Olhando pela Fechadura

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Elaborada pelo sistema de geração automática de ficha catalográfica do Centro Universitário Senac São Paulo com dados fornecidos pelo autor(a). Martin, Bruno de Lima Olhando pela fechadura: as narrativas criadas por quem stalkeia nas mídias sociais / Bruno de Lima Martin, Amanda Macito Pedroso - São Paulo (SP), 2016. 32 f.: il. Orientador(a): Juana Diniz, Nelson Urssi Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Publicidade e Propaganda) - Centro Universitário Senac, São Paulo, 2016. 1. Publicidade. 2. Mídias sociais. 3. Narrativas Midiáticas. 4. Documentário. 5. Stalk. 6. Stalkear I. Pedroso, Amanda Macito II. Diniz, Juana (Orient.) III. Urssi, Nelson (Orient.) IV. Título






AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais que me ensinam, acima de tudo, sobre perseverança. Nunca os vi desistir, por pior que fossem as situações. A minha irmã Cindi, que me mostra como ser determinado e forte. A minha irmã Sofia, que me ensina a ser leve, me permitindo ser criança e me ensinando a ser cada dia mais adulto. Ao meu irmão mais velho Fábio, que é meu exemplo em tudo. E que também me deixa ser o mais velho de vez em quando. O que dou o maior valor na vida é a amizade, por isso agradeço a todos os amigos, antigos e novos. Os que me aturam falando de publicidade durante os programas de TV e aos que dividiram a sala de aula durante esses quatro longos anos no Senac. Sou muito feliz por ter dividido carteiras com gente tão talentosa. Em especial, agradeço ao PH. Amigo que é irmão, que é sócio, que é tudo. Agradeço por me ensinar e agradeço por me deixar ensinar. E agradeço a minha dupla de TCC, Amanda, por ser uma companheira inseparável durante essa jornada. Agradeço aos professores, todos que de, alguma forma, nos passaram seus ensinamentos, dentro ou fora de sala de aula. Em especial à Fabi Grieco, que tive o prazer de ser aluno pela segunda vez, à Sulce, por ser uma amiga cheia de histórias incríveis, ao Enrico por se colocar horizontalmente aos alunos, ao Nelson Urssi um mestre que tem a humildade de lembrar o nome de todos os alunos. E principalmente à nossa orientadora,

Juana Diniz. Uma pessoa inspiradora que admiro muito. Não poderia ter escolhido melhor orientadora. Por fim, agradeço à Jessye, que foi quem me incentivou a entrar nessa batalha que é o ensino superior e que me fez ser uma pessoa totalmente diferente e melhor. Se sou o que sou hoje, é porque a tive comigo.

Saio orgulhoso, pronto para novos desafios. Bruno de Lima Martin


RESUMO

ABSTRACT

Este trabalho de conclusão de curso tem como tema as mídias sociais e as narrativas midiáticas criadas por seus usuários. Após acontecimentos pessoais com um dos membros do grupo, buscamos entender um pouco melhor como acontecem essas narrativas dentro das mídias sociais quando stalkeamos um perfil. Fizemos uma pesquisa bibliográfica sobre cibercultura e mídias sociais na internet, buscando o entender um pouco mais sobre os usuários e o funcionamento dos sites. Realizamos, também, experimentações dentro dessas mídias, utilizando nossos próprios perfis, buscando entender como acontecem a criação destas narrativas. Também foi estudado o cinema documental, formato do produto dessa pesquisa: um curta/documentário que retrata a temática estudada com o intuito de levantar discussão e reflexão entre os espectadores sobre o assunto. Buscamos conhecer o cinema documental tradicional e experimental, produções brasileiras e internacionais, com o intuito de decidir da melhor forma possível como representar o tema no produto audiovisual.

This work of course completion has as its theme the social media and the mediatic narratives created by its users. After personal events with one of the members of the group, we try to understand a little better how these narratives happen in social media when we stalked a profile. We did a bibliographical research on cyberculture and social media on the internet, seeking to understand a little more about the users and the functioning of the sites. We also carry out experiments within these media, using our own profiles, trying to understand how the creation of these narratives happens. We also studied the documentary film, the format of the product of this research: a short documentary that portrays the studied subject in order to raise discussion and reflection among the spectators on the subject. We seek to know the traditional and experimental documentary films, Brazilian and international productions, with the intention of deciding in the best possible way how to represent the theme in the audiovisual product.

Palavras-chave:

1. Publicidade. 2. Mídias sociais. 3. Narrativas Midiáticas. 4. Documentário. 5. Stalk. 6. Stalkear.

Keywords:

1. Advertising. 2. Social media. 3. Media narratives. 4. Documentary. 5. Stalk. 6. Stalking.


SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................................................10 2 O DOCUMENTÁRIO COMO INVESTIGAÇÃO SUBJETIVA E PROPOSTA REFLEXIVA............................................11 2.1 Definições e evolução da linguagem....................................................................................................11 2.2 Tipos de documentário............................................................................................................................13 2.3 Documentário contemporâneo/experimental...................................................................................17 3 AS NARRATIVAS QUE REPRESENTAM A IDENTIDADE SOCIAL DENTRO E FORA DAS REDES..........................18 3.1 Atores sociais e Capital social................................................................................................................19 3.2 Narrativas criadas por quem stalkeia...................................................................................................20 4 CRIANDO O DOCUMENTÁRIO......................................................................................................................................23 4.1 Processo Criativo.......................................................................................................................................23 4.2 Argumento..................................................................................................................................................24 4.3 Roteiro.........................................................................................................................................................25 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................................................................27 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................................................................28


1 INTRODUÇÃO sociedade online funciona. Dessa forma, decidi mos como retratar os personagens e suas histó rias no filme, com a elaboração do roteiro e posteriormente, a gravação e edição. O objetivo deste trabalho é mostrar que, ao stalkear um perfil numa rede social, criamos narrativas sobre as pessoas representadas por esses perfis. Também mostramos como são percebidas essas narrativas construídas por quem stalkeia dentro das redes sociais e quais são os possíveis fatores que levam a essa construção de narrativas. Toda a pesquisa e estudo serviu de base para a criação do produto do trabalho de conclusão de curso. Um curta/do cumentário que mostra a criação de narrativas nas redes sociais e com a pretensão de criar discussão e reflexão sobre o assunto entre os espectadores.

Este trabalho tem como tema Mídias Sociais e Narrativas Midiáticas. Buscamos, através de pesquisa bibliográfica e experimentação, compreender melhor as narrativas que costumam ser criadas por quem stalkeia um perfil nas redes sociais. Este trabalho também traça um paralelo entre a percepção do espectador num filme com a percepção de um usuário ao stalkear um perfil dentro das mídias sociais. O produto final criativo escolhido para o estudo foi um documentário, sendo assim, fizemos uma pesquisa bibliográfica sobre a área do cinema documental para melhor conhecimento da linguagem do produto: como são e quais são os temas abordados em documentários, quais as técnicas utilizadas pelos documentaristas e as formas de uma produção documental. Em seguida foi realizada uma pesquisa videográfica de filmes documentários provenientes de diversas áreas e cineastas, experimentais e clássicos, para obtenção de noções técnicas como construção de narrativa, edição e montagem. Na segunda parte deste trabalho, foi feita uma pesquisa bibliográfica sobre cibercultura, cibersocialidade, redes sociais e stalkeamento. Sobre o ato de stalkear, percebemos que é uma área de estudo muito nova ainda. Toda a literatura encontrada em nossas pesquisas são da área legal. Com a pesquisa, conhecemos o comportamento dos usuários nas redes sociais e como a 10


2 O DOCUMENTÁRIO COMO INVESTIGAÇÃO SUBJETIVA E PROPOSTA REFLEXIVA Conforme o gênero documentário evoluiu, sua maneira de abordar e retratar determinados assuntos foi tomando formas e perspectivas diferentes, partindo de uma visão didática e jornalística até posicionamentos mais pessoais, subjetivos e sem tanta preocupação em seguir a fórmula "problema/solução". Cada documentário tem sua voz e "a voz do documentário é a maneira especial de expressar um argumento ou uma perspectiva" (NICHOLS, 2001). E essa voz não é só do documentário, ela é também de seu criador, o cineasta.

documentário, muito menos imparcial, como ocorre com uma matéria jornalística. Um documentarista pode falar desde a morte de seu cachorro (Heart of Dog, 2015) até sobre o mercado de drogas online (Deep Web, 2015), passando sua visão da história e fornecendo asserções para o espectador, permitindo que este se identifique e reflita sobre o tema abordado.

O documentário é um gênero fortemente marcado pelo “olhar” do diretor sobre seu objeto. O documentarista não precisa camuflar a sua própria subjetividade ao narrar um fato. Ele pode opinar, tomar partido, se expor, deixando claro para o espectador qual o ponto de vista que defende. Esse privilégio não é concedido ao repórter, sob pena de ser considerado parcial, tendencioso e, em última instância, de manipular a notícia. (VIEIRA DE MELO, 2002, p. 29)

Definir documentário não é uma tarefa simples. Segundo Nichols (2001), “documentário é o que podemos chamar de ‘conceito vago’. Nem todos os filmes classificados como documentários se parecem, assim como muitos tipos diferentes de meios de transporte são todos considerados veículos.” Os filmes documentários não possuem necessariamente as mesmas regras, como num filme de ação, por exemplo, do qual se espera que tenham explosões e lutas corpo a corpo. Nichols aponta que:

2.1 Definições e evolução da linguagem

Um documentário, seja ele de modo participativo, expositivo ou performático (os tipos de documentário serão explicados no item 1.2), carrega, mesmo que não intencionalmente, a visão de seu criador sobre o mundo em que ele vive. Não é esperada uma posição clara de um

Os documentários não adotam um conjunto fixo de técnicas, não tratam de apenas um conjunto de questões, não apresentam apenas um conjunto de formas ou estilos. Nem todos os documentários exibem um

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conjunto único de características em comum. (...) Mais do que proclamar uma definição que estabeleça de uma vez por todas o que é e o que não é documentário, precisamos examinar os modelos e protótipos, os casos exemplares e as inovações, como sinais nessa imensa arena em que atua e evolui o documentário. (NICHOLS, 2001, p.48)

filme já chega ao público com o rótulo de documentário. Muitas vezes não sabe-se e até duvida-se da veracidade de certas obras, principalmente no jornalismo diário das redes de televisão. Alguns documentários são patrocinados e não sabe-se ao certo quanto do que aparece nesses documentários foi usado para agradar ou beneficiar determinado patrocinador. Nichols aborda esse tema em seu livro:

O documentário também se define por suas diferenças se comparado aos filmes de ficção e de vanguarda. Enquanto na ficção aceita-se um mundo imaginário e não exige-se tanto realismo nos fatos apresentados, no filme documentário esperamos que as imagens e fatos retratados venham do mundo real. Comparado também com jornalismo, o documentário sustenta algumas diferenças perante esse outro estilo de registrar e contar uma história. Segundo Vieira de Melo (2002), “enquanto o jornalismo busca um efeito de objetividade ao transmitir as informações, no documentário predomina um efeito de subjetividade, evidenciado por uma maneira particular do autor/diretor contar a sua história”. Ou seja, em tese, o jornalismo deve trazer o fato “bruto”, para que o mesmo seja discutido pelos espectadores. Já o documentário traz, conscientemente ou não, a visão, o ponto de vista e uma subjetividade particular ao cineasta. Entretanto, Nichols (2001) diz que “podemos compreender melhor como definir o documentário abordando-o de quatro ângulos diferentes; o das instituições, o dos profissionais, o dos textos (filmes e vídeos) e o do público”. Partindo da visão das instituições, um

Levando em consideração o patrocinador - seja ele o National Film Board canadense, o canal de notícias Fox, o History Channel ou Michael Moore -, fazemos certas suposições acerca do status de documentário de um filme e acerca do seu provável grau de objetividade, confiabilidade e credibilidade. Pressupomos seu status de não-ficção e a referência que faz ao mundo histórico que compartilhamos, e não a um mundo imaginado pelo cineasta. (NICHOLS, 2011, p. 50) No Brasil, temos exemplos como o teste de DNA do Programa do Ratinho e o programa Casos de Família, ambos da emissora de televisão SBT. Muitos telespectadores acreditam nas histórias contadas nesses programas. Já algumas pessoas com vivência dentro de redes de televisão dizem que as histórias são armadas e tudo não passa de encenação. Nichols (2011) diz que “saber de onde vem um filme ou vídeo ou em que canal ele é exibido é um importante indício de como devemos classificá-lo”. Indo para o ponto de vista dos profissio-

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2.2 Tipos de documentário

partir do que eles acreditam que fazem. Mesmo com pressão de instituições, os cineastas ainda falam do que quiserem e como quiserem. Esse conflito, geralmente se mostra como um gatilho de mudanças no estilo cinematográfico. Os próprios filmes também definem o que é documentário. Considerando documentário como um gênero igual a Ação ou Suspense, são esperadas determinadas características do filme para que ele faça parte de determinado gênero, como uma narração, imagens de arquivo ou entrevistas. O filme A Bruxa de Blair (1999) utilizou técnicas documentais e tentou se passar por um documentário. Muitos espectadores realmente acreditaram, mas com o tempo a verdade veio à tona. O filme não passava de uma obra ficcional e, para dar a sensação de que tudo o que aconteceu durante as filmagens era real, os diretores deixaram o elenco dentro de uma mata e os dirigiam através de bilhetes com informações básicas do que fazer, enquanto a equipe de filmagem ficava camuflada entre árvores e arbustos. Finalmente, onde termina toda produção cinematográfica, seja documental ou ficcional, o público também define o que é ou não documentário. Como já dito no início deste capítulo, esperamos, enquanto espectadores, que o material do documentário seja produto da realidade a qual fazemos parte e não feito especificamente para o filme. Ao assistir um filme documentário “continuamos atentos à documentação do que surge diante da câmera” (NICHOLS, 2001), enquanto na ficção abrimos mão desse filtro.

O autor Bill Nichols em seu livro Introdução ao Documentário, apresenta seis modos principais de se fazer documentário. São eles os modos poético, expositivo, observativo, participativo, reflexivo e performático. Cada modo possui uma particularidade e os mesmos se tornam, com o tempo, mais relevantes que os movimentos (NICHOLS, 2001). No modo poético os temas são abordados de uma forma mais subjetiva. “Esse modo enfatiza mais o estado de ânimo, o tom e o afeto do que as demonstrações de conhecimento ou ações persuasivas”. (NICHOLS, 2001) Inversamente proporcional ao modo poético, temos o modo expositivo, no qual o discurso é feito diretamente ao espectador, geralmente expondo um argumento e/ou recontando a história. Este é o modo tradicional visto nos noticiários com narração e apresentação de informações. Com a evolução tecnológica na América do Norte e na Europa, aproximadamente na década de 1960, equipamentos mais leves e portáteis foram criados permitindo que o cineasta tivesse mais liberdade de movimentação no espaço. Dessa forma, nasceu o modo observativo, onde “todas as formas de controle que um cineasta poético ou expositivo poderia exercer na encenação, no arranjo ou na composição de uma cena foram sacrificadas à observação espontânea da experiência vivida” (NICHOLS, 2001). Encontramos essa característica em Catfish (2010). Este documentário conta a história de um relacionamento à distância de Yaniv

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Schulman, um fotógrafo de Nova Iorque. Os cineastas Henry Joost e Ariel Schulman, irmão de Yaniv (ou somente Nev, seu apelido), acompanham todo o desenrolar desta história. Após uma das fotos de Nev sair num jornal, ele recebe uma correspondência com um quadro pintado a mão, supostamente por uma garota de oito anos chamada Abby Pierce, do estado do Michigan. A partir daí, ele começa a se relacionar com a menina e com sua família via Facebook, telefone e mensagens de texto. O filme se inicia com o relacionamento ainda no começo. Então, praticamente toda a história de Nev Schulman e a família Pierce se desenrola em frente às câmeras. Ela não é simplesmente contada e relembrada por uma série de depoimentos e reconstruções. Após um tempo de relacionamento com a família, Nev começa a se interessar e conversar mais com a irmã de Abby, Megan. Eles começam a se relacionar e conversar constantemente (algumas dessas conversas são mostradas durante o filme) e, após oito meses nessa situação, e já com algumas dúvidas sobre a real identidade de Megan e da família Pierce, ao surgir um trabalho próximo a Michigan, protagonista e cineastas decidem fazer uma visita para a misteriosa família a fim de sanarem suas dúvidas. Ao chegar no endereço de Megan, ele encontra apenas uma fazenda fechada, sem ninguém. Nev acaba encontrando algumas cartas que ele mesmo enviou para a garota. Tudo isso vai sendo registrado pelos cineastas, que deixam a história acontecer em frente a câmera. Eles partem para um hotel onde passam a noite e decidem ir até a casa da família durante a manhã. Chegando no endereço ele encontra a mãe das meninas, Angela, com seu marido e seus

dois filhos. Totalmente diferentes das fotos e descrições que Nev havia recebido nesses oito meses. Então as contradições começam a vir à tona e personagem e cineastas vão passando para o espectador as informações necessárias para que as peças sejam encaixadas nessa história. Nev conhece Abby, que na verdade não era quem pintava os quadros. E descobre que Megan existe, mas que não é a garota das fotos que ele via no Facebook, muito menos com quem ele se relacionou à distância durante todo esse tempo. Sua “namorada”, na verdade, era a mãe das garotas, Angela. Ela conta para eles toda sua história de vida, o que a levou a manter mais de dez perfis ativos no Facebook e sustentar esta estória durante tanto tempo. O desenrolar de toda essa trama em frente às lentes dá uma sensação ainda maior de veracidade para o documentário, apesar de alguns críticos dizerem e acreditarem que tudo foi armado e que o enredo é muito bem amarrado para ser verdade. As imagens do documentário foram feitas, muitas vezes, com câmeras portáteis e equipamentos sem fio. O que permitiu toda a mobilidade da equipe para registrar essa história. O quarto modo apresentado é o participativo. Nele, o cineasta se torna um ator social dentro do documentário. Ele deixa a posição de simples observador para sentir e participar do tema de seu filme. No modo reflexivo, tem-se o questionamento e a reflexão sobre as convenções que regem o cinema documental. Filmes nessa categoria questionam a si mesmos e também “o lema segundo o qual um documentário só é bom quando seu conteúdo é convincente.” (NICHOLS, 2001). 14


Por fim, há o modo performático, no qual o cineasta trabalha de forma subjetiva, como no poético, levantando questões sobre o conhecimento. Nichols (2001) diz que o documentário performático “tenta demonstrar como o conhecimento material propicia o acesso a uma compreensão dos processos mais gerais em funcionamento da sociedade”. Com foco no impacto emocional que o filme gera no público, documentários performáticos trazem questões sociais e não se preocupam em responder uma questão específica. Também trazem à tona o engajamento do cineasta com o tema e o filme. Os modos de se fazer documentário apresentados por Bill Nichols foram surgindo com o tempo, provenientes da evolução tecnológica ou de limitações impostas pelos outros modos de se fazer documentário, conforme representado no quadro a seguir:

TIPO

CARACTERÍSTICAS

DEFICIÊNCIAS

Ficção hollywoodiana ANOS 10

Narrativas ficcionais de mundos imaginários.

Documentário poético ANOS 20

Reúne fragmentos do mundo de modo poético.

Documentário expositivo ANOS 20

Trata diretamente de questões do mundo histórico.

Documentário observativo ANOS 60

Evita o comentário e a encenação; observa as coisas conforme elas acontecem.

Falta de história, de contexto.

Documentário participativo ANOS 60

Entrevista os participantes ou interage com eles; usa imagens de arquivo para recuperar a história.

Fé excessiva em testemunhas, história ingênua, invasivo demais.

Documentário reflexivo ANOS 80

Questiona a forma do documentário, tira a familiaridade dos outros modos.

Abstrato demais; perde de vista as questões concretas.

Documentário performático ANOS 80

Enfatiza aspectos subjetivos de um discurso classicamente objetivo.

Fonte: Nichols (2001, p.177)

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Ausência de realidade.

Falta de especificidade, abstrato demais. Excessivamente didático.

Perda de ênfase na objetividade pode relegar esses filmes à vanguarda; uso “excessivo” de estilo.


Os filmes não necessariamente apresentam apenas um modo. É possível encontrar obras que combinam modos harmoniosamente como em Twinsters (2015), da diretora Samantha Futterman, onde tem-se a mistura entre os modos observativo e performático muito aparente. O filme conta a história da própria cineasta, Samantha, e se inicia a partir do momento em que ela descobre que, provavelmente, possui uma irmã gêmea. O filme começa com uma fala de Sam no dia 23 de fevereiro de 2013, dois dias após ela descobrir sobre sua suposta irmã gêmea. Nascida na Coreia do Sul e adotada por uma família estadunidense quando tinha menos de um ano, Samantha cresceu sem saber muito sobre sua família biológica, e também nunca buscou muitas informações. Até que um dia, após participar de um vídeo num canal do YouTube de um amigo e o trailler do filme 21&Over, no qual ela atua ser lançado, Samantha recebeu um twitte1 pedindo para ela aceitar uma solicitação de amizade no Facebook de uma garota chamada Anaïs Bordier, que mora em Londres e é estranhamente parecida com ela. A cineasta então passa a registrar seu dia-a-dia e seu relacionamento com Anaïs. O filme mescla depoimentos de familiares com conversas via Skype e animações. As garotas vão percebendo suas semelhanças e vão se aproximando cada vez mais até que decidem se encontrar pessoalmente e ir atrás de suas origens e até mesmo fazer um exame de DNA. Os acontecimentos vão sendo registrados no momento em que acontecem e o especta1 2

dor descobre a história ao mesmo tempo que a cineasta. Portanto, podemos enquadrá-lo como observativo, pois a história vai sendo registrada conforme ela acontece, e como performático, pois percebemos o engajamento da cineasta, que também é protagonista do documentário e a simples missão de compartilhar essa história curiosíssima com o público e emocioná-lo. Para a criação do nosso filme, após pesquisa bibliográfica e videográfica, percebemos que os modos que melhor poderiam representar o tema seriam o performático e o observativo. Entretanto, decidimos não seguir nenhum modo como modelo para a criação do documentário, apenas tê-los como fonte de referências. Decidimos que o tema e o processo de criação do vídeo decidissem qual o tipo de documentário ele seria. O tema foi escolhido após um acontecimento pessoal onde Bruno, um dos pesquisadores deste trabalho, percebeu que, dentro das mídias sociais como Facebook e Instagram, as pessoas tinham uma ideia, uma persona2, uma imagem sobre ele. Então começou a pensar sobre isso, reparar em outras situações e fazer questionamentos. Como surgiram essas narrativas na imaginação das pessoas que stalkeiam em detrimento da real história vivida pelas pessoas que são stalkeadas. Ele decidiu, então, trazer o tema para o trabalho de conclusão de curso e criar um documentário que possa, quem sabe, gerar uma discussão coletiva sobre como nos portamos dentro das mídias sociais e uma reflexão de cada espectador sobre como isso

Mensagem dentro da mídia social Twitter. Conceito de Carl Jung. Personalidade que um indivíduo apresenta como real, mas, na realidade, não é.

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pode ter influência em sua vida. A princípio, trabalhamos com referências de documentários categorizados pelo modo performático, devido ao envolvimento pessoal com o tema e por não propor uma resposta única para determinado problema, deixando que o espectador aproveite da melhor forma a discussão levantada pelo filme e como achar melhor. Mas não deixamos de buscar referências nos outros modos de se fazer documentário, exemplificados por Bill Nichols, como também em obras ficcionais.

mais difuso e complexo do que a mera objetividade. (LABAKI, 2016)3 Como exemplo brasileiro, tem-se Jogo de Cena (2001), de Eduardo Coutinho. O diretor coloca em frente à câmera, mulheres comuns para contar suas histórias de vida. Intercalando com suas falas, atrizes como Marília Pera e Fernanda Torres interpretam as histórias contadas por essas mulheres reais. O filme não revela seu objetivo, deixando o espectador livre para absorver e interpretar da forma que achar mais importante. Como consta em Sganzerla (2001), “o fim último do cineasta contemporâneo não é o cinema, mas o espectador que - junto com o ator - constitui tese e antítese do cinema moderno (e não o contrário)”. Alguns documentários, como Heart of Dog (2015) de Laurie Anderson, onde ela aborda o luto contando sobre a morte de sua cadelinha Lolabelle, podem ser enquadrados no modo performático, descrito no item anterior. E os documentários performáticos “tentam representar uma subjetividade social que une o geral ao particular, o individual ao coletivo e o político ao pessoal”. (NICHOLS, 2001). Amir Labaki, articulista da Folha de São Paulo, cita em entrevista:

2.3 Documentário contemporâneo/ experimental Com a evolução do gênero documentário, alguns documentaristas começaram a criar obras fora dos cânones jornalísticos, atribuindo a essas obras um caráter mais pessoal e com intuito de conversar diretamente com o espectador, mas ainda não as tornando obras ficcionais. Amir Labaki, fundador e diretor do É Tudo Verdade Festival Internacional de Documentários, exemplifica esse caso em uma entrevista para a Folha de São Paulo:

O documentário oferta-nos, isso sim, um mundo novo, forjado no embate entre a realidade filmada e a sensibilidade de um cineasta. A vanguarda do documentário contemporâneo trabalha explicitamente esse enfrentamento. (LABAKI, 2016)

Exige-se a busca de objetividade de uma reportagem da CNN ou de um especial da BBC, mas não de um documentário de Johan van der Keuken, de Frederick Wiseman ou de Geraldo Sarno. O compromisso aqui é com algo 3

Disponível no link: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0403200102.htm

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3 AS NARRATIVAS QUE REPRESENTAM A IDENTIDADE SOCIAL DENTRO E FORA DAS REDES Assim como no cinema, dentro das redes sociais cada perfil ou avatar4 conta uma história. E cada usuário responsável por determinado perfil ou avatar pode se comparar a um narrador. Ou seja, os usuários constroem narrativas em seus perfis dentro das redes sociais como os cineastas nos documentários, por exemplo. Seja consciente ou inconscientemente, os usuários escolhem o que será ou não mostrado ao público e qual será a história contada para o espectador. A percepção desse comportamento é reflexo do crescimento das redes interativas de computadores. Crescimento esse que acabou “criando novas formas e canais de comunicação, moldando a vida e, ao mesmo tempo, sendo moldadas por ela” (CASTELLS, 1999). Mesmo fora das redes, no ambiente offline, as pessoas contam histórias e escolhem o que cada espectador próximo a elas verá e saberá. Afinal, vivemos numa “Sociedade do Espetáculo” e “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”. (DEBORD, 1997). Independente do ambiente online as pessoas tendem a criar personagens/imagens de si mesmas. Entretanto, quando essa relação social entre pessoas é transferida para o ambiente online, onde temos uma linha narrativa de fácil percepção, graças às timelines5 de redes sociais 4 5

como Facebook e Instagram, essa criação de personagens/imagens se potencializa e fica mais perceptível para os espectadores. Principalmente quando o espectador conhece o dono do perfil dentro e fora da determinada rede social. Como exemplo hipotético, podemos pensar em uma pessoa que posta sempre fotos em festas, restaurantes caros e com roupas de grife, mas quem conhece pessoalmente sabe que, no dia a dia, aquela pessoa vive de forma menos abastada do que aparenta nas redes sociais. Essa criação de personagens/imagens de nós mesmos é uma das causas que podemos destacar da nossa busca de identidade. Dentro da sociedade, buscamos significados de coisas e pessoas, pretendendo nos identificar com as mesmas. Castells (1999) diz que “em um mundo de fluxos globais de riquezas, poder e imagens, a busca de identidade, coletiva ou individual, atribuída ou construída, torna-se a fonte básica de significado social”. E a identidade tem se tornado a única fonte de significado para os indivíduos, atualmente. "Como eu me identifico?" ou "com quem me identifico define quem sou?". No entanto, a identidade está se tornando a principal e, às vezes, única fonte de significado em um período histórico caracterizado pela ampla desestrutura-

Representação gráfica de uma pessoa dentro de uma mídia social. Linhas do tempo, traduzido do inglês. Cada perfil dentro de uma mídia social possui uma timeline.

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ção das organizações, deslegitimação das instituições, enfraquecimento de importantes movimentos sociais e expressões culturais efêmeras. Cada vez mais, as pessoas organizam seu significado não em torno do que fazem, mas com base no que elas são ou acreditam que são. (CASTELLS, 1999, p. 41)

processo comunicativo seja estabelecido. Aquele é um espaço do outro no ciberespaço. Esta percepção dá-se através da construção do site, sempre através de elementos identitários e de apresentação de si. (RECUERO, 2009, p. 26) Então, o que torna um Ator Social mais interessante do que outro? Por que certos usuários tem muitos seguidores olhando suas postagens diariamente e outros nem tanto? Uma resposta que podemos inferir dos estudos da autora é justamente o capital social percebido pelos outros atores. Seguimos outros usuários nas redes sociais, consumimos seus textos e apreciamos suas imagens pois acreditamos que aquele conteúdo nos terá alguma utilidade imediata ou futura. Como estudantes de artes plásticas que seguem o renomado artista Vik Muniz no Instagram, ou um garoto que sonha em ser jogador de futebol e segue o Neymar no Twitter. Mas sem entrar na área dos grandes ícones midiáticos (artistas, atletas, cantores), no nosso dia a dia, mesmo com amigos, conhecidos e familiares, certas pessoas são mais interessantes do que outras. Escolhemos segui-las, saber de suas vidas e nos tornar cada vez mais íntimos, visando uma troca futura, podendo ser material ou imaterial. Recuero (2009) diz que “autoridade, popularidade e influência são valores relacionados com o capital social observado nas redes sociais”. Ou seja, tendemos a seguir pessoas que representem algum tipo de autoridade, que são mais populares que outras e/ou influentes no meio em que vivemos. A autora explana um pouco mais sobre o tema:

3.1 Atores Sociais e Capital Social Segundo Raquel Recuero (2009), os Atores Sociais são “pessoas envolvidas na rede que se analisa”, ou seja, todos os seus usuários. E por estarem dentro dessa rede ”os atores atuam de forma a moldar as estruturas sociais, através da interação e da constituição de laços sociais”. Quando falamos de redes sociais na Internet, os atores sociais são representados por seus perfis online. Ou seja, não temos os atores sociais em si, os indivíduos em si, mas um espaço onde esses indivíduos expressam suas personalidades (RECUERO, 2009). Então, cada ator social em seu espaço próprio vai publicando fragmentos de sua história de vida, pontos de vista, expectativas, entre outras coisas. Da mesma forma, outros indivíduos seguem esse comportamento. Um ator passa a consumir conteúdo do outro, as interações vão sendo estabelecidas e os usuários vão percebendo um ao outro. A autora complementa: A percepção de um weblog como uma narrativa, através de uma personalização do Outro, é essencial para que o

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Embora seja um conjunto de recursos coletivo, como salientado por Putnam e por Bertolini e Bravo, são recursos estes que estão embutidos nas relações sociais e, ao mesmo tempo, são definidos e moldados pelo conteúdo destas relações. Portanto, o capital social poderia ser percebido, pelo indivíduos, através da mediação simbólica da interação (a partir de Bourdieu) e, igualmente, através de sua integração às estruturas sociais. Por conta disto, o capital social pode ainda ser acumulado, através do aprofundamento de um laço social (laços fortes permitem trocas mais amplas e íntimas), aumentando o sentimento de grupo. (RECUERO, 2009, p. 49)

tendo a sensação de que a qualquer momento os dois personagens podem se encontrar. Criamos essa narrativa dentro de nossa própria cabeça, mesmo as imagens não mostrando (ainda) os dois personagens no mesmo quadro. Existem produções de cinema e TV que, inclusive, usam esse artifício para criar uma tensão e, no final da sequência, enganar o espectador. Como, por exemplo, no filme Truque de Mestre (2013). Em uma cena, à 1 hora e 32 minutos de filme, os protagonistas, três mágicos suspeitos de um roubo a banco, estão prestes a realizar uma apresentação pública num edifício com vários espectadores em volta. A cena começa com a polícia chegando no local passando pelos espectadores. A imagem dos mágicos fazendo um discurso está sendo projetada no prédio. Então corta para os mágicos, aparentemente dentro do prédio onde eles estão gravando as imagens que estão sendo projetadas. A sequência segue com o discurso dos protagonistas sendo mostrado dentro e fora do prédio, mostrando que tudo está acontecendo ao mesmo tempo. Eles acabam o discurso e começam a se retirar do cômodo onde estão. A cena volta para o lado de fora, onde uma luz se acende no topo do prédio e um figurante aponta para lá. Um policial diz "eles estão no teto!". Então a polícia entra no prédio e começa a subir as escadas. Corta novamente para os protagonistas. Eles estão num elevador, subindo para algum lugar. Eles têm um diálogo até que o elevador pára e eles se preparam para descer. Corta para o topo do prédio, mostra o foco de luz e um elevador chegando de dentro deste foco de luz. Nesse elevador, vemos a silhueta de três pessoas iguais aos protagonistas. O chefe da polícia grita "eles estão ali!". Corta para uma imagem aérea

3.2 Narrativas criadas por quem stalkeia Para explicar a criação das narrativas dentro da cabeça de quem stalkeia um perfil numa rede social, podemos fazer um paralelo com o próprio cinema. Quando assistimos um filme e vemos uma sequência como, por exemplo, de um longa metragem de terror/suspense como Pânico (1996), ou Lenda Urbana (1998), onde o serial killer persegue algum personagem, é comum termos a imagem da pessoa fugindo e, em seguida, corta para imagem do assassino andando. Na medida que trilha sonora vai ficando mais rápida e tensa e a imagem vai se aproximando de vilão e vítima, nós espectadores vamos

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mostrando o topo do prédio com o foco de luz e três indivíduos no meio do foco de luz. A imagem volta para a polícia. Eles avançam nas três figuras que, na verdade, são três manequins vestidos como os protagonistas. Assim, como a construção das narrativas no cinema podem ser conduzidas pelo próprio espectador, nas redes sociais podemos observar um fenômeno semelhante de construção de narrativa pelo stalkeador. Nesses casos, vemos quadros isolados e criamos narrativas dentro de nossas cabeças e decidimos que essas narrativas são a verdade, até que alguém nos mostre o contrário. Para validar isso, fizemos uma experiência. Bruno, um dos pesquisadores deste trabalho, ficou no Rio de Janeiro por uma semana. Porém, ninguém da nossa faculdade sabia quando voltaria para São Paulo. Então, assim que Bruno voltou para São Paulo, postou no Instagram algumas fotos tiradas durante a viagem definindo a localização como “Rio de Janeiro”. Nesse mesmo dia Bruno foi para a aula normalmente. Então, uma amiga perguntou: “você não estava no Rio? Vi uma foto que postou hoje”. O simples fato de postar uma foto com a localização a fez pensar que ele ainda estava naquele lugar. Essa relação também pode ser observada na explicação do autor Henry Jenkins sobre o fenômeno da convergência em seu livro Cultura da Convergência (2008):

própria mitologia pessoal, a partir de pedaços e fragmentos de informações extraídos do fluxo midiático e transformados em recursos através dos quais compreendemos nossa vida cotidiana. (JENKINS, 2008, p. 25) Outra relação que podemos fazer é da criação de narrativas nas mídias sociais com as leis de Fechamento e Continuidade da Gestalt. Ao ver um objeto ou uma imagem, como na Figura 1, nosso cérebro tende a autocompletar a sua forma, semelhante ao que fazemos nas redes sociais. Percebemos dois ou mais pontos da história de um perfil dentro das mídias sociais e criamos uma ligação entre esses pontos, autocompletando sua história.

Figura 1.

O autor João Gomes Filho no livro Gestalt do Objeto (2008), fala sobre o fator de fechamento apresentado pela Escola Gestalt: Werheimer explica o fato, introduzindo um novo fator de organização da forma, que é o fechamento - importante para a formação de unidades. As forças de organização dirigem-se, espontaneamente, para uma ordem espacial, que tende para a unidade em todos fechados, segregando uma superfície, tão

A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros dos consumidores individuais e em suas interações sociais com outros. Cada um de nós constrói a 21


Twitter, que é totalmente voltada para o texto, apesar de, atualmente, ter suporte para imagens e vídeos. Seu foco são as publicações textuais com até 140 caracteres e o uso de hashtags. Essa característica, inclusive, exige criatividade de seus usuários, tanto para criação das hashtags6 como para tornar suas mensagens coerentes e atrativas com um limite de letras a serem digitadas. Já dentro do Facebook, a mídia social que praticamente absorve dentro de si todas as outras, pois engloba textos, fotos e até vídeos, de uma forma uniforme e com a possibilidade de linkar perfis dessas outras mídias sociais, seus usuários tendem a apresentar mais informações sobre si mesmos. No Facebook é comum vermos todo o tipo de conteúdo. Desde textos pessoais e selfies, até conteúdo corporativo e textos sobre política, por exemplo. Portanto, enxergamos que cada mídia social extrai de seus usuários um determinado tipo de informações e em formatos variados. Acreditamos que isso pode influenciar na criação da narrativa sobre esses usuários por parte de seus stalkeadores.

completamente quanto possível, do resto do campo. Existe a tendência psicológica de univer intervalos e estabelecer ligações. (GOMES FILHO, 2008, p. 21) Acreditamos que uma das variáveis importantes para a criação dessas narrativas acontecerem, como no nosso exemplo citado, é justamente o fluxo de informações despejadas nas redes sociais. Por ser tão grande e tão diversificado, e eventualmente acessado pelos usuários em momentos de dispersão de atenção e tédio, os stalkeadores não recebem estímulos suficientes para analisarem a informação como um todo constantemente. Simplesmente pegam o básico exposto e não fazem uma análise mais profunda sobre o que foi absorvido. Outro fator identificado por nós que também parece influenciar na criação da narrativa por parte de quem stalkeia é a mídia social onde stalkeador e stalkeado estão inseridos. Por exemplo, no LinkedIn, uma rede social voltada para contatos corporativos, é esperado um comportamento formal por parte dos usuários, pouco compartilhamento de imagens e mais de textos e notícias referentes ao ramo de trabalho do usuário. Analisando o Instagram, percebemos que, claramente, o apelo é visual. Por ser uma rede social de compartilhamento de imagens, o culto a beleza e a forma é grande. O texto fica em segundo plano, então, as imagens chamam mais a atenção, expondo outras características de seus usuários. Praticamente o contrário da rede social 6

São palavras-chave antecedidas pelo símbolo # dentro das mídias sociais.

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4 CRIANDO O DOCUMENTÁRIO 4.1 Processo Criativo

Após toda a pesquisa sobre documentário, mídias sociais, aquisição de referências videográficas conceituais e práticas, desenvolvemos o produto do nosso trabalho de conclusão de curso. Buscamos documentários de todos os tipos, brasileiros e internacionais, para entender um pouco melhor de cada estilo apresentado por Bill Nichols no livro Introdução ao Documentário (2008) como, Jogo de Cena (2007) de Eduardo Coutinho, Janela da Alma (2001) de João Jardim e Walter Carvalho e O Homem Urso (2006) de Werner Herzog, por exemplo. Também buscamos exemplos no Youtube. Produções curtas e com menos orçamento, que se aproximassem mais da nossa proposta, como 69 - Praça da Luz (2007) de Carolina Markowicz e Joana Galvão, Poliamor (2010) de José Agripino e o já citado Ilha das Flores (1989) de Jorge Furtado. Todos estes filmes serviram de combustível para o nosso processo criativo. No nosso filme queremos simular no espectador a experiência de quem stalkeia dentro das mídias sociais, apresentando postagens e informações sem revelar o dono do perfil, induzindo quem estiver assistindo o filme a não interpretar que aquelas postagens pertencem a uma única pessoa. Ao final do vídeo, apresentamos a personagem. Uma única pessoa responsável por todas as publicações.

Como já foi introduzido no início deste documento, o que nos trouxe a escolha do tema e do formato do produto foram questões pessoais. Após Bruno terminar o seu relacionamento em 2015, ao contar para algumas pessoas, foi percebendo a imagem que todos tinham dele e da ex namorada baseados em postagens nos perfis nas mídias sociais. Decidiu, então, por estudar esse tema quando, ao contar para a irmã sobre o fim do namoro, ouviu a seguinte frase: “Nossa, mas vocês eram tão apaixonados no Facebook!”. Realmente, tudo que publicavam quando o assunto era o namoro era romântico, feliz, e os amigos dentro das mídias sociais se engajavam, curtiam e comentavam as publicações do casal. Esse foi apenas o gatilho para o tema. Começamos a reparar como, mesmo dentro do namoro, como em situações mais banais do cotidiano, nós vemos postagens de outras pessoas, fragmentos de suas histórias, e criamos em volta desses fragmentos uma mitologia, uma história sobre o dono por trás do perfil de cada postagem. Conversando com pessoas sobre o nosso tema, encontramos uma usuária do Instagram que, por ter muitos seguidores, estar dentro de um padrão de beleza estabelecido e almejado por muitas garotas, e postar muitas fotos, ouviu de outro usuário da mídia social: “Ah, eu nunca

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falei com você pois achava que você era metida, riquinha, etc”. Essa usuária me contou o quanto ficou triste com isso, pois sempre foi uma garota tranquila, que gostava de conversar sobre tudo e com todos e que não almejava grandes riquezas. Eu, Bruno, a conheci numa viagem. Conversei com ela antes de ver seu perfil no Instagram e pude analisar e comparar a garota simpática, simples e atenciosa com quem falei pessoalmente com as informações que seu perfil na mídia social transmitiam sobre ela. Percebemos, aliado aos nossos estudos para este trabalho, o quão pouco de informação aparentemente se tem nas postagens sobre quem realmente é a pessoa por trás de cada perfil dentro das mídias sociais. Sendo que nós, enquanto stalkeadores, tendemos a acreditar que elas dizem mais sobre os donos dos perfis que realizam essas postagens. Assim, vamos criando nossa própria mitologia sobre cada indivíduo por trás de cada perfil. Tendo esse panorama em mente, decidimos criar um projeto experimental. Como já foi apresentado neste documento, estudamos sobre filmes documentários, pois acreditamos ser um produto interessante para abordar o tema e pelo nosso envolvimento com produções audiovisuais (Bruno por trabalhar na área e Amanda por ser grande consumidora de cinema, seriados e produções audiovisuais), e estudamos também sobre mídias sociais e construção de narrativas. Ao estudar e entender um pouco mais a fundo sobre as produções documentais e seus tipos apresentados por Bill Nichols, encontramos um filme brasileiro chamado Ilha das Flores (1989)7, do diretor Jorge Furtado. Ele é um curta7

-metragem / documentário que fala de uma região de descarte de lixo em Porto Alegre homônima ao filme. O documentário não tem entrevistas ou apresenta documentos sobre o tema. O filme, através de uma narrativa construída com imagens estáticas e até atuações de atores, de uma forma rápida e fazendo associações entre imagem e narração, simplesmente apresenta o tema, no caso o lixão, e nos mostra que pessoas vivem lá em meio ao lixo, animais e doenças, levando o tema ao espectador. Portanto, decidimos tentar criar algo que seguisse uma linha semelhante a essa, que não se vinculasse totalmente a estética tradicional dos filmes documentários, com entrevistas, documentos e narradores, por exemplo.

4.2 Argumento Em ponto de vista, uma pessoa entra por uma porta para dentro da casa. Fecha essa porta, coloca a mochila no sofá e vai em direção ao computador. Abre o computador e o liga. Essa pessoa abre o navegador e acessa o Facebook. São mostradas uma série de postagens do mesmo usuário. São mostrados detalhes de uma mão digitando e depois no mouse. Novamente na tela do computador, com informações de um perfil do LinkedIn, alguém navega. Em seguida, é revelado que quem está usando o computador é o Bruno. Uma mão segurando um smartphone, desbloqueando o aparelho e abrindo a área de aplicativos. Abre o Instagram e aparece uma série de fotos e a mão dessa pessoa vai clicando no

Disponível no link: https://youtu.be/e7sD6mdXUyg

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botão em formato de coração. É revelada a imagem da Amanda, de perfil, mexendo no celular. Voltando para a tela do celular, são mostradas uma série de postagens no Twitter. Todas as postagens dentro dessas mídias sociais não apresentam foto nem nome do dono do perfil, mas dão a entender que foram publicadas pela mesma pessoa. O objetivo é apresentar uma narrativa dentro de cada série de postagens. Em seguida, aparece Bruno e Amanda compenetrados de olho em suas telas. O Skype começa a “tocar”, aparece a tela de chamada do Skype no computador. Bruno e Amanda atendem a chamada, cumprimentam a pessoa “do outro lado da linha” e Bruno diz: “Estávamos aqui te stalkeando. Você quer participar do nosso TCC?”. Aparece a imagem da Carolina, dona de todos os perfis apresentados no filme.

maçaneta, tira a mochila das costas, coloca em cima da cadeira, se direciona para a mesa onde está o notebook e abre o notebook. ÁUDIO: Trilha branca + som ambiente. Cena 02 INT - SALA, MESA COM COMPUTADOR Plano detalhe, parado. Barra de programas do notebook mostrando o ícone do navegador. Mouse vai em direção a ele e clica. A janela abre. ÁUDIO: Trilha branca + som ambiente. Cena 03 INT - SALA, MESA COM COMPUTADOR Plano detalhe, parado. Ponta do monitor do notebook mostrando a barra de endereço do Chrome em branco. Começa a ser escrito “facebook.com”.

4.3 Roteiro

ÁUDIO: Trilha branca + som de digitação no teclado.

Introdução do Filme EXT - RUA, CALÇADA - 45’’ Sombras de pessoas andando, na vertical, projetadas na rua e na calçada. LETTERING: “Nunca vivemos tanto na Caverna de Platão como hoje.” José Saramago

Cena 04 INT - SALA, TELA NOTEBOOK Detalhes do stalkeamento do perfil da Carolina Ansaldi no Facebook. Não revelar o seu nome. Postagens sobre as Olimpíadas.

ÁUDIO: Passos e burburinho de pessoas.

ÁUDIO: Trilha branca + som ambiente.

Cena 01 INT - QUINTAL CASA Câmera em ponto de vista de Bruno, Amanda em sua frente entra na casa, abre a porta e senta no sofá. Bruno fecha a porta, mostrando a mão na

Cena 05 INT - SALA, MESA COM COMPUTADOR Plano médio, perfil. Bruno sentado na mesa de frente pro notebook stalkeando perfil no Facebook. 25


ÁUDIO: Trilha branca + som ambiente.

ÁUDIO: Trilha branca + som ambiente.

Cena 06 INT - SALA, TELA NOTEBOOK Detalhes do stalkeamento do perfil da Carolina Ansaldi no LinkedIn. Não revelar o seu nome. Biografia e histórico profissional.

Cena 11 INT, SALA Detalhes do stalkeamento de todos os perfis da Carolina Ansaldi misturados. ÁUDIO: Trilha branca + som ambiente.

ÁUDIO: Trilha branca + som ambiente. Cena 12 INT, SALA, MONITOR Detalhe da notificação de chamada da Carolina Ansaldi no Skype.

Cena 07 INT - SALA, AMANDA MEXENDO NO SMARTPHONE Close da mão da Amanda desbloqueando o celular e acessando o Instagram. ÁUDIO: Trilha branca + som ambiente.

ÁUDIO: Trilha branca + som de chamada do Skype.

Cena 08 INT - SALA, AMANDA SENTADA NO SOFÁ Plano americano, Amanda sentada no sofá mexendo no smartphone.

Cena 13 INT, SALA (SIMULAR WEBCAM DO NOTEBOOK) Plano médio do Bruno sentado na mesa, como se estivesse falando no Skype.

ÁUDIO: Trilha branca + som ambiente.

Bruno: “Oi Carol, tudo bem? A gente estava te stalkeando aqui. Você pensou na nossa proposta? Quer participar do nosso TCC?”

Cena 09 INT - SALA, TELA DO SMARTPHONE Detalhes do stalkeamento do perfil da Carolina Ansaldi no Instagram. Não revelar o seu nome. Fotos, comentários, números de curtidas.

Plano médio da Carolina respondendo. Carolina: “Olá! Pensei sim. Gostei muito do projeto, quero participar!”

ÁUDIO: Trilha branca + som ambiente. Cena 14 Prints das páginas iniciais mostrando o nome da Carolina Ansaldi.

Cena 10 INT, SALA, TELA DO SMARTPHONE Detalhes do stalkeamento do perfil da Carolina Ansaldi no Twitter. Não revelar o seu nome. Tweets sobre sua relação com Brunos. 26


CONSIDERAÇÕES FINAIS sonora, e nas mídias sociais aparenta acontecer de forma semelhante. Ao stalkear alguém, vemos postagens que são pequenas cenas do filme da vida das pessoas por trás desses perfis. Quanto a produção do vídeo, quisemos criar algo que não seguisse as linhas tradicionais dos documentários, não trazendo características como narração e entrevistas. Nossa proposta era realmente fazer algo experimental, que se diferenciasse da maioria dos filmes que- encon tramos.

Com o andamento das nossas pesquisas sobre cibercultura, mídias sociais e stalkeamento, percebemos que não conseguiríamos, neste trabalho, afirmar se as narrativas existiam ou como elas se davam. Então, o que pudemos perceber, ée que se tornou mais consistente durante a pesquisa, foi a relação das narrativas criadas pelos stalkeadores, que percebemos no nosso próprio cotidiano, com as mídias sociais digitais. Percebemos que sim, nos casos analisados e vividos por nós durante esse trabalho, narrativas foram criadas por parte dos stalkers. Quando stalkeamos, criamos uma narrativa em nossas mentes a partir de cada postagem. Pegamos fragmentos da vida dos usuários e preenchemos as lacunas entre estes fragmentos com pequenas histórias criadas por nós mesmos. Descobrimos que o tema é muito novo. Os textos que encontramos sobre stalkeamento, são textos jurídicos, que falam sobre crimes online. E, além de novo, o tema se mostrou muito interessante e contemporâneo à nossa geração, ainda pouco explorado, que nos permite trabalhar em futuros estudos. Também foi muito interessante perceber uma relação entre a construção de narrativas no cinema e nas mídias sociais, o que nos leva a acreditar que, o resumo de tudo que abordamos até aqui se dá pela percepção humana. Pois, assim como no cinema, temos a construção da narrativa a partir das cenas, dos quadros, trilha 27


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede - Volume 1, São Paulo: Paz e Terra, 1999. DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. São Paulo: Contraponto Editora, 1997. GOMES FILHO, João. Gestalt do Objeto. São Paulo: Escrituras, 2009. JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008. MELO, Cristina Teixeira Vieira de. O documentário como gênero audiovisual. 2002. Disponível em: https://revistas.ufg.emnuvens.com.br/ci/article/download/24168/14059. Acesso em 29/05/2016. NICHOLS, Bill. Introdução ao Documentário. São Paulo: Papirus Editora, 2008. RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Editora Meridional, 2009. SALES, João Moreira; LABAKI, Amir. +3 Questões Sobre Documentário. 2001. São Paulo: Folha Mais. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0403200102.htm Acesso em: 29/05/2016. SGANZERLA, Rogério. Por um cinema sem limites. São Paulo: Azougue Editorial, 2001.

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