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Depoimento de Yara Kerstin Richter
depoimento de Yara Kerstin Richter1
portfólio
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1 - Como foi a idealização do projeto Portfólio, antigo Projeto Mezanino de Fotografia? 2 - Qual era o cenário de espaços para exposições fotográficas naquele momento? 3 - Quais os critérios para a escolha dos curadores de cada ano do projeto Portfólio (2006 a 2008)? Que papel era esperado que os curadores desempenhassem? 4 - Qual o espaço do Itaú Cultural que o projeto Portfólio ocupou? Por quê? 5 - O projeto Portfólio manteve a relação entre fotografia e literatura estabelecida no segundo ano do Projeto Mezanino de Fotografia. Como você vê essa continuidade?
Bem, o projeto Portfólio foi concebido com base no Projeto Mezanino de Fotografia, que já existia e ficava no andar mezanino. Então, em 2006 houve a possibilidade de transferir esse projeto para o “PP” [piso Paulista, no térreo], onde teria uma visibilidade maior e também um espaço maior. Porque no Projeto Mezanino o espaço expositivo era um tanto limitado, um corredor. O espaço do piso Paulista também é pequeno, mas com outra visibilidade – o que é importante porque são exposições de artistas que não estão inseridos no circuito –, pode ser mais bem ocupado e há mais possibilidades de fazer diferentes concepções de montagem. Esse projeto é voltado mais para jovens artistas, mas jovens no sentido da produção – uma produção recente, não conhecida –, nem sempre de um artista jovem. A fotografia, eu acho que ela tem um papel cada vez mais relevante, aliás, até em várias áreas, e mais ainda nas artes visuais. Atualmente, a fotografia é uma obra, é vista como obra artística, os artistas usam a fotografia para criar suas obras. Ela tem uma importância maior atualmente e está totalmente inserida na produção contemporânea. Então o Portfólio também é reflexo do foco da instituição na produção contemporânea, primeiramente, jovem, na produção ainda não tão conhecida, como o Rumos [de artes visuais]. Acho que trazer o novo é a chave do Portfólio.
Na via contrária, trazemos pessoas não tão conhecidas a um espaço de grande circulação. Até esse conceito do “não tão conhecido” resultou no Portfólio Itinerante, em que a ideia é levar um artista que é novo, porém uma referência, no sentido de que foi selecionado e teve uma curadoria. Apesar de não ser um nome conhecido, tem um trabalho representativo, com uma potência poética forte. A ideia, ele foi concebido para fazer um pouco as duas vias: levar para fora da cidade e ainda oferecer ao público aqui em São Paulo. Além disso, o Portfólio Itinerante possibilita que o espectador fora do eixo Rio-São Paulo possa fruir dessa produção jovem, dessa produção brasileira contempo-
1 Nota da organizadora: depoimento de Yara Kerstin Richter, gerente do Núcleo de Artes Visuais, a Daniela Maura Ribeiro gravado em 10 de novembro de 2009 no Itaú Cultural. A revisão final da edição pela entrevistada foi efetuada em 11 de fevereiro de 2010.
rânea, da fotografia, em outras cidades, aí um pouco como referência. Eu acho que aí tem um diálogo mais próximo, porque são artistas ainda não consagrados. O curador foi escolhido tanto para a seleção de São Paulo, por semestre, como para as itinerâncias. Na verdade o projeto se estendeu por dois anos porque os dois artistas selecionados para expor na sede do Itaú Cultural, em São Paulo, iriam para outras duas cidades onde as exposições seriam mostradas, em instituições parceiras do Itaú. E lá, nessas cidades, disponibilizávamos um hotsite com inscrições abertas a todos os artistas locais interessados, mas, antes, era feita uma divulgação com a instituição parceira. E o curador fazia uma pré-seleção aqui, em São Paulo, via hotsite mesmo. Sempre o curador acompanhava a montagem da exposição, então nós antecipávamos a ida dele. Assim, durante e até antes do processo de montagem, tínhamos leituras de portfólio já agendadas. O intuito também era mostrar aos curadores, abrir um pouco o horizonte, de sair do eixo [Rio-São Paulo] para eles conhecerem essa nova produção.
A escolha dos curadores? Aqueles que tinham um envolvimento com arte contemporânea, não fossem somente pesquisadores de fotografia. Um curador de fotografia, mas que visse a fotografia como uma ferramenta para a produção contemporânea. Porque esse era o foco. Essa seleção estava muito mais focada nas artes visuais, na arte contemporânea. Então a seleção se deu com aqueles que tivessem uma pesquisa nessa área, obviamente fazendo esse link entre artes visuais e fotografia contemporânea. A partir disso, fizemos o convite ao Eder Chiodetto e ao Eduardo Brandão, que estavam envolvidos com esse tipo de pesquisa naquele momento. E não tivemos mais curadores porque nós mudamos esse projeto, no decorrer, já no primeiro ano, 2006, de fazer essas itinerâncias, o Portfólio Itinerante. Então, na verdade, o trabalho de cada curador demorava dois anos. Por quê? Porque tinha a seleção dos dois artistas de São Paulo, a ida, que era uma coisa mais rápida, das exposições deles para outras cidades e trazer os selecionados nas outras cidades para São Paulo. O trabalho com cada um desses curadores estendeu-se para dois anos, a princípio seria um. Um Portfólio, então, primeiro ano sempre Portfólio, São Paulo, e no ano seguinte o Portfólio Itinerante, que tinha ação em duas cidades e duas exposições em São Paulo. O desdobramento seria no final, a exposição aqui. O Portfólio começava aqui, ia para outras cidades, onde pegava artistas locais e voltava para cá. O intuito era fazer essas duas vias. Isso na verdade norteou a concepção do projeto. Sobre manter a relação entre fotografia e literatura que já havia desde a segunda edição do Projeto Mezanino... Bem, vejo que hoje em dia as linguagens se misturam, em todas as áreas. Você não tem mais aquele artista que é só visual ou aquele fotógrafo que é só fotógrafo. Os artistas fazem uso de todas as linguagens para obter melhor resultado. Acho interessante e gostei do decorrer do projeto. Já fizemos projetos multidisciplinares, com todas as áreas juntas, também, atividades aqui no Itaú, mas nunca havia sido feito um projeto como esse, com áreas tão fortemente ligadas, porque no Portfólio o texto é escrito com base nas imagens. Então, não existia essa troca, esse bate-papo entre o fotógrafo e o escritor, entre os autores, digamos assim. O curador é quem escolhia, e nós trabalhamos com um curador de fotografia e um de literatura. As imagens que nós tínhamos aqui no Núcleo de Artes Visuais não eram, ainda, do trabalho final do artista, já. Essas imagens eram aquelas para a leitura da produção desse artista, pelo curador de literatura, antes da exposição. Depois, claro, esse curador via a exposição das obras selecionadas para o Portfólio. Então, o curador de literatura se familiarizava com essa produção, dessas duas maneiras, e, obviamente, a partir de uma noção do trabalho desse fotógrafo, desse artista, selecionava o escritor jovem, ainda não inscrito no circuito, para escrever sobre as fotografias.
Penso que é uma troca rica. O texto, na verdade, não é uma análise da obra. É ficcional, e o resultado, surpreendente. A parceria dessas duas linguagens é muito frutífera, por isso a mantivemos quando o Projeto Mezanino de Fotografia se transformou em Portfólio. Eu acho superinteressante como uma obra inspira outra, em um contexto no qual, na maioria das vezes, artista e escritor só se conheciam na abertura. Os desdobramentos são sempre positivos. Você me pergunta qual era o cenário de espaços para exposições fotográficas naquele momento e se chegamos a pensar nisso... Bem, na verdade esse projeto, o Portfólio, é uma sequência do Mezanino, que é considerado um projeto interessante que dialoga com o perfil da instituição e abre um pouco o leque para essa jovem produção, para essas novas linguagens, novas possibilidades. Então, é um projeto que continuamos, não pensamos, especificamente, na questão do cenário de exposições. O diferencial do Mezanino para o Portfólio? O espaço físico, por exemplo, de 120 metros quadrados, se não me engano, do Portfólio. Quando há somente uma parede, você tem determinadas limitações na montagem, uma exposição pode ficar mais parecida com a outra. Mas a criatividade não está limitada ao suporte ou ao espaço, acho apenas que, dependendo do espaço que você tem, há uma liberdade maior para exercer essa criatividade.
Outro fator é o da visibilidade maior quando a exposição é em um piso, como o térreo, que é mais visível. E eu acho bacana essa visibilidade maior para o artista e também para debater o papel da fotografia hoje. A fotografia atual está muito presente como processo, como ferramenta, como suporte. Então, essas possibilidades e a era digital mudaram completamente a função da fotografia. Então, acho que fica mais visível esse leque de possibilidades. A fotografia não está mais
restrita ao registro, ao papel, por exemplo, e isso você trabalha melhor quando tem um espaço onde é possível criar mais, mesclar. Por exemplo, na exposição do Daniel Santiago, tivemos os cadernos de viagens expostos na parede e, em outra sala, imagens em movimento, isto é, vídeos, em TVs de LCD. Esses cadernos mostravam fotos e anotações. Veja que o fio condutor da obra dele é a fotografia, mas para o público, quando entra no espaço expositivo, a montagem propicia diferentes leituras: pode parecer que se trata de uma instalação, de um trabalho fotográfico, de vídeos. O público vai se ambientando.
Já a exposição do Alexandre Sequeira, ele imprime, pelo processo de serigrafia, retratos fotográficos sobre lençóis, mas tem também a questão da tecnologia, o vídeo, no mesmo espaço dos lençóis. Essas exposições, e as outras do Portfólio, que são nas quais eu estive à frente, comprovam a importância que a fotografia ocupa na produção contemporânea. Você vê que todos eles trabalham a fotografia, mas com processos e resultados diversos. Aliás, o trabalho do Sequeira é resultado de itinerância, de leitura de Portfólio de mostra daqui, do Rodrigo Braga, se não me engano, que itinerou para Belém do Pará, onde foi escolhido o trabalho do Alexandre Sequeira para vir para cá. Foi bacana isso do itinerante de trazer produções de outros lugares. Mas, independentemente de as exposições serem no Itaú ou nos espaços para onde as exposições itineraram, eu acho que a montagem vai possibilitando que as exposições fiquem orgânicas. Os resultados foram sempre surpreendentes, e olha que o projeto Portfólio não é de grande escala! Mas também não é pequeno a ponto de inviabilizar os processos criativos ou os resultados, que são tão diferentes uns dos outros, apesar de mostrados em um mesmo espaço e no mesmo suporte, que é a fotografia. Realmente, a fotografia, hoje em dia, é utilizada de diversas maneiras e abre um leque de possibilidades, muito maior do que a gente imagina. Eu mesma, no decorrer do projeto, me surpreendia com os resultados, tão diferentes, dependendo do curador, da seleção da obra.
Agora, quanto à questão da mudança de nome do projeto... Ele se chamava Mezanino porque era apresentado no piso mezanino. Aí, quando o projeto foi transferido para o térreo, não fazia sentido chamar Mezanino, e isso levou a equipe a buscar outro nome para ele, mas qual? O novo nome acabou ficando ligado à essência do projeto, que é a leitura de portfólio. Hoje em dia o portfólio é uma ferramenta para o artista mostrar seu trabalho. Obviamente que ele nem sempre consegue mostrá-lo na íntegra como gostaria, mas a fotografia é uma maneira de o trabalho circular, e isso se dá a partir de montar e mostrar o portfólio a um curador, a uma instituição. Então, o projeto se baseia um pouco nessa questão de fazer circular, de abrir, de levar ao público. Assim, o nome do projeto acabou pegando esse caminho, essa ideia de leitura de portfólio. Ficamos em dúvida por causa da palavra “portfólio” em si, que tem uso corrente, mas é de origem estrangeira. Tem um pouco isso: será que não é uma palavra estranha para quem não está familiarizado com ela? Quando você está no meio parece óbvio, mas, de qualquer forma, acho que era a palavra que caracterizava a essência do projeto.
Tem razão, o projeto Portfólio não marca no nome que é um projeto que envolve fotografia, como o Projeto Mezanino de Fotografia. Por outro lado, considerando a fala que você [entrevistadora] coloca do Monzani [Marcelo Monzani, idealizador do Projeto Mezanino de Fotografia] de que o Mezanino nasceu não com a ideia de ser exatamente um espaço de fotografia, mas um espaço de artes visuais, acho que o Portfólio se tornou esse espaço de artes visuais e, nesse sentido, acabou universalizando a ideia primordial, do projeto que o originou. Veja que um portfólio, aquele que o artista monta para mostrar sua produção, pode ser referente a um trabalho de artes visuais, de pintura, por exemplo. Exatamente por isso acho que tivemos como resultado das exposições do projeto Portfólio um banco de imagens. Isso fica claro na exposição com curadoria do Edu Brandão, da Cia de Foto. Temos um banco de imagens, que, no caso, não é autoral, é de autoria coletiva, digamos assim, é formado a partir de fotografias. E essas fotografias são portfólios eletrônicos, mostradas em televisores. É um trabalho de um coletivo, que tem atuação forte na área da publicidade, mas vem para as artes visuais. E a forma de mostrar o portfólio desse coletivo, de visualizar esse trabalho, foi uma novidade. Você vê que essa montagem é muito dinâmica, tem tudo a ver com a fotografia digital, com a tecnologia, com a intersecção entre os campos de arte, fotografia e publicidade. Os campos se tornam permeáveis, e isso algum tempo atrás era quase inimaginável. Seria até um tabu, eu acho, você mostrar uma fotografia publicitária fora da revista, em um espaço de arte. Mas hoje em dia não dá mais para restringir a fotografia a uma denominação. O Portfólio mostra esse status da fotografia atual. Eu acho que isso é o forte da fotografia hoje, como ela ocupa, como ela amplia, como ela dialoga, como ela faz parte da produção, do artístico, mas também é da publicidade...
Hoje em dia você vê qualquer jovem fotografando, lidando com a imagem. A fotografia faz parte do dia a dia. Antes ela estava muito restrita, por causa, provavelmente, do custo da impressão, mas, hoje, ainda mais por ser digital, ela se disseminou, todo mundo fotografa. Fora isso, tem a maneira de exibir, a montagem, que já falamos. Se eu acho que no projeto Portfólio essa produção jovem, emergente, incorpora essas questões em torno de como a fotografia vem sendo mostrada? Se o
Portfólio revela isso ou tem essa função? Bem lembrado. Sim, acho que o projeto revelou isso. Porque, voltando até na questão das imagens de que estávamos falando, ou seja, da fotografia tradicional, autoral, impressa, a qualidade de impressão, no início da concepção do projeto, como portfólio, não me passaria pela cabeça, por exemplo, o resultado como foi o da Cia. de Foto. Então para mim foi uma surpresa, hoje em dia já parece normal, mas foi a partir dessa leitura do Edu Brandão [curador de duas edições do projeto Portfólio] de até antes bater uma bola comigo, ele perguntou: “Olha, precisa ser fotografia em papel?”. Porque ele, obviamente, não sabia se estava enveredando por alguma questão que não estivesse dentro do conceito do projeto quando ele propôs mostrar as fotografias em vídeo, como um portfólio eletrônico. E, como eles [os curadores] estão muito mais inseridos nesse universo da fotografia, obviamente que o Edu teve toda a liberdade de mostrar o trabalho da Cia de Foto, da maneira como ele estava pensando. E para mim foi uma nova leitura e uma nova compreensão de que atualmente já está totalmente incorporada essa coisa da imagem, o banco de imagens, de não ser autoral.
É o que nós estávamos falando agora há pouco sobre a tecnologia: que você ou está totalmente mergulhado e acompanha esse universo ou as coisas vão passando e nem nos damos conta, de tão rápido que acontece. Então, o projeto acaba acompanhando isso e trazendo as novidades, que, por sua vez, estão no bojo de uma produção jovem, que já incorpora essas questões, e também dos curadores, que conhecem e trazem essa produção. É o curador quem pesquisa, porque ele está familiarizado. Mas mesmo para o curador vem tanta novidade porque, realmente, as mudanças são muito mais rápidas. O projeto Portfólio, por estar focado no novo, ele, de fato, traz à tona o novo e aí surpreende. Tem todo esse aspecto, sim, acho que é um ponto positivo do projeto.
Acho que, de qualquer maneira, tanto o Mezanino quanto o Portfólio têm essa característica de revelar o novo, trazer o novo. Acho que o Portfólio amplia a atuação do Mezanino, a essência, mas agrega outras possibilidades. Você vê que o Projeto Mezanino tinha essa concepção de revelar o novo, então, também por esse aspecto, achei interessante dar continuidade ao projeto. Acho que, independentemente da questão do espaço destinado a um ou outro projeto, desde o início a vocação do projeto é essa, de revelar, trazer à tona o novo. Então, o projeto Portfólio potencializou e ampliou essas questões, mas a essência dele já estava concebida no Mezanino. Eu acho que a graça e o potencial do Portfólio são dar força a essa ideia de revelar o novo, pela maneira como ele faz isso. O Portfólio não está restrito a um formato preconcebido, temos sempre o fator surpresa, a cada montagem de cada exposição, então, também nesse sentido, ele realmente traz coisas novas e seduz. Seduz por tudo isso.