Sophia Silva_VAGO: ocupando o cine art palácio

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SOPHIA RODRIGUES SILVA

ocupando

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Sophia Rodrigues Silva

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ocupando o cine art palácio Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac como exigência para obtenção do grau de Barachel em Arquitetura e Urbanismo. Orientador: Ralf Flôres

São Paulo 2018


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resumo Os cinemas de rua já ocuparam um lugar na cidade de São Paulo diferente do que ocupam hoje, poucos são os que ainda funcionam como cinemas, estando a maioria abandonados ou subutilizados. Sendo parte da história do centro da cidade, a Cinelândia Paulista pode ser vista como patrimônio cultural, sendo que, apenas sete das inúmeras salas são realmente tombadas. Por meio de uma intervenção no Cine Art Palácio, o projeto buscou o levantamento de questões sobre o porquê do estado atual dos cinemas de rua e a retomada do entendimento desses equipamentos culturais como parte da cidade. PALAVRAS-CHAVE: patrimônio arquitetônico; cinema de rua; cinelândia paulista; memória urbana; intervenção patrimonial.

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sumário 1 introdução 2 cinema 3 rua 4 espaço 5 arte 5.1 cidade 5.1.1 tempo 5.2 interseção 5.3 purgatório 5.4 victoria

6 lugar 6.1 apropriação 6.2 intervenção

7 inventário 8 referências

6 10 16 22 30 33 36 38 40 43 46 50 55 112 114


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introdução 6


rodução

Um homem catava pregos no chão. Sempre os encontrava deitados de comprido, ou de lado, ou de joelhos no chão. Nunca de ponta. Assim eles não furam mais - o homem pensava. Eles não exercem mais a função de pregar. São patrimônios inúteis da humanidade. Ganharam o privilégio do abandono [...] (BARROS, 2001, 43) 7


Ganharam o privilégio do abandono diz Manoel de Barros (2001, 43) de forma irônica sobre os pregos, que não servem mais para pregar. Cinemas que não servem mais para a projeção de filmes. Para que servem então? Qual função exercem a não ser a função do abandono? A “não função”. Eles contam a história de uma cidade inteira a partir do seu estado temporal. O início desse processo foi na rua, os cinemas eram parte do cotidiano do centro de São Paulo e conformavam uma vida pública, no espaço público, na calçada. Os cinemas estavam na cidade e pertenciam à cidade. O direito à cultura, talvez não tão bem explícito como hoje, já acontecia. “[...] Enquanto ‘espaço’ se tornou uma categoria neutralizada e dessemiotizada de disponibilidade e desempenho de um papel, a atenção volta-se para o ‘local’ com sua significação inespecífica e cheia de segredos.” (ASSMANN, 2011, 319). A elite e o proletariado utilizavam o espaço, transformando-o em lugar, a partir do momento em que o incluíam na sua vida e davam um pouco de si mesmos para o cinema. A cidade é ressignificada como produto da transformação de seus ocupantes. As pessoas não ocupam mais a rua. A vida pública diminui e com isso a cultura pública é deixada a esmo. O processo de abandono do centro deixa muitos lugares para trás. Cinemas de rua, que viraram estacionamentos são exemplos fáceis de encontrar quando se procura por um lugar que já não é mais lugar. Eles contêm história em todas as suas paredes e contam essa história de maneira bruta e nostálgica em forma de abandono. Aquele espaço que passou a ser lugar volta a ser um espaço, pois perdeu sua significação. Sendo assim, como transformar o esquecimento em algo notável? O que se tem hoje são os esqueletos do que um dia já foram os cinemas de rua, esqueletos aptos a receberem uma reflexão crítica sobre a história dos edifícios e sobre o que eles são hoje. Sobre o que a cidade é e sobre como seus ocupantes são. “A 8


intervenção é uma inscrição num fluxo mais amplo e complexo que é a dinâmica urbana. Implica entender a cidade como algo em movimento. Não na forma de vetor progressivo, orientado, mas em várias direções.” (PEIXOTO, 2012, 14). A intervenção urbana vem, então, como o impulso inicial para o início da conversa sobre o que os cinemas de rua eram e o que eles são hoje.

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cinema 10



Ir ao cinema era um acontecimento, como ir ao teatro. “[...] Tão importante quanto o gênero do filme e o elenco era a sala de cinema, parte integrante do sonho cinematográfico do paulistano.” (SIMÕES, 1990, 7). Ir ao cinema de rua era estar na cidade e estar no cinema era pertencer a ela. “Naquele período, a indústria cinematográfica crescera e se consolidara. As salas de cinema precisavam estar preparadas para receberem um público em massa.”1 A cultura chegava a todos e o cinema de rua representava o acesso a isso. As classes mais altas e as mais baixas sempre coexistiram e os dois estavam no espaço público, os dois se apropriavam do lugar. Os cinemas eram a grande diversão dos trabalhadores e dos barões de café e o centro reunia todo esse entretenimento em uma região.

1 A CINELÂNDIA Paulista entre passado, presente e futuro. Coluna Ladeira da Memória, Prefeitura de São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/patrimonio_historico/ladeira_memoria/index.php?p=8381>. Acesso em: 25 mai, 2018.

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FIGURA 1 Fachada do Cine Comodoro em sua inauguração em 1959 Fonte: Salas de Cinema de São Paulo

O primeiro espaço dedicado à exibição de filmes em São Paulo foi o Cine Bijou-Theatre, de 1907, localizado na Rua São João, que viria somente depois a ser a avenida. Funcionava, inicialmente, como boliche, depois teatro e, por fim, cinema, fechando, após a reforma do Vale do Anhangabaú e da Av. São João, em 1914. A região, naquela época, já possuía um caráter de entretenimento e o primeiro cinema de rua representa isso. A área onde depois de 30 anos se consolidariam os cinemas de ruas. Também na Av. São João, em 1936, foi inaugurado o Cine Art Palácio e esse foi o cinema de rua que realmente começou a moldar a Cinelândia Paulista, como era chamado o conjunto de cinemas que ficavam na região da República.

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FIGURA 2 Fachada do Cine Bijou-Theatre e seu anexo Bijou Salão (1912) Fonte: Salas de Cinema de São Paulo

Já nos anos 1960 eram aproximadamente 30 salas em funcionamento. Nessa época existiam cinemas, às vezes, um em frente ao outro, como o Cinespacial e o Cine Comodoro, na Av. São João, ou na mesma quadra em pontos diferentes, como o Cine Dom José e o Cine Ipiranga, na quadra Av. Ipiranga/Rua 24 de Maio/ Rua Dom José/Av. São João. Os cinemas possuíam identidade e precisavam dessa identidade a partir do momento em que se tinham vários edifícios destinados ao mesmo uso. Esse uso passou a tentar se diferenciar de alguma maneira. Não só as salas, mas todo o projeto possuíam peculiaridades: a fachada, o foyer, o segundo nível, as escadas, a bilheteria. E o mais convidativo: o letreiro. Cada um criando sua identidade para atrair o público, que passava na calçada e era convidado a entrar pelo conjunto da fachada. 14


A Cinelândia era um prazer no cotidiano, o cinema não era somente o filme, era a rua. Aquelas cenas típicas que podemos imaginar de São Paulo antigamente, todos andando nas ruas, nas calçadas e nas vias, por entre os carros, os cinemas estavam no meio disso e conformavam essa situação, não estavam em segundo plano.

FIGURA 3 Fachada do Cine Art Palácio (1936) Fonte: Salas de Cinema de São Paulo

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rua 16



O processo de abandono começou a ocorrer no centro de São Paulo, no final dos anos 1950. A Av. Paulista já começava a concentrar um novo polo comercial, que era antes na região dos cinemas. O “Minhocão”, construído em 1970, também afetou diretamente no processo, pois passou por cima de uma parte da Av. São João, influenciando em sua degradação. O que antes era a concentração de serviços e entretenimento da cidade, agora passa a ser espaço para o que não conseguiu subir para a Av. Paulista. “Aos poucos, os cinemas perderam os antigos frequentadores, também atraídos pelas novas salas inauguradas na Avenida Paulista. Para não fechar as portas em definitivo, muitos cinemas passaram a exibir filmes pornográficos. Outros encerraram suas atividades e destinaram as antigas salas a usos diversos, como estacionamentos, igrejas e bingos.”2 O cinema não perde sua força em São Paulo, mas a Cinelândia sim.

2 Idem

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FIGURA 4 Fachada do Cine Art Palácio na década de 1980 Fonte: Salas de Cinema de São Paulo

A rua passa a não ser mais considerada um “lugar seguro” e existe a necessidade de ir para um espaço confinado. Ela se torna um convite para você sair dela, um “anti-convite”, sendo assim, como se sustentar nela? Tanto para as pessoas, como para os edifícios, que são diretamente relacionados com a calçada e a passagem, que possuem uma questão mais pública que privada, a situação se torna frágil. “Convertendo-se em áreas simplesmente des-habitadas, in-seguras, improdutivas.”3 Porém, a rua é e sempre foi a protagonista de todo o processo pelo 3 FRACALOSSI, Igor. Terrain Vague / Ignasi de Solà-Morales. ArchDaily Brasil, 2012. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/35561/terrain-vague-ignasi-de-sola-morales>. Acesso em: 9 jul. 2018.

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qual os cinemas de rua passaram. A sua mudança de identidade é o resultado do porquê as pessoas tendem às mudanças de hábitos que as tiraram da rua e é por causa dessa mudança de hábito, que ela se torna o que é hoje. É o primeiro nível identitário de uma cidade, o lugar que conforma os espaços ao seu redor, onde iniciamos o processo de significação.

FIGURA 5 Mapa de levantamento dos cinemas de rua existentes abandonados Fonte: base Google Maps e edição da autora (2018)

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1 Cinespacial 2 Cine Comodoro 3 Cine Marabá (tombado e em funcionamento) 4 Cine Ipiranga (tombado) 5 Cine Bandeirantes 6 Cine Dom José (tombado e em funcionamento)

7 Cine Art Palácio (tombado) 8 Cine Paissandú (tombado) 9 Cine Barão 10 Cine Marrocos (tombado) 11 Cine Copan 12 Cine Metrópole (tombado)

Coincidindo e fazendo parte de todo o processo no qual o centro de São Paulo passa, o shopping center aparece como grande figura de entretenimento, onde reúne todas as possíveis idas ao centro, que uma pessoa precisaria em um só edifício: lazer, alimentação e compras. Tudo isso garantindo a segurança e privatização, que uma ida ao centro, teoricamente, não possui. Mudanças de hábitos que aconteceram durante o tempo, sendo positivas ou negativas, mas que resultaram em espaços vagos.

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espaรงo 22



Os cinemas de rua perderam seu uso original, são hoje estacionamentos, depósitos, igrejas ou estão simplesmente fechados e abandonados. Mas não por isso deixaram de ser cinemas. “Os espaços marginais, em estado transitório, que resistem às estratégias de poder e à imposição de identidades, transportam, na sua frágil condição, características que permitem sustentar elos de ligação e de continuidade dos vários tempos de transformação da cidade.”4 Não exercem mais sua função original, mas ainda são espaços que sobrevivem. Os cinemas de rua mostram como a cidade já foi e como ela é atualmente, eles conseguem apresentar várias camadas da cidade simplesmente pelo fato de ainda existirem. Você entra em um cinema abandonado e consegue reconhecer minimamente a estrutura original, por mais degradada e modificada em que ela esteja. Onde eram a tela, os lugares, a fachada e o balcão, muito comum nos cinemas da Cinelândia Paulista. Alguns cinemas, como o Cine Paissandú e o Cine Art Palácio, ainda possuem sua fachada original, com o letreiro aparente, objeto que passa despercebido em meio a outros prédios, mesmo sendo uma grande parte da história do centro de São Paulo.

4 MENDES, Rui. Terrain Vague de Ignasi de Solá-Morales. Disponível em: < http://www.estudoprevio.net/livros/3/rui-mendes-.-terrain-vague-de-ignasi-de-sola-morales>. Acesso em: 9 jul. 2018.

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FIGURA 6 Detalhe na fachada do Cinespacial mostra que possivelmente o espaço funcionou como bingo FIGURA 7 Fachada do Cine Paissandú Fontes: da autora (2018)

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FIGURAS 8 E 9 Detalhes em baixo relevo no Cine Bandeirantes (lados opostos) Fontes: Revista Acrรณpole (1939) e da autora (2018)

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O tombamento de sete cinemas da Cinelândia aconteceu quando edifícios do Vale do Anhangabaú foram tombados pela resolução 37/92 e são eles: Cines Art Palácio, Dom José (ativo, funciona como cinema pornográfico), Ipiranga, Marabá (ativo, comprado pelo Grupo PlayArte), Marrocos, Metrópole e Paissandú. Sendo assim, a partir de uma lei, esses sete cinemas de rua tornaram-se patrimônio, possuindo para si o peso de entrar oficialmente para a história da cidade e, claro, garantir sua presença nela, o que acontece teoricamente, dado que nem todos estão bem conservados e não apresentam todas as suas características originais. O processo de tombamento não garante seu uso, são cinemas tombados, que não funcionam como tal. Um dado do Departamento do Patrimônio Histórico – DPH define, por exemplo, o Art Palácio em um estado de “conservação ruim”. Cabe, então, a discussão sobre o porquê dos tombamentos simplesmente por tombamentos, sendo que o mesmo parece somente garantir seu estado intocado. Intocado, porém, no sentido de abandonado. A “proteção” se apresenta e depois se fecha para o esquecimento. “Podem ser feios e inúteis e, segundo os padrões correntes, possuir muito pouco valor intrínseco, porém só o fato de terem figurado em acontecimentos históricos e passado pelas mãos de personagens antigos os constitui em veículo infalível de importante associação sentimental e passam a ser considerados grandes preciosidades” (MALINOWSKI, 1976, 80 apud MENESES, 1998, 93-94)

A definição de objeto semióforo, apresentada por Meneses, cabe ao cinema de rua no sentido do valor histórico e significativo que possuem, mesmo tendo perdido seu uso original. “Sua função é precisamente significar o tempo” (MENESES, 27


1998, 94). Os cinemas carregam essa importante associação sentimental por terem passado por um processo de significação do espaço dada pelo uso que já receberam em determinada época e que, hoje, recebem de outra forma. A inutilidade de um espaço não necessariamente é negativa. Os cinemas se tornaram inúteis, mas no sentido de exercerem outra função agora, seriam úteis se ainda projetassem filmes, mas não projetam. Eles foram transformados por serem abandonados. Podem voltar a serem lugares a partir do momento em que são ocupados, carregando toda a bagagem do edifício, toda a história e representatividade para a cidade e para as pessoas. Em “A Cidade como Bem Cultural”, Meneses destrincha a cidade em três dimensões: o artefato, espaço físico, “[...] produzido no interior de relações que os homens desenvolvem uns com os outros” (MENESES, 2006, 36); o campo de força, palco de tensões e conflitos; e as significações, a representação, imagem. Trazendo essas dimensões a uma estância menor, como a do cinema, podemos identificar as três fases estudadas: o cinema, a rua e o espaço. Sua construção e uso, o processo de deterioração e o abandono efetivo. Dimensões pelas quais os cinemas de rua passaram e os permitiram hoje serem objetos semióforos.

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FIGURA 10 Fachada do Cine Marrocos Fonte: da autora (2018)

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arte 30



A partir do conceito de apropriação do espaço, os estudos de caso são intervenções que utilizam o espaço como condutor principal da obra. O produto final só acontece naquele determinado espaço e por causa de determinado espaço. Toda a ambientação, luz e sombra, cheio e vazio, é ponto inicial do que vem a se tornar o resultado da experiência. Os espaços contam uma história e possuem um caráter de memória e identidade, apresentada de maneira diferente em cada exemplo. Espaços que também foram abandonados, espaços que nunca tiveram um uso ou espaços ocupados até hoje. A experiência acontece em uma fração atemporal, dado que as intervenções não conseguiriam ser o resultado final daquele espaço, já que sempre carregam a função de discussão do mesmo. Ainda estão registrando o processo pelo qual o edifício passou, passa ou ainda vai passar.

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5.1

cidade

Arte/Cidade é um projeto de intervenções que acontece em São Paulo desde 1994. É um grupo formado por arquitetos, artistas e instituições que trabalham em áreas críticas da cidade, fazendo com que a intervenção levante possíveis discussões de propostas e estratégias para esses espaços. “A proposta é tomar São Paulo como um campo onde todas as questões sobre as cidades e a arte estão sendo jogadas.” (PEIXOTO, 2012, 14). As intervenções são “investigativas e críticas” diz Nelson Brissac Peixoto (2012, 15), organizador e curador do grupo, pois tratam sobre o destino da área trabalhada. Os três trabalhos iniciais foram: “Cidade sem Janelas”, “A Cidade e seus Fluxos” e “A Cidade e suas Histórias”. Em “Cidade sem Janelas”, de 1994, início do Arte/Cidade, o projeto ocupou o antigo Matadouro Municipal da Vila Mariana que estava desocupado, mesmo o edifício já sendo da Cinemateca Brasileira e que só veio a ser efetivamente a Cinemateca após a intervenção. “[...] Se tratava de intensificar a percepção desses espaços, trazer à tona significados ocultos ou esquecidos, apontar para novas possibilidades e usos, redimensionar sua organização estrutural, sugerir novas e inusitadas configurações.” (PEIXOTO, 2012, 15). O já não mais matadouro era uma estrutura fabril e com resquícios de tapumes, reboco e de uma atividade que já não acontecia mais. Daí uma cidade sem janelas, sem memória, “[...] grossas paredes de tijolos, as vigas de ferro, as portas e janelas cerradas exercem um peso opressor.” (PEIXOTO, 2012, 41). A intervenção partiu da procura de ligação entre os objetos e os planos que existiam no espaço, não havia uma visão geral, os caminhos eram um labirinto e não formavam um conjunto do espaço. “Na metrópole toda intervenção é necessariamente pontual, sem pretender abranger o todo. Aqui predomina o princípio da ação/reação. Cada gesto provoca 33


contínuas rearticulações, dando novas funções e sentidos para locais e serviços.” (PEIXOTO, 2012, 14). O espaço passa a receber, por meio da intervenção, uma nova percepção e a partir disso, uma proposta de uso, seja a própria intervenção ou o futuro uso, como a Cinemateca. A intervenção da artista Carmela Gross cria as janelas que não existiam no espaço, só que no chão. Ao invés de janelas que se viram para fora, os buracos escavados no chão se viravam para o solo. “Esses buracos fazem um mapeamento negativo do espaço, indicam tudo aquilo que não é, que não se pode ver. O peso que afunda no chão.” (PEIXOTO, 2012, 46).

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FIGURA 11 Instalação de Carmela Gross Fonte: Nelson Kon em Vitruvius (1994)

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5.1.1

tempo

Em “Arte/Cidade III - A Cidade e suas Histórias”, o terceiro projeto do grupo Arte/Cidade, feito em 1997, trabalhou em locais da época fabril de São Paulo: o antigo Moinho Central e os galpões das Indústrias Matarazzo, criando um percurso entre os dois e a Estação da Luz. Dessa vez, as intervenções procuraram as relações da grande escala da área e que são desconectadas da cidade. A instalação de Laura Vinci, no Moinho Central, retratou o estado temporal do edifício por meio de um monte de areia e um orifício na laje por onde a areia passava para o andar de baixo lentamente. “Um sistema fluído vertical atravessando a rigidez horizontalizada da construção. [...] Como se parte da construção se desfizesse, como se um processo orientado de erosão estivesse reordenando a disposição da massa ali erguida.” (PEIXOTO, 2012, 227). Dessa forma, a passagem do tempo fica evidente por meio da ampulheta. Essa passagem do tempo não representa somente a do próprio edifício abandonado, como todo o processo pelo qual a cidade passou até o edifício ficar no estado que estava.

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FIGURAS 12 E 13 Instalação de Laura Vinci Fontes: Laura Vinci (1997)

O Arte/Cidade, não só o Arte/Cidade III, consegue buscar esse momento de reflexão sobre o espaço onde se instala, de maneira bruta ou delicada, cavando buracos ou recortando lajes, pois traz por meio das intervenções o tempo e o espaço. A transformação da cidade é o fio condutor e absoluto do grupo, onde encontrar espaços que representem essa passagem do tempo e por cima deles criar uma segunda camada que é crítica, abre as janelas do nosso campo de visão sobre São Paulo e sobre todos os processos, positivos ou negativos, que a cidade já passou e ainda passa. Prova essa que nem todos os edifícios, no qual o Arte/Cidade projetou intervenções, tiveram a oportunidade de voltar a ser um lugar, mas todos tiveram a oportunidade de ser palco de discussões, o que gera o primeiro movimento de mudança. 37


5.2

interseção

Em “Conical Intersect” (1975), Gordon Matta-Clark (1943-1978) faz uma intervenção performática em um edifício de 1690 que será demolido para a construção do Centro Georges Pompidou em Paris, França. O edifício que pertencia ao casal Bonneville, cita Matta-Clark no registro audiovisual da intervenção, é recortado e perfurado em uma de suas fachadas, abrindo uma nova vista para a cidade velha. A palavra “renovação”, entre aspas, é usada para explicar o porquê da demolição do edifício do século XVII. Paris estava passando por um processo de gentrificação e essa nova “janela”, esse novo jeito de olhar para fora é uma forma de crítica que Matta-Clark transforma em uma interseção cônica.

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FIGURAS 14 E 15 “Conical Intersect” visto de dentro e de fora Fontes: Distorced Space (2016)

As intervenções de Matta-Clark eram efêmeras, pois estavam em edifícios que foram demolidos, mas representavam a mudança pela qual a cidade passava. Espaços que restavam na cidade por questões financeiras, como a própria especulação imobiliária ou como, no caso, a demolição de algo “velho” para dar espaço ao “novo”. Espaços considerados inúteis, onde Matta-Clark entrava e fazia sua intervenção, ele mesmo ocupava o espaço e dava significado a ele.

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5.3

purgatório

Em “Made by... Feito por Brasileiros”, a antiga Cidade Matarazzo, que estava fechado há 20 anos, é ocupada por artistas de maneira que cada espaço do hospital é utilizado para uma obra diferente. A “invasão criativa”, como foi chamada, foi promovida por um grupo que já tinha em mente um projeto imobiliário no local. Sendo assim, diferente da linha lógica do Arte/Cidade, onde a intervenção buscava visibilidade aos espaços que não possuíam ou ainda não possuem nenhuma perspectiva de uso, as instalações foram um meio de divulgação do futuro empreendimento e uma última chance de ocupar o espaço original. A intervenção foi dividida em blocos, seguindo as divisões aparentemente originais de blocos do espaço. O bloco F, onde ficava a cozinha e lavanderia, foi ocupado pelos artistas Artur Lescher, Laura Vinci, José Miguel Wisnik, Miguel Palma, Juraci Dórea e Saner. No espaço denominado “F1”, a antiga lavanderia do hospital, Artur Lescher criou o “Purgatório”.

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FIGURAS 16 E 17 Purgatório (andar 1 e andar 2) Fontes: Feito por Brasileiros e da autora (2014)

Em “Purgatório”, Lescher deixa a água atravessar esses dois andares da antiga lavanderia, como se para lavar esse espaço que seria demolido. De forma poética, ele busca trazer um sentimento de afetividade para o espaço. Quando você passava em frente, só se ouvia o som da água e o corpo, instintivamente, procurava a origem. Era por uma janela na qual você precisava se abaixar que era possível ver a água caindo e se espalhando pelo piso, ocupando o espaço físico como a água ocupa: entrando em todos os lugares. Nesse momento, essa “percepção afetiva” que Lescher procurava, se fazia por inteira. Assim como os cinemas, poder visitar o próprio hospital, capela e anexos era uma experiência a parte, porém as instalações traziam ambientação e te faziam lembrar que você estava em 2014, não no século XX. A possibilidade de poder 41


caminhar pela ala psiquiatra ou entrar na capela e disso, poder entender o que já foi São Paulo, o que já foi o Bela Vista e o que eles são hoje. Esse complexo em pleno funcionamento, em pleno abandono e em plena “proposta arquitetônica inovadora e moderna, um oásis em plena região da Avenida Paulista”5, como divulgado o projeto Torre Rosewood, do escritório Ateliers Jean Nouvel.

5 EDIFÍCIO Paisagem. Cidade Matarazzo. Disponível em: <http://www.cidadematarazzo.com. br/site/pt/projeto/torre/>. Acesso em: 30 ago. 2018.

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5.4

victoria

Em Manchester, Inglaterra, um espaço feito para banhos (como os banhos turcos) e piscinas públicas de 1906, era considerado um “palácio das águas”. O edifício abrigou alguns marcos, como o “mixed bathing”, onde em 1922 homens e mulheres puderam nadar juntos na mesma piscina. Por questões financeiras, o Victoria Baths fechou em 1993, porém no mesmo ano a iniciativa “Friends of Victoria Baths and the Victoria Baths Trust” foi criada e com passeatas, arrecadações de fundos, apropriações artísticas, apoio da organização English Heritage, do conselho municipal e de voluntários, o processo de restauração foi iniciado em 2007. Em 2011, o espaço foi efetivamente licenciado para eventos de artes e performances. Hoje, o Victoria Baths ainda recebe doações e apoio de voluntários. Os espaços são abertos para aluguel de eventos, como casamentos, instalações, encontros e também possui horários para visitas guiadas ou não. Porém, o processo de restauração ainda está em aberto, pois a intenção da organização é fazer o espaço ser novamente de banhos turcos e piscinas públicas. Victoria Baths acabou se tornando, nesse meio tempo, um espaço democrático, talvez por sua conquista de reabertura ter sido feita por um grupo que sabia da sua representatividade. O uso é criado a partir da necessidade do público, como por exemplo, sessões de cinema onde cadeiras de praia são colocadas dentro de um esqueleto de piscina, demonstrando que espaços são passíveis de receberem diversos usos, sem perderem sua identidade e história original.

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FIGURA 18 Piscina masculina/de gala em 1906, ano de inauguração Fonte: Victoria Baths (2018)

FIGURA 19 Piscina masculina/de gala em 2001 Fonte: Victoria Baths (2018) 44


FIGURA 20 Piscina masculina/de gala em 2017 Fonte: Creative Tourist (2017)

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lugar 46



São várias as camadas que constituem uma cidade, camadas físicas que são produtos de questões como tempo, identidade, memória e representação. A cidade é o palco dessas camadas e é a grande geradora de conflitos. Lugares abandonados estão em uma dessas camadas. São espaços, que passaram por um processo de uso ou construção e, após isso, o abandono efetivamente. Os cinemas de rua, como espaço, discutem questões políticas e os cinemas de rua abandonados discutem questões políticas por meio da ausência dessa discussão. Sendo assim, como problematizar o abandono dos cinemas de rua de maneira crítica? Como discutir a memória urbana, que esses edifícios levam consigo? O reflexo inicial é de que um edifício que não exerce mais sua função deve voltar a exercê-la, ou seja, um cinema abandonado deveria voltar a exibir filmes. Pessoas sentadas. Venda de ingressos. Sessões. Dia. Noite. Porém, a crítica e o incômodo com a situação estariam mais distantes se isso acontecesse e talvez o cinema simplesmente não sobrevivesse como já não sobreviveu uma vez. O olhar de ocupante do espaço deve aparecer para esses lugares do jeito que eles são hoje. Segundo a Enciclopédia Itaú Cultural, site specific é uma intervenção que “[...] inaugura uma relação com o ambiente natural. Não mais paisagem a ser representada.”6 Ocorre em um lugar específico, como diz o nome, e não usufrui de artifícios para sua representação, acontece no espaço. Espaços não tradicionais. “Intervir: um gesto sobre o que já está em movimento.” (PEIXOTO, 2012,14). A palavra intervenção, no seu sentido mais básico, está relacionada a opinar, contribuir com ideias e, acontecendo na cidade, está sobre algo em constante movimento e mudança. 6 SITE Specific. Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras, 2015. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo5419/site-specific>. Acesso em: 24 mar, 2018.

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Projetar algo que está na cidade sempre é considerar suas variáveis. São cinemas de rua que estão abandonados, mas que também estão fechados. São privados e geram toda a discussão público/privado na cidade a partir do momento em que pertencem a rua, mas não as pessoas. “Como intervir num universo desprovido de sistema centralizador e unificador? Trata-se de lidar com o indeterminado, o que escapa, o que não tem medida [...]” aponta Nelson Brissac Peixoto (2012, 14) quando mostra que a intervenção é projetada e feita para um espaço onde não se tem controle, porém isso é que proporciona um resultado no qual a mesma consiga levantar e propor tantas especulações. Sendo assim, “[...] Toda intervenção na cidade existente deve levar em conta esse imponderável. Não se detém por completo o controle das ações ali realizadas.” (PEIXOTO, 2012, 14). Os cinemas, então, existem e ocupam um espaço físico na cidade, porém até onde vai essa fisicalidade a partir do momento em que não existe significação que seja imposta sobre eles?

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6.1

apropriação

Dentre os sete cinemas tombados e outros inúmeros que faziam parte da Cinelândia Paulista, o escolhido para o projeto de intervenção foi o Cine Art Palácio. De 1936, foi o primeiro cinema projetado por Rino Levi e, por estar localizado na Av. São João, definiu a região da Cinelândia: Av. São João, Largo do Paissandú, Santa Efigênia e Av. Ipiranga. “A concentração das atrações de lazer, antes localizada no triângulo formado pelas ruas Direita, São Bento e XV de Novembro, se deslocava para os arredores da Avenida São João.”7 O Cine Art Palácio marcou o início do que viria a se transformar na Cinelândia, o projeto possuía estudos de acústica, acesso, ventilação, iluminação, a própria visibilidade do filme e ainda é um grande representante da arquitetura moderna paulista. Chamava-se UFA Palace quando inaugurado, relacionado ao investimento da empresa alemã Universum Film AG. Apenas quatro anos após sua inauguração, o cinema passou a se chamar Art Palácio, relacionado agora à distribuidora de filme Art-Films. “Não deve ser desconsiderada a disputa diplomática que se desenrola a nível internacional, onde o cinema é arma valiosa para angariar simpatias.” Comenta Inimá Simões (1990, 38) acerca dos investimentos em cinemas feitos pelos EUA e pela Alemanha na época da Segunda Guerra Mundial.

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Dados fornecidos pelo DPH – Departamento do Patrimônio Histórico

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FIGURAS 21 E 22 Fachada UFA Palace em 1936 e Art Palácio em 1954 Fontes: Salas de Cinema de São Paulo

O Cine Art Palácio possuía aproximadamente 3.140 lugares, um projeto grande se comparado ao Cine Ipiranga, também projetado por Rino Levi em 1943, que possuía 1.000 lugares. O cinema passou por uma reforma que o dividiu em duas salas menores por conta da diminuição do público. Após o declínio de frequentadores que começou nos anos 1970, o cinema passou a exibir somente filmes pornográficos nos anos 1980 e em 2012 o térreo foi desapropriado pela Secretaria Municipal da Cultura, permanecendo abandonado até hoje (novembro de 2018). Sendo um dos sete cinemas presentes no tombamento do Vale do Anhangabaú, foi tombado pela resolução 37/92-238, em NP-1 (nível de preservação 51


1), o que define preservação integral, onde todas as características devem ser mantidas, incluindo o Plaza Hotel, também tombado em NP-1, o hotel que compõe o edifício do Cine Art Palácio, com mais seis níveis acima do cinema.

FIGURA 23 Programação nova do Cine Art Palácio divulgada em 1971 Fonte: Salas de Cinema de São Paulo

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FIGURA 24 Fachada do Cine Art Palácio em 1957 Fonte: Salas de Cinema de São Paulo

Caminhar pela cidade é vivenciar história, caminhar pelo centro de São Paulo é conhecer, visualizar, presenciar história. Estar no Largo do Paissandú é olhar para todos os lados e em cada um poder identificar um cinema de rua. A escolha pelo Cine Art Palácio foi por sua marcação na história dos cinemas de rua, por sua proximidade a todos os outros, um eixo radial na memória urbana. Porém, ele é somente um dos inúmeros exemplos do estado atual do centro e de um equipamento urbano que conforma a cidade, mas que pela própria cidade foi abandonado. 53


FIGURA 25 Estado atual do Cine Art Palรกcio Fonte: Veja Sรฃo Paulo (2018)

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FIGURA 26 Fachada do Cine Art Palรกcio Fonte: Google Street View (2018)

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6.2

intervenção

O projeto de intervenção pretende promover um partido de ocupação que possa levantar a leitura do ambiente, trazendo visibilidade e questionamento sobre o que os cinemas de rua abandonados dizem sobre a cidade. É um produto de ressignificação do espaço. Uma visibilidade que vai além dos cinemas e acaba abrangendo a cidade, a rua, o centro de São Paulo. O cinema, aqui, se torna um símbolo do que resulta em forma de espaço a ser ocupado de todo o histórico pela qual a Cinelândia se enquadra como exemplo: o abandono, a memória, as mudanças, os resquícios e o próprio corpo que se perde nesse meio. A intervenção ocupa um espaço e esse espaço será utilizado no seu estado atual: pilares verdes, paredes laranjas e pichadas, piso descascado, iluminação natural, iluminação improvisada, a intenção é de que nada seja escondido, pois a primeira imagem que fala sobre os cinemas de rua é ver sua condição real, por mais suja que seja. Por meio da passagem do tempo, do espaço resultante dessa passagem e do corpo que ocupa esse espaço, o projeto de intervenção cria uma narrativa, onde o corpo atravessa o esqueleto estrutural do cinema para procurar preencher o espaço vago.

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(va.go¹ adj 1. Inconstante, volúvel. 2. Incerto, indeterminado. 3. Confuso, indefinido. va.go² adj 8 Desocupado, vazio.) 8

Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1997.

57


“São lugares aparentemente esquecidos, onde parece predominar a memória do passado sobre o presente. São lugares obsoletos nos que somente certos valores residuais parecem se manter apesar de sua completa desafeição da atividade da cidade.”9 A imagem de um espaço inútil que pode ser interpretada de maneira negativa, passa a ser a representação de uma crítica. O espaço não é mais visto como a falta de algo, mas como a possibilidade de um novo uso, de algo existente. Assim como a própria rua, onde a maior relação entre o corpo e o espaço é iniciada. Sendo assim, a experiência começa na rua.

9 FRACALOSSI, Igor. Terrain Vague / Ignasi de Solà-Morales. ArchDaily Brasil, 2012. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/35561/terrain-vague-ignasi-de-sola-morales>. Acesso em: 9 jul. 2018.

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FIGURA 27 A Av. São João no fim da década de 3010 Fonte: São Paulo Antiga (2015) e edição da autora (2018)

10 Sem data precisa, porém a construção do edifício Altino Arantes, que ainda não aparece na foto, só foi iniciada em 1939 e o cinema ainda pertencia a UFA, que só foi comprada em 1940, então essa foto foi tirada possivelmente entre 1936 (inauguração do cinema) e 1939 59


FIGURA 28 A Av. São João na década de 50 Fonte: Fotolabor e edição da autora (2018)

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FIGURA 29 A Av. São João em 2018 Fonte: da autora (2018) A intervenção tem como partido o espaço, a memória e o corpo. O espaço

é um cinema que abriu em 1936, fechou em 2012, está abandonado e é tombado. Assim, a crítica que persiste e que deve permanecer na memória é de que são patrimônios culturais, mas qual a função de defini-los se essa definição não garante seus lugares na cidade? Já a memória está presente em toda a cidade, no centro, na calçada, no vizinho, no Plaza Hotel, no Cine Art Palácio, nas pessoas que possuem e possuirão alguma relação com esse espaço. Por fim, o corpo é quem ocupa o espaço e cria a memória. 61


itapetininga

rua 24 de m aio

rua barĂŁo d e


av. são joão

largo do paissandú rua conselheiro crispiniano

PLANTA DE LOCALIZAÇÃO escala 1:1000


FA CHA DA Em “sessões: VAGO”, as pessoas serão convidadas a entrarem em um prédio projetado por Rino Levi, talvez sabendo que já foi um cinema e quem sabe, ainda é? Uma calçada com marquise é um convite por si só, anteriormente a marquise cobria toda a calçada, que hoje em dia é maior, e as pessoas eram atraídas a entrarem no cinema ao estarem na rua. Referenciado em como eram as propagandas para as sessões do dia e qual filme estava em cartaz, serão colocadas chapas metálicas dividindo a fachada. Essa divisão só acontecerá na parte da marquise, objeto que delimita o que é espaço do cinema. O que antes era feito horizontalmente; tanto as faixas dos filmes, como a grade, ainda existente, em guilhotina; e possibilitava a leitura da fachada de forma livre, será feito verticalmente, quebrando a fluidez visual e originando a experiência, gerando o primeiro questionamento: aberto ou fechado? As chapas metálicas de 10 mm em aço preto fosco serão corrediças, sendo assim, as pessoas poderão movimentá-las e posicioná-las da maneira que quiserem. As palavras “Sessões” e “Vago” possibilitarão a sequência lógica das chapas, mas que podem ser invertidas, alinhadas ou colocadas todas juntas, causando diferentes leituras da mesma fachada. Dentro é espaço e a partir desse ponto, o corpo ocupa o vago. O primeiro momento é criado na narrativa: a passagem entre o espaço aberto e o espaço fechado, sair da rua e entrar em um lugar. 64


FIGURA 30 Fachada do Cine Art Palรกcio em 1951 Fonte: Salas de Cinemas de Sรฃo Paulo

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ART PALACIO P L A Z A

H O T E L

sessões


FACHADA AV. SÃO JOÃO escala 1:250


PERSPECTIVAS DA FACHADA Vista da calçada do Largo do Paissandú

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69


70


PERSPECTIVA DA FACHADA Vista da calรงada do cinema

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SA GUÃO

O segundo espaço, saindo da rua: o antigo saguão do cinema e naturalmente o espaço de conversa, de passagem, onde o barulho da rua se fundia com o barulho das pessoas que já estavam no cinema. O projeto propõe um espaço com uma possibilidade de maior permanência, por ser o local que possui contato direto com a rua. O mobiliário que antes estava dentro da sala e só era acessível após a compra do ingresso, estará na parte mais “pública” do cinema. É um espaço de permanência, pois as pessoas o ocupam. O ocupam com diversas finalidades individuais, porém todas fazendo parte do vago e assistindo o cinema, vendo suas paredes, vendo os outros que estão ao seu redor, vendo quem passa na rua, quem entra, quem sai e, assim, fazendo parte de todas as camadas do cinema. Os mobiliários são modulados e feitos em chapa de aço preto fosco estruturado por tubo quadrado metálico com acabamento preto. O projeto do saguão possui duas variações de mobiliário, uma em formato arquibancada fixa e outro individual móvel.

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2.4

2.4

1: ARQUIBANCADA FIXA 2.4

2.4 2.4

1.6

0.3 1.6

0.6

0.8 2.4

1.6

0.3 1.6

0.8

0.82

0.6

2: INDIVIDUAL MÓVEL 0.82

0.82 0.3 0.8

0.82

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projetores multimídia (2) 36,5 x 9,62 x 2,52 cm

caixas de som 40W (6) 30,0 x 26,0 x 43,0 cm

PLANTA TÉRREO: SAGUÃO nível 741.58 escala 1:250


PERSPECTIVA DO SAGUÃO Vista da escada principal para a rua

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PERSPECTIVA DO SAGUร O Vista da calรงada para dentro

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PERSPECTIVAS DO SAGUÃO Vistas para as salas de projeção

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Utilizando dois nichos que a estrutura do cinema possui, serão colocadas as arquibancadas, formando pequenas salas de cinema, onde as pessoas assistirão às projeções dos poemas “O Catador” de Manoel de Barros, citado no inicio do

PERSPECTIVAS DO SAGUÃO Vistas da sala de projeção “O Fim das Coisas”

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trabalho, onde o autor fala sobre a inutilidade do objeto e “O Fim das Coisas” de Carlos Drummond de Andrade, poema que tem como personagem principal o Cine Odeon, cinema de rua da Cinelândia carioca, apontando que a situação dos cinemas de rua se repete em outros lugares do Brasil, não só em São Paulo.

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Um homem catava pregos no chão. Sempre os encontrava deitados de comprido, ou de lado, ou de joelhos no chão. Nunca de ponta. Assim eles não furam mais – o homem pensava. Eles não exercem mais a função de pregar. São patrimônios inúteis da humanidade. Ganharam o privilégio do abandono. O homem passava o dia inteiro nessa função de catar pregos enferrujados. Acho que essa tarefa lhe dava algum estado. Estado de pessoas que se enfeitam a trapos. Catar coisas inúteis garante a soberania do Ser. Garante a soberania de Ser mais do que Ter. (BARROS, 2001, 43)

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Fechado o Cinema Odeon, na Rua da Bahia. Fechado para sempre. Não é possível, minha mocidade fecha com ele um pouco. Não amadureci ainda bastante para aceitar a morte das coisas que minhas coisas são, sendo de outrem, e até aplaudi-la, quando for o caso. (Amadurecerei um dia?) Não aceito, por enquanto, o Cinema Glória, maior, mais americano, mais isso e aquilo. Quero é o derrotado Cinema Odeon, o miúdo, fora de moda Cinema Odeon. A espera na sala de espera. A matinê com Buck Jones, tombos, tiros, tramas. A primeira sessão e a segunda sessão da noite. A divina orquestra, mesmo não divina, costumeira. O jornal da Fox. William S. Hart. As meninas de família na plateia. A impossível (sonhada) bolinação, pobre sátiro em potencial. Exijo em nome da lei ou fora da lei que se reabram as portas e volte o passado musical, waldemarpissilândico, sublime agora que para sempre submerge em funeral de sombras neste primeiro lutulento de janeirode 1928. (ANDRADE, 2017, 230) 83


O espaço do saguão, o que faz a ligação entre a rua e a sala de cinema, se tornará um espaço para troca e criação de novas experiências. Um espaço mutável, oscilante, que se conforma ao tempo das pessoas que o ocuparem. É o preparo para o que está por vir, sendo isso a sala ou a rua novamente.

FIGURA 31 Saguão e ao fundo a escada principal Fonte: da autora (2018)

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ES CA DAS São três escadas que fazem a ligação entre as salas: duas tem acesso direto pela fachada e levam para a sala 2, outra tem acesso pelo saguão e leva a sala 1. Das duas escadas diretamente relacionadas à rua, uma está desativada, pois está gradeada desde antes do cinema fechar por motivos desconhecidos, sendo que a marquise, construída na reforma que o cinema passou quando se tornou Art Palacio, não chegava na escada e no Plaza Hotel, retirando-a do espaço que faz parte do cinema. Partindo do espaço real atual, somente duas escadas farão as ligações para as salas, deixando a terceira de fora na intenção de deixar também o participante com a mesma dúvida gerada sobre a terceira escada. Sendo as escadas pontos de ligação e de passagem, serão marcadas com o material principal do projeto: chapa de aço preto fosco. As chapas servirão para demarcar onde é intervenção e que ela continua para o próximo espaço, que as escadas são também ponto presente no projeto.

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SA LA 1

Após a passagem pela escada principal, a pessoa tem a primeira visão da sala de cinema como um todo: seu pé direito de 15 metros, sua profundidade de 40 metros, suas paredes laranjas e pichadas, sem tela, sem assentos, somente a casca do que já foi um dia uma sala de cinema. Onde haviam os lugares para sentar, aberturas na superfície do piso. Ao fundo da sala, onde havia a tela, uma arquibancada e o início de uma frase. A proposta é de que a pessoa atravesse a sala para chegar na arquibancada, onde assim como no saguão, o corpo se acomodará para assistir o cinema e conseguirá ver o lado oposto dela.

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FIGURA 32 Vista da sala ao subir a escada principal (1936) Fonte: Salas de Cinema de São Paulo

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refletores de LED 200W 60º (54) 42,5 x 32,5 x 18,0 cm

vidro laminado (2 lâminas) 1,0 x 1,0 x 0,024 m estruturado em tubo metálico quadrado 0,5 x 0,5 m


PLANTA SALA 1 nível 745.58 escala 1:250


PERSPECTIVA DA SALA 1 Vista para a arquibancada

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Para atravessar a sala, será preciso passar por entre as aberturas, quando, na verdade, é possível andar sobre elas, é possível ocupar toda a área da sala. A primeira reação natural é de que o espaço entre elas é o que resta de área “caminhável”, porém uma camada de vidro faz sua cobertura, criando uma ironia em relação à proteção de algo quebrado, inutilizável. Essas aberturas marcam onde eram os antigos assentos, o que era para cima, agora está para baixo. Os buracos causam o estranhamento, a provocação de quebrar uma área de espaço útil, de transformar o que era de permanência em passagem e o que era de passagem em permanência. Olhar para baixo e se perguntar o que tinha ali. Dentro dos espaços que foram criados, estarão refletores de LED posicionados de baixo para cima de maneira a criarem sombras enquanto as pessoas descobrem o caminho e andam pelos antigos lugares. O corpo passará a estar presente em todo o espaço do cinema de forma efêmera, ao tempo que cada silhueta é projetada nas paredes. Ao atravessar a sala e chegar à arquibancada, o corpo sai de onde estavam os assentos e ocupará o que dava espaço à tela. A arquibancada segue o projeto modulado dos mobiliários do saguão, em chapa e tubo metálico e estará virada para a sala, onde a pessoa poderá assistir o que acontece nela.

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FIGURA 33 Vista da tela para a sala (1936) Fonte: Salas de Cinema de SĂŁo Paulo

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PERSPECTIVA DA SALA 1 Vista para o labirinto e sala 2

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Ao lado e atrás do guarda-corpo da escada por onde se entrou na sala também era espaço ocupado pelos assentos, porém receberá uma tratativa diferente. Por estar em um pé direito mais baixo causado pelo balcão acima, o ambiente ali se torna mais escuro e provoca uma sensação diferente do estar no restante da sala. Chapas em aço inox dobradas em dois pontos, criando assim três faces, formarão um pequeno labirinto por onde a pessoa se perde entre os antigos lugares e por entre os nomes dos cinemas de rua da Cinelândia que estarão em algumas faces. Esse espaço se transforma quase em um cemitério, provocando a inquietação em relação aquele lugar.

0.1 1 0.15

94


PERSPECTIVA DA SALA 1 Vista para o labirinto

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A parede acima do labirinto é um elemento que não existia, pois fez a divisão entre o balcão e a sala. Agora, passará a conectar as duas salas. A intervenção, literalmente, quebrará a incerteza sobre tombamento em sua essência, ao abrir, de maneira irregular, uma vista para quem está na arquibancada ao que acontece dentro da Sala 2. No que resta de área na parede estará escrito uma frase do livro Cinematographos – Antologia da crítica cinematográfica de Guilherme de Almeida, que apresenta críticas e crônicas que foram escritas para o jornal O Estado de São Paulo, durante o período de 1926 a 1942. Entre os textos de 1936, o da inauguração do UFA Palacio:

Quinta-feira, 12 de novembro de 1936 CINEMATOGRAPHOS O UFA Palacio Ali, no velho Paiçandu, onde a avenida São João arqueia a sua primeira corcova já toda eriçada de arranha-céus; ali erguerá amanhã, para o grande público, as suas cortinas de aço o mais moderno cinema da cidade. “Moderno”, aqui, neste caso, tem um sentido total, quer dizer grande como São Paulo, bom como São Paulo, útil como São Paulo, discreto como São Paulo, acolhedor como São Paulo, lindo como São Paulo. É o cinema “para” São Paulo. (...) 96


A enorme, quase infinita sala, onde a gente fica pequena, pequenina, pequenininha... Poltronas cômodas de madeira laminada, clara e vergada, galgando uma rampa longa e suave que sobe, imperceptivelmente, dez por cento... E os balcões, lá em cima, amplos e bons como uma segunda plateia... E – utilidade e beleza – os feixes colossais de barras de duralumínio de ventilação, estendidos contra a aspereza atualíssima das paredes... E os altos arcos abatidos da avant-scène, desdobrando-se, alargados, pela sala e desprendendo o clarão forte e branco das luzes invisíveis... E... ...Mas basta. Este é mesmo o cinema “para” São Paulo. (ALMEIDA, 2015, 450-451) 97


ESTE É MESMO


abertura na parede 5,0 x 3,0 m escritas 1,0 m de altura

O CINEMA

SÃO PAULO

CORTES TRANSVERSAIS escala 1:250


SA LA 2 Até 2012, essa sala foi sala, mas originalmente era o balcão da única sala existente no projeto. Uma sala com lugares ocupando todos os espaços possíveis do cinema. Até 2012, foi uma segunda sala e a parede que fez essa divisão representa a fase de declínio do cinema, onde uma sala com 3.000 lugares e somente um filme passando não significava tanto lucro quanto duas menores e dois filmes em exibição. Ao demolir essa parede, perderíamos uma parte da história do cinema, que mesmo não sendo do projeto original, tem significado. Mas ao quebrar um pedaço, o projeto de intervenção questionará esse significado e todos os outros. Uma abertura que possibilitará a visão da Sala 1 para quem está no que já foi a Sala 2.

100


A estrutura da sala ainda possui os degraus originais que serviam como apoio para os assentos, então a sala já possui sua própria arquibancada, seu próprio espaço de permanência. A permanência e visão da sala virão acompanhadas de áudios de relatos sobre a Cinelândia, retirados também do livro Cinematographos – Antologia da crítica cinematográfica. Ao trazer relatos não somente do Cine Art Palácio, a intervenção questiona os cinemas de rua e não apenas um.

FIGURA 34 Vista do balcão para a tela (1936) Fonte: Salas de Cinema de São Paulo

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caixas de som 40W (8) 30,0 x 26,0 x 43,0 cm

PLANTA SALA 2 nível 752.58 escala 1:250


PERSPECTIVA DA SALA 2 Vista para a sala 1

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Pensei, inevitavelmente, na crise assustadora que veio, nestes últimos tempos, bater também às portas do cinema. Sim, até do cinema – último refúgio, reduto extremo dos pobres atormentados... E fui fazendo, para mim mesmo, esta estranha pergunta: - O que poderia ser uma grande cidade de hoje, sem cinema? Que seria destas enormes cidades modernas perdidas nos desertos verdes da América – Rio, Buenos Aires, São Paulo... – sem cinema? (ALMEIDA, 2015, 359) (...) E eu fiquei com vontade de ir a um cinema, ver uma fita... - Que cinema? - Oh! Um cinema bem longínquo, muito triste, quase vazio, com uma orquestrazinha infeliz afinando os instrumentos antes de começar a sessão... (ALMEIDA, 2015, 470) Há dois anos, no “Coração da Cinelândia”, ali, naquele quarteirão boêmio da rua Dom José de Barros, entre São João e 24 de Maio: ali (...) se rasgaram para o público as cortinas pesadas e boas sobre as argamassas modernas e claras do Opera. E o novo Opera, por isso, começou a existir, não só no “Coração da Cinelândia”, como também no meu próprio coração. Ficou sendo, sentimentalmente, “o meu cinema”... (ALMEIDA, 2015, 546) 105


O Broadway anuncia para amanhã uma fita de muita importância (...) O Opera encerrará, sexta-feira próxima, os lançamentos da semana (...) (ALMEIDA, 2015, 563-565) Essas, as coisas que me fui dizendo, ao longo das ruas já sem gente, na noite enjoada de Noroeste, quando saí do Opera, anteontem... (ALMEIDA, 2015, 583) Não tenho mais podido ir ao cinema. Porque a única sessão que eu – como um bom proletário intelectual, ou não – podia frequentar era a das dez, isto é, das 22 horas. E essa sessão acabou. Pior do que isso: recuou. Recuou meia hora: passou a funcionar às 21h30min. (...) Os relógios dos cinemas adiantaram-se de meia hora. E esse adiantamento atrasou a vida de muita gente. (ALMEIDA, 2015, 601-602)

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Os homens, como as crianças, precisam de imagens para compreender melhor... E o cinema é, sem dúvida, o mais eficiente ilustrador do Livro da Vida. Por isto e para aquilo, foi feito esse filme, que, desde segunda-feira passa, vem animando as telas do Art Palacio e do Broadway, e animando a Fé em muitos frouxos corações. (ALMEIDA, 2015, 612) Cinco ou seis anos. Porque, um dia, em São Paulo, inaugurou-se o Bijou Theatre: sepultura, para mim, daquele saudade e berço desta linda ilusão de celuloide que anda brincando com a minha vida... O Bijou Theatre! Hoje, só a sombra civilizada do arranha-céu Martinelli já vai além do lugar ubi fuit do teatrinho da minha meninice ginasial. E aí, sobre a boa terra em que ele nasceu, viveu e morreu, um rígido casarão germânico – a Delegacia Fiscal – levanta, como lajes de um túmulo, os seus paredões pardos estilizados em Munique. À sua frente, já não há uma rua, há uma avenida. Parece que a velha rua São João, estreita demais para conter a vida crescida destes dias pletóricos, estufou, inchou como uma artéria congestionada, pulsando forte... (ALMEIDA, 2015, 621)

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CORTE LONGITUDINAL escala 1:250


A intervenção é uma narrativa: entrar em um espaço, andar sobre ele, conhecê-lo e sair, porém sair diferente de quando entrou. A narrativa buscará a mudança de perspectiva sobre aquele espaço para então gerar a reflexão sobre ele e os outros. Todos os espaços do cinema possuem significado e cada um pode gerar um sentimento diferente sobre a cidade. Os espaços consumidos por mobiliários, por sons, os não consumidos, pois assim geram mais dúvidas, como a segunda escada, como os corredores laterais da sala que antigamente levavam para os banheiros e hoje em dia, para nada. A narrativa é o entrar e sair constante de espaços, ultrapassá-los, vivenciá-los e então deixá-los para trás para ir para outro, onde outros olhares poderão ocupar também, ocupar por um momento de maneira efêmera, mas nesse momento fazendo parte da memória do lugar. O projeto de intervenção aponta, então, que o espaço precisa primeiro ser um agente provocador de dúvidas. O uso efetivo pós-intervenção, efêmero ou permanente, vem como consequência natural. O que for criado ali não necessariamente precisa ser cinema, mas algo que resulte em uma argumentação sobre os mesmos. A discussão inicial e que permanece é o que os cinemas de rua representam como parte da cidade. Sendo assim, a tentativa de inserção dos cinemas nas ruas do centro de São Paulo pretende estabelecer um espaço que democratize usos. Um espaço que não possui um uso definido, é ocupado com liberdade. Espaços que em sua estrutura mais básica, simplesmente promovem um abrigo. Todos os cinemas de rua, os abandonados, em funcionamento, os que foram demolidos, os que agora possuem outro uso, todos possuem uma bagagem gigante sobre a história da cidade e são espaços passíveis de uso, porém precisam de um primeiro passo: visibilidade.

110


Quando entramos em um cinema, esperamos assistir a um filme. No momento, assistiremos o cinema. 111


7

inventรกrio 112


1934 - 1967 1936 - 2012 1938 - 1997 1939 - 1994 1939 - 1957 1943 - 2005 1943 - data não divulgada 1945 - em funcionamento 1951 - 1992 1951 - em funcionamento 1952 - 2009 1955 - 1978 1957 - 1993 1957 - em funcionamento 1958 - 1991 1959 - 1997 1959 - anos 80 1961 - 2012 1962 - 1990 1964 - 1998 1970 - 1986 1971 - 1994 1975 - data não divulgada

Cine Broadway Cine Art Palácio Cine Metro Cine Bandeirantes Cine Opera Cine Ipiranga Cine Ritz Cine Marabá Cine Marrocos Cine Dom José Cine Cairo Cine República Cine Paissandú Cine Olido (GALERIA) Cine Coral Cine Comodoro Cine Regina Cine Windsor Cine Barão Cine Metrópole (GALERIA) Cine Copan (GALERIA) Cinespacial Cine Las Vegas 113


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referĂŞncias


ALMEIDA, Guilherme de. Cinematographos – Antologia da crítica cinematográfica. São Paulo: Unesp, 2015. ANDRADE, Carlos Drummond de. Boitempo – Esquecer para lembrar. São Paulo: Schwarcz s.a., 2017. ART Palácio. Época São Paulo Revista, 2009. Disponível em: <https://www.youtube. com/watch?v=LOdW2QGmPWQ>. Acesso em: 30 mar. 2018. ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural. São Paulo: UNICAMP, 2011. BARROS, Manoel de. Tratado geral das grandezas do ínfimo. Rio de Janeiro: Record, 2001. CUNHA, Thais. Os cinemas de rua de SP: Parte 1 – Cinelândia. Disponível em: <http://saopaulo2go.com/index.php/2016/06/29/os-cinemas-de-rua-de-sp-parte-1cinelandia/>. Acesso em: 25 maio. 2018. MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A cidade como bem cultural – Áreas envoltórias e outros dilemas, equívocos e alcance na preservação do patrimônio ambiental urbano. Patrimônio: atualizando o debate. São Paulo: Iphan, 2006. _____. Memória e Cultura Material: Documentos Pessoais no Espaço Público. 1998. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view%20 File/2067/1206>. Acesso em: 20 jun. 2018. 115


PEIXOTO, Nelson Brissac. Intervenções Urbanas: Arte/Cidade. São Paulo: SENAC, 2012. RESOLUÇÃO nº 37/92. Prefeitura de São Paulo, 1992. Disponível em: <http:// www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/d475b_37_T_Vale_do_Anhangabau.pdf>. Acesso em: 26 fev. 2018. SIMÕES, Inimá. Salas de Cinema de São Paulo. São Paulo: Pw, 1990.

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lista de figuras Figura 1: Fachada do Cine Comodoro em sua inauguração (1959). Fonte: Salas de Cinema de São Paulo. Disponível em: <http://salasdecinemadesp.blogspot. com/2008/06/o-cine-comodoro-cinerama-parte-1.html>. Acesso em: 30 mar. 2018. Figura 2: Fachada do Cine Bijou-Theatre e seu anexo Bijou Salão (1912). Fonte: Salas de Cinema de São Paulo. Disponível em: < http://salasdecinemadesp.blogspot. com/2016/02/bijou-theatre-1-local-criado.html>. Acesso em: 9 jul. 2018. Figura 3: Fachada do Cine Art Palácio (1936). Fonte: Salas de Cinema de São Paulo. Disponível em: <https://salasdecinemadesp.blogspot.com/2014/03/art-palaciosera-restaurado-com-ajuda.html?m=0>. Acesso em: 30 mar. 2018 Figura 4: Mapa de levantamento dos cinemas de rua existentes abandonados. Fonte: base Google Maps e edição da autora, 2018. Figura 5: Fachada do Cine Art Palácio na década de 1980. Fonte: Salas de Cinema de São Paulo. Disponível em: <http://salasdecinemadesp2. blogspot.com/2016/01/art-palacio-sao-paulo-sp.html>. Acesso em: 30 mar. 2018. Figura 6: Detalhe na fachada do Cinespacial mostra que possivelmente o espaço já funcionou como bingo. Fonte: da autora, 2018. Figura 7: Fachada do Cine Paissandú. Fonte: da autora, 2018 Figura 8: Detalhe em baixo relevo no Cine Bandeirantes. Fonte: Revista acrópole. Disponível em: <http://www.acropole.fau.usp.br/edicao/13/29>. Acesso em: 13 set. 2018. Figura 9: Detalhe em baixo relevo no Cine Bandeirantes. Fonte: da autora, 2018. Figura 10: Fachada do Cine Marrocos. Fonte: da autora, 2018. Figura 11: Instalação de Carmela Gross. Fonte: Nelson Kon em Vitruvius (1994). Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ 117


entrevista/11.043/3482?page=3>. Acesso em: 5 maio. 2018. Figuras 12 e 13: Instalação de Laura Vinci. Fonte: Laura Vinci (1997). Disponível em: <http://www.lauravinci.com.br/portfolio/sem-titulo-1997/>. Acesso em: 21 jun. 2018. Figuras 14 e 15: “Conical Intersect” visto de dentro e de fora. Fonte: Distorced Space (2016). Disponível em: <https://distortedspace.com/2016/12/12/the-affectivepolitics-of-gordon-matta-clark/>. Acesso em: 10 jul. 2018. Figura 16: Purgatório (andar 1). Fonte: Feito por Brasileiros (2014). Disponível em: <http://www.feitoporbrasileiros.com.br/evento>. Acesso em: 30 ago. 2018. Figura 17: Purgatório (andar 2). Fonte: da autora, 2014. Figura 18: Piscina masculina/de gala em 1906, ano de inauguração. Fonte: Victoria Baths (2018). Disponível em: <http://www.victoriabaths.org.uk/history/>. Acesso em: 2 ago. 2018. Figura 19: Piscina masculina/de gala em 2001. Fonte: Victoria Baths (2018). Disponível em: <http://www.victoriabaths.org.uk/history/>. Acesso em: 2 ago. 2018. Figura 20: Piscina masculina/de gala em 2017. Fonte: Creative Tourist (2017). Disponível em: <https://www.creativetourist.com/event/the-village-screen-80sweekender-at-victoria-baths/>. Acesso em: 2 ago. 2018. Figura 21: Fachada UFA Palace em 1936. Fonte: Salas de Cinema de São Paulo. Disponível em: <https://salasdecinemadesp.blogspot.com/2014/03/art-palaciosera-restaurado-com-ajuda.html?m=0>. Acesso em: 30 mar. 2018 Figura 22: Art Palácio em 1954. Fonte: Salas de Cinema de São Paulo. Disponível em: <http://salasdecinemadesp2.blogspot.com/2016/01/art-palacio-sao-paulo-sp. html>. Acesso em: 30 mar. 2018. Figura 23: Programação nova do Cine Art Palácio divulgada em 1971. Fonte: Salas de Cinema de São Paulo. Disponível em: <http://salasdecinemadesp2.blogspot. com/2016/01/art-palacio-sao-paulo-sp.html>. Acesso em: 30 mar. 2018. Figura 24: Fachada do Cine Art Palácio em 1957. Fonte: Salas de Cinema de São 118


Paulo. Disponível em: <http://salasdecinemadesp2.blogspot.com/2016/01/artpalacio-sao-paulo-sp.html>. Acesso em: 30 mar. 2018. Figura 25: Estado atual do Cine Art Palácio. Fonte: Veja São Paulo. Disponível em: <https://vejasp.abril.com.br/cidades/cinemas-abandonados-centro/>. Acesso em: 11 jul. 2018. Figura 26: Fachada do Cine Art Palácio. Fonte: Google Street View, 2018. Figura 27: A Av. São João no fim da década de 30. Fonte: São Paulo Antiga. Disponível em: <http://www.saopauloantiga.com.br/trilhos-de-bonde-na-sao-joao/>. Acesso em: 18 set. 2018. Figura 28: A Av. São João na década de 50. Fonte: Fotolabor. Disponível em: <http:// www.fotolabor.com.br/ImagensSP.html>. Acesso em: 31 out. 2018. Figura 29: A Av. São João em 2018. Fonte: da autora, 2018. Figura 30: Fachada do Cine Art Palácio em 1951. Fonte: Salas de Cinema de São Paulo. Disponível em: <http://salasdecinemadesp2.blogspot.com/2016/01/artpalacio-sao-paulo-sp_22.html>. Acesso em: 30 mar. 2018. Figura 31: Saguão e ao fundo a escada principal. Fonte: da autora, 2018. Figura 32: Vista da sala ao subir a escada principal. Fonte: Salas de Cinema de São Paulo. Disponível em: <https://salasdecinemadesp.blogspot.com/2014/03/artpalacio-sera-restaurado-com-ajuda.html?m=0>. Acesso em: 30 mar. 2018 Figura 33: Vista da tela para a sala. Fonte: Salas de Cinema de São Paulo. Disponível em: <https://salasdecinemadesp.blogspot.com/2014/03/art-palaciosera-restaurado-com-ajuda.html?m=0>. Acesso em: 30 mar. 2018 Figura 34: Vista do balcão para a tela. Fonte: Salas de Cinema de São Paulo. Disponível em: <https://salasdecinemadesp.blogspot.com/2014/03/art-palaciosera-restaurado-com-ajuda.html?m=0>. Acesso em: 30 mar. 2018 Figura 35: Cine Art Palácio. Fonte: da autora, 2018. 119


FIGURA 35 Cine Art Palรกcio Fonte: da autora (2018)

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