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[] M A N A U S 83
Orlando Maneschy II
Ao ser convidado para participar dos Seminários 3x3: Fotografia Contemporânea Amazônica foi me apresentada a missão de articular acerca da pesquisa sobre imagem e fotografia e minha vivência neste território. Assim, busquei relacionar o que vi, participei, e ajudei a constituir em termos de pesquisa em imagem na cidade de Belém e na região, ciente de que o que apresento aqui é apenas um pequeno recorte, dentro de um campo vastíssimo, e uma visão parcial, dentro de minha perspectiva, não intencionando, de forma alguma, estabelecer uma leitura totalizante, mas falar de um campo de experiência que me é caro.
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Em Belém, um dos maiores referenciais em termos do que se entende como prática de investigação pela imagem é a FotoAtiva – mix de grupo e espaço de oficinas, que hoje se configura no formato de associação -, que nasceu na década de 1980, com a chegada do fotógrafo e agitador cultural Miguel Chikaoka, que com suas dinâmicas estimulava os interessados, por meio da fotografia a ter experiências sensoriais e visuais, a descobrir maneiras próprias de olhar e se relacionar com o mundo. Esta forma de condução empreendida por Chikaoka não só fomentou o surgimento de fotógrafos diferenciados, que constituíram olhares particulares, mas estimulou o desejo de compartilhamento, reverberando por meio de produções, projetos e grupos que nasciam e/ou dialogavam com a FotoAtiva. Assim foi com o Caixa de Pandora, grupo formado por Cláudia Leão, Flavya Mutran, Mariano Klautau Filho e eu, que desenvolveu entre 1992 e 1998 projetos expositivos coletivos, encontros, debates, dentro de um território de experimentação fotográfica. Buscávamos um campo de experimentação para uma imagem que não encontrava em Belém um lugar confortável. Alguns fotógrafos não consideravam como sendo “fotografia” o que constituíamos e alguns artistas plásticos diziam que aquilo não era “arte”. Isto ocorreu no início dos anos 1990, quando no Brasil a “fotografia construída”, depois chamada de “fotografia expandida” pelo pesquisador Rubens Fernandes Júnior, ainda buscava um local de afirmação, mesmo décadas e décadas depois de Duchamp afirmar: “A Fotografia morreu. Viva a Fotografia!”. Em Belém e mesmo em vários lugares no país a fotografia que jovens vinham produzindo, desenvolvendo projetos de pesquisa, ainda eram aceitas com alguma ressalva, excetuando-se projetos que abriam justamente espaço para este tipo de estudo, trazendo a questão ao centro da discussão, acerca de uma imagem que não se alinhava com a fotografia direta, como o Panoramas da Imagem, (formado por Eli Sudbrack, Everton Ballardin, José Fujocka e Rubens Mano), que, entre 1992 e 1998, organizava mostras, oficinas, debates sobre a fotografia na produção artística contemporânea. Este cenário que tanto eu como meus colegas do Caixa de Pandora vivenciamos nos estimulou a buscar respostas para nossos anseios por meio da arte da imagem e nos estimulou a mergulhar na academia, entrando em pós-graduações, no desejo de refletir sobre a produção contemporânea.
Ao voltar a Belém, por ingressar como docente da Universidade Federal do Pará (ufpa) em 2005, iniciei na instituição a pesquisa A relação da imagem nas artes visuais: mapeamento da produção imagética na arte contemporânea paraense, com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (cnpq), com concessão de bolsas de iniciação científica, (o primeiro projeto a ser cadastrado na Propesp1 e a receber este tipo de fomento na área de artes na ufpa). Este projeto realizou um significativo mapeamento da produção fotográfica e videográfica paraense realizada nas últimas três décadas e teve artigos publicados em eventos de caráter nacional e internacional, bem como resultou no livro e exposição Sequestros: Imagem na Arte Contemporânea
Paraense, apoiado em 2007 pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (sbpc). Outra importante experiência desenvolvida na instituição trata-se do Programa de extensão processos artísticos e curatoriais contemporâneos, com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão da ufpa, que serviu de plataforma para experimentações com discentes e docentes, propiciando práticas artísticas, curatoriais e museográficas, debates e experiências propostas por alunos, bem como gerou o seminário na forma de livro Já! Emergências contemporâneas, editado com Ana Paula Felicíssimo de Camargo Lima.2
Ao longo desse período, além da atividade pedagógica e da produção artística desenvolvida por mim, senti a necessidade de dar materialidade a reflexões acerca da produção artística que via por meio de projetos de pesquisa e curatoriais. Aspectos que se desenharam, em sua grande maioria, por meio de processos dialógicos e, em muitos casos, compartilhados, fazendo com que constituísse um percurso em que pesquisa científica, curadoria e relação dialogal com atores sociais se estabeleceram de forma amalgamada, levando-me a tomar parte de projetos significativos, como, dentre outros: Inscrições videográficas no Pará (realizado com os auspícios do Programa de Bolsas de Estímulo à Produção Crítica em Artes – Funarte, 2008), com o qual materializamos um levantamento de cerca de cinquenta obras em videoarte, sua catalogação e ordenação; Contigüidades: dos anos 1970 aos anos 2000, uma pesquisa que originou a mostra homônima, mapeando, pela primeira vez, a produção do período realizada juntamente com Marisa Mokarzel e Alexandre Sequeira; Projeto Arte Pará (2008 a 2010), maior projeto de arte da região Norte, no qual fiz curadoria realizando mostras com ar- tistas selecionados e convidados, o que me fez mergulhar, ao voltar a Belém, nas questões da região, suas carências, especificidades, passando a propor processos que dinamizassem o projeto e que favorecessem as proposições dos artistas por um lado, e por outros, constituísse um fluxo de contatos com os membros dos juris de seleção estabelecidos e incrementasse os processos do educativo, para que efetivamente o projeto ativasse suas funções com a sociedade; Amazônia, a arte, curadoria que ampliou e me fez aprofundar o conhecimento acerca dos artistas da região, levando a Vila Velha, no Espírito Santo e ao Palácio das Artes, em Belo Horizonte, uma mostra que revelava a produção de artistas com um olhar profundo e crítico sobre a região; e ainda Amazônia, lugar da experiência, projeto que se propunha a iniciar um acervo de artistas da região, a partir da aquisição de obras de seis autores, sendo contemplado com o Prêmio de artes Plásticas Marcantonio Vilaça / Prêmio Procultura de Estímulo às Artes Visuais 2010, o que repercutiu imensamente, devido a carência de um acervo que não apenas colecionasse obras de artistas que se propõem a pensar a região, mas de constituir, à partir destas uma dimensão de construção de debates e reflexão acerca do lugar de diferença desse artista, longe dos grandes centros culturais do país, a constituir um olhar sobre o seu universo e o que afeta esse ambiente, e da necessidade de por em discussão processos e experiências vividas na Amazônia. Com a grande receptividade obtida, formatamos o projeto para o edital de Circulação | Mediação do Instituto de Arte do Pará – iap –2012, que também foi aprovado. Assim, pudemos ampliar o raio de ação de Amazônia, Lugar da Experiência, agregando um número maior de autores no projeto, cujas obras estão depositadas no Museu da Universidade Federal do Pará, bem como constituindo site na internet,3 realizando duas exposições, uma mostra de cinema e intervenções urbanas, bem como articulando o ciclo de Seminários Conversações, entre outubro de 2012 e fevereiro de 2013, na cidade de Belém – tudo isso em um processo de diálogo continuado com o circuito artístico, e com a agraciamento do Prêmio Conexões Artes Visuais – minc | Funarte | Petrobras, em parceria com a ufpa, pudemos realizar a organização e publicação de um significativo conteúdo crítico, bem como das obras presentes na Coleção Amazoniana de Arte, (sob nossa curadoria), na forma de livro, que lançamos e distribuímos gratuitamente a instituições e pesquisadores, estabelecendo um campo de circulação, de trocas e procedimentos voltados à coletividade.
A coleção Amazoniana de Arte da ufpa foi um veículo essencial para percebermos como um projeto pode agregar pessoas, criar plataformas de diálogo, estabelecer processos de construção transversais, envolvendo alunos, pesquisadores, artistas, que somando suas experiências podem amplificar estas relações para além do campo da Universidade, em diálogos horizontais, na comunidade e propiciar um território rico para a experiência artística. Assim, a partir daí, em 2012 e 2013 realizamos os projetos Audiovisual no Ensino Médio: videoarte paraense como conteúdo e material didático e Construções expressivas: videoarte paraense transversalizada no Ensino Médio, com o apoio do edital do Programa de Apoio a Projetos de Intervenção Metodológica (Papim) da Pró-Reitoria de Ensino de Graduação da ufpa, para pensar experiências inovadoras de ensino a partir do estudo da produção de videoarte paraense no Ensino Médio da Educação Básica, em parceria com profissionais da Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará. Destas ações resultou a produção de dois materiais didáticos em dvd-rom que versam sobre a produção de videoarte pa- raense em uma perspectiva didática e que serão distribuídos aos professores de arte da rede pública de ensino, na perspectiva de uma formação continuada. Este projeto direcionado ao ensino médio nasce no desejo de meu ex-bolsista de Iniciação Científica, Danilo Baraúna, de implementar experiências, a partir do material coletado em nossas pesquisas na Escola de Aplicação da ufpa, aonde estava como professor substituto e local onde fiz toda a minha educação. Este tipo de inter-relação revela a mim como a pesquisa, a arte e a vida podem se amalgamar e nos conduzir por caminhos que revelam-se extremamente pertinentes.
Os processos, a construção do conhecimento não se dá de forma isolada. Sempre existirão outras vozes com as quais estaremos dialogando, imagens que estaremos constituindo. Ainda, tendo a produção em videoarte como matéria, realizamos o projeto Acervo de Videoarte
Paraense: Sistematização e Análise Crítica, contemplado pelo edital de Economia Criativa do cnpq/sec/minc em 2014, desenvolvendo mapeamento, catalogação, e ordenação da produção em videoarte e video instalação do Pará, mapeamento este que hoje faz parte do ]Arquivo[, bem como mapeado no livro, que cataloga a produção desde 1989 até 2015, Pará+Video+Arte: Notas Preliminares à uma Historiografia da Videoarte no Pará, (no prelo), projeto desenvolvido junto com um antigo bolsista de iniciação científica, que se torna parceiro de trabalho, reunindo a produção catalogada, textos de autoria própria, fruto da análise, textos construídos com ex-bolsistas e textos de pesquisadores convidados. Este projeto teve grande participação de Danilo Baraúna, que convido a assinar a organização do livro comigo. Também, motivado pelo desejo de pensar os fluxos de saberes artísticos que se deram na Amazônia, decidi olhar para o passado para pensar o presente, o que me levou a Portugal em estágio pós-doutoral: Percursos de Lisboa a Belém do Pará –Brasil: imagem e imaginário para a compreensão da Amazônia, sendo realizado na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.
Todos esses movimentos, bem como a liderança do grupo de pesquisa Bordas diluídas: questões da espacialidade e da visualidade na arte contemporânea –cnpq, reiteram a compreensão de que o conhecimento e seus processos não dão-se de forma unidirecional, bem como não apenas por meio de construções formais, mesmo que dentro delas nos encontremos e lancemos mão de suas qualidades, mas acreditamos que os processos ricos dão-se na inter-relação de diversos agentes, em instâncias diferenciadas que somam-se na construção de um campo.
Ao me deparar com minha trajetória, longe de estabelecer uma ego-trip, reitero valores consolidados no início de meu percurso na FotoAtiva, compreendendo que a construção do saber se dá na perspectiva da soma de distintos desejos de muitos atores que unem-se em esforços e vozes – dos artistas que doaram seus materiais, dos pesquisadores que somaram seus olhares, dos discentes, em processos de iniciação científica, que constroem junto reflexões acerca do que moveu os artistas e constitui a história da arte na Amazônia, dentro daquilo que se encontra em processo na Coleção Amazoniana de Arte da ufpa, dos desdobramentos propostos por colegas –, a partir dos materiais depositados, constituindo outras possibilidades e criando caminhos próprios, ativando um território para além dele mesmo.
Nesse sentido, creio que a possibilidade da edificação do saber se estabelece a partir dos caminhos que desenhamos e das pessoas com as quais estabelecemos vínculos. Acredito que a generosidade pode e deve ser um caminho na construção e no compartilhar do conhecimento e que este, se estabelece no território das trocas, acadêmicas, mas especialmente sensíveis, pois são estas as que operam verdadeiras transformações, para além dos conhecimentos técnico-científicos, mas que ampliam horizontes e ativam verdadeiras mudanças, na soma de esforços para o fluxo de conhecimentos dentro e fora da Universidade, processos nos quais, somos apenas um dos vários atores que unem esforços na instalação de um possível lugar comum para a articulação viva do pensamento.
Notas
1. Pró-reitoria de pesquisa e pós-graduação (nota dos organizadores).
2. Pesquisadora em História e Artes (nota dos organizadores).
3. www.experienciamazonia.org