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eletrificação Competição automóvel: o futuro também é elétrico

Relâmpagos no asfalto! COMPETIÇÃO AUTOMÓVEL O FUTURO TAMBÉM É ELÉTRICO

Na última década, os carros elétricos começaram a dar nas vistas na competição automóvel, e ocupam agora vários nichos em quase todas as modalidades e subdivisões. Pode parecer uma moda nova, mas a verdade é que os automóveis elétricos estão ligados aos primórdios das atividades desportivas com motores. O “Jamais Contente” do belga Camille Jénatzy foi o primeiro veículo de estrada a ultrapassar os 100 km/h, em 1899. No entanto, a progressão rápida dos motores de combustão levou ao abandono dos motores elétricos durante um século, até que a busca por energias alternativas levou a uma revolução na procura pela velocidade, trazendo os carros elétricos de volta às arenas da competição automóvel...

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Paulo M. Costa (texto)

WORLDRX PROJECT E Há vários anos que os organizadores do Campeonato do Mundo de Ralicross anunciaram o seu desejo de usar motores elétricos na competição, a que chamaram Project E. As suas corridas, com veículos de alta potência, são ideais para demonstrar esta tecnologia, pelo que a Federação Internacional do Automóvel autorizou que a classe principal, conhecida como Supercars, passe a usar estes motores a partir da temporada de 2021. Fornecidos pela Kreisel, vão ter 500 kW (680 cv) de potência e poderão ser instalados nos Supercars já existentes. Estes veículos dispõem de tração às quatro rodas, para controlar a sua potência no piso misto de asfalto e terra. Além dos carros da classe principal, a organização também criou um novo campeonato chamado Junior eRX, com carros idênticos fornecidos pela QEV Technologies, de chassis tubular e custos reduzidos, equipados com motores elétricos de 250 kW (340 cv). Esta vai ser a forma mais barata de participar em provas desportivas com carros elétricos.

FÓRMULA E A categoria mais famosa de carros elétricos é a Fórmula E, que teve início em 2014, com monolugares que são, de certa forma, similares aos de Fórmula 1, monolugares com apêndices aerodinâmicos, mas todas as corridas são realizadas em circuitos urbanos. Os admiradores da F1 criticam a FE pela falta de potência, velocidade e barulho, mas as corridas são mais disputadas, deixando os espetadores “colados” à televisão a todo o momento. Em Portugal, a Fórmula E tem mais potencial para gerar novos fãs principalmente devido à presença de António Félix da Costa. Presente no campeonato desde a primeira temporada, o piloto português é o atual líder do campeonato 2020, representando as co res da marca francesa DS, e é o quinto piloto com mais vitórias na história da competição. É verdade que os carros da Fórmula E ainda estão longe do nível de performance da F1, e embora não seja possível fazer comparações diretas, pois nenhum circuito é igual (a FE usou uma configuração do traçado do Mónaco, uma das poucas pistas em que ambos os campeonatos tiveram provas), os modelos elétricos são mais pesados (900 kg con tra 728 kg) e bem menos potentes: enquanto a F1 chega aos 900 cv, a FE começou apenas com 170 kW (230 cv) e agora tem uma potência máxima de 250 kW (340 cv), na segunda geração do carro. A potência máxima só é usada nos treinos, limitada a 200 kW na corrida (com 25 kW extra quando o piloto entra numa zona específica da pista para iniciar o “Attack Mode”). No entanto, há muito espaço para evolução, até porque todas as 12 equipas de Fórmula E estão ligadas a grandes

construtores de automóveis de produção. Embora os carros, construídos pela Spark Racing Technologies, sejam iguais, to das as equipas podem desenvolver os seus próprios sistemas de propulsão, experimentando tecnologia para ser usada nos seus modelos futuros. Se os fãs mais velhos criticam a FE, os mais novos aderiram ao novo conceito, que resolveu levar a competição até casa das pessoas, chamando a atenção de uma nova geração com outras preocupações no que diz res peito à mobilidade. A Fórmula E foi concebida para causar o mínimo impacto, com todas as atividades desportivas realizadas num único dia, e reduzindo o impacto ambiental, promovendo ao máximo a reciclagem de materiais usados em cada evento, incluindo a borracha dos pneus, o lítio das baterias dos carros, e até os plásticos e metais nas barreiras de proteção montadas à volta do circuito. Eventualmente, a longo prazo, e à medida que a F1 se torna menos relevante para o automóvel do futuro, a Fórmula E irá ocupar o lugar desta, até porque as marcas têm muito mais interesse em usar o novo campeonato, não só em termos de imagem ecológica mas também como laboratório móvel.

ETCR Criador do atual Campeonato do Mundo de Carros de Turismo, Marcelo Lotti é um dos mais bem-sucedidos promotores de corridas de automóveis das últimas duas décadas. Não é de estranhar, então, que seja ele o primeiro a criar um campeo nato para veículos de estrada equipados com motor elétrico. O ETCR está previsto começar ainda antes do final deste ano, com corridas de exibição, para servir como “aperitivo” para um campeonato mundial em 2021. Os veículos têm todos uma base de chassis e motor comum (fornecido pela equipa de Fór mula 1 Williams), com tração traseira e motor de 300 kW (408 cv) com um “boost” que chega aos 500 kW (680 cv), o dobro da potência dos Fórmula E. O campeonato em si não vai ser feito de modo igual ao WTCR. Em vez de corridas convencionais,

vai ter uma série de eliminatórias até chegar a uma grande final que vai declarar o vencedor, um estilo semelhante ao usado no ralicross. Três marcas já garantiram a sua presença e mostra ram carros para a nova competição – Cupra (SEAT), Hyundai e Alfa Romeo –, com rumores que apontam para a entrada da MG (com uma equipa chinesa) e, talvez, da Honda. A marca japonesa afirma não ter interesse, mas uma associada, a JAS Motorsport, está a desenvolver um projeto, e gostaríamos de ver Tiago Monteiro, uma das principais “estrelas” da modalida de, envolvido no campeonato. Um campeonato deste género pode ajudar a promover o carro elétrico, demonstrando a sua validade como um veículo entusiasmante, usando uma forma familiar com a qual o público pode interagir diariamente.

EXTREME E Pode uma competição automóvel ter uma componente ambiental educativa?... Para quem nunca foi entusiasta, o desporto motorizado sempre teve uma imagem como um egoísta desperdício de combustível, incomodativo para as populações. O Extreme E pretende mudar isso: um campeonato usado como ponto focal para um documentário, que pretende apresentar ao público a diversidade de biomas existentes no planeta Terra, e a sua necessidade de preservá-los e protegê-los de interferência humana. Os locais escolhidos foram o Lago Rosa (Dakar, Senegal), Al-Ula (norte da Arábia Saudita), garganta Kali Gandaki (Himalaias, Nepal), glaciar Russell (Gronelândia) e Pará (floresta amazónica, Brasil). Por isso, estas provas, que vão ter lugar a partir de 2021, não serão verdadeiros ralis-raid como o “Dakar”, mas sim realizadas em traçados curtos e fechados. O formato, criado por Alejandro Agag, que também idealizou a Fórmula E, vai ser seme lhante ao do ralicross, com eliminatórias até se chegar à final. Por isso, vários pilotos de ralicross demonstraram interesse em participar, assim como várias “estrelas” da Fórmula E, incluindo António Félix da Costa, que está na lista provisória de pilotos divulgada pela organização. O carro, um protótipo ultraleve estilo “buggy”, foi construído pela Spark Racing Technologies e equipado com motor elétrico de 400 kW (540 cv), ligado ao eixo traseiro. A carroçaria básica pode ser substituída pela de um carro de estrada existente.

TESLA NO CAMPEONATO DE MONTANHA Este ano, chegou o primeiro carro elétrico de competição aos campeonatos nacionais. Ricardo Gomes participa no Campeonato de Portugal de Montanha ao volante de um Tesla S P100D, construído pela equipa espanhola SPV Racing e inscrito nas cores do Team Acrescentar. O carro foi originalmente desenvolvido para a Electric GT Series, um campeonato internacional adiado frequentemente, que nunca se chegou a realizar, no qual o Tesla seria o único carro participante. A marca americana nunca apoiou o projeto. Na primeira prova de montanha, a Rampa Porca de Murça, teve vários problemas com a eletrónica, que resultaram em perdas constantes de tempo e impediram Ricardo Gomes de mostrar o potencial dos 570 kW (775 cv) de potência. Além de adaptar o carro às rampas, o piloto também está a modificar os seus hábitos de pilotagem.

Zoom Motorsport

JAGUAR I-PACE E-TROPHY Quando se juntou à Fórmula E, a Jaguar resolveu “apimentar” o programa deste campeonato criando uma competição de apoio em várias das pistas visitadas por aqueles monolugares. O Jaguar I-Pace e-Trophy é a primeira competição monomarca do mundo a usar um carro elétrico em pista, tendo-se estreado na temporada de 2018/2019. Cada jorna da tem cerca de 15 carros à partida, todos iguais, com a participação de vários pilotos de calibre internacional. A divisão Special Vehicle Operations (SVO) da Jaguar Land Rover modificou o I-Pace para poder ser rápido em pista, mexendo essencialmente no chassis, mas também aumentando ligeiramente a potência, atingindo os 325 kW (440 cv), para poder lidar com as mais de duas toneladas de peso, mui to acima do que é normal para um carro de turismo num troféu monomarca.

TROFÉU ANDROS

Campeonato francês de corridas no gelo, não é muito conhecido apesar de contar com nomes como Alain Prost na sua lista de campeões. No entanto, é aqui que se fazem corridas de carros elétricos há mais tempo. Max Mamers introduziu uma nova classe para o Andros Car em 2010. Trata-se de um veículo elétrico construído pela Exagon Engineering, com 90 kW (120 cv) de potência e com uma bateria que pode ser recarregada em 35 minutos. O Andros Electrique serviu durante muitos anos como escola para corridas no gelo, mas na temporada de 2019/20 passou a ser usado apenas por convidados especiais. Em alternativa, a tecnologia foi promovida à classe superior. O AS (Andros Sport) 01 estreou-se no Troféu Andros no final de 2018, ao lado dos carros a gasolina, e passou a ser a base técnica para todos os concorrentes no ano seguinte. O carro construído pela Exagon Engineering tem 250 kW de potência, quatro rodas motrizes e direcionais, e pode usar carroçarias alternativas, como o Renault Zoe ou o Peugeot e-208.

ADAC OPEL E-RALLY CUP Este ano, na Alemanha, vai ter início o primeiro troféu de ralis feito com um carro elétrico. Entre 2013 e 2019, a Opel usou o Adam como base para uma competição onde jovens pilotos podiam dar os seus primeiros passos nesta modalida de. No ano passado, a marca alemã resolveu ir mais longe e criar um troféu para demonstrar o seu primeiro carro elétrico, o Corsa-E, para a nova geração do troféu para pilotos júnior, a ADAC Opel E-Rally Cup. O troféu vai ter lugar em jornadas seletas do Campeonato Alemão de Ralis, com cerca de 10 a 15 carros. O Corsa-E mantém o motor elétrico de origem, com 100 kW (136 cv) de potência, mas recebeu várias altera ções para o tornar apto para competição em estrada aberta, incluindo amortecedores apropriados, travões com discos maiores, célula de segurança no interior e alterações à eletrónica para desligar as ajudas à condução.

OUTROS PROJETOS...

Acciona no “Dakar” Em 2015, a Acciona, empresa espanhola especializada em energias renováveis, criou um veículo elétrico para participar em provas de todo-o-terreno, estreando-se no “Dakar”. Em 2017, na sua terceira participação, o Acciona 100% EcoPowered, agora na sua segunda geração, conseguiu finalmente completar a prova, embora no último lugar da soma de tempos. A bateria de 150 kWh garante a energia necessária para completar as centenas de quilómetros de cada etapa, movendo as duas toneladas do veículo com um motor de 250 kW (340 cv).

Columbus Electric Midget Nos Estados Unidos não há grande pressa para começar a usar carros elétricos em corrida, mas há quem tenha planos para iss. Em 2012, a USAC, organizadora dos campeonatos nacionais americanos feitos em ovais de terra com monolu gares, pediu a Eric Schacht, da Columbus Electric, para fazer um “midget” (intermédio entre kart e buggy) elétrico. Com mais de 180 kW (250 cv) de potência, a bateria teria carga suficiente para as corridas curtas (20 a 40 km) que os “midget” fazem habitualmente, mas não houve interesse em passar da fase de protótipo.

PIKES PEAK A Rampa Internacional de Pikes Peak existe numa espécie de dimensão paralela do desporto automóvel, sendo desconhecida da maioria do público, mas é uma prova onde muitas marcas querem ganhar para demonstrar a superioridade dos seus produtos. A prova sempre esteve aberta a veículos de várias proveniências, e um carro elétrico completou a subida de 11 quilómetros pela primeira vez em 1981. Em 2013, segundo ano em que o traçado esteve completamente pavimentado, Nobuhiro “Monster” Tajima foi o primeiro a bater a barreira dos 10 minutos num carro elétrico, ao volante de um protótipo Mitsubishi. Dois anos depois, Rhys Millen foi o primeiro vencedor num protótipo elétrico construído por si e pelo seu pai, e em 2018 Romain Dumas bateu todos os recordes, ao fazer um tempo abaixo dos oito minutos ao volante de um Volkswagen I.D. R, construído de propósito pela marca alemã para vencer a prova de Pikes Peak. Os veículos elétricos têm maior potencial para vencer a prova à geral, uma vez que têm sempre força disponível à saída das curvas e não perdem à medida que o ar vai ficando rarefeito, ao contrário dos motores de combustão.

Roborace Mais uma ideia associada à Fórmula E, os carros da Roborace não são apenas elétricos, estão equipados com sistemas de inteligência artificial que, teoricamente, seriam capazes de disputar uma corrida entre si. Centros de educação como a Universidade Técnica de Munique estiveram envolvidos no desenvolvimento dos protótipos, usando carros inspirados no filme “Tron”, motores de mais de 375 kW (500 cv) e pro cessadores Nvidia a gerir a informação recebida por uma rede de sensores.

Venturi VBB-3 Desde 2010 que a Venturi, antigamente construtora de carros desportivos mas hoje envolvida na Fórmula E, trabalha com a Universidade Estatal do Ohio para criar veículos elétricos capazes de bater o recorde de velocidade em linha reta. O VBB-3 (Venturi Buckeye Bullet, terceira geração) foi o mais recente projeto, tornando-se no primeiro carro elétrico a passar a barreira dos 500 km/h ao atingir 549,4 km/h no lago salgado de Bonneville, em setembro de 2016.

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