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ARTE E MODA: CONEXÕES POSSÍVEIS

Caderno de Experiências ARTE E MODA: CONEXÕES POSSÍVEIS

Júlia Alexandra Ramos Silva Design de Produto/UFCA julia-alexandra@bol.com.br Cristina Rejane Feitosa Silva Professor /UFCA cristinasilva@ufca.edu.br

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1 Introdução

Este artigo procura investigar as possíveis relações entre arte e moda. A arte existe na moda? A moda existe na arte? São indagações que vem sendo discutidas por artistas, estilistas, designers e pesquisadores contemporâneos. Este texto procura tratar das conexões que existem entre essas duas formas de expressões, como uma pode se aproximar da outra e assim conseguir transmitir a ideia e o sentimento de seu “criador”. Apesar da moda e da arte serem dois campos com linguagens próprias, percebemos que em diversos momentos aproximam-se e estabelecem diálogos. Podemos encontrar em muitos trabalhos artísticos traços e referências da moda, assim como na moda podem ser encontradas referências artísticas. A esse respeito, pode ser citada como exemplo na década de vinte a parceria entre Elsa Schiaparelli e o artista plástico surrealista Salvador Dalí, colaboraram para estreitar os laços entre a moda e a arte quando, Dalí junto com o artista Jean Cocteau desenvolveram tecidos com novos materiais – rayons e o celofane, que pareciam vidro, para que Schiaparelli pudesse criar peças de vestuário (LAURENT, 2008, apud REFOSCO et.al, 2011). Sendo assim, este artigo propõe conceituar arte e moda e como essas duas linguagens interagem com o seu público e se apresentam em nosso meio, para a partir de então falar sobre a relação entre as duas. Mostrando que uma pode contribuir positivamente para a outra, se fazendo presentes nas relações humanas, sociais, políticas e econômicas.

2 Fundamentação teórica

2.1 A arte

Existem diversas definições para arte, por não ser um campo delimitado, ela compreende vários pensamentos e ideias que foram concebidas ao longo do tempo e que vem sendo desenvolvidas ainda hoje. Mas o que é a arte? O que ela propõe? A arte é um meio de expressão. Através dela artistas expressam suas ideias, seus sentimentos, emoções e pensamentos. E todas essas manifestações quando apresentadas ao publico, fazem com que sintam também sentimentos, emoções e sensações. O objetivo da arte não é, por tanto,

apenas produzir beleza, proporcionar prazer, diversão ou entretenimento, mas é sim um veículo de expressão e é também um importante meio de comunicação de qualquer experiência, ou de qualquer aspecto da condição humana. (BANACH, 2011 apud REFOSCO et. al, 2011, p. 57) Em nosso mundo contemporâneo a arte pode se apresentar em diversas linguagens, como performance, instalação, música, dança, teatro, entre outras. Porém, vamos nos deter no campo imagético. Para compor uma imagem a arte utiliza os elementos visuais que são: ponto, linha, texturas, formas e cores. Ela se vale destes elementos para proporcionar ao público sensações e emoções, quer sejam elas agradáveis ou não. Qualquer imagem representada, seja ela uma pintura, fotografia ou escultura precisa ter esses elementos básicos. Afinal, o mundo e tudo que vemos e sentimos são formados por pontos, linhas, cores e texturas. A arte tem se aproximado cada vez mais do seu público, hoje ela utiliza diversos meios. Deixa de ser apenas um objeto de apreciação, conforme fala Borges (2010, p. 110), “a arte hoje busca a interação com o público, as pessoas são convidadas a tocar, a sentir, a fazer parte da obra”. Essa transformação que a arte vem sofrendo no decorrer dos séculos, deixando a concepção de que era apoiada no belo e nas formas, e só quem poderia ter e apreciá-la eram aqueles pessoas que estavam no poder, está sendo deixada para trás. Hoje é mais democrática, colocando diante do ser humano a oportunidade e a visão de que todos possam ser artistas e apreciadores. Borges lembra que:

o século passado presenciou uma transformação na concepção da arte tão radical quanto a que ocorreu no Renascimento. Hoje, o marco teórico desloca- se das antigas teorias estéticas apoiadas na forma e no Belo para as que se apoiam nas ciências sociais. A arte passa a ser compreendida como produto das condições materiais e culturais de cada sociedade. Esta nova visão abre caminho para a possibilidade de uma arte mais democrática, da qual todos podem ser artistas e apreciadores. (BORGES 2010, p.113)

A arte não se encontra somente nos museus e galerias, mas ela pode está em outros ambientes incomuns como em desfiles dialogando com a moda, nas ruas através de grafites, ou outras intervenções, onde muitas delas têm objetivo de conversar com a sociedade. Ela também não precisa ser resultado de um produto finalizado, mas pode ser apresentada como uma ideia e conceito. Essa nova forma de expressão artística é definida como arte conceitual. De acordo com Janson (2001, apud RUIZ, 2007, p. 125), “a arte conceitual surgiu na década de 60 do século XX, influenciada pelo Dadaismo e pela Pop Art, tendo como um dos mestres Marcel Dumchap”. Nela, valoriza-se mais a ideia do que o produto, quebrando com paradigmas.

2.2 A moda

Assim como a arte, a moda também é um meio de expressão. Expressão de valores culturais, sociais, políticos e econômicos e, também expressão de sentimentos, ideias e emoções. Souza acrescenta ainda que:

a moda serve à estrutura social e acentua as diferenças de classes, produz afirmação e individualidade, exprime ideias e sentimentos por tratar-se de uma linguagem que comunica e traduz expressão artística através dos elementos subjetivos intrínsecos na representação da indumentária. (SOUZA, 1987 apud MEDEIROS, 2008. p. 4) Assim, a moda se comunica através da indumentária, exprime aquilo que o seu criador quer transmitir. A indumentária carrega em si o sentimento e ideia do estilista. Moura (2008, p. 37) ressalta a moda como importante área de produção e expressão da cultura contemporânea, pois apresenta reflexos e referências da sociedade quanto dos usos e costumes do cotidiano. De acordo com Refosco et al (2011), a moda tornase mais rebuscada no século XIX, a partir do momento em que passa a possuir dois sistemas de moda e a diferenciar-se. Esses sistemas são a Alta Costura, que se apresentava como criações de artigos de luxo para alta burguesia e o prêt–àporter, que surgiu com a produção massificada, em série, mais acessível e era baseada na Alta Costura. A moda pode ser entendida de diversas formas,

como uma indústria cultural no que tange a produção e comercialização de diversos produtos que permeiam diversas culturas; é um sistema criativo representado por criadores, estilistas e designers para a emissão de valores simbólicos aos produtos; é um sistema de gestão que gere todo o processo para resultar em produtos tangíveis e acessíveis; e, é um sistema de comunicação que visa a emissão de determinados valores e informações aos consumidores. (REFOSCO et al. 2011, p. 59) Desse modo, a moda não está estritamente ligada a um sistema, mas a vários, desde o sistema de criação, gestão até o de comunicação com o objetivo de transmitir valores e informações ao seu publico consumidor. É carregada de valores simbólicos, de coletividade, pertencimento e identitários. A vestimenta tem um sentindo para quem a usa, ela não é tida apenas como algo funcional, mas corresponde a uma serie de questões que diz respeito a cada pessoa, tribo e cultura. Borges (2010, p.113) ressalta que uma roupa tem uma função pratica que é cobrir o corpo. Vestimo-nos, mas não de qualquer forma. A vestimenta contem valores simbólicos que estão no seio das sociedades. A moda pode ser apresentada para comunicar um conceito, a expressão total da ideia do estilista. A moda não comercial é exposta em museus, salas de exposição e galerias de arte. Mas, o seu locus primeiro é a passarela, apresentada através de desfiles, onde

a discussão não é o conforto, a utilização ou não das peças daquela forma ou ocasião de uso; a mensagem não é passada pela funcionalidade, pois o impacto emocional é provocado a partir da expressividade. (RUIZ, 2007. p.128) Assim, o objetivo da moda conceitual é provocar impacto emocional em seus espectadores, os sentimentos mais diversos possíveis, tais como repulsa, indignação, deslumbramento e outros (RUIZ, 2007. p.128 e 129).

3 Metodologia

Esse trabalho configurasse como uma pesquisa exploratória, bibliográfica de natureza qualitativa. Exploratória, por que tem como finalidade proporcionar maiores informações sobre determinado assunto; facilitar a delimitação de um tema de trabalho; definir os objetivos ou formular hipóteses de uma pesquisa (ANDRADE, 2010, p.112), Bibliográfica, visto que, permiti ao pesquisador obter conhecimentos já catalogados em bibliotecas, editoras, internet, videotecas etc. (BARROS, 1990 p. 34). E nesse sentindo, este artigo apresenta textos de autores e pesquisadores que teorizaram sobre o tema tratado. Pesquisa qualitativa, por que não se baseia em números, verifica a relação da realidade com o

Caderno de Experiências objeto de estudo, obtendo dessa forma varias interpretações de uma analise indutiva por parte do pesquisador. (DALFOVO ,et. al, 2008). A partir do acesso a consulta de referências pertinentes ao tema abordado foi possível à apreensão da realidade dos referidos assuntos percebendo conjunturas históricas envolvidas bem como suas diversificadas relações.

4 Resultados e discussão

Percebemos que existe uma conexão muito forte entre arte e moda. Direta ou indiretamente elas conversam entre si e se apropriam uma da outra como uma forma de expressão e de comunicação. Segundo Refosco et al.(2011, p 63), a ligação entre estas duas vertentes cresce no século XX, com os designers a usarem o vestuário como veículo para expressar seus pensamentos sobre o mundo, a humanidade e a alma. A moda passa a utilizar a arte como uma forma de inspiração e também passa a fazer releituras de elementos artísticos, os mais diversos. Medeiros (2006, p. 5) trata a arte como:

fonte de inspiração para desenvolver a criação na moda. A releitura de elementos artísticos clássicos, modernos, pós- modernos são transferidos para referendar o processo na criação de motivos têxteis ou expressar a silhueta de um determinado período. – renascentista, barroco, rococó, elisabetano, vitoriano, eduardiano, (...). Essas releituras rementem ao estilo retrô, motivando a dinâmica na moda. A moda nesse caso se apropria desses elementos da arte e de muitos outros que a arte dispõe, como meio de mostrar estilos, trazer de volta novas formas, silhuetas e assim fazer com que a moda se torne mais dinâmica. Outra questão relevante, é que a arte e a moda utilizam em seus objetos e indumentárias os elementos visuais: ponto, linhas, formas, texturas e cores. Tanto na arte quanto na moda há a presença desses elementos e sem eles não existiriam nem uma e nem outra, de acordo com Medeiros (2006, p. 4):

compreende o reflexo do seu tempo e de sua sociedade, por apresentarem os mesmos elementos de composição visual “formas, linhas, cores, volumes e texturas”, portanto ambos são objetos abertos e sujeitos à recriação, releitura e interpretação. Outro ponto entre arte e moda a ser mencionado e que vemos de maneira bem direta são as estampas e padronagens de tecidos, que de acordo com Moura (2008), podem ser uma das formas em que a arte pode está presente na moda no desenvolvimento de peças, vestuários. Moura (2008, p.49) ainda coloca que:

esses objetos de moda tanto podem reproduzir detalhes parciais das obras de arte como podem se desenvolver a partir das referências de um período, estilo ou movimento de arte, ou ainda, de um determinado artista. A artista Sonia Delaunay (1885-1979) produziu entre os anos 1920 e 1930 alguns dos mais originais padrões têxteis dos tempos contemporâneos. Ela foi a inventora de padrões abstratos em tecidos. No seu trabalho podemos ver a harmonia entre cores fortes e formas geométricas que ora se transformava em vestido ora em quadros e objetos utilitários mostrando uma clara sinergia entre moda e arte. Outro aspecto que podemos analisar é a efemeridade da moda. No desfile Costura do Invisível do estilista Jum Nakao as modelos no final do desfile rasgaram suas roupas que eram feitas de papel vegetal.

Figura. 1 – Costurando o Invisível – JumNakao.

Fonte:

http://modaartenavida.blogspot.com.br/2010/11/costur a-do-invisivel-jum-nakao.html Esse desfile gerou muita polêmica, Glória Kalil em reportagem para a revista Cult de 2004, apontou que não se tratava de um desfile de moda, e sim sobre a moda, pois utilizava todos os códigos conhecidos de um lançamento de uma coleção. O desfile questionava o sistema de moda e a efemeridade da roupa que são descartadas com rapidez a cada troca de estação. A efemeridade do objeto da moda é bastante utilizada como ponto de separação entre arte e moda, como exemplifica Cidreira (2005, p. 6), citando a estilista Coco Chanel que não considerava moda uma forma de arte. Para Chanel um vestido não é nem uma tragédia, nem um quadro; é uma charmosa e efêmera criação, não uma obra de arte

eterna, pois a moda deve morrer e morrer rápido, para que o comércio possa viver. Nessa ideia de Chanel vemos o conceito de arte como eterna. E o que dizer da arte efêmera que tem como característica o efêmero e o provisório. É uma arte feita para acabar como as peças de teatro que só duram um momento. Da mesma forma a moda é apenas um registro de um momento. Outro aspecto comum entre moda e a arte é a linguagem conceitual, ambas trazem a proposta central do seu criador, um conceito que através de roupas ou quadros levam seu público a questionar, a admirar ou até mesmo a se incomodar com algo seja ele social, político ou econômico.

5 Considerações finais

Percebemos que arte e moda possuem suas peculiaridades, mas ao mesmo tempo interagem entre si, se apropriando uma das manifestações e formas da outra. E essa colaboração entre as áreas permite a expansão de seus horizontes e conceitos. Já que ambas são formas importantes para gerar novas formas de percepção e relação com o mundo. Este trabalho objetivou sinalizar ainda que existe um diálogo muito próximo entre moda e arte e que as duas compartilham, por exemplo, da estética, da novidade, muitas vezes do diferente e daquilo que está acontecendo na sociedade e no mundo e procurando trazer tudo isso para os seus respectivos espaços e trabalhos como forma de reflexão e expressão. E por fim, compreendemos que este diálogo arte e moda está também nas relações humanas, sejam estas relações sociais, culturais ou políticas.

Referências

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Paulo: Atlas, 2010. BARROS, Aidil de Jesus Paes de; LEHFELD, Neide

Aparecida de Souza. Projeto de pesquisas: Pesquisa em Foco propostas metodologicas. Petrópolis: Vozes, 1990. BORGES, Virgínia Todeschini. O corpo e a roupa nas interseções entre moda e arte. Travessias. v.4, n°. 1, p, 109- 120, março/abril, 2010. CIDREIRA, Renata Pitombo. Moda e artisticidade: Introdução a uma estética da moda .In: IV ENECULT – ENCONTRO DE

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