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ABSURDO E CRIAÇÃO EM O MITO DE SÍSIFO DE ALBERT CAMUS
Michelle Fernandes De Araújo Filosofia/UFCA michelle_filosofia@hotmail.c om
Luiz Manoel Lopes Professor /UFCA lluizmanoel@hotmail.com
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1 Introdução
Trata-se de compreender por que o suícidio não é resposta necessária para a falta de sentido da existência, em O Mito de Sísifo: Um Raciocínio Absurdo de Albert Camus. E como, segundo o autor, frente à constatação da falta de sentido da condição humana, pode-se ter uma atitude afirmativa e criadora diante da vida, embora sem esperança. Cohn, por exemplo, afirma que "a criação artística se situa no centro de suas ocupações" (COHN, 1970:146), o que se quer aqui é desenvolver esta hipótese no escopo do ensaio em questão. Para isto será necessário expor e esclarecer os elementos fundantes do chamado "ciclo do Absurdo", em especial as noções de Absurdo, Suicídio, Suicídio filosófico, Esperança e Criação. Pretendemos, assim, problematizar, junto a Camus: Como o homem pode sobreviver em um mundo que se contradiz a todo momento? Em um mundo sem Deus e sem esperança, a vida valeria a pena ser vivida? Como imaginar o homem consciente feliz, afirmador do caráter finito de sua existência? Que papel a criação exerce neste processo? Sem ignorar a ressalva do autor de que "nenhuma metafísica, nenhuma crença está presente aqui" (CAMUS, 2013, p.16), buscar-se-á seguir o movimento filosófico de seu raciocínio, sua interlocução com outros pensadores, e suas consequências existenciais: éticas e estéticas. Assumimos como obejetivo explicitar como, frente à pergunta pelo sentido da vida e à possibilidade do suicídio, se dá a afirmação da vida, através da criação absurda em O Mito de Sísifo: Um Raciocínio Absurdo de Albert Camus.
2 Fundamentação teórica
No início de seu ensaio, Camus vai direto ao ponto: "só existe um problema filosófico realmente sério: a questão do suicídio" (CAMUS, 2013, p.17). Responder tal questão é pensar no problema central da filosofia: o valor da vida. Seu interesse, antes de tudo, é o de deixar claro que, em sua concepção, um problema verdadeiramente filosófico, é um problema que tem repercussões existenciais. O suicídio, como resposta, aponta para a pergunta fundamental, ou seja, se a vida vale, ou não, a pena ser vivida. Matar-se seria confessar que a vida não vale a pena. Partindo da questão do Suicídio, evidenciando que pensá-la implica percorrer o caminho mais premente de toda filosofia, Camus se pergunta quais consequências se podem tirar da vacilação frente ao valor da vida. Todas as pessoas saudáveis - afirma o autor - já foram ou são capazes de pensar em seu próprio suicídio. Ora, podemos pensar que o suicida percebe que a vida não vale a pena ser vivida por não haver um sentido último que a ultrapasse. O sentimento de que o mundo e a vida são inexplicáveis, injustificáveis para o homem, "o exílio da pátria perdida ou da esperança prometida", Camus chama de sentimento do Absurdo (CAMUS, 2013, p.20). Esta é a primeira aparição de "Absurdo" no texto, e é interessante notar que não se trata ainda da noção de Absurdo, coforme será explicitada ao longo da obra, mas de um sentimento que o autor considera estar suposto no ato do suicídio, como uma aspiração ao nada. Entretanto, pergunta Camus, supor que não haja um sentido que comande a vida implica em pensar que, desse modo, a vida não vale a pena ser vivida? Será que o Absurdo que comanda a vida exige que saiamos dele pelo suicídio ou pela esperança de uma outra vida? Seu ensaio se posiciona exatamente neste ponto: a "relação entre o absurdo e o suicídio, a medida exata em que o suicídio é uma solução para o absurdo" (CAMUS, 2013, p.20). O Absurdo não é a conclusão do ensaio, mas seu ponto de partida1. O suicida confessa que foi vencido pela vida, rompe com o costume de permanecer fazendo os gestos habituais. No entanto, mesmo inicialmente tendo percorrido o caminho fundamental da dúvida pelo sentido da vida, experimentando o sentimento do Absurdo - pois causar sua própria morte é reconhecer o quanto nossa existência é contraditória - o suicida parece querer aniquilá-lo, sair dele. Experimentado o sentimento do Absurdo, parece só haver duas posições: suicidar-se, respondendo assim pela negação do valor da vida, ou permanecer vivo, supondo que a vida vale a pena. Aqui nasce o ponto fundamental da busca de Camus: na encruzilhada entre "suicídio ou reestabelecimento" (CAMUS, 2013, p.27). Seria simples pensar que ou a pessoa se mata ou não. Porém o ponto central deste caminho é pensar naqueles que não param de se interrogar e não chegam à conclusão nenhuma, e, para nosso pensador, trata-se da maioria. Se a questão do suicídio é a questão filosófica mais importante, será
Caderno de Experiências não a experiência mesma dos que se suicidam, que põe fim ao sentimento de absurdo, mas a experiência dos que permanecem vivos, apesar do absurdo, o que interessará ao raciocínio absurdo. Há os que restabelecem o sentido da vida pela esperança em outra vida com sentido e há os que permanecem vivos por costume, pela força do hábito de viver que é anterior ao de pensar. Mas há também os que permanecem acordados frente à estranheza do mundo. O sentimento do Absurdo funda a noção de Absurdo que aparece aí, para a consciência desperta que percebe a falta de sentido do mundo, a sua incomensurabilidade com a razão humana e, então, pensa. Será preciso, então, perscrutar como Camus dialoga com a tradição filosófica de seu tempo, mas também remontando a filósofos antigos e modernos, para explicitar em que consiste esta irrazoabilidade do mundo e as consequências que daí decorrem. Embora, como ele mesmo afirma, sua pretensão não seja fundamentar uma metafísica, ele sustenta uma posição frente à metafísica clássica, próxima de autores como Nietzsche e Kierkegaard, a saber: a busca racional pela unidade de sentido do mundo é falha2. Reconhecendo o Absurdo como condição humana, é preciso perguntar como saímos dele e se o suicídio pode ser deduzido dele. O Absurdo é confrontação, uma luta sem trégua. Suicidar-se é renunciar a esta luta. Camus diagnostica que há modos filosóficos de suicidar-se. Não acabar com sua vida de fato, mas evadir o pensamento da tensão para com o mundo, jogando-o a uma irracionalidade elevada a princípio.
Para me ater às filosofias existenciais, vejo que todas me propõem, sem exceção, a evasão. Por um raciocínio singular, partindo do absurdo sobre os escombros da razão, num universo fechado e limitado ao humano, elas divinizam aquilo que as oprime e encontram uma razão para ter esperança dentro do que as desguarnece. Essa esperança forçada tem, em todos eles, uma essência religiosa. (CAMUS, 2013, p. 46) O absurdo torna-se deus. Camus não entra por essa via, denunciando ainda seu escamotear do que ela mesma revela. Reconhece a tensão do mundo, não despreza absolutamente a razão e admite o irracional, neste ponto já não há espaço para a esperança, nem para o suicídio. "O absurdo é a razão lúcida que constata seus limites" (CAMUS, 2013:61) e o raciocínio absurdo deseja ser "fiel à evidência que o despertou (...) o divórcio entre o espírito que deseja e o mundo que decepciona (...) nostalgia de unidade, o universo disperso e a contradição que os enlaça." (CAMUS, 2013, p.62) A fidelidade ao Absurdo não é uma afirmação dogmática sobre a irracionalidade do mundo, mas a aposta honesta e lúcida de seus limites, na jornada humana na vida. O homem absurdo exige de si mesmo "viver somente com o que sabe, arranjar-se com o que é e não admitir nada que não seja certo" (CAMUS, 2013, p.65). Podemos perceber aí ecos da disposição meditativa de Descartes3. O raciocínio absurdo é uma meditação não sobre a validade epistemológica e ontológica dos juízos do homem, mas sobre a validade existencial da vida para além da impossibilidade de fundamentação última de uma epistemologia e de uma ontologia. A posição camusiana coloca no lugar da dúvida hiperbólica, o sentimento Absurdo que se entrevê no Suicídio. A evidência que ele encontra é a de que há quem experimente o Absurdo e permaneça vivo e consciente. Então ele percebe a possibilidade de distinguir sentido para a vida de valor da vida. A vida parecia não valer a pena porque o Absurdo tirava dela o sentido. No entanto, não há nenhuma relação necessária aí. O Suicídio seria uma aceitação porque o homem resolveria o Absurdo nele. A manutenção do Absurdo depende da Revolta4, isto é, da afirmação do desejo de contemplar o Absurdo e dar medida humana ao mundo. Se não há esperança de outra vida, nem fuga para a morte do corpo ou do pensamento, libera-se o homem para sua ação na vida.
Anteriormente tratava-se de saber se a vida devia ter um sentido para ser vivida. Agora parece, pelo contrário, que será tanto melhor vivida quanto menos sentido tiver. Viver uma experiência, um destino, é aceitá-lo plenamente. (CAMUS, 2013, p.65) O objetivo da pesquisa será esclarecer este movimento e suas consequências, analisando o papel que a Criação Absurda desempenha nele, como paradigma dos estilos de vida absurdos5. Se o homem absurdo é consciente de sua própria finitude e incapaz de dar um sentido transcendente para a vida, por que ele permanecerá vivo, agindo e criando? A aposta absurda não é um salto no absoluto irracional, mas uma construção consciente no tempo. O que permite a manutenção feliz desta consciência e desta fidelidade ao tempo parece ser a criação.
Não se pode negar a guerra. Nela é preciso morrer ou viver. É como o absurdo: trata-se de respirar com ele, reconhecer suas lições e encontrar sua carne. Neste sentido o deleite absurdo por excelência é a criação. (CAMUS, 2013, p.109) Estará Camus dizendo que o que permite à criação artística o poder de manter o homem fiel ao
Absurdo é a sua força imitativa, sua capacidade de descrever, na medida humana, a experiência da falta de sentido da vida? O autor afirma que é preciso não ver a arte como refúgio, como uma mentira que enobrece a vida. A própria arte é um fenômeno absurdo, ela recria o já feito, para nada. Ainda assim, há para a criação artística o perigo que há para todos os modos de vida absurdos: perder a consciência do Absurdo e cair ou na explicação esperançosa do mundo ou no suicídio do pensamento. O criador deve ser fiel à inutilidade de sua obra, como diz Espínola, o escritor recria a realidade descrevendo a experiência que fez do absurdo em sua própria existência (ESPÍNOLA, 1998, p.71). Camus pergunta: "quando se aceita viver sem apelo, pode-se também aceitar trabalhar e criar sem apelo e qual é o caminho que leva a essas liberdades?". Em outras palavras, ainda camusianas, é possível criação sem amanhã? A grande obra de arte, dirá ele, não tem tanta importância em si mesma quanto na oportunidade que oferece ao homem de se aproximar lucidamente de sua realidade absurda (CAMUS, 2013, p.131). "Criar é dar uma forma ao destino" (CAMUS, 2013, p.133). A imagem de Sísifo aparece, então, para a descrição com imagens, a repetição e insistência no pensamento do que foi dito até aí. Sísifo é considerado o mais esperto dos mortais, quis enganar os deuses e a morte. Sua condenação consiste em passar o resto da vida executando um trabalho inútil, empurrar uma rocha até o cume da montanha e, ao chegar ao topo, ver a rocha descer rolando; tornar então a descer e reiniciar o movimento de subida da rocha. Assim, Sísifo passará a eternidade, executando um trabalho sem fim nem recompensa. Porque Sísifo ama a vida os deuses o condenaram ao esforço do trabalho inútil, que lhe acompanhará por toda a existência, um trabalho Absurdo. Sísifo é consciente da inutilidade de seu trabalho, daí a tragicidade de seu mito. Assim também, o homem que trabalha por hábito, executando mecanicamente tarefas inúteis pode tornar-se consciente um dia daquilo que faz. Para Sísifo a consciência não traz o fim do trabalho, Sísifo não pára; ele recomeça penosamente a cada vez. Mas Camus finaliza seu ensaio dizendo que é preciso imaginar Sísifo feliz. Como o sofrimento do trabalho inútil, quando consciente, pode tornar-se liberdade? O homem, na maioria das vezes, é alegre quando esquece que existe dor, quando está distraído ou esperançoso. Assim, agarra-se a isto e clama para não perder sua alegria. Sísifo vê a felicidade justamente por já saber o desfecho de seu esforço: a rocha tornará a rolar montanha abaixo. Mas parece existir, como imagem da criação absurda, uma entrega e encontro com a vida para aquele que não Pesquisa em Foco enxerga recompensa em sua obra. Como diz Hermet: "a lucidez do homem consiste em fixar sua atenção para a dor, a beleza, a morte, o sol, o avesso e o direito da vida humana" (HERMET, 1976: 41).
3 Procedimentos metodológicos
Esta é uma pesquisa teórica, de esclarecimento de uma noção em uma obra específica. Para efetivação desse projeto assumimos como metodologia a leitura, fichamento e análise da bibliografia selecionada, com vistas a situar nosso problema central. Este percurso exige ainda a leitura de textos complementares dos comentadores da obra de Camus, para que dialoguemos com a tradição interpretativa.
4 Resultados e discussão
Enfrentamos concepções fundamentais na obra do pensador Albert Camus tais como: suicídio, absurdo, liberdade e criação artística - questões essenciais para o desenvolvimento da nossa pesquisa- e para melhor compreendermos como estas noções de desenvolvem, recorremos também aos autores referidos por Camus, relacionados aos temas da existência, finitude, liberdade e criação, tais como Sartre, Heidegger, Kierkegaard, Husserl, Jasper, Nietzsche, Chestov, Dostoiévski e Kafka.
5 Considerações finais
A gratuidade da ação criadora parece ser a paixão que torna Sísifo feliz. Sua felicidade não é uma esperança? Sua felicidade não dá um outro sentido para a sua condenação? Não, nos diz Camus. Sua felicidade é a sustentação do Absurdo através da contemplação do sem sentido de sua experiência, ao mesmo tempo em que se dá conta da força da sua existência, na sua medida finita, na sua luta diária e esforçada em um mundo gratuito. O pensamento humano é capaz de criar sistemas, ciência, metafísica, arte, guerra. Todas estas criações anulam os elementos contraditórios do mundo? Será que a pergunta pelo sentido da vida alguma ciência ou filosofia poderá responder? Camus, na honestidade de seu raciocínio absurdo, diz que não sabe. O que lhe interessa, entretanto, não é dar esta resposta. Mas pensar em que medida a vida não ter sentido implicaria em que ela não vale a pena ser vivida. A isto ele parece responder: tanto mais vale quanto menos sentido tem, desde que o homem se mantenha fiel ao Absurdo. Esta fidelidade se dá pelo modo de vida livre e consciente que tem, para Camus, como paradigma, a criação artística.
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