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Patrick Pardini

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Quem é quem?

Quem é quem?

Da série Arborescência I 1999-2003 I fotografia preto e branco, 80 x 120 cm I Col. do artista I Foto: Patrick Pardini

Eduardo brandão1

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curador

O trabalho de Patrick Pardini resulta da pesquisa sobre a relação entre homem e natureza. Nesta exposição, o artista apresenta uma coleção de imagens da Floresta Amazônica na qual articula um amplo glossário a uma sofisticada linguagem fotográfica. Utilizando o repertório da fotografia moderna, retrata o embate entre civilização e floresta, propondo novas formas de relacionamento.

Nas fotografias de Pardini, a imensa gama de cores é trocada por tons de cinza que vão do branco ao preto, impondo sobre as imagens um questionamento provindo do fotojornalismo. Ao optar por tal subtração cromática, o autor nos direciona a uma reflexão menos subjetiva e nos leva a elaborar um olhar político sobre a paisagem.

A grandeza da paisagem retratada é transferida a inúmeras fotos de pequeno, médio e grande formatos. Colocadas lado a lado, elas redefinem o olhar do espectador diante da natureza. Fotografada e editada, a paisa-

1 Nota da organizadora: texto publicado originalmente no catálogo da exposição de Patrick Pardini no Portfólio do ano de 2008, realizada de 9 de novembro a 21 de dezembro no Itaú Cultural, em São Paulo/SP. A exposição de Patrick Pardini é fruto de leitura de portfólio realizada em Belém/PA, em decorrência da itinerância da exposição de Daniel Santiago, em 2007, para essa cidade. Para esta publicação, o texto passou por outra revisão, seguindo as normas do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

gem é recomposta com a certeza de que não existe uma visão de totalidade, mas, sim, inúmeros ângulos e diferentes proximidades com a natureza.

No processo de elaboração e compreensão do trabalho, Pardini cria um sistema de catalogação no qual as inúmeras fotografias são ordenadas. Defronte a tal sistema, vemos não apenas a responsabilidade do fotógrafo, ao longo do tempo, em registrar a complexidade de uma situação, mas também o constante exercício de um ideal político-social diante de tal natureza.

Da série Arborescência I 1999-2003 I fotografia preto e branco, 120 x 80 cm I Col. do artista I Foto: Patrick Pardini

Da série Arborescência I 1999-2003 I fotografia preto e branco, 120 x 80 cm I Col. do artista I Foto: Patrick Pardini

Da série Arborescência I 1999-2003 I fotografia preto e branco, 120 x 80 cm I Col. do artista I Foto: Patrick Pardini

Da série Arborescência I 1999-2003 I fotografia preto e branco, 120 x 80 cm I Col. do artista I Foto: Patrick Pardini

Desterro1

Ailson braga

Ah, aquele campo de sombras! Vultos trabalhavam pelas raízes dos jambeiros. Umedecidas as plantas dos pés, o menino dava seus olhos ao verde, sentia seu corpo avançar para baixo, com sol e lua a mediar seus espaços. As peles entre os dedos, território de líquidos.

Ah, aquela dor das urtigas! Fogo veloz sob a pele branca dos pés do menino. Tudo parecia quieto, silêncio da epiderme no calor das tardes de junho. Escorria de dentro dele o silêncio, como se fosse chão que nunca havia visto o mundo, um desterro maldito e inevitável daquela infância que se diluía em fugas pelo quintal. Uma espécie de esquecimento morno tombava a vontade do garoto. Ele teve um assombro de gente grande, atrás dos troncos encalhados no mar de capim rasteiro.

Um pássaro negro rasgou o céu sem nuvens – azul de languescerse – sem pio, sem canto. Um voo em silêncio assustador. E em tudo aquele cheiro de mato cortado. Folhas bailavam em redemoinho de vento perdido. A sombra do menino riscava o muro de tijolos. O limo crescia pelos cantos esquecidos.

O cheiro de terra invadia a casa e os outros quintais.

1 Nota da organizadora: texto publicado originalmente no catálogo da exposição de Patrick Pardini no Portfólio do ano de 2008, realizada de 9 de novembro a 21 de dezembro no Itaú Cultural, em São Paulo/SP. Para esta publicação, o texto passou por outra revisão, seguindo as normas do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Capinação deixava expostas raízes que dormiam seu sono de chão e húmus. Touceiras de capim desprendiam aromas terrosos. A tarde se perdia no tempo, colocava asas vermelhas no fim do dia. Antes de tudo enegrecer, o menino corria para a goiabeira e deixava que a frieza daquele tronco liso e gelado lhe trouxesse um pensamento solto no vento geral. A goiabeira trocava de casca, serpente vegetal.

No quintal, os tajás repeliam os pingos da chuva. A velha mangueira, gorda, jogava grossas bagas d’água em cima do corpo do menino. E um cheiro de mato sem nome se desprendia de seus poros. A lua nascia com sorrisos. Doía o silêncio dentro do matagal. Abriamse constelações. O menino ouvia a conversa dos rios, queria comer a noite, saber que gosto tinha a lua. E ia para o mato entender o amor.

Ah, aquela luz nas folhagens! Tudo no quintal parecia beber silêncio. Uma melodia vinha de longe, trazendo queixas de folhas caídas. Crescer era uma amargura secreta, trazia agonias feitas de cortes profundos. Raízes amputadas previam dores arbóreas. Angústias o tocaiavam nas esquinas das ruas. Ele espiava tudo aquilo do altar solitário de sua meninice. Os dias escorriam pelas paredes de hera. A vida não precisava de Deus.

Foto: Patrick Pardini I Col. do artista I fotografia preto e branco, 120 x 80 cm I 1999-2003 I Da série Arborescência

Da série Arborescência I 1999-2003 I fotografia preto e branco, 30 x 40 cm I Col. do artista I Foto: Patrick Pardini

Antes havia o verbo-imagem...1

Rose Silveira curadora

...o reino das sombras e das luzes da fotografia arborescente do franco-brasileiro-paraense Patrick Pardini. Então se fez o verboverbo, o reino das palavras úmidas do texto do paraibano-paraense Ailson Braga. Foi assim o encontro, o amálgama, a constituição de uma linguagem orgânica, como se não fosse uma invenção. Desde o livro de estreia, Enquanto Chove, Ailson Braga perscruta a chuva, matéria de sua escrita marcadamente imagética. (Não à toa, alguns contos daquela obra tornaram-se um vídeo homônimo.) Seguindo esse veio, adentrou os quintais, a beira dos rios, os espaços entre as folhagens, a seiva, digamos, das fotografias de Pardini. Natureza e cultura, palavra e imagem, artefatos humanos.

1 Nota da organizadora: texto atualizado pela curadora em 26 de maio de 2009 a partir do original publicado no catálogo da exposição de Patrick Pardini no Portfólio do ano de 2008, realizada de 9 de novembro a 21 de dezembro no Itaú Cultural, em São Paulo/SP. A revisão do texto atualizado segue as normas do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Vingou uma história pulsante da vida fluída, sensorial, mutante, escondida por trás de um muro. O autor fez das palavras imagens cheirosas, verdes, molhadas, sinestésicas. Uma história quase invisível, mas que se sabe existir.

Estejamos atentos a ela, portanto. Façamos silêncio para ouvir as imagens e a história. A vida nos espia lá de dentro.

Da série Arborescência I 1999-2003 I fotografia preto e branco, 80 x 120 cm I Col. do artista I Foto: Patrick Pardini

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