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Portfólio 2008, por Rose Silveira
Rose Silveira1
Escritor Ailson Braga Portfólio 2008
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1 - Como define a importância, para o campo da literatura brasileira, do Projeto Mezanino de Fotografia, posteriormente denominado Portfólio, do Itaú Cultural, que desde sua segunda edição difunde, além da produção fotográfica, a literária contemporânea emergente? Em uma perspectiva histórica mais curta, creio que a importância do Portfólio esteja na difusão do trabalho de novos autores na área de literatura, assim como de novos artistas em outras linguagens, mostrando que a produção brasileira é viva e se renova, não cessa nos cânones nem se encerra nos centros culturais que detêm a liderança política e econômica no país. Ao divulgar um autor emergente da Região Norte, como foi com Ailson Braga, o projeto focalizou um sujeito que existe com sua literatura, seus livros, vídeos, sua vida dedicada ao teatro, bebendo em fontes universais e na obra dos grandes da Amazônia: Dalcídio Jurandir, Max Martins, Ruy Barata e Maria Lúcia Medeiros, para citar alguns que, apesar de sua grandeza, não estão no mapa do Brasil do Sudeste.
2 - Como define o papel do curador de literatura nesses projetos? Qual seu principal desafio? Ao curador cabe a mediação entre o artista e sua obra e a crítica. Para mim, esse trabalho foi desafiador exatamente por se situar no limite entre a criação, que é livre, e a intenção do projeto de estabelecer o diálogo entre fotografia e texto, que não deveria se resumir a uma descrição nem a uma crítica. Outro desafio foi observar o devido respeito ao processo de criação do autor, fazendo intervenções quando necessário.
3 - Como se deu a escolha dos escritores para a(s) edição(ões) da(s) qual(ais) foi curadora e quais foram suas motivações? A escolha do escritor Ailson Braga se deu, sobretudo, pela consistência de sua curta, mas bem trabalhada, obra literária. É um autor sagaz, que não tem medo da experimentação nem dos desafios que isso requer. E, como ele teria de dialogar com a obra fotográfica de Patrick Pardini, percebi que teria o perfil para estabelecer esse diálogo, pois seu livro de estreia, Enquanto Chove, está fortemente marcado pela relação natureza e cultura, um dos vieses da obra de Pardini. Além disso, o texto de Ailson é impregnado de imagens; então, ele estaria dentro de um universo conhecido, buscando os espaços por onde trafegar dentro da fotografia. E foi nessa direção o texto publicado no Portfólio. Finalmente, por estar tão ligado à atmosfera do teatro, Ailson é uma pessoa que sabe trabalhar em equipe, sabe ouvir, engolir o ego e receber críticas.
4 - O curador é também um mediador que fomenta o diálogo entre o escritor e o fotógrafo para a produção do texto literário? Certamente que sim. Mais do que uma mediação entre pessoas, o curador sinaliza os vínculos entre as obras e, ao mesmo tempo, a autonomia de cada uma. No trabalho com Ailson Braga, o autor mergulhou no universo temático da fotografia de Patrick Pardini naquilo que lhe pareceu mais sensorial e sensual, e esta curadora procurou orientá-lo quanto à dinâmica e à intensidade do texto como obra independente, plena de tensões próprias.
5 - Continua acompanhando a produção desses escritores? Seus trabalhos apontaram tendências? Trabalhei com Ailson Braga, de Belém do Pará, e sei que sua produção não cessa. Ailson está lapidando, ampliando e apurando um livro de contos intitulado Ovo de Osga, tendo por atmosfera as festas juninas. E também está escrevendo um texto teatral, que ele mesmo vai dirigir, a partir de relatos recolhidos por Câmara Cascudo e outros autores. É um artista que pesquisa e está sempre atualizado em relação aos movimentos e às tendências na cultura brasileira.
6 - Qual a importância da realização de oficinas literárias para a identificação de novos talentos? Oficinas literárias, bem orientadas, estimulam a escrita e a autocrítica, e podem até ser canais de identificação de novos talentos. O mais importante, no entanto, é que incentivem a criação e, em consequência, a leitura de textos, de imagens, de espetáculos. Agucem os sentidos das pessoas para a percepção das linguagens, para que experimentem essas linguagens e as façam ter sentido em um processo de criação artística.
1 Nota da organizadora: entrevista concedida a Daniela Maura Ribeiro, por e-mail, em 26 de maio de 2009. Nenhuma atualização foi efetuada pela entrevistada após essa data.
7 - Qual a importância de trazer jovens escritores de diversos estados do Brasil para participar do Projeto Mezanino de Fotografia e do Portfólio? A importância está em se permitir conhecer o desconhecido. Não se faz incentivo cultural apenas com reiterações ou consentimentos do que já se estabeleceu como padrão. É preciso acreditar que existe um Brasil além da geografia imposta pela política e pela economia, que o país existente ao redor dos grandes centros não é uma ficção coletiva. Portanto, esse projeto, promovido por uma instituição privada, como o Itaú Cultural, ao incentivar a boa contaminação entre linguagens e autores, faz um grande benefício às culturas brasileiras, e certamente se beneficia e se enriquece por promover esses encontros entre desconhecidos.
8 - O suporte tradicional de um texto literário é o livro. No Projeto Mezanino de Fotografia e no Portfólio, esse suporte passa a ser o catálogo da exposição ao qual o texto se vincula e a parede do espaço expositivo. Como vê a difusão do trabalho literário dos jovens escritores nesses outros suportes? O mais importante não é exatamente o suporte, mas o que ele suporta, digamos assim. Um bom texto será assim reconhecido em qualquer formato. O livro é um suporte canônico que empresta poder aos conteúdos, mas não é o único. A legitimação de outros meios físicos é possível e desejável, daí ser importante, por exemplo, que os catálogos tenham o registro de ISSN e possam ser referendados como fonte para estudos e pesquisas.
9 - Como vê a relação entre fotografia e literatura no Projeto Mezanino de Fotografia e no Portfólio? Quais as suas impressões sobre as exposições fotográficas desses projetos? Imagens e palavras são discursos. Uma imagem está plena de palavras (não confundir com aquela frase tola de que “uma imagem vale mais que mil palavras”), como as palavras são profundamente visuais. Portanto, existe uma estreita relação entre fotografia e literatura, às vezes jogo, às vezes guerra. Nas exposições fotográficas que presenciei, houve jogo, fair play.
10 - Como analisa a produção da jovem geração de escritores brasileiros? O que essa geração nos apresenta de original? Essa é uma pergunta muito ampla, difícil de responder, podendo incorrer no vício da homogeneização: tomar o todo por três ou quatro cuja produção conheço melhor. Um perigo. Prefiro reiterar que a literatura brasileira está viva e que uma perspectiva histórica de médio e longo prazo sempre nos será benéfica ao visualizarmos os sobreviventes e os esquecidos nos processos culturais.