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Cia de Foto

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Quem é quem?

Quem é quem?

Ensaio Caixa de Sapato I 2007 I fotografia digital que integrou portfólio eletrônico mostrado na exposição I Arquivo Cia de Foto I Foto: Cia de Foto

Eduardo brandão1

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curador

A união de duas ou mais pessoas na criação de imagens fotográficas existe desde a invenção da fotografia. Muito praticada nos primeiros 50 anos de existência da técnica, a união foi pouco praticada na história da fotografia moderna. Hoje, é retomada por alguns grupos de criadores, entre eles a Cia de Foto.

A Cia é a união de seis fotógrafos que propõem imagens que não discutem questões de autoria; a negociação entre os autores produz documentos visuais que mostram o acordo entre as partes. Ao negar a autoria individual da imagem, o grupo traz para seu processo de criação não apenas negociações referentes às questões técnicas e estéticas, mas também posturas políticas e sociais. O grupo faz desse procedimento um espelho das relações sociais. Os trabalhos produzidos pela Cia confirmam um exercício conjunto na reflexão ética sobre a manipulação e a edição das imagens.

Em suas propostas, a Cia ultrapassa as rígidas fronteiras entre os diferentes campos da fotografia. Seja nas produções publicitárias, nos trabalhos editoriais, seja nas investigações de uma nova linguagem, os pesos e as tensões entre essas áreas são equiparados e uma invade a outra.

1 Nota da organizadora: texto publicado originalmente no catálogo da exposição da Cia de Foto no Portfólio do ano de 2007 e no do Portfólio Itinerante do ano de 2008 (exposição realizada de 13 de maio a 24 de junho de 2007 no Itaú Cultural, em São Paulo/SP, e de 16 de maio a 15 de junho de 2008 na itinerância para a Fundação Joaquim Nabuco, em Recife/PE). Para esta publicação, o texto passou por outra revisão, seguindo as normas do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

A permeabilidade entre os campos na produção fotográfica contemporânea obriga a rever a ideia do “portfólio do fotógrafo”. Ele perde sua função de mostrar uma sensibilidade específica para dar lugar a um “banco de fotos”, um arquivo de imagens que revela estratégias na representação de realidades complexas. Nesse “banco de fotos”, reconhece-se a importância dos diferentes meios de comunicação. A função do banco é alimentá-los com imagens construídas com densidade conceitual e estética.

Expor a Cia de Foto é mostrar uma nova condição da imagem, que se transformou de analógica em digital e, na mudança, criou novos procedimentos. É também redefinir o lugar do fotógrafo.

Ensaio 911 I 2006 I fotografia digital que integrou portfólio eletrônico mostrado na exposição I Arquivo Cia de Foto I Foto: Cia de Foto

Foto: Cia de Foto Arquivo Cia de Foto I I fotografia digital que integrou portfólio eletrônico mostrado na exposição 2006 I I Ensaio 911

Foto: Cia de Foto Arquivo Cia de Foto I I fotografia digital que integrou portfólio eletrônico mostrado na exposição 2006 I I Ensaio 911

Desabitado1

Olivia Maia

O silêncio é um burburinho confuso, um sopro monótono

Graciliano Ramos

Porque há esse silêncio. E o quarto sob essa luz pálida, e me sentia em uma fotografia velha guardada em uma caixa de sapatos sob a cama. Mas são as paredes. No andar de cima alguém ligou um aspirador de pó. Sento-me em frente ao piano e sei que é outro o silêncio de que preciso. E a fotografia sobre o piano. Olhos que me encaram com todo o peso da eternidade.

O silêncio faz na verdade revelar ruídos distantes e sempre há carros cruzando a avenida e em uma feira na Mooca o vendedor que grita a mercadoria. Esse meu silêncio, feito inteiro do que me é inalcançável. O mundo se faz de um amontoado de silêncios.

Há um ruído no corredor. Ratos. Devem ser ratos. Batem na porta e não consigo ver as horas no relógio da parede porque perdi os óculos. Ratos. São ratos, não há dúvida. Que fazem deslizar pela fresta debaixo da porta da sala uma conta de luz e um cartão-postal. Se começar a pensar em viagens e lugares distantes, jamais vou conseguir tocar.

Esse silêncio, feito tão presente em sua completa inexistência.

Às vezes as pessoas gritam na rua e sempre penso que há uma desgraça por acontecer, e a vida de alguém nunca mais será a mesma. Outras vezes espio pela janela e estão todos caminhando e se movimentando como se fosse o dia de ontem. Agora, não.

Mas a gente se faz por imitação, como se para sempre metalinguagem do existir. O que Platão já desconfiava, mas mal sabia ele. Se eu fosse capaz de dar nome ao meu silêncio, e esse eco de uma música que se agarra aos porões de meu inconsciente. Música silenciosa que preenche imagens e atropela palavras. E a fotografia sobre o

1 Nota da organizadora: texto publicado originalmente no catálogo da exposição da Cia de Foto no Portfólio do ano de 2007 e no do Portfólio Itinerante do ano de 2008 (exposição realizada de 13 de maio a 24 de junho de 2007 no Itaú Cultural, em São Paulo/SP, e de 16 de maio a 15 de junho de 2008 na itinerância para a Fundação Joaquim Nabuco, em Recife/PE). Para esta publicação, o texto passou por outra revisão, seguindo as normas do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

piano que me olha e grita como se aquele rosto nunca tivesse existido.

São as paredes desse apartamento. Cinzentas. Absorvem a luz e acolhem todos os sons distantes da cidade, e sempre haverá um zumbido feito consequência de tudo que se move, e sempre haverá os gritos e meus pensamentos e essa música repetitiva que segue rumo a lugar nenhum perseguindo labirintos dentro da minha cabeça. Deixo que os dedos toquem as teclas e delas então são as notas saindo mudas e invisíveis; que eu fosse parte desse silêncio histérico que me afligia, dissolvido no espaço. Tocava; o que ninguém poderia ouvir, como sopra o vento no deserto. Era o silêncio, todo, aos gritos. A melodia e os ratos e os carros e a fotografia e o aspirador de pó e os gritos de uma criança na rua, caminhões atravessando pontes e um morador do último andar que assiste à televisão, e o feirante que chama os passantes olha a laranja laranja laranja.

Carnaval, Unidos da Tijuca I 2007 I fotografia digital que integrou portfólio eletrônico mostrado na exposição I Arquivo Cia de Foto I Foto: Cia de Foto

Ensaio Caixa de Sapato I 2007 I fotografia digital que integrou portfólio eletrônico mostrado na exposição I Arquivo Cia de Foto I Foto: Cia de Foto

Sobre Olivia Maia1

Nelson de Oliveira curador

Olivia Maia e a Cia de Foto inventam todo dia a mesma música. Mesmo separadas. Mesmo concentradas cada qual em seu trabalho.

O silêncio não existe. Ao menos não como fenômeno físico. O músico John Cage, decidido a encontrar o silêncio absoluto, entrou na câmara anecoica. Porém, mesmo isolado do ruidoso mundo, percebeu que não estava isolado dos ruídos de seu próprio corpo. As contrações do aparelho digestório, o latejar do sangue fluindo no ritmo do coração e o zumbido agudo do sistema nervoso preenchiam a câmara à prova de som.

O brevíssimo conto de Olivia Maia trata da física e da metafísica do som e do silêncio. Narrada em primeira pessoa, essa confissão torturada fala da surpresa e da angústia que o silêncio histérico – belo choque de contrários – provoca cotidianamente no narrador-pianista.

1 Nota da organizadora: texto atualizado pelo curador em 15 de junho de 2009 a partir do original publicado no catálogo da exposição da Cia de Foto no Portfólio do ano de 2007 e no do Portfólio Itinerante do ano de 2008 (exposição realizada de 13 de maio a 24 de junho de 2007 no Itaú Cultural, em São Paulo/SP, e de 16 de maio a 15 de junho de 2008 na itinerância para a Fundação Joaquim Nabuco, em Recife/PE). A revisão do texto atualizado segue as normas do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

A sensibilidade desse narrador é a de figuras históricas, como a do genial Glenn Gould, para quem o som produzido por vários rádios ligados era música das mais sofisticadas.

No conto Desabitado, os ratos são o acorde dissonante nessa sonata para piano. O mundo é um amontoado de silêncios, de velhas fotografias e de ratos. Essa foi a forte impressão que a ruidosa quietude das imagens da Cia de Foto provocou em Olivia: o silêncio todo aos gritos, histérico, feito de notas mudas e invisíveis.

Os retratos, os flagrantes e as paisagens da Cia de Foto envolveram a jovem escritora, que trabalhou os pontos escuros entre a realidade e as formas de representação da realidade. Daí a forte impressão da existência de luz, cor e musicalidade tanto nas fotos quanto no conto.

Ensaio Caixa de Sapato I 2007 I fotografia digital que integrou portfólio eletrônico mostrado na exposição I Arquivo Cia de Foto I Foto: Cia de Foto

Ensaio Caixa de Sapato I 2007 I fotografia digital que integrou portfólio eletrônico mostrado na exposição I Arquivo Cia de Foto I Foto: Cia de Foto

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