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Albert Nane
Foto: Albert Nane I fotografia preto e branco, 60 x 50 cm I 2003 I Sem título (da série: Pombos)
Voo cego: as fotos de Albert Nane1
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tadeu chiarelli curador
O trabalho de Albert Nane apresenta questões que ajudam a entender certos encaminhamentos da fotografia atual, uma fotografia que – distante do gosto que partiu da Alemanha e hoje transforma em mesmice parte da fotografia internacional2 – procura tratar das potencialidades do fazer fotográfico e suas conexões com outras modalidades de expressão, colocando-se num lugar intermediário entre o fixo e o móvel, entre a captação do espaço e a captação do tempo, entre o aqui e agora e o lá e depois.
Para os interessados em situar sua produção em alguma categoria, um lugar possível seria a já longa tradição da foto de rua, aquela prática de flagrar o cotidiano das cidades, documentando, ora com maior, ora com menor sensibilidade, o dia a dia dos grandes centros urbanos em transformação, desde o século XIX. A fotografia de rua sempre pautou sua prática na necessidade de que o fotógrafo deveria ter uma atitude direta e ao mesmo tempo discreta diante da cena a ser retratada, captando-a sem interpor, entre ela e a câmera, nenhuma interferência.
Do fotógrafo, nessa tradição, só interessava o olho atento, o senso de oportunidade no flagrar situações inusitadas ou típicas demais da vivência nas cidades.
A série de fotos de Nane agora em exposição foge deliberadamente dessas regras básicas.
Elas opõem à discrição do fotógrafo, prescrita como uma espécie de lei pela cartilha fotográfica, uma investida direta e deliberada na reali-
1 Nota da organizadora: texto atualizado pelo curador em 27 de julho de 2010 a partir do original publicado no catálogo da exposição conjunta de todos os artistas selecionados para o Projeto Mezanino de Fotografia do ano de 2004 (Alline Nakamura, Celina Yamauchi e Edu Marin Kessedjian, artistas selecionados em São Paulo/SP; Albert Nane, Fernanda Preto e Michelle Serena, artistas selecionados em Curitiba/PR), realizada de 12 de novembro a 21 de dezembro de 2004, na Casa Andrade Muricy, em Curitiba/PR. A revisão do texto atualizado segue as normas do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. 2 Refiro-me àquelas imagens quase sempre de grande formato, extremamente nítidas, tomadas de tripé, sem personagens e que levam ao paroxismo a crença na verdade documental da fotografia.
dade que, supostamente, deveria flagrar em sua plenitude incontaminada. Mais: ele não apenas age na cena, mas efetivamente a cria, ou recria, a partir de sua atitude perante a imagem a ser captada.
Essa ação do artista na cena que pretende fotografar traz para o debate uma série de questões sobre a fotografia como forma de expressão sobre a realidade que cerca o artista fotógrafo, e não apenas como suposto documento neutro do entorno.
Nane, para realizar essas fotos, retirou a câmera fotográfica da frente do olho e, segurando-a pela alça, disparou-a em direção aos pombos das praças e das ruas de Curitiba.
O verbo “disparar”, aqui, está em dois sentidos.
Em primeiro lugar, substitui o verbo “lançar”. Nane jogou a câmera em direção às aves, segurando-a para que ela não as ferisse nem se danificasse. Em segundo lugar, ele a disparou: fez com que a câmera registrasse tanto seu movimento em direção aos pombos como a revoada assustada dos mesmos.
O artista, agindo de forma tão direta na realidade que supostamente deveria documentar, interferindo e recriando-a, produz uma fotografia que, cega – poético paradoxo! –, descortina outra realidade, onírica e extravagantemente inusitada, transformando o lugar onde só existe, de fato (triste fato), o prosaísmo do vaivém das pessoas e dos pássaros, o barulho das buzinas, o arrulhar dos pombos, os gritos, as freadas.
Flagrando a trajetória da câmera no ar e o esvoaçar assustado das aves, o artista subverte outros pressupostos da fotografia de rua, como a nitidez e o caráter fixo do registro do fato fotografado.
Cinema antes do cinema, nesse ensaio de Nane a fotografia, registrando o tempo do voo da câmera e o voo dos pássaros, parece poder contar outras histórias, iniciar enredos outros, mais poéticos e muito distantes daqueles prescritos pelas regras.
Nublando a imagem ao documentar a trajetória dos pombos e da câmera (metaforicamente seu olho) no tempo e no espaço, Nane efetivamente age como um performer. Se a câmera é o substituto do olho, o artista, por meio da câmera, acompanha os pássaros em seu debater-se rumo ao desconhecido, funde-se a eles no voo cego rumo às potencialidades poéticas do fazer fotográfico, para longe de qualquer regra preestabelecida.
Foto: Albert Nane I fotografia preto e branco, 60 x 50 cm I 2003 I Sem título (da série: Pombos)

Foto: Albert Nane I fotografia preto e branco, 60 x 50 cm I 2003 I Sem título (da série: Pombos)

Foto: Albert Nane I fotografia preto e branco, 60 x 50 cm I 2003 I Sem título (da série: Pombos)

Foto: Albert Nane I fotografia preto e branco, 60 x 50 cm I 2003 I Sem título (da série: Pombos)

Foto: Albert Nane I fotografia preto e branco, 60 x 50 cm I 2003 I Sem título (da série: Pombos)

Foto: Albert Nane I fotografia preto e branco, 60 x 50 cm I I 2003 Sem título (da série: Pombos)

Foto: Albert Nane I fotografia preto e branco, 50 x 60 cm I 2003 I Sem título (da série: Pombos)

