Jornal Fundamento_21

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Distribuição Gratuita | Nº 021

março 2017

Pai Ronaldo de Linares Um ícone da Umbanda

A ATUPO visita o Brasil Pombagira O resgate da energia feminina

Deuses da Cura


Março | 2017

Índice

Palavra do Dirigente

Palavras do Dirigente

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Doutrina «Eu mereço?»

02 03

Reportagem «As Curimbeiras da Atupo em terreiros brasileiros»

04 05

Entrevista «Dois dedos de prosa com Pai Ronaldo Linares»

06 07

Cultura «Deuses da cura»

08

Tributo «Pombagira - O resgate da energia feminina»

09 10

Reportagem «A Dança dos Orixás»

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Ficha Técnica

Equipa técnica: Diretor do Jornal Cláudio Ferreira Diretor de Conteúdos Cláudio Ferreira Chefe de Redação Mary Nogueira Redação Cláudio Ferreira Bernardo Cruz Fernanda Moreira Filipe Ferreira Leonel Lusquinhos Maria João Medeiros Mary Nogueira Paulo Fernandes Raquel Lopes Vanessa Inhauser Vânia Vilas Boas Vitorino Camelo

Revisão Mary Nogueira Fernanda Moreira Fotografia Fernando Silva Edição Gráfica Bernardo Cruz Miguel Faria Contacto fundamento@atupo.com

A redação do Jornal Fundamento segue as normas do novo acordo ortográfico, salvaguardando as opções ortográficas dos autores convidados.

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Saudações a todos os Irmãos,

Por estes dias perdi um irmão de caminhada e por mais que se diga que temos fé, o sentimento que assola é o de revolta, de medo; confrontamo-nos com o sentimento da perda como se nunca mais fossemos estar com essa pessoa querida em nossas vidas, como se realmente existisse o �im, o ponto �inal e não existisse mais nenhum novo parágrafo. Irmãos, me pergunto onde está a nossa fé nesse mundo espiritual de continuidade para além da morte, de ascensão espiritual de um reinício, de um novo parágrafo e capítulo. Esse medo, revolta e a falta da fé que tanto acreditamos e dizemos que possuímos é perfeitamente normal e natural. Já pensaram que se tivéssemos essa certeza que, no �im de nossas vidas terrenas, passaríamos para o ciclo espiritual e continuaríamos vivendo em Aruanda ou no Céu, ou no Paraíso ou em tantos outros lugares no astral que todas religiões falam e prometem, se nós tivéssemos essa certeza, deixaríamos de lutar por esta vida na Terra, por uma vida melhor! Quando estivéssemos passando por momentos di�íceis, deixaríamos de nos esforçar, pois teríamos a certeza de que iríamos para um mundo espiritual onde encontraríamos os prometidos mundos perfeitos espirituais e as dores acabariam. Isso faria com que desistíssemos da vida terrena ou que essa virasse uma anarquia, pois perderia todo o sentido. Por isso, Deus criou realmente um Universo perfeito, no qual o mistério da morte dá verdadeiro sentido à vida!

Os nossos medos e revoltas são naturais e saudáveis, pois nos obrigam a única realidade que realmente conhecemos A VIDA, e é nela que temos que nos focar senão ela perderia o seu real sentido.

Pai Cláudio - Sacerdote de Umbanda Atupo - Templo de Umbanda Pai Oxalá

Doutrina

Eu mereço? “Eu mereço?” A pergunta que nos invade tantas vezes a mente, quando algo não vai bem nas nossas vidas; quando nos desentendemos com a família; quando não conseguimos arranjar emprego, quando somos despedidos. Procuramos um templo e pedimos ajuda às entidades espirituais que nos dão conselhos, orientações, passes de limpeza, en�im, munindo-nos com as ferramentas necessárias para transformar a nossa vida. Contudo, logo que saímos da porta do templo, criticamos este ou aquele que têm um bom emprego e uma vida boa e mesmo assim vão pedir auxílio às entidades; saímos do templo de forma apressada, empurrando uns e outros porque estamos atrasados para mais uma sessão de cinema, chega-

mos atrasados ao trabalho na manhã seguinte, buzinando aos transeuntes na passadeira que nos impedem de avançar. Contudo, quem na verdade nos impede de avançar, de evoluir, de mudar somos nós mesmos. Não adianta ir ao Templo todas as semanas, pedir amparo espiritual, rezar, se continuamos com as mesmas atitudes, os mesmos pensamentos, achando que tudo o que acontece à nossa volta é causado por terceiros. Não vale a pena dizer que é castigo de Deus ou que Deus é injusto, pois ao ser humano foi dado o livre arbítrio, a capacidade de escolha. Continua

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Doutrina

A Lei Divina não é punitiva, mas a lei da ação e reação. Por conseguinte, apenas recebemos aquilo que doamos! E se queremos ser merecedores de uma vida melhor, mais próspera, mais digna, mais feliz, quem não doa amor, não pode receber amor; quem não doa compreensão, não pode recebê-la; quem semeia o ódio e a inveja, só isso poderá receber em troca. É esse o verdadeiro merecimento: o somatório de todas as nossas ações ou a ausência delas. E essa é a verdadeira Lei de Deus! E quem senão Exu para que se faça cumprir a Lei? É Ele quem ativa os nossos merecimentos; quem abre e fecha os nossos caminhos, quem faz o certo tornar-se incerto e o errado ser correto, agindo conforme a nossa necessidade ou merecimento, sempre respeitando a Lei de Ação e Reação. Exu não faz o que queremos, faz o que a Lei Divina ordena e determina! E quem não aguenta as contrariedades não está preparado para a vida e a VIDA não é uma punição, é uma oportunidade – mais uma – de fazermos a transição de um estado para o outro, i.e., de nos paci�icarmos intimamente e de nos paci�icarmos com os outros. É uma oportunidade para aprender as nossas lições, confrontar os nossos medos e ultrapassarmos as nossas limitações. En�im, de aprendermos as nossas lições e continuarmos em frente para novamente nos defrontarmos com mais um desa�io, compreender a sua razão de ser, pôr em pratica mais uma aprendizagem, ultrapas-

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sar, paci�icar, continuar em frente num ciclo evolutivo que fará de nós seres mais esclarecidos. Enquanto nos debatemos com este ciclo natural continuamos a ser “berçário” de pensamentos negativos que sistematicamente nos puxam para um estado vibratório que, de uma forma estranha e contraditória, é exactamente aquele estado em que acusamos os outros de estar. Debatemo-nos com as nossas contrariedades, o que é bom porque revela o despontar da consciência, insurgimo-nos contra tudo aquilo que está errado, temos a presunção de que “se fossemos nós a mandar” tudo seria diferente. Esquecemo-nos de que nos encontramos frequentemente nessa posição quando nos desentendemos com os nossos afectos, sejam eles mulher/marido, familiares próximos, amigos, colegas de trabalho, vizinhos e escolhemos manter uma posição intransigente, adversa ao diálogo e à construção de pontes. Falhamos no reconhecimento das oportunidades que a VIDA nos dá para fazer a diferença, boicotando-nos a nós mesmos desde o início, mas apontando o dedo ao Outro que caminha ao nosso lado, considerando-o culpado pela nossa inépcia. A questão que se coloca então não é “Eu mereço?” mas “O que faço para merecer?”. Só assim teremos consciência de que precisamos mudar o nosso íntimo, os nossos pensamentos e as nossas atitudes perante a

vida e as pessoas, vibrar sentimentos mais puros, sentir amor e respeito por nós mesmos e pelo próximo. Essa mudança só é possível através de uma “reforma íntima”. É através dela que passamos a ter o merecimento de seguir adiante, é através dela que a nossa ”evolução” pessoal se torna possível; e à medida que nos tornamos pessoas melhores, com vontade de limpar do nosso coração todos os sentimentos ruins como o ódio, a raiva, a intolerância, teremos Exu do nosso lado, auxiliando-nos na luta contra os nossos vícios, os nossos desequilíbrios e tudo o que nos impeça de evoluir e ser mere-

cedores da Luz Divina!

Fernanda Moreira e Mary Nogueira

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Reportagem

As Curimbeiras da ATUPO em terreiros brasileiros De Braga para o mundo Foi com um brilho que nos olhos que as nossas curimbeiras falaram sobre a experiência vivida no Brasil, no passado mês de Novembro, sobre as pessoas que puderam rever, como o nosso querido Pai Élcio, o Pai Felipe Campos, amigos e irmãos da ATUPO e a oportunidade de estar à conversa com outros ícones da Umbanda, como o Pai Ronaldo de Linhares, Diamantino Trindade, entre outros. À chegada ao aeroporto, estavam Mãe Inês e suas �ilhas de braços abertos e sorriso rasgado para as receber e levá-las a casa da �ilha Lurdes que muito gentilmente cedeu a sua casa para as acomodar durante a sua estadia. Havia tanto que ver, tantos amigos e familiares a visitar que as duas semanas não pareciam ser su�icientes. No primeiro dia, puderam assistir ao trabalho de cura na Instituição Pedra Preta, de Mãe Inês e sua corrente. Foi um trabalho aberto onde inicialmente foi feita uma triagem, sendo as pessoas posteriormente encaminhadas de acordo com a especi�icidade do problema para os médiuns, que usam elementos diferentes, pedras, ervas, �lorais, entre outros. Pertencentes à Ordem da Cura, puderam sentir muitas semelhanças com o trabalho que realizam na ATUPO.

Com o Pai Felipe Campos www.umbanda.pt

Na casa de Mãe Inês No dia seguinte, juntamente com Pai Felipe Campos, visitaram o Santuário dos Orixás, na esperança de conhecerem Pai Ronaldo, Fundador e Presidente do Santuário Nacional da Umbanda e Presidente da Federação de Umbanda do ABC, esse grande decano da nossa Umbanda. Porém, quem as recebeu fora Mãe Dirce, sua �ilha a quem Pai Ronaldo, que já havia ido embora, con�iou a Casa numa altura em que esteve doente e ocupado com a Fundação. Sempre muito amável, Mãe Dirce mostrou-lhes o espaço e o seu terreiro, trocando impressões sobre o trabalho que é feito em sua casa e querendo saber sobre o trabalho da ATUPO. Depois, assistiram a uma gira de ciganos, com aproximadamente 200 consulentes, a quem era distribuída uma senha com um número. Eram dados passes às pessoas que não conseguiam senha. Os pontos eram apenas cantados, pois não havia atabaques. No �inal, as duas curimbeiras foram atendidas por uma cigana que as presenteou com uma pulseira e Mãe Dirce com uma guia da Casa. Voltaram no dia seguinte novamente com Pai Felipe para falar com Pai Ronaldo. Foi um momento único, uma conversa longa e ao mesmo tempo fascinante, que os leitores poderão acompanhar nesta mesma edição. Mas Pai Ronaldo não foi o único sacerdote e pesquisador de Umbanda que conheceram

Com Pai Ronaldo Linares nesta viagem. Através de Pai Felipe, tiveram a oportunidade de assistir a um trabalho de pretos-velhos na Casa de Pai Benguela e estar à conversa com seu sacerdote, Pai Diamantino Trindade, outro grande pesquisador da Umbanda e suas raízes, que dedicou vários anos de sua vida em pesquisas, autor de várias obras (Iniciação à Umbanda; Umbanda e Sua História; A Construção Histórica da Literatura Umbandista, entre outras) e considerado por muitos como o maior historiador da Umbanda. Trocaram impressões sobre as origens da Umbanda no Brasil e sobre a Umbanda em Portugal e o trabalho desenvolvido pela ATUPO. Continua www.atupo.com


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Reportagem

No templo de Pai Benedito “Como curimbeiras que são, Cristina e Vanessa não podiam deixar de questionar o dirigente sobre o facto de não tocarem atabaques na Casa de Pai Benguela, tendo Pai Diamantino explicado que o motivo se prendia com problemas que tinham tido no passado com vizinhos. Foram também visitar o Templo Guaracy, de Pai Carlos Buby, não tendo no entanto tido a oportunidade de o conhecer, pois este não estava no Ritual nesse dia. Levaram passe dos Caboclos, tendo sido agraciadas com a sua energia e uma pemba que receberam de presente por uma entidade. Na 2ª semana tiveram a oportunidade de

Com Pai Diamantino conhecer um terreiro de candomblé, através da Mãe Paula, Yalorixá Majusanmã D'Oya, esposa de um grande amigo, o Cláudio, mais conhecido pela Vanessa como Caverna. Mãe Paula levou-os a casa do seu pai de santo, Doté Mavúlú-ogí Ty Bàrà Akèssàn, do Ilê Asé Alaiku Odé, onde foram muito bem recebidas por ele, pela www.umbanda.pt www.umbanda.pt

sua esposa Yalorixá Abamy Aje De Oxum e �ilhos. Explicaram-lhes como funcionava o Terreiro e que naquele dia seria trabalho de catiço, como eles chamam. Explicou também que antes não fazia esses trabalhos mas que a pedido de alguns �ilhos que vinham da umbanda, acabou por autorizar que todas as terças feiras fossem de trabalho de catiço. Nestes trabalhos, ele participava apenas na abertura e depois deixa-os sob a responsabilidade da Mãe Paula, tratada por todos carinhosamente como Paulinha. Curiosamente naquele dia seria trabalho com a linha de baianos e como não poderia deixar de ser, as duas curimbeiras sentiram-se em casa. Falaram com a baiana das 7 saias que disse que lhes faria uma visita em seu templo e com certeza �icou em seus corações. A saga destas duas curimbeiras continuou por Terras de Vera Cruz e não poderia estar completa sem antes se encontrarem com Pai Élcio de Oxalá, nosso querido Irmão e Amigo, com quem confraternizaram, revivendo momentos passados com ele aquando das suas várias visitas à ATUPO, contando novidades e deixando a promessa de em

Com Mãe Dirce

breve se voltarem a encontrar em Portugal. E foi com Pai Élcio que participaram, no dia seguinte, na gira de pretos velhos, na casa de Mãe Inês, felizes por poderem retribuir a amabilidade com que foram recebidas, tocando atabaque e cantando com alma e louvor aos Orixás! A possibilidade de poderem partilhar experiências com outras curimbas continuou no Templo Escola de Umbanda Cacique Pena Azul, onde �izeram parte do trabalho enquanto curimbeiras, sob a alçada de Pai Felipe Campos. O encontro com Mestre Pedro foi outro dos momentos altos de sua viagem, pois tiveram a oportunidade de rever e abraçar o mestre que tanto lhes ensinou sobre a curimba, toques, pontos e que estava muito preocupado com suas pupilas, pois não havia conseguido contactá-las há vários dias. Pai Felipe, sempre incansável, proporcionou-lhes ainda, no último dia, um encontro na Aldeia de Caboclos com Pai Engels de Xangô, que gentilmente lhes mostrou a sua Casa e a Escola de Curimba, lamentando não haver aulas naquele dia. Ficou então a promessa de voltarem para ver a Escola em funcionamento e participarem num próximo evento. No �inal, puderam desfrutar de um momento único, onde tocaram e cantaram todos, a uma só voz, um ponto para caboclos! Como boas �ilhas de Oxum que são, não poderiam ir embora do Brasil sem antes visitar o Santuário Nacional de Nossa Senhora da Aparecida, junto com mãe Inês e suas �ilhas, Lurdes e Norma, onde agradeceram todas as graças recebidas durante a viagem,

pedindo a Sua bênção e proteção!

Fernanda Moreira e Mary Nogueira

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Março | 2017

Entrevista

Dois dedos de prosa com Pai Ronaldo Linares

Na passagem das nossas ogãs (Vanessa e Cristina) pela “terra maravilhosa”, elas visitaram o Santuário Nacional de Umbanda no dia 9 de novembro de 2016 e tiveram o prazer de estar à conversa com um dos grandes ícones e símbolos da nossa Umbanda: Pai Ronaldo de Linares. Para quem não sabe, o Santuário Nacional de Umbanda é uma entidade bene�icente fundada a 13 de maio de 1972 com a �inalidade de congregar Templos de Umbanda da região do “ABC” Paulista. Situa-se no Bairro do Montanhão, em Santo André, no local onde existia a extinta pedreira Montanhão, espaço recuperado pela Federação Umbandista do grande ABC. São 645.000m2 de mata nativa totalmente recuperada pelo Pai Ronaldo, com a ajuda dos frequentadores, nos últimos 45 anos. Destina-se às práticas religiosas dos irmãos de fé umbandistas e simpatizantes da religião. E foi neste local sagrado de culto à natureza e aos Orixás, respirando ar puro e sentindo a energia das matas, lagoas, cachoeiras e pedreiras que as ogãs da ATUPO tiveram a oportunidade de conhecer neste espaço maravilhoso o percurso do Pai Ronaldo de Linares pela Umbanda. Sempre muito gentil, disponível e divertido foi mostrando todo o espaço do santuário e explicando o seu funcionamento. “O espaço está aberto a qualquer praticante, desde que respeitem. Não permito que façam aqui sacri�ícios animais, nem que utilizem aqui equipamento acústico, sonoro. “ As tendas que temos aqui são tendas para mais de 100 pessoas. Temos de fazer uma limpeza muito constante”. Explicou também como funciona o apelidado “cemitério das imagens”: quando uma pessoa tem uma imagem e por qualquer razão não a quer, para não a

Leal de Souza

descartar no lixo, eles vêm e trazem as imagens para cá. Nós aproveitamos parte disso. Quando as imagens são bonitas, têm boa aparência, no �im da reunião com os a�iliados, a quem interessar vai e pega. As que não são tão bonitas coloco nas áreas”. Pai Ronaldo explicou também que quando começou no Santuário há muitos anos atrás, a pedreira ainda funcionava, de forma que todo o espaço que foi destruído foi completamente re�lorestado. Foi necessário plantar cada árvore existente, pois não existiam plantas, árvores e nem mesmo quedas de água. A visita contemplou também o Vale dos Orixás (Oxalá, Iansã, Cosme e Damião, Oxum, Iemanjá, Oxóssi, Ogum, Xangô, Nanã e Obaluaiê), os Locais para Oferenda (Pretos Velhos, Reino dos Exus, Cruzeiro das Almas, Vale dos Orixás, matas, cachoeiras, pedreira, Crianças e Caboclos) as entidades (Crianças, Caboclos e Pretos Velhos) e a Casa de Pai Benedito de Aruanda (casa que Pai Ronaldo dirigiu por mais de quarenta anos e Templo Sede da Federação Umbandista do ABC). A �igura de Pai Ronaldo de Linares representa um marco ímpar na história da nossa Umbanda. À conversa com as ogãs da Atupo, ele teve a oportunidade de lhes contar na primeira pessoa, o seu trajeto do Candomblé à Umbanda e o seu encontro com Zélio de Moraes. “Isto foi a razão da minha vida, da minha existência, estou há 48 anos envolvido nisto”, assim Trabalho no Santuário Nacional de Umbanda começava. “ Eu a princípio, quando era um

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moleque fui parar numa roça de candomblé meio empurrado pelo destino. Quando nós começamos a frequentar aqui eu fui trazido por um simpatizante que conhecia o lugar aqui como pedreira”. E assim, Pai Ronaldo contava a sua história desde o começo. “Um dia uma moça encontrou-me a dormir na gare da central do Brasil e levou-me para o Morro do Pinto (uma favela no Rio de Janeiro). Nessa altura eu estava com um problema sério: tinha sofrido um acidente, tinha tido o esmagamento do espaço intervertebral, tinha restrição de movimentos e na época a medicina era mais primitiva, não havia ultrassons”contava. “Essa moça tinha trabalhado como empregada doméstica na casa de um médico e porque gostava muito dele, achou que ele ia cuidar de mim (…) ela me levou até esse médico, conversamos demoradamente e ele disse: eu não posso fazer por si o que eu desejaria, (até porque ele era otorrino) mas eu vou conversar com um colega”. Pai Ronaldo e o médico acabaram por �icar grandes amigos. O tratamento foi muito longo. A saúde melhorava mas não passava até que o médico perguntou se não queria tentar algo diferente pois tinha um cliente que tinha fama de milagreiro. E foi assim que Pai Ronaldo teve contacto com o Candomblé. Foi apresentado ao Pai Joãozinho, o Joãozinho da Golmeia, muitos anos mais tarde apelidado de “Rei do Candomblé”. continua www.atupo.com


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Entrevista

“De vez em quando a gente vinha para cá para fazer um trabalho ou outro. As vezes encontrava as pessoas aqui dentro, outros que como eu vinham aqui fazer outra coisa que não era quebrar pedra, só que eles olhavam-me com uma curiosidade estranha, nós vínhamos com aquelas roupas características do candomblé todas cheias de �lores, enquanto que eles vinham de branco. Eu não entendia nada de Umbanda. Eu �iquei numa encruzilhada aqui. Só que eu sempre fui muito curioso e fui procurando amizades, comecei a perguntar o que eles faziam e como faziam”explicava. E foi a partir daqui que a Umbanda entrou na vida de Pai Ronaldo e veio para �icar. As grandes questões de Pai Ronaldo eram: porque tinha a Umbanda um altar católico, uma prática espírita, um ritual meio africano e por outro lado indígena? O que ele mais perguntava aos mais velhos era há quanto tempo eles pertenciam à Umbanda, qual a tenda mais antiga e o mais importante, de onde veio a Umbanda. Sempre em busca de respostas, Pai Ronaldo foi frequentando diferentes terreiros e trocando experiências com as pessoas que foi conhecendo. “ Vocês me ensinam o que eu precisar saber sobre a Umbanda e eu ensino para vocês o que quiserem saber sobre Candomblé. Uma semana na casa de um e outra semana na casa do outro. Eu oferecia a minha casa, D. Natália oferecia o terreiro

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dela”- contava. Nessa altura, �inal de 1950, Pai Ronaldo fazia rádio, então negociou o horário da noite para que pudesse ter um espaço dedicada à Umbanda, nascendo assim o 1º programa radiofónico de Umbanda, onde ele fazia menção também às reuniões daquele grupo que se juntava. Nasceu também deste grupo, o 1º núcleo de estudos da doutrina umbandista que evoluiu pouco tempo depois para o curso de mediunidade: incorporação e desenvolvimento. No entanto e mesmo assim, tudo isto não respondia aos questionamentos da Umbanda, de onde ela veio. Foi então que surgiu a �igura de Zélio de Moraes. Foi uma procura incessante, que Pai Ronaldo nunca vai esquecer. Pai Ronaldo viajou até Cachoeiras de Macacu, local onde lhe indicaram a primeira morada de Zélio, mas sem sucesso, pois ele estava em Niterói em casa da �ilha. No entanto, conseguiu o contacto telefónico e visivelmente emocionado conta: “- Eu venho de São Paulo e gostaria de entrevistar uma pessoa de nome Zélio de Moraes. Estive em Cachoeiras de Macacu e me forneceram esse telefone. Essa pessoa se encontra no domicílio? Nessa altura já eram mais de cinco da tarde. A senhora não tapou o bocal do telefone e eu ouvi quando ela perguntou: Papai há uma pessoa de São Paulo que quer entrevistá-lo. Você pode atender? Vocês acreditem se quiserem.

Eu arrepio-me toda a vez que eu revivo esse momento. – É o Ronaldo minha �ilha, é o homem que eu estava esperando. É o homem que vai tornar conhecido o meu trabalho”. E foi assim que Pai Ronaldo foi ao encontro de Zélio de Moraes. “Eu estava admirado. Ele não podia saber quem eu era, não podia saber o meu nome. Naquele dia nem eu sabia que iria à procura dele. Eu estou transtornado só de me lembrar, imaginem na ocasião”, conta. “Tomei a bênção dele, ele pôs a outra mão em cima da minha cabeça e disse: eu sei porque você veio. Porque quer saber porque na Umbanda temos o altar católico, uma prática espírita (…) exatamente na mesma ordem que a gente perguntava aqui. Ele pegou-me pela mão e falou: senta aqui a meu lado meu �ilho. Você quer saber como tudo isso começou”. E assim Zélio contou a história toda, como abriu a primeira tenda, a primeira manifestação do caboclo das 7 encruzilhadas, a primeira reunião que houve na casa dele. Ele tinha todas as explicações e mais, ele se antecipava com as respostas. Conhecer Zélio de Moraes foi um impacto realmente muito grande. Até então Pai Ronaldo seguia uma orientação que trazia das raízes candomblecistas. A partir do momento que conheceu Zélio de Moraes foi obrigado a fazer uma manobra à luz de novos conhecimentos. Toda a visita ao Santuário Nacional de Umbanda foi para as nossas Ogãs verdadeiramente enriquecedora. Viram na �igura de Pai Ronaldo a simplicidade, a humildade, a caridade pura e a paixão e o amor que ele detém pelo Santuário e por tudo aquilo que ele representa para os Umbandistas. Esta obra é uma verdadeira herança para todos nós e por ser a “menina nos olhos” de Pai Ronaldo ele deixou-lhes um convite: Para quando um Santuário Nacional de Umbanda em Portugal? Fontes: http://www.santuariodaumbanda.com.br/ http://umbandaemdebate.blogspot.pt/2012 /07/entrevista-com-pai-ronaldo-linares-por. html “Os Decanos: Os fundadores, mestres e Pioneiros da Umbanda”- Rubens Saraceni e Mestre Xama, 2003, Madras Editora Lda. Vânia Vilas Boas

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Cultura

Deuses da Cura Ao longo da história da humanidade, o homem sempre procurou estabelecer ligação com uma Energia Suprema, uma ou mais divindades. Nesta secção do jornal tentamos sempre dar a conhecer um pouco tradições e cultos na Lusitânia e Galécia que foram se perdendo à medida que o cristianismo avançava e se tornou a única religião aceite, procurando estabelecer um paralelismo com o culto aos Orixás e suas características Porém, podemos referir que, apesar do cristianismo se ter tornado a religião o�icial e de as populações terem-se moldado a essa “imposição” muitas crenças foram absorvidas e foram cristianizadas. Algumas mesmo já referidas em artigos anteriores. Hoje a questão que se coloca é se deuses da cura sempre existiram. Desde que o homem tem um conceito de religiosidade e espiritualidade atribuiu a alguma entidade, deus ou ser os destinos da sua vida e também da sua saúde ou doença. Na Umbanda, cultuamos Obaluaiê, o Orixá da cura, o Senhor da vida e da morte, da saúde, das doenças, o Senhor da terra. Mas o culto aos deuses da cura já remonta à antiga Lusitânia, onde havia o culto a Endovélico, o antigo deus da cura. É de

Busto de Endovélico

referir que existiam outros deuses cultuados em diversas regiões da Lusitânia também ligados à cura, mas este era o deus máximo, tão importante que o seu culto perdurou durante a ocupação romana, tendo sido aglutinado ao rol de deuses já cultuados. O culto a

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Endovélico só começou a desvanecer a partir do século V, em que o processo de cristianização da Península Ibérica se torna mais �irme. Não se sabe ao certo qual o signi�icado do nome Endovélico, mas segundo alguns estudiosos seria “ dardo que penetra fundo”. Ou seja, o deus que via não só a cura dos males �ísicos mas também espirituais. (Sintria, III-IV (1995-2007), 149-163) Também pouco se sabe sobre como se professava o culto a Endovélico; apenas que existem diversas aras votivas, do período romano que pedem pela saúde de alguém ou agradecem pela mesma, os chamados ex-votos, que nos são tão conhecidos ainda hoje em dia nas igrejas, quando alguém vai pedir ou agradecer a cura. E são muitas as semelhanças que encontramos entre este deus lusitano e Obaluaiê, Endovélico era tal como Obaluaiê o Deus da terra, o Senhor das Passagens, de um plano para o outro, da passagem do plano �ísico para o espiritual e vice-versa. Era um deus tanto solar como ctónico, ou seja, englobava tanto as características dos deuses do alto, como as dos deuses do subsolo, sendo então um deus ligado à terra, mas não à terra super�icial, mas sim ao mundo subterrâneo. Também Obaluaiê é um orixá solar, que representa a terra e o sol; aliás, Ele é o próprio sol em que as lendas dizem que a sua luz é tão intensa como o sol, e daí as palhas para cobrir o seu brilho e beleza e porque sem ela as pessoas não poderiam olhar para Ele. A titulo de curiosidade, um dos animais com que Endovélico era associado, como outros deuses da cura, como o deus romano Esculápio, era o cão, animal esse que também está associado a Obaluaiê. Muitas vezes o cão vinha representado, juntamente como algumas aves, como o galo, nas lapides e nos ex-votos ( agradecimentos). Achamos que após termos falado isto, podemos dizer que existem muitas semelhanças entre a energia de Endovélico e a de Obaluaiê e que, como já referido uma vez, independente da região, religião e época, haverá uma energia que nos colocará em ligação. Para nós umbandistas, é Obaluaiê que nos liga ao culto efectuado pelos nossos antepassados, para os católicos é o culto aos santos, por exemplo São Lázaro ou São Roque, com quem este Orixá está sincretizado. Dito isto e para �inalizar a espiritualidade irá sempre manifestar-se independente do nome que lhe dermos, e quando a energia é verdadeira e forte irá perdurar por toda a eternidade e irá vibrar sempre que necessitarmos dela. Até a próxima viagem pelos cultos “perdidos” dos nossos antepassados.

Estátua de Esculápio

Bibliogra�ia/Webliogra�ia https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/103 16/18329/1/Endov%C3%A9lico%20-%204 00%20anos%20depois.pdf Saraceni, Rubens, Orixás – Teogonia de Umbanda, pp 155-157 http://nova-acropole.pt/a_origens_ocultas_lu sitanos_II.html http://archive.org/stream/religiesdalusit01v ascgoog#page/n179/mode/2up, pp. 121-146

Filipe Ferreira

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Tributo

Pombagira, o resgate da energia feminina Tem um dia que é o Dia da Mulher? Pois pra mim, dia da mulher é todo o dia, porque elas são o grande exemplo de guerreiras lutando por aquilo que acreditam. Foram elas que mais dor e preconceito sofreram neste mundo, e são elas que o têm mudado através de muita luta. A elas eu tiro o meu chapéu. E eu mesmo, não vivo sem elas... S. Zé Pelintra ATUPO Mês de Março, dia Internacional da Mulher; a mulher que supostamente terá levado o primeiro homem a cometer o pecado original e foi obrigada a esconder a sua sexualidade; a mulher que ousou mostrar os seus encantos e sensualidade e foi condenada à fogueira; a mulher que lutou para se fazer ouvir numa sociedade patriarcal e foi julgada, presa, humilhada. A Pombagira, Entidade de Umbanda que durante anos foi associada por muitos às mulheres de má fama por irradiar toda a força e sensualidade da mulher, libertando a feminilidade reprimida ao longo de séculos de história, por ser o arquétipo da mulher que não tem medo de ir contra as convenções sociais, que vive a vida com entusiasmo e alegria, por representar a mulher sensual que provoca e põe a nu falsos moralismos é a versão umbandista da sufragista que luta pela integração feminina em todos os níveis da sociedade! Em jeito de homenagem a todas as mulheres, deixamos aqui a história de D. Sete Saias, passada e escrita pela sua médium Raquel Lopes, que nos mostra a verdadeira força da mulher que, apesar de toda a dor e sofrimento, não perde a capacidade de perdoar e amar! “Uma destas noites tive um sonho, em que a D. Sete Saias contou a sua história. Começou assim: Estávamos no terreiro no �im de uma gira de esquerda de trabalho, quando alguém manifestou curiosidade em saber sobre a vida dos guias. Então a D. Sete Saias disse que não se importaria de contar a sua www.umbanda.pt

história, mas teria de ser num dia sem assistência presente e com a autorização do Sr. Gato Preto que consentiu. Vi-me então numa gira em que apenas a D. Sete Saias estava incorporada, a corrente estava toda no terreiro, todos sentados em frente a ela (…) Ela começou a contar que era �ilha de nobres portugueses, cuja família tinha também origem em outros países europeus que ela não revelou. Seus pais foram viver para o Brasil onde eram donos de uma grande fazenda e que ela era a �ilha mais velha, seus pais só tiveram meninas. Seus pais eram católicos, mas dentro da família e em segredo partilhavam outras crenças, em que acreditavam nas forças da natureza, na magia e no respeito por todos os seres. Tinham um grupo restrito de amigos no Brasil com quem partilhavam as suas crenças, passando os conhecimentos de geração em geração. Por isso, os negros de sua fazenda não eram escravos, claro que não tinham luxo, mas eram livres para partir se assim o desejassem e quase nenhum o fez! Livres de praticar seus rituais, eram tratados com respeito. Mesmo assim, para espanto de muitos, a fazenda era muito rentável, o que causava inveja e incompreensão em muitos. Os negros esforçavam-se, porque sabiam que se a fazenda crescesse, o seu pai poderia comprar mais escravos, dando-lhes ali uma vida melhor do que a que tinham nos locais de onde vinham. Ela nunca se interessou por nenhum pretendente e seu pai nunca a obrigou a casar. Este ensinou-lhe que merecia ser respeitada, dando ele mesmo o exemplo, respeitando sua vontade. Ela sabia que seus pretendentes não a respeitavam, a viam como um objeto, ou pior, um meio de poderem ter acesso à sua herança. Assim, quando os seus pais morreram (ela não explicou como), ela com 18 anos já era considerada uma mulher velha para permanecer solteira (e soltou uma gargalhada ao contar esta parte). Continua

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Março | 2017

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Em breve todos os que sentiam inveja de seu pai, sentiam ainda mais inveja e desdém por esta jovem mulher que levava uma fazenda para a frente com sucesso. Uma noite a sua casa foi atacada por essas pessoas que a cercaram e jogaram fogo, mataram as suas irmãs, mataram alguns dos seus amigos que acorreram para as salvar. Ela escapou com a ajuda de alguns amigos, moribunda com metade do corpo queimado. Durante algum tempo viveu escondida no mato, com os poucos amigos que sobreviveram. As suas feridas foram curadas por um negro velho muito sábio, a quem a ela ainda hoje está grata e muito admira. Apenas lamenta não ter escutado as suas palavras e ao contrário do que este lhe aconselhou, mal �icou capaz de se mexer, decidiu vingar-se de quem lhe fez aquilo. Naquele tempo, todos sabiam a vida de todos. Fora muito fácil aguardar os seus inimigos na estrada, de noite. Encantados ao verem uma jovem e bela mulher dançar no meio da estrada aproximavam-se curiosos e destemidos. Ela sorri ao dizer que não precisou de aprender arte nenhuma para aprender a matar. Bastava atrair os homens que, estúpidos, não a viam como uma ameaça, e, na hora certa, usar o seu punhal. Eliminou assim vários dos seus inimigos. Até que um dia teve conhecimento que a sua irmã mais nova ainda estava viva. A menina tinha cerca de 10/11 anos e fora poupada ao massacre propositadamente. O homem que planejara tudo casara com ela, algo normal na altura, casar com as meninas crianças, para poder ser dono legítimo das terras do seu pai. Mal soube, toda sua raiva se multiplicou, juntou os seus amigos e elaborou um plano para salvar a sua irmã daquela besta. Assaltaram a casa do seu inimigo de noite, procurando surpreendê-lo, mas ele não era burro e após as mortes recentes dos seus “colaboradores”, ele já se tinha precavido. Assim, em vez de montarem uma cilada, caíram numa. Sem saída, matou a sua irmã e matou-se em seguida; todos os amigos que a acompanhavam foram mortos. Quando tomou consciência, estava num sítio desconhecido, rodeada por aqueles a quem tirara a vida, menos a sua irmã, que espumando de raiva a atacavam. Igualmente cheia de raiva lutou, por tanto tempo que perdeu a noção, a dor era

indiscritível, tanto a �ísica, como a psicológica. No início nem pensava, só se atirava com raiva aos seus adversários, numa luta in�indável. Com o tempo, começou a lembrar-se da sua família, dos seus amigos, daquilo que o seu pai lhe ensinou e em que ela um dia verdadeiramente acreditou. Tudo isso foi tomando forma e crescendo dentro dela. Durante esse processo, a raiva que sentia por aqueles homens transformou-se em raiva contra si própria e a dor aí foi indescritivelmente maior. Parou de lutar, �icou no chão imóvel, indiferente aos golpes que lhe aplicavam, o seu corpo era há muito um farrapo, sua mente começava agora também a de�inhar. Culpava-se por ter falhado perante todos: a sua família, os seus amigos, os negros a quem tinha a obrigação de proteger e dar a melhor vida possível (foi o que seu pai lhe ensinou, quem tem o poder de “governar” os outros tudo deve fazer para lhes dar a melhor vida possível), o respeito que era a sua bandeira. Onde teve ela respeito pela vida quando cometeu os homicídios? Quando tirou a vida da sua irmã e a sua própria? Não merecia viver, mas também não sabia como morrer. E cada vez mais a culpa dos seus erros lhe gritava na cabeça. Até que a certa altura os seus inimigos pararam de a atacar. Um ser com uma energia e uma força inexplicável aproximou-se dela e disse-lhe: “Finalmente você começou a entender! É fácil culpar os outros, mas as nossas atitudes são apenas responsabilidade nossa.” Sim, era isto que ela sentia. Foi levada por quem vinha a acompanhar esse homem. Mais tarde compreendeu quem ele era, e os outros que o acompanhavam, bem como muitos outros que veio a conhecer no local onde estes viviam (homens e mulheres) eram guardiões da Esquerda. Ajudaram-na a compreender tudo o que aconteceu, as suas falhas e, acima de tudo, a perdoar-se. Ela já tinha perdoado os outros quando assumiu a sua culpa; nesse lugar ela equilibrou-se, juntou-se a estas legiões, aprendeu e começou também a ajudar os outros até �icar consciente das leis divinas, das energias e dos planos. Conheceu seres de vários planos com quem hoje trabalha em parceria! “ A história de D. Sete Saias não está completa. Ainda muito �icou por revelar. Mas de outra forma não poderia ser ou não fosse o mistério um dos atributos mais belos da energia feminina! Raquel Lopes

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Reportagem

A Dança dos Orixás

Teve lugar no passado dia 5 de Março, na ATUPO, a workshop “Danças dos Orixás”, um projeto dinamizado pelo Babalorixá Erinaldo de Souza do Ile Axé Oya Onira, professor de dança africana. Iniciou o projeto anos antes na Alemanha e veio a Portugal, a convite de um �ilho de santo, Dime, contramestre Papagaio do Grupo Ginga Camará de Capoeira. Foi um momento de alegria e diversão e ao mesmo tempo de partilha de conhecimentos, já que a dança de cada Orixá é uma série de movimentos coreografados representando passagens de itans correspondentes a cada Orixá e por conseguinte a manifestação das suas características e domínios. Entender cada movimento é entender os fundamentos subjacentes a cada Orixá: a dança de Oxum, por exemplo, é marcada por movimentos ondulantes, sempre muito cadenciados ao som do ijexá. Lembra Oxum a dançar na cachoeira, que se banha nas águas e quando se levanta, move os seus braços de forma graciosa, olhando-se no espelho. Já a dança de Ogum com os braços representando o facão e o escudo, com passos rápidos e

ritmados, ao som do toque barravento, lembra o guerreiro sempre alerta, pronto para a batalha. A dança de Oiá traz em si características do vento, como a força e a agilidade, não perdendo nunca a sensualidade nos movimentos. É a energia guerreira, determinada, ágil que faz o que for preciso para alcançar os seus objetivos; é a guerreira de espada na mão mas, em simultâneo, a mãe dos nove! Apesar da Umbanda ser uma religião brasileira, não nos podemos esquecer da forte herança africana, onde se destaca o culto aos Orixás. Daí a importância de conhecer essa ancestralidade, de resgatar os itans, mitos para dentro dos templos de Umbanda como meio de ajudar a compreender melhor a forma de atuação de cada Orixá. E haverá melhor forma de o fazer senão dançando ao som de um ijexá? Mary Nogueira

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