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Do informativo ao subjetivo

Raphael Alves II

A fotografia surgiu para mim ainda na adolescência, como uma consequência da influência das artes. Com apenas 2 anos, pintei meu primeiro quadro. Não era uma obra de arte, mas já demonstrava o interesse que me acompanharia. O interesse por super-heróis me levou ao desenho. Na adolescência, o interesse pelo desenho passou para o interesse por grandes artistas. Nesse período, tive contato com os primeiros livros de fotografia e passei a fazer fotos em uma pequena câmera compacta.

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Na decisão de qual curso seguir na universidade, optei por Jornalismo (Universidade Federal do Amazonas, 2000-2004), por ter a disciplina Fotojornalismo.

Fui repórter-fotográfico por 8 anos (tempo em que conclui duas pós-graduações –uma em Fotografia (Universidade Estadual de Londrina, 2007-2008) e uma em Artes Visuais (Senac, 2009-2010).

Deixei essa rotina para cursar o mestrado em Fotojornalismo e Fotodocumentarismo (London College of Communication – University of the Arts London, 20122014), pois queria me aprofundar nos temas que eu avaliava serem relevantes.

Quando as águas, meu projeto final desse curso, em que procuro relacionar o homem e a água em Manaus é um exemplo disso. No entanto, o trabalho ainda guarda características jornalísticas, mesmo que não de hot news: na diagramação do trabalho em forma de livro, as imagens possuem legendas (ainda que em uma lista ao final da obra), e têm o intuito de informar. A diferença é que a pauta é minha, ou seja, eu escolhi abordar o assunto sob a minha forma de percebê-lo. Mais que isso, editei a série de fotografias para criar uma narrativa à minha maneira.

Mas existia algo mais subjetivo, mais pessoal que pedia passagem no meu trabalho. Vieram ensaios como Se essa Rua Fosse Minha, que gerou um audiovisual, e Limites Imprecisos. Ambos os trabalhos foram frutos de atividades relacionadas ao estudo no lcc. O primeiro surgiu de uma disciplina que tínhamos no mestrado, a qual foi apelidada pelo próprio corpo docente como Rethink Project, ou, como o próprio nome diz, a realização de um projeto para repensarmos nossa produção. Antes da execução do mesmo, veio-me a recordação um livro do Brassaï chamado Proust e a Fotografia, que li no período da pós-graduação em Fotografia, e no qual o autor relaciona a fotografia com a literatura produzida pelo escritor francês. O livro me levou à leitura de alguns volumes de Remembrance of Things Past, (Em Busca do Tempo Perdido, em português) do próprio Proust, em um dos quais ele diz “A verdadeira viagem de descobrimento não consiste em procurar novas paisagens, e sim em ter novos olhos”.

A partir dessa citação, decidi voltar meus olhos a um lugar por onde passei todas as vezes em que saía para a escola, na adolescência, ou quando ia para o trabalho, já adulto; ou ainda, o lugar por onde passava para atividades mais simples, como quando saía para fazer compras para casa, ou cortar o cabelo: a rua em que nasci e na qual voltei a morar depois dos 15 anos passados no Rio de Janeiro.

Limites Imprecisos foi fruto de um curso, uma verdadeira imersão fotográfica da qual participei com Ernesto Bazan (fotógrafo italiano, conhecido por sua trilogia de livros sobre Cuba, local em que viveu). Durante o curso, o objetivo era fotografar, livremente, sem tema específico para, depois, no processo de sequenciamento das imagens encontrar o thread, o fio da meada que liga as imagens. Aprendi, com esse trabalho, que as fotografias não são fruto apenas do momento em que disparamos o obturador da câmera, mas principalmente dos momentos em que baixamos o equipamento e vivenciamos o que nos cerca. Assim, fotografias de diferentes lugares, em épocas distintas passavam a fazer sentido entre si.

Esse trabalho foi essencial para que eu chegasse ao estágio atual da minha produção. E também Thisorder, fruto de um período que passei no Rio de Janeiro em 2015 para participar de um curso com fotógrafos da Magnum –Cristopher Anderson, Thomas Dworzak e Alex Majoli, que me orientou. No curso, poderíamos levar nosso portfólio para realizarmos edição e sequenciamento do mesmo junto aos “professores”, ou fotografar no local para o mesmo fim. Optei por fotografar, afinal, mesmo tendo vivido no Rio de Janeiro por 15 anos, nunca fotografei naquele lugar como penso hoje. Aliás, havia 11 anos desde a última vez que havia visitado o Rio.

Mas a consolidação dessa fotografia autoral –apesar de eu ainda viver de fotografias jornalísticas1 –acredito estar ocorrendo mais recentemente com Riversick. No começo deste trabalho, achei que estava fotografando Manaus. Aos poucos descobri que havia embarcado em uma viagem interna, não somente no lugar em que vivo, mas nos inúmeros lugares que vivem dentro de mim. O título do trabalho veio ao acordar numa madrugada: é um trocadilho com as palavras seasick (náusea durante trânsito sobre águas) e homesick (saudades de casa).

Nessa noite (5 de dezembro de 2014, conforme registrei no blog do meu site 2), acordei com esse pensamento. Já vinha com as palavras homesick e seasick na cabeça. E com as imagens que vinha fotografando em mente. Estranhamente, em inglês mesmo, talvez pela origem do título, anotei:

Riversickness is a feeling. Riversickness is a disease.

It is wether a crazy love or a sudden passion that ends up in missing something really bad... But something that may not have even existed.

Riversickness is a nausea by the watercourses. It is also getting dirty water in your lungs...

It is losing a way ... Also losing yourself.

Riversickness is my personal Manaus. And I am Riversick. [Riversickness é um sentimento. Riversickness é uma doença.

É um amor louco ou uma paixão súbita que termina numa saudade profunda de algo... Mas algo que talvez nem tenha existido.

Riversickness é uma náusea à beira dos cursos d’água. É também ter os pulmões preenchidos por água suja. É perder o caminho... Também, perder a si mesmo.

Riversickness é minha Manaus “pessoal”. E eu estou com essa doença (sic)].

Acho que quis dizer que o trabalho tem sido um passeio entre a náusea causada pela diversidade desses inúmeros lugares vivos dentro de mim mesmo, e a saudade do que talvez eles sequer tenham sido.

Nessa trajetória, percebo que os meus objetivos mudaram. Se antes, eu procurava uma imagem para informar as pessoas; hoje, procuro produzir uma mensagem que não esteja totalmente fechada, pronta, mas que convide o espectador do meu trabalho a integra-se no processo.

As pessoas que conheci –ou reencontrei –ao longo desses três trabalhos também tiveram papel fundamental nesse processo, o qual considero um amadurecimento.

O mais importante é que a cada projeto executado, tiro lições para os próximos.

Atualmente, procuro não gerar, mas causar sentido a partir das experiências sensórias que vivo ao fotografar. Esse sentido não é mais lógico ou cronológico, nem informativo. É estético, inerente, subjetivo. Transita por ícones, dispostos a serem interpretados e reinterpretados por qualquer pessoa que participe desse processo como espectador.

Notas

1. Sou fotógrafo do Tribunal de Justiça do Amazonas e stringer da Agence France-Presse na região.

2. www.photoraphaelalves.com.

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