Jorge Luis. O Aleph. Editora Globo, 1973
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O sétimo selo, filme, Ingmar Bergman, 1957
Há várias maneiras de lidar com o fato de que todos vamos morrer. Do ponto de vista sociológico, a morte pode ser descrita como o núcleo de um complexo cultural que envolve técnicas, costumes e valores. Isso significa que, para habituar-se à morte, cada sociedade, cada comunidade, cada grupo social, à sua própria maneira, acabou desenvolvendo dispositivos de suportes sociopsicológicos para conviver com a ideia de finitude, são muitos os modos de lidar com a morte, dada à diversidade de contributos religiosos e culturais que ajudaram a compor, em diferentes lugares, um quadro de diferentes ritos, representações e crenças funerárias.
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“Mitos e ritos sobre a morte são incontáveis; todas as culturas criam uma forma especial de imaginar e contar a própria versão, estruturando as características coletivas das diferentes civilizações. Se, por um lado, essas versões coletivas vão se organizando com o tempo, lembramos que esta temática sempre é amplificada por variações e interpretações muito específicas de cada indivíduo, com seus credos e superstições pessoais” (CALLIA, 2005, p. 9).
A morte foi se transformando numa experiência institucionalizada socialmente, cercada de ritos, hábitos e técnicas. Assim, do ponto de vista comparativo, podemos encontrar sistemas mortuários que se baseiam em técnicas como embalsamento, cremação, enterro, ou até mesmo abandono do corpo morto, bem como cosmologias que sustentam a em transcendência, a reencarnação etc. Portanto, enquanto em alguns grupos sociais a morte é encarada com serenidade, em outros pode gerar inconformismo e dor; enquanto, para alguns, a morte é vista como uma punição, para outros pode representar uma redenção; enquanto, para alguns, a morte é vista como um fim, para outros pode constituir, simplesmente, o começo. É por isso que a morte e suas respectivas formas de processamento compreendem um aspecto fundamental do processo de socialização humana.
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Apesar de a morte constituir uma condição inexorável de todos os indivíduos, cada período histórico construiu e estabeleceu dispositivos psicossociais que permitem a convivência com a intranscendência humana. Alguns autores, como Philippe Ariès e Norbert Elias,
presentam um conjunto sistematizado de interpretações sobre os processos de experimentação e representação da morte nas sociedades ocidentais. esses autores apresentem Embora interpretações que divergem entre si, eles diagnosticam em comum o caráter problemático da morte nas sociedades modernas, mais precisamente o caráter problemático da morte nos séculos XX e XXI. A evidência de seu trabalho está relacionada à busca dos que pudessem descrever elementos historicamente as alterações nos comportamentos humanos com relação à morte, da Idade Média até a Idade Moderna. Nesse percurso, inúmeras características culturais, comportamentais e sociais que convergiam para moldar o processamento da morte foram identificadas e sistematizadas em cinco grandes representações que organizam teoricamente a forma como a morte foi experienciada e representada em diferentes épocas, como por exemplo, a morte na alta Idade Média, ou morte domada, como conceitualiza Ariès:
“... a morte, tal como a vida, não eram atos individuais, mas um ato coletivo. Por essa razão, à semelhança de cada grande passagem de vida, ela era celebrada por uma cerimônia sempre mais ou menos solene, que tinha por finalidade marcar a solidariedade do indivíduo com a sua linhagem e sua comunidade...” (ARIÈS, 1982, p.658)
Durante a Idade Média a morte era um fenômeno comum, costumeiro, que causava uma dor tolerável, posto que não era uma ruptura entre o aqui e o além e os ritos eram comunais, estava sempre associada
a causas mal conhecidas, como intervenções sobrenaturais e possibilidade de prolongar a vida após morte, mas o processamento da morte, que envolvia cuidados com o corpo moribundo e morto, estava sob o domínio dos indivíduos. Segundo Rodrigues (2006), nas imediações do século XV há o lento desenvolvimento de um sentimento de individualidade, que questiona a salvação e a imortalidade. O medo do além começa a se manifestar em uma sociedade que vivia de maneira familiar com ela. As ações individuais são pesadas na balança do Bem e do Mal, visando ao Céu ou Inferno. Desenvolve-se uma dramaticidade sobre o fato, acentuada nos séculos XVI e XVII. Anuncia-se, então, a morte romântica. Esta é temida pelos sobreviventes, possui um componente insuportável de despedida (o mise-en-scène da tristeza), e o luto passa a fazer fronteira com a loucura, sendo um fenômeno comunitário. (RODRIGUES, 2006) A morte transforma-se em acontecimento detestável no século XIX, pois representa uma ruptura no andamento normal da vida. As práticas funerárias são apropriadas pela família, pela medicina e pelo poder público. Desenvolve-se uma estética fúnebre em que predomina a concepção de beleza do morto (signo de ausência de sofrimento) que é a dissimulação do medo da própria morte. O século XX traz uma transformação revolucionária da morte, que deixa de ser “tudo”, parte constituinte da vida normal e do ciclo pessoal, para se tornar “nada”, ocultada do dia-a-dia, tratada com aparente indiferença (RODRIGUES, 2006). O luto é abandonado às práticas individuais, com a finalidade de poupar a coletividade. É um luto privatizado.
A neutralização dos ritos funerários e ocultação da morte fazem parte dessa incapacidade social de se lidar com ela. Isso explica ainda a transferência do ato de morrer para o hospital, onde o doente se despersonaliza, ao mesmo tempo em que se protege a família da morte, o doente das pressões emocionais dessa família e a sociedade da publicidade da morte. Esta passa a ser uma espécie de responsabilidade técnica passível de ser controlada. Nasce o mito da amortalidade humana (versão moderna da imortalidade) e uma nova escatologia. (RODRIGUES, 2006) Nas sociedades tradicionais, algumas características especificas da dinâmica social, como, por exemplo, os ritos de passagem, as crenças no sobrenatural e a organização pública das relações, conferiam à morte – como também a outros acontecimentos, como nascimentos e adoecimentos – um caráter mais coletivo e, portanto, mais público. O desconhecimento coletivo do conjunto de causas orgânicas que provocavam as doenças e a morte bem como a falta de controle técnico sobre a vida e a morte permitiram aos indivíduos dessas sociedades conceberem a morte como consequência de motivos sobrenaturais. Isso não significa, segundo o autor, que esses indivíduos se comportassem de forma serena, calma ou pacífica, esperando pela morte. Afinal, os ritos para processamento da morte, ou as fantasias coletivas, foram inventadas para dar-lhe significado, pois, “junto com a previsão de seu próprio fim, provavelmente ocorreu desde o início uma tentativa de suprimir esse conhecimento indesejado e encobri-lo” (ELIAS, 2001, p. 43). No que se refere às atitudes com relação à morte nas sociedades modernas, alguns episódios devem ser ressaltados, pelo fato de terem contribuído decisivamente para tornar a
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morte uma ameaça, tanto para o desenvolvimento produtivo e econômico das cidades, quanto para o próprio bem-estar dos indivíduos. Esses episódios consistiram, especificamente, no desenvolvimento das cidades, no aumento populacional e no surgimento e na proliferação de doenças e pestes. Esses acontecimentos favoreceram o surgimento de demandas emergenciais de controle estritamente técnico e especializado, o que permitia, cada vez mais, a aplicação da racionalidade para combater e dissipar essas demandas. Assim, nas sociedades modernas, o:
.. conhecimento das causas das doenças, do envelhecimento e da morte tornou-se mais seguro e abrangente. O controle das grandes epidemias fatais é apenas um dos muitos exemplos de como a expansão do conhecimento com a realidade congruente desempenhou um papel na mudança dos sentimentos e comportamentos humanos (ELIAS, 2001, p. 88).
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Na sociedade moderna, a morte é organizada socialmente de forma objetiva. Esse processo de objetivação do morrer é resultado da convergência de duas transformações que se encontram interligadas: por um lado, do encontro das racionalidades científicas das áreas médicas e mercantil, bem como da indústria funerária; por outro, do declínio progressivo da religião no processamento da morte na modernidade. Assim, a morte converte-se num ponto de passagem de uma extensa rede de conhecimentos sóciotécnicos, para o qual convergem as intervenções especializadas, operadas por médicos, enfermeiros, psicólogos,
atendentes funerários e, inclusive, cientistas sociais, que organizam o significado moderno do morrer (WILLMOTT, 2000). Com isso, a experiência emocional da morte é transferida para a esfera privada. Mais precisamente, é circunscrita ao grupo familiar e dos amigos. O significado dessa sanitarização efetuada pela medicalização, mercantilização e privatização da morte é tornar o morrer invisível, ou, pelo menos, o minimante disruptivo da rotina cotidiana. O antropólogo José Carlos Rodrigues (2006), ao tratar do afastamento da morte contemporânea, diz que este status é algo compreensível, se for considerado, o fato de que a morte é a derradeira coisa a ser lembrada em uma sociedade onde são afirmados valores, como a acumulação e o progresso. Este pesquisador também destaca o papel do comportamento hedonista, que nega o fracasso e, neste contexto, a morte pode se transfigurar no maior deles. Nessa trajetória de consolidação da sociedade moderna, saúde e morte tornaram-se objetos de investigação das áreas de amparo técnico-especializado, e, portanto, novas formas de perceber e agir passam a operar e a reconfigurar a forma como os indivíduos se relacionam com a vida e, consequentemente, com a morte. Mais especificamente, essa forma de se relacionar com a vida e com a morte tem se caracterizado principalmente pela saída de cena da morte, ou seja, pelo recalcamento da morte num duplo sentido. Isso ocorre tanto num plano individual, “no mesmo sentido de Freud que se refere a um grupo de mecanismos psicológicos de defesa socialmente instalados, pelas quais as experiências de infâncias excessivamente dolorosas, sobretudo conflitos na primeira infância e a culpa, bloqueiam o acesso à memória” (ELIAS, 2001, p.16)
Contudo, a diminuição da vulnerabilidade social proporcionada pela organização moderna do morrer não significa, evidentemente, que a morte não seja problemática para o indivíduo. A profusão de conhecimentos e técnicas médicas sobre a saúde e o prolongamento da vida humana, associados à intensificação da individualização, fez com que os indivíduos passassem a se preocupar com a morte ao longo de toda a vida. Os meios de comunicação de massa, por exemplo, difundem um volume crescente de informações especializadas sobre os riscos associados ao fumo, à alimentação e à vida sedentária, etc. Assim, ao mesmo tempo em que a organização moderna da morte procura evitar que sua inevitável recorrência desestabilize a rotina produtiva dos indivíduos, ela força esses mesmos indivíduos a pensarem na morte indiretamente, ao se tornarem responsáveis pela saúde do corpo. No momento em que a humanidade passou a se tornar consciente, com o desenvolvimento econômico e científico, a morte perdeu consideravelmente seu espaço na existência da humanidade. Hoje ele luta desesperadamente para acrescentar alguns dias de sobrevivência, prevenindo-se contra doenças, utilizando-se de diferentes maneiras para manter seu corpo saudável. O aspecto econômico está diretamente ligado a maneira pela qual o indivíduo irá enfrentar a morte, de como irá morrer e como será velado. Nas culturas antigas o que influía na maneira de ser velado era a forma como se morria como se encarava a vida, o fator econômico não era tão relevante. Naqueles tempos morrer devagar era uma dádiva, pois o indivíduo teria tempo para refletir sobre sua morte e fazer as devidas despedidas e recomendações para as pessoas próximas. Hoje o quanto mais rápido se morre melhor, sorte daquele que morre dormindo ou sem sofrimento. Tornou-se algo instantâneo,
para acontecer rapidamente e ser esquecido da mesma forma. Esses aspectos das sociedades modernas contribuíram para a ocultação da morte e, consequentemente, para a sua caracterização em morte significativa – que corresponde à morte daquele indivíduo que foi capaz de formular objetivos e alcançá-los, planejar tarefas e concretizá-las – e morte sem sentido – daquele indivíduo que não conseguiu, por motivos próprios, alcançar seus objetivos e concretizar suas tarefas. A consequência é, por um lado, que a morte é processada subjetivamente como uma falha técnica ou um acidente e, por outro, como uma espécie de punição por uma vida desregrada. O resultado não deixa de ser paradoxal, pois a preocupação contínua com a preservação da vida torna a morte ainda mais angustiante. Essas interpretações do processamento do morrer sugerem que as estratégias psicossociais de “inversão” e “ocultamento”, postas em operação na sociedade moderna, separam a morte da vida. Segundo Áries e Elias, a diminuição da influência dos costumes e dos preceitos preestabelecidos na vida moderna permitiu a institucionalização de dispositivos que encobrem a manifestação pública da morte. Assim, a inevitabilidade da morte biológica teria deixado de ser um problema público e teria se convertido num problema de ordem privada. Nas sociedades tradicionais, a morte podia ser experimentada publicamente ou compartilhada coletivamente, porque a morte do outro era “vivida” como a morte de si mesmo. Com o processo de diferenciação social que caracteriza o desenvolvimento da sociedade moderna, esse processo de identificação não seria mais possível, porque o morrer tornou-se objeto de intervenção especializada. Nessa
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seria mais possível, porque o morrer tornou-se objeto de intervenção especializada. Nessa perspectiva, para negar a morte, ou melhor, para encobri-la socialmente, essas formas de mediação do morrer deslocaram o morrer para esfera íntima. Contudo, essas interpretações baseiam-se, metodologicamente, na comparação entre as estratégias de processamento do morrer nas sociedades tradicionais e as formas de processamento do morrer nas sociedades modernas. No entanto, deixam em aberto, por um lado, a questão da reatualização das tradições e, por outro, as mutações da própria modernidade. Ou seja, não se trata somente de descrever as diferenças de processamento do morrer em termos de mudança de um modo de vida comunitário, baseado na identidade, para um societário, baseado na impessoalidade das relações, mas como se reproduz essa forma impessoal de morrer. (MATTEDI; PEREIRA, 2007) A morte se transformou em um aspecto banalizado. No entanto a negação da morte reflete diretamente em uma negação da vida. A sociedade que está presa no jovem, esquece de envelhecer e, contudo, de morrer. Ela é imêmore da vida, está morta, mas esqueceu de morrer. A sociedade ocidental, com sua glorificação da vida, nega cada vez mais a consciência da morte, mas se morre todos os dias dentro deste princípio que apaga a verdadeira expressão da vida.
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ESPAÇOS DA MORTE E A 25 CIDADE 25
“Laudômia, como todas as cidades, tem a seu lado uma outra cidade em que os habitantes possuem os mesmos nomes: é a Laudômia dos mortos, o cemitério. Mas a característica particular de Laudômia é a de ser, mais do que dupla, tripla; isto é, de compreender uma terceira Laudômia, que é a dos não-nascidos. As prosperidades da cidade dupla são conhecidas. Quanto mais a Laudômia dos vivos se povoa e se dilata, mais aumenta a quantidade de tumbas do lado de fora da muralha. As ruas da Laudômia dos mortos são largas apenas o bastante para que transite o carro fúnebre, e são ladeadas por edifícios desprovidos de janelas; mas o traçado das ruas e a sequência das moradias repetem os da Laudômia viva e, assim como nesta, as famílias são cada vez mais comprimidas em compactos nichos sobrepostos. Nas tardes ensolaradas, a população vivente visita os mortos e decifra os próprios nomes nas lajes de pedra: da mesma forma que a cidade dos vivos, esta comunica uma história de sofrimentos, irritações, ilusões, sentimentos; só que aqui tudo se tornou necessário, livre do acaso, arquivado, posto em ordem. E, para se sentir segura, a Laudômia viva precisa procurar na Laudômia dos mortos a explicação de si própria, não obstante o risco de encontrar explicações a mais ou a menos: explicações para mais de uma Laudômia, para cidades diferentes que poderiam ter existido, mas não existiram, ou razões parciais, contraditórias, enganosas. Muito justa, Laudômia confere um domicílio igualmente vasto àqueles que ainda vão nascer; claro que o espaço não é proporcional ao seu número, que se supõe infinito, mas, sendo um lugar vazio, circundado por uma arquitetura repleta de nichos e reentrâncias e cavidades, e podendo-se atribuir aos não-nascidos a dimensão que se deseja, imaginá-los do tamanho de um rato ou de um bicho-da-seda, ou de uma formiga, ou de um ovo de formiga, nada impede de visualizá-los eretos ou agachados em cada um dos 26 suportes ou estantes que ressaem das paredes, em cada um dos capitéis ou plintos, em fila ou e
sparralhados, atentos às incumbências de suas vidas futuras, e de contemplar numa veia do mármore Laudômia inteira daqui a cem ou mil anos, apinhada de multidões vestidas de modo jamais visto, todos, por exemplo, com barreganas cor de berinjela, ou todos com plumas de peru nos turbantes, e de reconhecer os próprios descendentes e os das famílias aliadas ou inimigas, dos devedores e credores, que vão e vêm perpetuando os negócios, as vinganças, os matrimónios por amor ou por interesse. Os viventes de Laudômia frequentam a casa dos não-nascidos, interrogando-os; os passos ressoam sob os tetos vazios; as questões são formuladas em silêncio: e é sempre deles próprios que perguntam os vivos, não daqueles que virão; alguns se preocupam em deixar uma ilustre memória de si, outros em encobrir as suas vergonhas; todos gostariam de seguir o fio das consequências dos próprios atos, mas, quanto mais aguçam o olhar, menos reconhecem um traço contínuo; os nascituros de Laudômia aparecem pontilhados como grãos de poeira, afastados do antes e do depois. A Laudômia dos não-nascidos não transmite, como a dos mortos, qualquer segurança aos habitantes da Laudômia viva, só apreensão. Nos pensamentos dos visitantes, acabam por se abrir dois caminhos e não se sabe qual reserva maior angústia: ou se pensa que o número de nascituros supera grandemente o de todos os vivos e de todos os mortos, e, nesse caso, em cada poro de pedra acumulam-se multidões invisíveis, amontoadas nas encostas do funil como nas arquibancadas de um estádio, e, uma vez que a cada geração a descendência de Laudômia se multiplica, em cada funil se abrem centenas de funis, cada qual com milhões de pessoas que devem nascer e esticam os pescoços e abrem a boca para não sufocar; ou então se pensa que Laudômia também desaparecerá, não se sabe quando, e todos os seus habitantes desaparecerão com ela, isto é, as gerações se sucederão até uma certa cifra e desta não passarão, e por isso a Laudômia dos mortos e a dos não-nascidos são como as duas ampolas de uma ampulheta que não se vira, cada passagem entre o nascimento e a morte é um grão de areia que atravessa o estreitamento, e
nascerá um último habitante de Laudômia, um último grão a cair que, no momento, está aguardando no alto da pilha” CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. Companhia das Letras, 1990
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Chama-se cemitério um local onde se sepultam ou acumulam produtos, tipicamente resíduos e resquícios, também denominado de necrópole ou sepulcrário. Cemitério é o sitio onde são enterrados os restos mortais. Na maioria dos casos é um local fortemente ligado a questões simbólicas e religiosas. Pode-se dizer que as formas como os mortos são tratados e seus locais e formas de disposição final são reflexos de concepções culturais. Os cemitérios são fruto do relacionamento do homem com a morte originado do ato de sepultar cadáveres, que vem desde a pré-história. Quando o homem ainda era nômade e circulava em busca de alimentos os mortos possuíam um local fixo no espaço fazendo com que a cidade dos mortos surgisse primeiro do que a cidade dos vivos. Percebe-se que desde as primeiras civilizações já havia certo respeito pelos seus mortos, seja pelo estado de putrefação dos restos mortais ou pela enigmática causa do desaparecimento repentino da força motora do corpo, o morto foi ganhando espaço e dedicação no mundo dos vivos. “...a cidade dos mortos antecede a cidade dos vivos” (MUMFORD, 1998, p13)
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Nas cidades, manifestam-se a vida e a morte. Em seu traçado, praças, construções e paisagens são encontrados diferentes registros das diversas etapas e passagens da vivência humana. Dentre essas etapas, está a morte, popularmente conhecida como a única certeza da vivência humana e, tal como os nascimentos, casamentos, encontros e desencontros desde os primeiros agrupamentos humanos, pode ser vista de alguma forma no meio citadino.
Para o antropólogo José Carlos Rodrigues, "[...] a consciência da morte é uma marca da humanidade” (RODRIGUES, 2006, p. 19), e a consciência desse evento na vida humana deixa suas marcas também no traçado das cidades. Com o passar do tempo, a pratica do sepultamento tornou-se tabu e inseriu-se nas regras religiosas dos povos instituindo um costume praticamente obrigatório na maioria das religiões. Sob a influência do cristianismo, o termo tomou o sentido de campo de descanso após a morte. (SOBRINHO, 2002). No começo da era cristã, houve uma série de leis que proibiam os enterros in urbe a fim de que fosse preservada a higiene e a santidade da casa dos habitantes. Apesar do esforço dos governantes e mesmo da Igreja Católica, começa a surgir nos primeiros séculos um habito novo, que posteriormente será aceito e incentivado pela própria Igreja e, mais recente, novamente proibido, que é o dos enterros dentro das igrejas. João Crisóstomo (349-407 d.C.) exprime essa repulsa por essa nova atitude em uma homilia: “Cuide de nunca erguer um tumulo dentro da cidade. Se alguém deixasse um cadáver no lugar em que dormes e comes, o que não faria? Entretanto deixas os cadáveres não onde dormes ou comes, mas nos membros do Cristo” (São João Crisóstomo, Opera... Paris, Ed. Montfaucon, 1718-1738, vol VIII, p.71, homilia 74. Apud ARIÈS, 2012) Chegava um ponto onde as cidades cresciam e os cemitério já não eram extra-urbem, e as populações periféricas passam a desenvolver suas habitações em torno dos cemitérios.
Não havendo mais um distanciamento das igrejas e dos seus cemitérios, alguns membros do clero. Inicialmente, começam a serem sepultados, em criptas subterrâneas (denominadas carneiros), dentro das igrejas onde exerciam seus ofícios. Esse costume é inicialmente negado pela Igreja, pois tem sua origem nos cultos dos mártires africanos. Os locais de sepultamento dos mártires eram venerados e visitados pelos vivos, que almejavam serem enterrados próximos a esses “santos” a fim de que a proximidade com eles favorecesse quem fosse enterrado próximo, adaptando à suas crenças, os seguidores da Igreja Católica almejavam serem enterrados próximos aos seus santos. Basicamente, até o período do Renascimento, as igrejas se tornam o local principal de deposição dos corpos. Essas igrejas, também, eram decoradas com ossos humanos que proviam dos próprios corpos sepultados no interior das mesmas, nos carneiros, mas principalmente nas grandes fossas destinadas aos “pobres” e “pessoas de menor importância social”, os mais ricos eram sepultados no interior das igrejas e um dia também seriam destinados aos ossários. Mais do que o destino último dos restos, era importante que se estivesse em “terreno santo”, para que sua alma fosse salva.
“...fossa dos pobres, largas e com vários metros de profundidade, onde os cadáveres eram amontoados, simplesmente cosidos em seus sudários, sem caixão. Quando uma fossa estava cheia, era fechada, reabrindo-se uma mais antiga e levando-se os ossos secos para os carneiros” (ARIÈS, 2012) O aspecto público da morte ainda é forte, os
cemitérios eram fortemente habitados tornando-se um local de encontro e comercio, danças, festas, música, trocas, serviços, enfim, um espaço público com intensa vida urbana. Essa vida nas áreas cemiteriais não dura muito até que as administrações criam leis que proibiam tais práticas. Podemos facilmente afirmar que o crescimento de uma cidade não se dá de forma aleatória, ao acaso. Há diversos fatores que podem influenciar o crescimento de uma cidade em direção à determinadas áreas. Estes lugares tiveram origem em meados do século XVII quando os mortos eram enterrados nos adros das igrejas, abadias, mosteiros, conventos, seminários e hospitais. Com a constatação da insalubridade e da falta de espaços para enterramentos nos limites da cidade, a partir do século XVIII passaram estes a serem realizados fora do centro urbano. Quando a preocupação com a higiene passou a ser tema central no império brasileiro, a partir da segunda metade do século XIX, o que já era fato na Europa passou a ser seguido no Brasil, reorganizando o espaço e a analogia dos mortos com os vivos. Segundo Reis (1991), uma organização civilizada do espaço urbano exigia que a morte fosse higienizada, principalmente que os mortos fossem retirados de entre os vivos e postos em cemitérios extramuros. Dentro dessa nova visão, os cemitérios prontamente se afastaram das cidades, estabelecendo a divisão entre vivos e mortos. A partir da separação do poder estatal do poder religioso, a disposição dos cadáveres passou a ser essencialmente um problema gerenciado pelos governos locais, mas respeitando-se ações isoladas (ritos e cerimonias) de grupos
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religiosos. Levando-se em consideração o uso de espaços para a implantação de cemitérios, percebe-se que sempre houve uma preocupação em afastar sua localização do centro urbano. A configuração atual da maioria dos equipamentos cemiteriais, no Brasil, são considerados como equipamentos desvalorizadores do solo urbano. Temos, então, uma dualidade de atração x repulsão provocada pela instalação e viabilização dos acessos aos equipamentos cemiteriais. O aspecto repulsivo não se dá exclusivamente por questões simbolicas da proximidade aos corpos, mas tambem aos aspectos de higiene. Os processos da industrialização ocasionaram um grande crescimento da população urbana e, juntamente, ficam mais evidentes seus problemas por falta de planejamento, como áreas insalubres dentro do territorio urbano, falta de saneamento basico. Logo surgem problemas de saúde pública, causadores de doenças, e a necessidade de uma ação por parte dos governantes e planejadores de cidades. Dentre esses causadores de doenças há um que chama atenção, muito citado por médicos no Brasil no século XIX, os miasmas, supostamente provocados pela disseminação de gases da decomposição dos corpos humanos. A co-presença dos vivos e mortos no mesmo ambiente, juntamente com os discursos médicos a respeito dos miasmas causadores de doenças, gradativamente causará um desconforto e medo dos corpos em decomposição. Focault, cita o exemplo do Cemitério dos Inocentes, em Paris no século XVII:
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“[...] no espirito das pessoas da época, a infecção causada pelo cemitério era tão forte que segunfo e
las, por causa da proximidade dos mortos, o leite talhava imediatamente, a água apodrecia, etc. Este pânico urbano é caracteristico deste cuidado, desta inquietude político-sanitária que se forma a medida que se desenvolve (FOCAULT, 1985) o tecido urbano.” (FOCAU Eis que as primeiras reformas urbanas higienistas, no Brasil, ocorrem na capital Rio de Janeiro, como abertura de largas vias de circulação, instalação de esgoto sanitário, melhoria no abastecimento de água. A partir da segunda metade do século XIX, no Brasil, essas ideias tornam-se consenso entre as autoridades das cidades mais importantes e a necessidade da exclusão dos cemitérios de dentro do perímetro urbano torna-se prioridade. Sabe-se, hoje, que esses miasmas não seriam os reais, ou principais, causadores das epidemias urbanas do século XVIII, o que não significa que não se deve ter um cuidado especial com o destino dos corpos humanos no que se refere à higiene pública. As reformas higienistas retiraram os cemitérios das áreas urbanas e foram instalados fora do perímetro da área urbanizada da cidade, na época. Para que fosse realizados os cortejos fúnebres e uma manutenção adequada das áreas cemiteriais pudesse ser feita, as autoridades municipais foram obrigadas a facilitar de acesso à essas áreas. Em grande parte dos cemitérios municipias hoje, vemos seu entorno bem densificado com pouca, ou nenhuma, área disponivel à expansão, isso nos leva a crer que apenas os aspectos simbólicos e de higiene da proximidade aos cemitérios, a população soube aceitar essas negatividades em fator de uma facilidade de deslocamento territorial.
“É preciso que dentro da cidade os cemitérios sejam considerados um equipamento urbano tão essencial como outro qualquer e recebam mais atanção do planejamento, o que hoje não lhe é dispensado, ainda que sejam o simbolo mais inexorável da finitude humana dentro do espaço urbano.” (ROSA, 2003, p.97) Com o crescimento vertiginoso das cidades, os cemitérios, construídos fora dos centros urbanos foram aos poucos se incorporando à paisagem urbana, como no caso da cidade de São Paulo. O progresso da cidade permitiu a dessacralização da morte, mas não rompeu a ligação dos vivos e seus mortos. O rompimento da Igreja e do Estado acontece no século XVIII, com o advento das reformas e medicina urbana e movimento de laicização do Estado (ARIÈS, 1977). Assim, surgem os primeiros cemitérios laicos. Estes se caracterizavam por túmulos edificados para o enterro, onde através das construções e símbolos empregados poderia se afirmar riqueza e poder (CYMBALISTA, 2002). Acabaram então por se constituir como verdadeiros reflexos das cidades: tanto em sua organização espacial quanto nas suas edificações. De acordo com Michael Hough (1998), os cemitérios estão entre os espaços livres mais valiosos das cidades. Sendo locais de silêncio e tranquilidade, podem se prestar a atividades como caminhadas, meditação e estudo da natureza. Espaços livres que ocupam extensões significativas, impactam na paisagem tanto em seus aspectos ambientais como formais e estéticos. Se configurarem de forma excessivamente construída, atuam como verdadeiras lajes e podem contribuir negativamente não só na drenagem como também para o microclima, criando um ambiente
desconfortável para os visitantes e funcionários do local. Os cemitérios são equipamentos públicos da infraestrutura urbana indispensáveis para qualquer cidade. Atualmente, as necrópoles ocupam imensas áreas das cidades e não estabelecem relações satisfatórias com a cidade dos vivos. Com seus muros altos, criam situações de espaços públicos de baixa qualidade para o pedestre com uma sensação de exclusão da paisagem -repetindo-se a configuração de “muralhas” dos condomínios fechados, calçadas estreitas e sem espaços de transição consideráveis na narrativa de seus acessos estes equipamentos se não dialogarem com o entorno, podem se converter em locais sem apropriação e se tornam quase excluídos do cotidiano das pessoas.
Cemitério da Penha, São Paulo, má relação entre a cidade e o cemitério Fonte: Cemiterio.net
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Espaรงos cemiteriais e cidade
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TIPOLOGIAS CEMITERIAIS
CEMITÉRIO TRADICIONAL OU CLÁSSICO
De acordo com Rezende (2007), a ocupação dos cemitérios obedece geralmente criterios religiosos, econômicos ou sociais e suas categorias obedecem basicamente aos seguintes principios: o da concessão privada, das classe sociais e da religião. A concessão privada dá-se pelo avanço da comercialização do solo urbano nas metrópoles e cidades de porte médio e são basicamente dois tipos de cemitérios que envolvem esta iniciativa, os do tipo parque ou jardim e as necrópoles verticais que são feitas através da sobreposição das sepulturas reproduzindo-as verticalmente. Com relação às classes sociais estes se classificam na desigualdade social do mundo dos vivos, onde os cemitérios públicos são destinados à classe média e outros ao proletariado. Esta divisão pode ser feita mesmo dentro do cemitério onde alguns são contemplados com doação de jazigos que propiciam maior ostentação e lugares destinados a sepulturas gratuitas, formando um cemitério misto. A religião é tambem fator determinante por orientar os seus seguidores para como enfrentar a morte, imprimindo um simbolismo peculiar a morada dos mortos. O catolicismo, o judaismo e o islamismo são religiões que exercem forte influencia nas tradições funerárias.
Cemitério da Consolação, São Paulo. Fonte: Cemiterio.net
O cemitério tradicional derivado do urbanismo racionalista francês do século XVIII, também chamado de oitocentista, apresenta, em sua maioria, traçados bastante regulares e forte utilização da arquitetura neoclássica, tanto nas tumbas e mausoléus quanto nos pórticos e arcadas (SILVEIRA, 2000). Em tais espaços, percebe-se claramente o predomínio do elemento construído, na forma de vastas arcadas ou trabalhados mausoléus, perante o espaço aberto. Há também uma tendência bastante forte à valorização das tumbas isoladamente, situação em que cada uma, através de estátuas e adornos, busca exaltar a memória, os feitos e a posição social dos mortos que nelas jazem (BERTRAND, 1994). Como uma pequena cidadela, os cemitérios cristãos clássicos, repletos de símbolos religiosos e celestiais (anjos, cruzes e afins), 33 33
expõem o visitante a um espaço diverso da cidade dos vivos. Embora o traçado e a disposição das tumbas lembrem uma cidade ocidental em função do sistema de circulação formado por pequenas ruelas com os mausoléus dispostos como pequenas casas em uma vizinhança, os cemitérios deste tipo parecem transportar o transeunte a uma cidade dos mortos. A visita a estes cemitérios, pautada pela fruição dos monumentos (mausoléus e túmulos) que compõem o espaço, faz-se de forma evocativa, auxiliando o visitante a localizar-se no espaço e a referenciar sua memória através da diferenciação de túmulos e da estatuaria.
CEMITÉRIO PARQUE OU JARDIM
Cemitério Morumbi, São Paulo Fonte: Cemiterio.net
Os cemitérios parque tiveram sua origem nos Estados Unidos e se difundiram por várias regiões do mundo, formado por gavetas no solo, cobertos por gramados e árvores, livres de construções tumulares. 34
O Tipo Jardim, ligado à corrente romântica, apoiou-se, diferentemente do tipo clássico, na subjetividade e no lirismo. Os cemitérios deste modelo apresentam traçados orgânicos e sinuosos em ambiente pitoresco como os jardins ingleses, onde a vegetação e a natureza predominam (SILVEIRA, 2000). A ideia em seu surgimento era de que tais lugares deveriam funcionar como jardins bucólicos e meditativos. “Os cemitérios deste tipo deixam de lado as iconografias relacionadas à sociedade e/ou à religião para conectarem-se a elementos da paisagem, tais como terra, céu, árvores, dando liberdade o surgimento espontâneo de para pensamentos subjetivos em um ambiente de extremo recolhimento e paz” (SILVEIRA, 2000). Nos cemitérios-jardim, a evocação de um contexto extra-humano desaparece, dando lugar à recriação de um ambiente que é familiar ao visitante, muito similar aos parques vivenciados por ele. Ao longo dos gramados, juntamente com arbustos e árvores, estão as inscrições e/ou insígnias, geralmente iguais, que indicam que lá estão sepultados os mortos, lembrando que aquele lugar é um cemitério. A ênfase e a referência espacial passam dos túmulos e mausoléus, característicos dos cemitérios clássicos, para a paisagem, para as árvores, relevo, gramados e demais elementos presentes. Há uma intenção de transcender a individualidade da morte, através da paisagem e da homogeneidade das insígnias tumulares.
CEMITÉRIO VERTICAL
parque para se recolher à paz e à memória, dedicando-se apenas a cumprir uma função, a saber, a função de abrigar e sepultar os mortos. Os principais benefícios deste tipo de cemitério é que utiliza uma menor cavidade, baixa exigência quanto ao tipo de solo, não há interferência do necrochorume nos resíduos, bem como nas águas subterrâneas. Como desvantagens entram em questão a liberação de gás sem tratamento e a necessidade de maiores cuidados na construção, para evitar vazamento de necrochorume e ocasionais emissões de odor.
Memorial Necrópole Ecumênica, Santos Fonte: Divulgação
C E M I T É R I O CONTEMPORÂNEO
Este tipo de cemitério é construído de forma vertical e acima da superfície do terreno. Neste tipo de necrópole, a sepultura é feita separadamente em gavetas de forma que um fique ao lado do outro e juntos formam um andar. Tais espaços são estruturados da mesma forma que edifícios convencionais, compostos por uma circulação vertical (elevadores e escadas), corredores e, ao invés dos compartimentos usuais, nichos tumulares. Os corredores circundam planos constituídos por sepulturas, que, dispostas lado a lado e empilhadas conformam um espaço homogêneo. Os andares repetem-se em pavimentos-tipo, e os nichos tumulares, embora pequenas variações de materiais ou letreiros, possuem aparência semelhante. Tal modelo parece despir-se de preocupações “humanistas” como recriar uma cidade dos mortos, um local celestial, ou um
Cemitério de San Cataldo, Modena, Itália Fonte: Archdaily
O Cemitério Contemporâneo, originado na Europa a partir dos anos 70, sepulturas e paisagem desenham o espaço cemiterial sem confiná-lo em um único edifício como no tipo anterior.
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Embora constituídos espacialmente por expressões arquitetônicas distintas, fruto de linguagens compositivas particulares, nestes cemitérios, ao exemplo dos cemitérios jardim e galeria, predomina a homogeneidade das sepulturas. No entanto, tal homogeneidade não torna o espaço monótono (cemitérios jardim), ou invariável (cemitérios galeria), mas composto por ambientes matizados pela diferenciação espacial. Seja pela conexão de dois ou mais edifícios, pela integração com a topografia do local e natureza circundante, ou mesmo pela utilização de elementos e materiais variados ao longo de seu espaço, os cemitérios deste grupo demonstram características que os fazem diferir radicalmente dos dois primeiros tipos e, em muitos aspectos, do terceiro tipo: ao contrário dos cemitérios clássicos, onde os percursos tornam-se consequência do arranjo em quadras; e, ao contrário dos cemitérios jardim onde, muitas vezes, não há um percurso definido, nos cemitérios contemporâneos os percursos constituem uma configuração espacial única e original. Cada exemplar parece possuir, devido à ausência de uma visível regra geral, uma forma própria de estruturar o espaço e, portanto, o percurso. A visita a um destes cemitérios parece constituir, por isto, uma experiência única e incomparável. Ao contrário dos outros três tipos, o visitante não recolhe a sensação de que já tenha visitado espaço semelhante. Em outras palavras, a originalidade do espaço não refere a memória de um lugar comum ou, especificamente, a um lugar já visitado de mortos.
CREMATÓRIO 36
Crematório da Vila Alpina, São Paulo Fonte: Divulgação
O crematório destina-se a incineração dos cadáveres, composto por fornos e filtros para retenção do material particulado e os corpos são cremados em cabines isoladas. Cada óbito permanece durante uma hora no forno, e após esse tempo sobram apenas cinzas, que são entregues aos familiares em uma urna apropriada.
Existem muitas conveniências neste método, sendo elas a não interferência do necrochorume nas águas subterrâneas, a destruição de micro-organismos que poderiam intervir no ambiente e a ocupação de pequena área.
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ESPAÇOS DA MORTE E A CIDADE DE SÃO PAULO
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ESPAÇOS DA MORTE E A CIDADE DE SÃO PAULO Assim como citado no capítulo anterior, a relação entre a cidade dos vivos e a dos mortos, ocorreu de maneira similar na cidade de São Paulo, os mortos eram enterrados normalmente nas igrejas que haviam frequentado durante a vida e em sendo a igreja um lugar de convívio social, o morto estaria de alguma forma integrado. A falta de outras alternativas que não a igreja, era natural que se procurasse associar-se a uma irmandade, precavendo-se da doença e da morte, pois, salvo se manifestassem desejo de serem enterrados em outro lugar, a maioria das pessoas era enterrada nas igrejas pertencentes à irmandade. O neófito ao ingressar na irmandade fazia doações, garantindo assim o gozo dos bens espirituais oferecidos por ela, os quais incluíam assistência hospitalar e sepultura.
No período colonial predominava uma relação íntima entre vivos e mortos - quem morria, por exemplo, podia ser enterrado dentro de igrejas, um local de convívio. "Apenas no século XIX, é que a ideia de um cemitério em um lugar afastado surgiu, junto com o desejo burguês de organizar e impor normas aos espaços, seguindo, muitas vezes, modelos de cidades europeias" (CYMBALISTA, 2002).
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Os médicos passam preocuparem com os
também a se mortos e seu
sepultamento, não com uma mentalidade religiosa, mas com a visão higienista, pois eles viam os sepultamentos dentro dos templos e mesmo dentro da cidade, além de outros costumes funerários, como altamente prejudiciais à saúde dos vivos. Os governos municipais seguiram a opinião dos médicos, procurando reordenar o espaço ocupado pelos mortos, estabelecendo uma nova geografia urbana na relação entre vivos e mortos. Os governos municipais seguiram a opinião dos médicos, procurando reordenar o espaço ocupado pelos mortos, estabelecendo uma nova geografia urbana na relação entre vivos e mortos. Os médicos preocupavam-se em mudar o costume que durante três séculos não tinha sido contestado: os corpos sepultados nas igrejas estavam mais próximos de Deus, a alma protegida, já a meio caminho do Paraíso. A questão era em última instância, deslocar o espaço sagrado – o templo – para outro espaço ainda não fundado e que passasse a possuir as mesmas características que o templo. A um tempo, deveria constituir-se na morada dos mortos, o lugar de repouso daqueles que participaram em vida da dinâmica do cotidiano. Nada foi feito à revelia da Igreja que desempenhou papel relevante em sua elaboração, regulamentação e legitimação. A questão não estava restrita aos bastidores do saber médico, tratava-se de tentar deter em São Paulo, o avanço de surtos epidêmicos de varíola.
Fora dos muros das igrejas só se enterravam pobres, indigentes e justiçados, motivo pelo qual, a primeira necrópole pública instituída em São Paulo tenha sido o cemitério dos Aflitos no campo da Liberdade. Todo o processo de mudança ocorreu de forma lenta, não sem clamores das irmandades e ordens terceiras; mas entre a opinião dos médicos e a postura intransigente dos bispos, venceu a primeira, pois o Estado não podia mais omitir-se em relação à salubridade da cidade. A assistência espiritual dispensada pelas irmandades e ordens terceiras aos irmãos falecidos, ia desde o cortejo fúnebre, em carros alugados, mais o sepultamento com missa de corpo presente, presença dos membros da Mesa Administrativa e demais irmãos, até o compromisso de sufragar a alma durante determinado período de tempo, garantindo ao irmão falecido, bens espirituais com os quais pudesse ter “salva a sua alma” (em geral 25 missas). Essas práticas não cessam com a transferência dos sepultamentos das igrejas para os cemitérios. Havia ainda o costume de se fazerem sepultamentos à noite às escondidas, deixando muitas vezes corpos insepultos à porta das igrejas, o que fora muito criticado pela Câmara Municipal. A precariedade em que ficavam os corpos sepultados nas igrejas foi a razão das discussões e envolvimento dos médicos e sanitaristas contra estas práticas: ajudar a saúde dos vivos, para que a morte não se tornasse uma questão a mais na precária saúde pública da cidade. A construção do primeiro cemitério público na Consolação está ligada a uma epidemia de varíola que aconteceu na cidade, desobrigando
as igrejas de fazerem os sepultamentos em seu interior. O problema então, não era apenas tirar os mortos de dentro de seu espaço sagrado – a igreja – e transferi-los para outro campo, mas, afastar o perigo da insalubridade do ar, tão apregoada pelos higienistas. Havia uma preocupação também com a estética espacial do Campo Santo, dando àqueles que entram, acompanhando o féretro, a impressão de estarem numa cidade, de ruas alinhadas e arborizadas. O espaço da morte deve ser belo e impressionante e sendo a morada eterna, deve ter belas edificações, que conte através de sua arquitetura de mármore e pedra, a história de cada família; que seja uma imago mundi, uma réplica da cidade, uma cidade dentro de outra cidade reproduzida e fundada pela hierofania. Funda-se um novo espaço na cidade, longe do turbulento centro, refugiam-se os mortos e tenta-se dar um ar menos contaminado à população. Após a criação do Cemitério da Consolação em 1858, encerrou-se em São Paulo a prática de sepultar as pessoas nas criptas das igrejas, criticada por razões sanitárias desde 1820. A secularização do sepultamento também representou o fim do hábito de marcar a posição social dos falecidos por meio de sua localização no interior das igrejas, mais ou menos próxima do altar. O então denominado Cemitério Municipal passaria a atender a todos os estratos sociais, de escravos a fazendeiros. Surge nesse contexto o hábito recorrente entre a elite paulistana de homenagear os amigos e familiares falecidos com obras tumulares monumentais, à altura de sua importância social, como forma de perpetuar após a morte a distinta posição social adquirida em vida. (OSMAN; RIBEIRO, 2007)
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Entre o fim do século XIX e o começo do século XX, a prosperidade advinda do plantio do café e da incipiente industrialização ocasionou profundas mudanças no perfil socioeconômico da cidade. A criação de novos cemitérios nesse período – como os do Araçá (1887), da Quarta Parada (1893) e do Chora Menino (1897) – permitiu a “estratificação Menino social” da atividade funerária (CAMARGO, 2008). Cercados por incipientes bairros nobres, os cemitérios da Consolação e do Araçá passaram por um processo de elitização, consolidado nas duas primeiras décadas do século XX. Converteram-se em “museus de arte” a céu aberto, passando a abrigar um grande número de jazigos luxuosos e monumentos funerários encomendados por barões do café, industriais, intelectuais, médicos, juristas e pessoas públicas a escultores de renome (OSMAN; RIBEIRO, 2007). Com a superlotação do Cemitério da Consolação e a ocupação da área verde contígua ao Cemitério do Araçá, surgiu a necessidade de um novo local para sepultar a elite econômica e social da cidade. O Cemitério São Paulo surgiria, portanto, como um "prolongamento" dessas duas necrópoles. Os cemitérios, construídos fora dos centros urbanos no século XIX em São Paulo foram aos poucos se incorporando à paisagem urbana, com o crescimento da cidade que se expandiu para além da Sé e seus muros, como as muralhas de uma fortaleza, protegiam não só a necrópole, como os habitantes da cidade.
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Vista áerea do Cemitério da Consolação, São Paulo Fonte: Google Maps
O crescimento vertiginoso da cidade deu a oportunidade de se repensar a necrópole e de se projetar campos sagrados, não só distantes dos novos centros, como outra concepção de sepultura, dando a impressão de um local aprazível, impessoal, onde os mortos não tem hierarquia. O progresso da cidade permitiu a dessacralização da morte, mas não rompeu a ligação dos vivos e seus mortos.
CEMITÉRIOS MUNICIPAIS Atualmente, o Serviço Funerário do Município de São Paulo é responsável pela gestão e administração de 22 cemitérios municipais, um crematório, 12 agências de contratação de serviços funerários e 114 salas de velórios, distribuídos em todas as regiões da capital. Fiscaliza, ainda, 20 cemitérios particulares. Segundo o Serviço Funerário do Município de São Paulo, ao todo, os cemitérios públicos de São Paulo representam 3,6 km² de áreas verdes, o que representa a segunda maior área verde da capital paulista.
1 Araçá; 2 Campo Grande; 3 Consolação; 4 Dom Bosco (Perus); 5 Freguesia do Ó; 6 Itaquera; 7 Lajeado; 8 Lapa; 9 Parelheiros; 10 Penha; 11 Quarta Parada; 12 Chora Menino – Santana; 13 Santo Amaro; 14 São Luís; 15 São Paulo; 16 São Pedro (Vila Alpina); 17 Saudade; 18 Tremembé; 19 Vila Formosa I; 20 Vila Formosa II; 21 Vila Mariana; 22 V.N. Cachoeirinha; 23 Crematório "Vila Alpina" Dr. Jayme Augusto Lopes
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EXEMPLOS; REFERÊNCIAS E ESTUDOS DE CASO
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EXEMPLOS, REFERÊNCIAS E ESTUDOS DE CASO Neste capitulo se organizam uma amostra de edifícios e espaços fúnebres que servem como base para a proposição deste trabalho. Está estruturado em propostas construídas e não construídas, em que ambos discutem questões técnicas, simbólicas da relação vida e morte e que se colocam de maneira que integram a paisagem urbana, e que expusessem a diversidade formal da aproximação com o tema. Sua contribuição para este trabalho é referenciar o programa de necessidades e o partido arquitetônico que será adotado na futura proposição do cemitério vertical na região central de São Paulo.
PROPOSTAS CONSTRUÍDAS)
(NÃO
PROPOSTA DE CEMITÉRIO VERTICAL EM OSLO DE MARTIN MCSHERRY
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Proposta de cemitério de Martin McSherry
Tendo a cidade de Oslo (Noruega) como local do projeto, nesta proposta de cemitério vertical, a torre não é apenas uma tradução física do cemitério parque vertical que parece literalmente como um cemitério tradicional empilhado, é também para a cidade, uma lembrança diária da existência da morte. McSherry tentou abraçar diferentes comunidades em seu prédio. Judeus, muçulmanos, cristãos e não crentes estão na mesma torre. Além de cemitérios empilhados em cima uns dos outros, a torre também fornece columbário. Além disso, o crescimento do número de mortes e do cemitério é um fator importante, como explica o autor da proposta:
“Começaria como um simples quadro branco com um guindaste permanente e adjacente, que levanta caixões em fendas dentro da estrutura. A torre iria crescer ao longo dos anos, pois este guindaste acrescentaria mais e mais parcelas à rede”
Vista da paisagem de Oslo Fonte: Divulgação/Martin McSherry
PROPOSTA DE CEMITÉRIO VERTICAL EM PARIS DE ROMARIC & VELMOUROUGANE Proposta de cemitério de Romaric & Velmourougane Fonte: Divulgação/Fillette Romaric & Chandrasegar Velmourougane
Proposta de cemitério de Romaric & Velmourougane Fonte: Divulgação/Fillette Romaric and Chandrasegar Velmourougane
Semelhante ao projeto de McSherry, a proposta do cemitério de Romaric & Velmourougane é constituir uma torre simbólica para lembrar a morte, um lugar para a família se reunir e ver a cidade de Paris. O caráter muito específico deste design é que o vazio aparece no meio criando um núcleo de claraboia para todo o edifício da rampa circular que vai de cima para baixo de toda a torre. Cada sepultamento tem sua placa comemorativa e um filamento flexível ligado à fachada exterior, que manifesta a presença dos mortos enquanto se move com o vento.
PROPOSTA DE CEMITÉRIO VERTICAL EM MUMBAI DE YALIN FU E IHSUN LIN
Proposta de cemitério de Yalin Fu e Ihsun Lin Fonte: Divulgação/Yalin Fu e Ihsun Lin
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Surgiu do problema de pouquíssimo espaço para recreação em Mumbai (India), a Moksha Tower, projetada por Yalin Fu e Ihsun Lin em 2010, abriga quatro religiões diferentes em Mumbai: o Islã (enterro no jardim), o Cristão (funeral e enterro), o Hindu (cremação) facilidade e um rio para depositar parte das cinzas e Parsi (torre de silêncio). O Moksha Tower inclui questões ecológicas e soluções tecnológicas, comparado com os dois anteriores. A fachada do edifício é contida por uma pele de múltiplas camadas (vidros, plantas, materiais tecidos e estrutura de aço). Contribui para o entorno como purificador de ar e redutor de pegada de carbono. Esses espaços verdes públicos também visam o uso para meditação e adoração.
De acordo com o artigo “Lack of Space Forces Cemeteries Skywards” (2014), Memorial Necropole Ecumenica é o cemitério mais alto do mundo, com 32 andares que detém 180.000 corpos. O prédio também é composto por restaurante, capela, sala de concertos, quartos mobiliados e jardim com cachoeiras e animais. Isso suporta possibilidades de mudança de atividade e função. Os espaços de sepultamento estão abertos 24 horas com túmulos alugados anualmente e privados.
CEMITÉRIO YARKON, ISRAEL
EXEMPLOS CONSTRUÍDOS MEMORIAL NECROPOLE ECUMENICA, BRASIL Cemitério Yarkon. Dan Balilty
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Memorial Necropole Ecumenica Fonte – Divulgação/Memorial Necropole Ecumenica
Fonte:
O complexo é construído junto a um cemitério existente, o novo edifício oferece três formas diferentes de enterro. A primeira opção é a sepultura “sanduíche”, que é colocada no topo uma da outra (mínimo de 2 camadas). Este tipo de enterro é geralmente escolhido pelo membro da família ou casal que deseja ser empilhado juntos. O segundo é o enterro na parede, onde o corpo falecido é colocado na prateleira como um necrotério. Na superfície das paredes, as lápides são remendadas para identificar o falecido. A última opção é enterrar o chão. Desta forma, todas as lajes do edifício são vistas como um local de enterro no solo.
CEMITÉRIO DE LA PAZ, BOLÍVIA
CEMITÉRIO CATALDO
SAN
Figura 18 – Cemitério de La Paz. Fonte: Bolivian Express magazine
Vista externa - Cemitério San Cataldo. Fonte: Rossi, Aldo. Buildings and Projects (1985)
Na Bolívia, a questão da falta de terras para cemitério foi respondida com verticalização. A diferença é que não é um arranha-céu. O que pode ser visto no cemitério de La Paz são prédios contendo criptas empilhadas. Essas criptas são um lugar temporário para o corpo falecido antes de ser cremado em 10 anos. Cinzas da cremação depois são movidas para compartimentos “externos” que ainda estão no complexo do cemitério. Uma das tradições na Bolívia é visitar e enviar flores para seus parentes falecidos no cemitério. Portanto, as portas de vidro são instaladas na face das casas de cinzas para manter sua permanência.
O cemitério San Cataldo, projeto de 1971, foi ganhador de um concurso para a ampliação do cemitério existente de Modena datado de 1858. Sua construção iniciou somente em 1978 e permanece inacabada até os dias de hoje. Projeto do arquiteto italiano Aldo Rossi em parceria com o arquiteto Gianni Braghieri, tal obra constitui-se como precursora dos cemitérios futuros, oferecendo uma organização espacial extremamente diferenciada dos cemitérios de sua época.
ESTUDOS DE CASO
Tal organização em projeto caracterizava-se por um vasto edifício limítrofe que compreendia dentro de si um espaço de gramado livre e uma série de edifícios menores de variados tamanhos e formatos. Deste amplo arranjo de edifícios, como
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mostra a figura 21, foi apenas construída parte do edifício limítrofe, parte de um edifício linear com colunatas térreas, parte de um edifício linear interno e o edifício em forma de cubo destinado ao columbário. O acesso principal se dá pelo limite norte, adentrando-se diretamente ao edifício limítrofe. Este é composto por três andares com sepulturas dispostas em galerias verticais. O edifício com colunata térrea é composto por mais dois andares contendo também galerias verticais e unindo-se ao edifício limítrofe por passarelas. O imenso gramado onde se encontram os edifícios, embora algumas poucas e pequenas árvores, caracteriza-se por um amplo espaço aberto, do qual é possível avistar, mesmo internamente ao edifício limítrofe, que possui inúmeras janelas, todo o complexo.
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Cemitério de San Cataldo, Modena, Itália,1978-1984 Fonte: Rossi, Aldo. Buildings and Projects (1985)
O espaço interior do cemitério desenvolve-se segundo uma lógica clara de axialidade marcada pela entrada. O recinto é delimitado pelas alas dos edifícios que são concebidas segundo uma imagem de ruas cobertas, com arcadas no piso térreo e vãos abertos nos panos de parede dos pisos superiores. No seu interior os volumes projetados são dispostos segundo uma lógica estratégica. O primeiro elemento que surge é um grande cubo (figura 20), inicialmente projetado como sacrário dos mortos na guerra. Três das suas fachadas são perfuradas por aberturas, metáfora a uma casa bombardeada como homenagem aos homens que perderam a vida na guerra. “O cubo é uma casa abandonada ou inacabada” sem andares, nem telhado e onde os vãos não são guarnecidos por quaisquer caixilhos. Na continuidade do eixo, após o cubo, surge uma composição de volumes paralelepípedos. Estes corresponderiam aos ossários que constituem a espinha dorsal do projeto. Dispostos paralelamente entres si e perpendicularmente ao eixo, criam uma série corredores. No eixo principal, os volumes reduzem a sua largura conforme nos aproximamos do cone no extremo oposto ao cubo, ao mesmo tempo que as suas alturas aumentam. “O cone é a chaminé de uma fábrica deserta” (HAYS, 2000), onde termina o percurso por entre os ossários. Sendo o volume mais alto da composição, prestigia simbolicamente os menos afortunados cujo destino seria a inumação coletiva na fossa comum. “A analogia com a morte só é possível quando se trata o objeto completo, com todas as partes terminadas: qualquer relação, que não a da casa deserta e a obra abandonada, é, portanto, intransmissível. ” (HAYS, 2000)
Não é possível uma leitura correta e integral da obra sendo que o seu projeto inicial não foi concluído. Mas os desenhos e escritos deixados perpetuam as vontades e convicções de Rossi. Pode-se considerar que com esta obra se dá uma especialização dos rituais, cada momento e elemento é projetado com um fim especifico envolto numa simbologia alusiva aos seus usos. O percurso faz também ele parte desse mesmo ritual construído. Há uma pureza formal importante, do uso de volumes e formas puras não ornamentadas que resumem as suas intenções à essência.
Projeto original, com pórtico de acesso, edifício “cubo” (columbário), edifícios lineares e edifício “cone” (ossário) ao fundo
Projeto original, à esquerda a porção proposta, à direita cemitério existente. Fonte: Rossi, Aldo. Buildings and Projects (1985) Planta geral, porção efetivamente construída – Cemitério San Cataldo Fonte: Rossi, Aldo. Buildings and Projects (1985)
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Vista aérea – Cemitério San Cataldo. Fonte: Google EarthFonte: Rossi, Aldo. Buildings and Projects (1985)
Axonometria do Cemitério de San Cataldo. Fonte: Archdaily
CEMITÉRIO DE IGUALADA 52
Vista da via com sepulturas e ao fundo acesso – Cemitério Igualada. Fonte: NEUHAUS. Patrícia Gubert. A Experiência do Espaço na Visita ao Cemitério Contemporâneo (2012)
O cemitério de Igualada, projeto de 1984, foi também ganhador de um concurso realizado nesse mesmo ano. Sua construção iniciou-se em 1985 e também não foi totalmente concluída até o presente momento. Projetado pelos arquitetos Enric Miralles e Carme Pinós, este cemitério transformou-se numa referência dos espaços modernos, sendo amplamente cemiteriais comentado e discutido no meio arquitetônico contemporâneo. Seu espaço compreende locais com catacumbas verticais conformadas junto ao terreno acidentado, alguns setores com sepulturas subterrâneas e uma área destinada à capela e preparo dos corpos.
Projeto original – Cemitério Igualada. Fonte: ANATXU, Zabalbeascoa (1996
Visual ponto mais alto da área circular – Cemitério Igualada. Fonte: NEUHAUS. Patrícia Gubert. A Experiência do Espaço na Visita ao Cemitério Contemporâneo (2012)
Acesso – Cemitério Igualada Fonte: NEUHAUS. Patrícia Gubert. A Experiência do Espaço na Visita ao Cemitério Contemporâneo (2012)
Porção efetivamente construída – Cemitério Igualada. Fonte: NEUHAUS. Patrícia Gubert. A Experiência do Espaço na Visita ao Cemitério Contemporâneo (2012)
Escadas – Cemitério Igualada. Fonte: NEUHAUS. Patrícia Gubert. A Experiência do Espaço na Visita ao Cemitério Contemporâneo (2012)
CONCURSO DEATH & THE CITY - TOKYO VERTICAL CEMETERY
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O concurso Death & The City - Tokyo vertical cemetery, promovido pelo instituto de pesquisa arquitetônica Arch out Loud¸ foi um concurso internacional e aberto para um Cemitério Vertical em Tóquio, que buscava soluções para a crescente questão dos sepultamentos na cidade de Tóquio. O concurso recebeu 460 propostas de diferentes nacionalidades e teve 50 propostas finalistas. A demografia em constante mudança de Tóquio está ampliando essa questão. Estudos recentes mostram que a idade média da cidade está aumentando rapidamente, com quase vinte e cinco por cento da população sendo 65 anos ou mais e uma grande maioria com mais de 30 anos. Similarmente, cada vez mais residentes rurais estão chegando a Tóquio, aumentando a população total. Com o aumento da idade e da população, Tóquio está sendo forçada a enfrentar a questão do espaço de sepultamento. O problema de Tóquio é um problema para muitas cidades que estão crescendo à medida que o mundo se urbaniza e mais pessoas migram para as grandes cidades. À medida que essa situação ocorre, o concurso propunha maneiras de examinar a justaposição de um programa tão solene e pouco convidativo com o da cidade vibrante e ativa. Sediado no distrito de Shinjuku, em Tóquio, o concurso teve como principal objetivo desafiar arquitetos e designers a desenvolverem propostas para um cemitério vertical que explorasse a relação entre a vida e a morte na cidade, levando em conta a identidade cultural que está ligada à morte. 54
Arch out loud forneceu aos concorrentes um programa mínimo com ponto de partida e permitia uma variação de abordagens inovadoras. Dando a liberdade de abordar verticalmente a questão do espaço de diferentes maneiras, sem haver escala necessária para o programa. O programa mínimo consistia em: Columbário, espaço projetado para o armazenamento de urnas funerárias; Espaços de Reflexão, estes espaços para familiares e amigos do falecido, em que estes espaços poderiam ser grandes áreas de reunião ou pequenos espaços pessoais. Segundo o júri as seleções finais enfocaram a intrincada relação dos mortos com os vivos. Os 50 projetos finais examinaram criticamente alguns aspectos dessa relação, seja no desejo de lamentar individualmente dentro de um vasto complexo de cemitérios altamente povoados, seja pela capacidade de um cemitério vertical ir além do significado físico de “verticalidade”. As seleções são destacadas por traduzir essa definição comumente entendida de verticalidade de maneiras que forneceram respostas mecanicistas, fictícias, simpáticas e evocativas às questões difíceis sobre a morte. Os concorrentes vencedores abordaram criticamente a noção de verticalidade urbana onipresente quando aplicada à tipologia do cemitério. Cada projeto discerne a finalidade da morte, mas reinterpreta uma relação urbana entre a cidade e seus mortos.
DEATH IS NOT THE END. BEING FORGOTTEN IS
Prancha da proposta Death is not the end. Being Forgotten is. Fonte: Arch Out Loud
Death is not the end. Being Forgotten is, foi a proposta vencedora do concurso e traz discussões que vão desde questões simbólicas e culturais quanto questões de ordem técnica e de relação com a paisagem urbana e o tecido urbano consolidado. Este projeto explora uma nova maneira de lidar com as restrições espaciais dos cemitérios urbanos, ao mesmo tempo em que expressa uma abordagem única à vida e à morte. Ao ter os balões como um meio de armazenamento dos restos mortais, o espaço vertical com balões que gradualmente se levantam e eventualmente se soltam. O aparecimento e o desaparecimento de balões ressoam na temporalidade da vida. Partindo do silêncio deprimente no desenho tradicional do cemitério, propomos um novo espaço de tranquilidade criado por uma torre de balões em ascensão.
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IN-BETWEEN
Prancha da proposta In-Between. Fonte: Arch Out Loud
O conceito é baseado em um diálogo entre volumes feitos de dois materiais drasticamente diferentes e o espaço vazio no meio. Além de gerar espaços interessantes com três ambientes diferentes, o que pode ser considerado uma metáfora para o cemitério, um lugar entre dois mundos: morto e vivo. O projeto os reconhece como diferentes e os une dentro de uma estrutura, encontrando um lugar para serviços e espaços públicos. Tudo isso é oculto em uma grade modular que separa o espaço dedicado a cada sepultura de maneira econômica e respeitosa, sem contradizer com as tradições nem os costumes japoneses.
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THE POROSITY LOSSES
OF
Prancha da proposta The Porosity of Losses Fonte: Arch Out Loud
Os autores desta proposta assumem a morte como uma condição absurda e uma condição de vida. O cemitério vertical deve transmitir esse paradoxo. É um edifício banal e extraordinário, sólido e poroso, submetendo-se à ordem circundante e desafiando-a ao mesmo tempo. Suas aberturas permanecem sem brilho para receber a brisa. O conteúdo doloroso não é escondido. Encarar a perda e expressar tristeza não é silenciado. Eles devem ser uma parte visível dos rituais da cidade. As fachadas dos edifícios, como o núcleo esponjoso dos ossos, evocando tanto uma atividade orgânica quanto um processo de erosão, reconciliam a vida com o abismo da morte. 57 57
THE ROOM
Prancha da proposta The Room. Fonte: Arch Out Loud
Esta proposta apresenta o cemitério mais como um objeto de infraestrutura do que um atrator urbano e, portanto, esse objeto monumental é visualmente inacessível. Essa forma externa de quatro paredes é inserida no complexo tecido da cidade, mas sua conexão com o ambiente é feita pelo portal, formado pelas paredes cortadas e pelo jardim público no quintal. A massa é preenchida com várias "salas" - células modulares, que criam um espaço completamente privado para cada urna, e também as urnas funerárias podem ser armazenadas em um columbário ou abaixo do solo. Consequentemente, este conjunto de salas privadas, colocadas no espaço “semi-privado", que proporciona uma atmosfera confortável para o contato com o falecido. 58
TOKYO VOID
Prancha da proposta Tokyo Void. Fonte: Arch Out Loud
Nesta proposta é concebida uma forma crua e simples que responderia aos desafios da paisagem urbana. Há uma distorção do pátio onde a natureza se torna parte integrante do lugar para rezar como uma metáfora dos limites do céu. O corredor em torno do pátio é extrudado para cima e girado em 90 graus, envolvendo o espaço de comemoração em uma composição tridimensional de corredores e pontes. Obstrui a visão do visitante do contexto circundante, isolando-o dentro do cemitério.
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TOKYO VERTICAL CEMETERY Esta proposta especula relações simbólicas entre o mundo dos mortos e vivos, profano e sacro, elementos de tradição e modernidade, emoções e sentimentos. O edifício é composto por três elementos - quadrado (área de entrada), subterrâneo (espaço de reflexão), torre (dominante - columbário). A praça é o espaço do movimento, da vida, das emoções, enquanto o resto da estrutura é dedicado a mortos, devaneios e memórias. A tradição do enterro japonês é refletida no nível térreo e subterrâneo do prédio, enquanto a torre ilustra o crescimento constante.
Prancha da proposta Tokyo Vertical Cemetery. Fonte: Arch Out Loud
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PROPOSIÇÃO DE CEMITÉRIO VERTICAL 63 63
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“O objeto primordial da arquitetura seria amparar a imprevisibilidade da vida. � Paulo Mendes da Rocha 65 65
PROPOSIÇÃO DE CEMITÉRIO VERTICAL A pesquisa histórica acerca da relação do homem com a chegada da morte e suas transformações sofridas no tempo, o desenvolvimento das tipologias funerárias, o histórico dos espaços fúnebres na cidade de São Paulo. Não por acaso, as reflexões se fundamentaram em pesquisas históricas a respeito das atitudes do homem frente a sua morte e a morte dos seus próximos e suas consequências na conformação da cidade e de espaços edificados para o destino final dos homens. Não é objetivo do presente trabalho questionar o porquê dessas atitudes ou se estas seriam alternativas melhores. Todo o processo de pesquisa realizado até o momento objetiva o entendimento do processo da morte contemporânea e suas consequências na cidade, a fim de formar uma base conceitual para a elaboração de um projeto de espaço fúnebre, nesse caso cemitério vertical.
viaduto, atualmente funciona a unidade de trafego da prefeitura municipal. Tem uma área de 2477m². Há um prédio não concluído que atualmente tem seu térreo utilizado como estacionamento particular.
Terreno em vermelho. Fonte: Google Maps
TERRENO
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A escolha de possíveis terrenos foi feita através da identificação de potenciais áreas livres no centro da cidade de São Paulo e que pudessem de alguma forma contribuir com a edificação proposta. Após a análise de áreas subutilizadas no centro da cidade, observou-se potencialidades no terreno localizado entre a Rua Dr. Rodrigo Silva, Praça Carlos Gomes, o acesso ao Viaduto Dona Paulina e o próprio
Rua Dr. Rodrigo Silva, unidade de trafego da prefeitura municipal Fonte: Google Maps
PROGRAMA A definição do programa de necessidades constitui-se numa importante etapa metodológica, atuando como principal elemento para o desenvolvimento projetual, classificando o conjunto de necessidades funcionais correspondentes à utilização dos espaços internos quanto à sua divisão em ambientes, recintos ou compartimentos, requerida para que uma edificação tenha um determinado uso. O programa de necessidades foi baseado nas referências e estudos de caso realizados anteriormente e na lei municipal nº 10.579, de julho de 1988 (Revogada pela Lei nº 16.402/2016), que dispõe sobre a implantação de cemitérios verticais – a lei apenas será usada como parâmetro do programa de necessidades da edificação, já que a mesma não se apresenta em coerência com a proposta deste trabalho. O cemitério vertical será constituído de uma infraestrutura com capacidade de oferecer total comodidade aos seus usuários, e a caracterização de suas atividades funcionais que serão de acordo com a classificação abaixo:
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PARTIDO Como discutido nos capítulos anteriores, o homem contemporâneo tem dificuldade intensificada de assimilar o fim da vida. A morte, que por séculos era um ritual social, foi confinada, nas últimas décadas, ao âmbito do privado, condenando os enlutados a sofrerem sozinhos. O devido tratamento ao enlutado através de espaços que incentivem a reflexão saudável e aceitação da perda. Do mesmo modo, a impessoalidade do ambiente no qual se morre se transpõe para os ambientes que sepultam, cremam ou veneram os defuntos, uma vez que a morte – inclusive e especialmente nesses espaços – deve ser escamoteada, como complacência com os sobreviventes, que devem passar pelo período do luto o mais rápido e com menos sofrimento possível. Em diversos desses locais, há um acobertamento do seu real uso ao se utilizar uma linguagem genérica ou estereotipada. Entretanto, o escamoteamento da morte não é reflexo de uma indiferença em relação aos mortos – uma vez que a dor e o medo provocado pelo mistério do além-da-vida são universais e atemporais. Sendo assim, o projeto do espaço funerário que não escamoteie a morte e a entenda como parte e finalidade da vida, é essencial para a vivência do homem na contemporaneidade. Que espaços como esse possam aproveitar a potencialidade e inspiração que o tema oferece, ao invés de encará-lo como um assunto obscuro, vergonhoso e evitável. O sofrimento que vem com a morte – 68
MEMORIAL DESCRITIVO A edificação proposta objetiva espaços que funcionem de forma a não criarem barreiras e sim um prolongamento vertical da cidade dos vivos, se integrando ao tecido urbano já consolidado e sendo totalmente aberto ao público. O programa da edificação se distribui pelo lote em 4 volumes distintos que compõe o conjunto de espaços dedicados aos rituais simbólicos, acolhimento aos enlutados e todo o processo de preparação do corpo morto. O primeiro volume se encontra de frente para a Rua Dr. Rodrigo Silva e, recuado da mesma, cria uma primeira praça de acolhimento. O volume oferece uma face opaca de concreto aparente para a rua e é elevado com o objetivo de resguardar a entrada principal e criar de certa forma um vínculo com o imaginário de portão de cemitério. Este volume possui 3 andares, cada um dedicado à um tipo de serviço ou função programática: no 1º andar o atendimento funerário; no 2º andar as funções administrativas do complexo funerário; no 3º andar uma área exclusivamente para funcionários que conta com 1 refeitório, 2 vestiários e área de convívio; e a cobertura é constituída de espaço para um terraço jardim. Este edifício conta com um eixo de circulação que conecta o térreo com a área administrativa e a parte técnica no 1º e 2º subsolo. O segundo volume (1º subsolo) prolonga o térreo e cria um belvedere. Nele estão abrigados a sala de tanatopraxia, de cerimônia de cremação e de espera. Este volume se alonga avançando além de um desnível formado pela alça de acesso do Viaduto Dona Paulina, mantendo a sala de espera
em balanço no mesmo nível da copa das árvores. A separação das duas é feita por meio de elementos vazados que garantem a ventilação permanente do ambiente. A sala de espera e a sala do crematório são separadas fisicamente pelo core de circulação da torre principal e para fazer a demarcação do espaço da sala de cerimônia com o restante do volume é utilizada uma parede de elementos vazados, sem portas, tornando a cerimônia pública e não escamoteamento da morte. Após a cerimônia o corpo é transferido para um hall do elevador monta carga que faz a ligação com 2º subsolo, onde estão os fornos de cremação. Há uma diferença de nível entre a cota da entrada da Rua Dr. Rodrigo Silva (+764) e a cota deste volume (+760) e na lateral há uma rampa para carros que dá acesso à entrada de serviços do complexo, fazendo a ligação direta com a sala de tanatopraxia.
do core de circulação que liga o 1º subsolo à cobertura da torre, possuindo 4 elevadores sociais, 2 elevadores monta carga e escada de emergência. Nos andares de sepultamento a ocupação dos túmulos e lóculos é periférica e são os elementos de formação da fachada, pois ao não estarem em uso são abertos e à medida que se vai ocupando as vagas vão se fechando e tornando a fachada opaca. A manutenção destes andares é feita por um corredor de serviços atrás dos túmulos e a estrutura destes corredores é a mesma que segura os panos de vidro que fecham o volume nas fachadas leste e oeste. As fachadas norte e sul possuem um jardim vertical que percorre até o último andar, estes elementos só são interrompidos nos andares de mirantes e café.
O terceiro volume é a capela ecumênica, um espaço público de reflexão e cerimônias religiosas. A volumetria é destacada das demais edificações, o que cria uma praça entre o segundo volume e a capela. Este volume é totalmente opaco, exceto por uma abertura zenital que é inclinada para a orientação sudoeste do terreno. O quarto volume é constituído pela torre principal, onde são destinados espaços para velório (2º andar), café (15º andar), dois mirantes (16º e cobertura) e os demais andares são constituídos de pé direito duplo que servem tanto para inumações quanto para o armazenamento de cinzas e ossos. Todos os espaços são abertos à visitação, tanto das pessoas que tem relação com os sepultados quanto para o público em geral. Todo o programa da torre é organizado em torno
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CORTE ESQUEMÁTICO
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DIAGRAMA: PROGRAMA
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DIAGRAMA: PROGRAMA
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CONTEXTO
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IMPLANTAÇÃO
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PLANTA DO 2ยบ SUBSOLO
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PLANTA DO 1ยบ SUBSOLO
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PLANTA DO TÉRREO
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PLANTA DO 1ยบ ANDAR
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PLANTA DO 2ยบ ANDAR
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PLANTA DO 3ยบ ANDAR
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PLANTA DO 4ยบ ANDAR
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PLANTA DA SALA DE TÚMULOS*
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PLANTA DO COLUMBÁRIO*
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PLANTA DO CAFÉ
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PLANTA DO 1ยบ MIRANTE
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PLANTA DO 2ยบ MIRANTE
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PLANTA DE COBERTURA
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PLANTA DA SALA DE TÚMULOS (tipo)
PLANTA DO COLUMBÁRIO (tipo)
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CORTE AA
CORTE BB
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CAPELA
PLANTA DE COBERTURA
CORTE AA
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CORTE BB
FACHADA NORTE
FACHADA SUL
FACHADA LESTE
FACHADA OESTE
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CORTE AA
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CORTE BB
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CORTE CC
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CORTE DD
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CORTE EE
CORTE FF
117 117
FACHADA OESTE
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FACHADA SUL
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FACHADA LESTE
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FACHADA LESTE
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MUDANÇA DE FACHADA
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PERSPECTIVA EXPLODIDA
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DETALHE 1: MÓDULOS DE ARMAZENAMENTO
MÓDULO: CORPO
MÓDULO: CINZAS/OSSOS
FUNDO
CORTE
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TAMPA
DETALHE 2: CORREDOR DE MANUTENÇÃO
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CONSIDERAÇÒES FINAIS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS A sondagem histórica foi fundamental para alcançar os objetivos pretendidos para este trabalho, todos os dados e levantamentos conduziram às determinantes técnicas abordadas neste estudo e nas diretrizes projetuais, oferecendo viabilidade à proposta, foi fundamental para o aprofundamento e elaboração do projeto proposto, que foi criar um cemitério vertical que atenda esta grande mistura de etnias, culturas e povos que formam a nossa sociedade. Entende-se que as questões levantadas, sejam elas técnicas e simbólicas, e os objetivos propostos foram alcançados, apesar de a edificação proposta, de cerca de 4000 vagas funerárias, não se apresentar como solução regional e sim como solução local para o aumento da oferta de vagas funerárias. Entretanto sua marcação na paisagem urbana, sua presença no tecido urbano consolidado e em uma área reduzida, retorna ao cotidiano da cidade.
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REFERÊNCIAS
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