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Arte e fotografia em Belém: relato sobre o Diário Contemporâneo de Fotografia –2010/2015

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[] M A N A U S 83

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Mariano Klautau Filho II

O Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia nasceu em 2010 movido por uma iniciativa privada interessada em valorizar a produção fotográfica na cidade de Belém. O jornal O Diário do Pará manifestou a intenção de propor algo tendo como referência os modelos de concurso fotográfico onde se pauta uma classificação dividida em 1.0, 2.0 e 3.0 lugares.

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A proposta do jornal chegou até mim por meio da artista Walda Marques que mediou a primeira conversa com o diretor da empresa, Camilo Centeno. Diante da produção constante de fotografia na cidade de Belém, desde os princípios da década de 1980 e do reconhecimento que a cidade havia alcançado no circuito brasileiro, propus um esboço de projeto, que pudesse desmontar o modelo antigo dos concursos e abrir-se ao contexto da arte contemporânea e ao território nacional. Nessa perspectiva, o projeto não estaria restrito ao campo delimitado da fotografia concebida tradicionalmente e tampouco à geografia do Estado do Pará. Para alargar esse debate, era preciso ampliar as potencialidades de um projeto que se utilizasse de um modelo de convocatória e/ou edital, mas que pudesse ir além dos vícios de salão de arte ou editais voltados a um campo também limitador da “produção emergente” ou do “artista jovem”. E ainda: o tema pensado para cada edição seria uma proposição para o artista e não uma ilustração, no sentido convencional da representação fotográfica. O tema seria problematizado e apresentado no texto do edital como uma proposição da curadoria.

Para isso foi apresentado um pré-projeto, cuja nomenclatura “prêmio”, abrangeria mostra com 25 artistas selecionados de todas as partes do país, exposição de artistas convidados atuantes em Belém; programação de palestras, oficinas e encontros com artistas e a parceria com uma instituição pública que abrigasse as atividades do projeto e contribuísse com um trabalho de ação educativa. Aprovada a proposta, o Museu da Universidade Federal do Pará 1 foi convidado a ser o parceiro institucional do projeto, batizado de Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia. A primeira edição propôs como tema Brasil Brasis e apresentou os trabalhos de Cláudia Leão e Dirceu Maués como artistas convidados, cujas poéticas transitam entre a fotografia, instalação e vídeo. Entre os 25 artistas selecionados na primeira edição estão Sofia Borges e Yukie Hori de São Paulo, José Diniz do Rio de Janeiro, Mateus Sá de Pernambuco, Alberto Bitar do Pará e Pedro Mota de Minas Gerais. Os premiados foram o paraense Octavio Cardoso, o Coletivo Parênteses de São Paulo e o carioca Paulo Wagner.2

A comissão de seleção da primeira edição foi constituída por Cláudia Leão, artista e pesquisadora, o curador Eder Chiodetto, de São Paulo e por mim, curador do projeto. A comissão realizou uma pré-seleção com aproximadamente 40 dossiês com qualidade de exibição. Para adequar-se ao espaço do museu e aos propósitos do edital, foi necessária a redução final para 25 artistas. Os trabalhos que compuseram a mostra refletiram de imediato as pretensões do projeto: a fotografia como eixo, ampliada em sua materialidade, com a presença de trabalhos em vídeo, objeto e instalação. Os prêmios, não hierárquicos, obedecem a procedimentos poéticos diversos: um dedicado às diferentes abordagens documentais; outro voltado para trabalhos experimentados em linguagens e suportes diversos, e um terceiro exclusivamente dirigido aos artistas atuantes no Pará, atendendo a uma demanda grande da produção local nessa área da imagem e da fotografia. A programação de palestras e oficinas durante o período do projeto, de fevereiro a abril de 2010, efetivou o conceito do prêmio voltado para a fotografia no contexto da arte contempo- rânea. Oficinas de Luiz Braga, Miguel Chikaoka e Dirceu Maués e palestras de Eder Chiodetto e Patrick Pardini fizeram parte dessa estratégia tornando o projeto um espaço para o debate e a pesquisa sobre arte e fotografia.3 a publicação do projeto

(Para Takuma Nakahira) Noturnas_Yukie Hori,artista premiada, 2014 (original em cor).

(original em cor).

Desde o início, o Diário Contemporâneo de Fotografia incluiu em seu projeto uma publicação que pudesse avançar os limites de um catálogo de imagens. Nesse sentido, além das imagens de todos os trabalhos dos participantes das mostras, foi incorporado um conjunto de textos: ensaios, artigos críticos e entrevistas extraídas da programação de palestras e encontros com o público. Parte considerável das falas dos pesquisadores e artistas gera conteúdo para o livro, que tornou-se uma espécie de catálogo ampliado, caracterizando o perfil de uma publicação de pesquisa sobre arte e fotografia com a participação de pesquisadores do Pará e de outras regiões do Brasil. Na primeira edição, as apresentações de Eder Chiodetto, Cláudia Leão e Patrick Pardini se transformaram em ensaios, e a conversa de Dirceu Maués com o público sobre seu projeto realizado em uma residência em Berlim foi publicado na forma de entrevista. Todas as edições seguintes vêm produzindo conteúdo para suas respectivas publicações e hoje refletem um panorama de trocas entre pesquisadores, artistas, curadores de todo o Brasil. Dentre os diversos pesquisadores; na condição de palestrantes e membros das comissões de seleção, que produziram para a publicação do projeto; estão Maria Helena Bernardes e Alexandre Santos de Porto Alegre, Joaquim Marçal do Rio de Janeiro, Tadeu Chiarelli, Rubens Fernandes Junior, Heloisa Espada e Lívia Aquino de São Paulo, assim como Marisa Mokarzel, Alexandre Sequeira, Val Sampaio e Andrea Feijó, atuantes em Belém do Pará. Em 2015, tivemos ainda acima: Head pixel 1_serie mil palavras_Flavio Araujo,artista selecionado, 2010. abaixo: Welcome home_gui mohallem, artista selecionado, 2013 (originais em cor). como palestrante o teórico belga, radicado na França Philippe Dubois, como a primeira participação internacional na publicação do projeto.4 o percurso das edições e as perspectivas futuras

A partir da 3.0 edição, em 2012, o projeto incorporou como parceiro institucional, além do Museu da Universidade, o Espaço Cultural Casa das Onze Janelas, museu de arte contemporânea inserido no Sistema Integrado de Museus do Estado do Pará. Com isso, a mostra dos artistas selecionados de todo o país se transferiu para o amplo espaço expositivo constituído de três salas, atendendo a um crescimento significativo da participação dos artistas inscritos e principalmente a política do projeto em expor em sua totalidade a proposta do trabalho apresentado do artista selecionado. Quando selecionado, o trabalho do artista é exibido na íntegra, conforme o dossiê apresentado.5 Trata-se de um critério estabelecido pelo projeto para evitar fragmentações e pulverizações características de mostras coletivas e salões. Busca-se não uma coletiva generalista composta de pedaços “representativos” do dossiê do artista e sim uma mostra em que a unidade e a completude do projeto do artista sejam respeitadas e consideradas.

Com a mudança para a Casa das Onze Janelas, o Museu da Universidade Federal, passou a abrigar exclusivamente a produção das exposições dos artistas convidados e mostras especiais. Tanto a individual do convidado quanto as mostras especiais dedicam-se à produção de artistas atuantes em Belém. O convidado sempre se configura na escolha de um fotógrafo com trajetória mais longa e que permite à curadoria do projeto realizar uma exposição inédita a partir de uma pesquisa nova no acervo do artista. É o caso das exposições Solitude de

Reflexoes II, Mateus Sa, artista selecionado, 2010 (original em cor).

Luiz Braga; Para ter onde ir de Miguel Chikaoka; Românticos de Cuba de Walda Marques; Cidade invisível de Janduari Simões e Diante das cidades de Jorane Castro, todos artistas convidados da 2.0 à 6.0 edição, entre os anos de 2011 e 2015.

Quanto às mostras especiais, elas reúnem a produção recente de artistas das mais variadas linguagens que tem a imagem como matéria principal, independente de suas idades ou trajetórias.6 O interesse primordial das mostras realizadas no Museu da universidade é trazer à tona a produção do Pará, pesquisá-la, exibi-la e fazer um diálogo com a produção brasileira, somado aos artistas paraenses selecionados formalmente pelo edital e que figuram na mostra maior constituída pelos 25 artistas do Brasil todo.

Assim, ao longo desses seis anos de atividade – o projeto se prepara para produzir a 7.0 edição para 2016 –busca-se com o Diário Contemporâneo de Fotografia construir um espaço para o debate, a pesquisa e a difusão da fotografia no campo da produção contemporânea brasileira, permitindo que Belém contribua para a reflexão artística em todas as regiões do país. A presença dos artistas de diversas partes do Brasil durante a montagem e a abertura das exposições vem aproximando as experiências regionais e colaborando na preparação das ações educativas realizadas no projeto. Ainda em fase de organização documental, o Prêmio prepara a constituição da coleção Diário Contemporâneo de Fotografia, formada ao longo do período por obras premiadas e doações de trabalhos selecionados e convidados, abrigados nos acervos das duas instituições (federal e estadual) parceiras do projeto, o Museu da Universidade e a Casa das Onze Janelas. Além da difusão e pesquisa sobre fotografia, a coleção tem o objetivo de dar consistência ao projeto como um bem público, livrando-o do risco de ser um mero evento. Sem as ins- tituições de arte envolvidas o projeto não poderia pertencer plenamente ao patrimônio público.

Notas

1. O Museu da Universidade Federal do Pará tem sido parceiro do prêmio sob a direção da professora Jussara Derenji. A instituição vem contribuindo como aliado na construção da identidade conceitual do projeto. O prêmio tem patrocínio da Vale e apoio da empresa Sol Informática que disponibiliza os equipamentos tecnológicos para os trabalhos que usam mídias digitais e videográficas. A equipe permanente do Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia é formada por Lana Machado, coordenadora de produção; Irene Almeida e Luís Laguna, produtores e por mim, Mariano K. Filho, na curadoria geral.

2. Os artistas selecionados recebem uma ajuda de custo para realização das obras. Os três premiados recebem R$ 10.000 reais em dinheiro cada um. Nessa primeira edição ganharam destaque ainda sob o título de menção honrosa, os artistas Flávio Araújo (pa), Walda Marques (pa) e Gina Dinucci (sp). A decisão sobre a menção honrosa foi sugestão de Eder Chiodetto, participante da comissão, em face da grande quantidade de projetos de qualidade inscritos naquela oportunidade. A sugestão foi acatada pela comissão, no entanto hoje faço uma reavaliação sobre o uso de tal nomenclatura. Se por um lado, as menções honrosas tiveram a intenção de valorizar mais trabalhos selecionados, por outro, usou-se um protocolo antigo de valorização e que não condizia com o conceito do projeto. A partir dali nenhum outro membro de comissão sugeriu a utilização de nomenclatura. E do ponto de vista da curadoria, tal termo não se adequa aos propósitos do projeto.

3. A programação completa do projeto em sua primeira edição em 2010 foi constituída pelas seguintes atividades: as palestras Fotojornalismo contemporâneo – crise e reinvenção por Eder Chiodetto; Das imagens e dos esquecimen- tos por Cláudia Leão; De outeiro a Berlim por Dirceu Maués; O mundo como fisionomia – retrato ou paisagem? por Patrick Pardini e Territórios da fotografia contemporânea por Mariano Klautau Filho. As oficinas realizadas foram Olhos vendados por Miguel Chikaoka; Margem da cor por Luiz Braga e Fotografia para brincar de fotografia por Dirceu Maués.

Série Românticos de Cuba_Walda Marques_Artista convidada, 2013 (original em cor).

4. Os livros do Diário Contemporâneo de fotografia são distribuídos para bibliotecas de museus, universidades e instituições de arte em diversas regiões do Brasil e podem ser acessados pelo site do projeto e baixados em formato pdf.

5. Os casos que sofrem algum ajuste na edição são muito raros e acontecem quando a comissão entende que o conjunto dos trabalhos possui qualidade para se apresentar dentro do contexto temático da edição.

6. Como já dito anteriormente, o projeto recusa o uso da categoria “artista emergente”. Essa posição norteia igualmente as mostras especiais, por entender que se trata de protocolo limitador (muito utilizado em editais e projetos de arte contemporânea) da pesquisa e produção curatorial.

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