Centro UniversitĂĄrio SENAC Santo Amaro
Vinicius Frugis
Raves, comportamento e marketing social
SĂŁo Paulo 2015
Vinicius Frugis
Raves, comportamento e marketing social
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac – Santo Amaro, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda
São Paulo 2015
Vinicius Frugis Raves, comportamento e marketing social
A banca examinadora dos Trabalhos de Conclusão, em sessão realizada em:_________/___/___, considerou o candidato : Vinicius Frugis 1 - Examinador (a): 2 - Examinador (a): 3 - Examinador (a):
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac – Santo Amaro, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda Orientadora: Rose Maciel
Resumo Este projeto faz uma abordagem sobre as raves desde sua origem até os tempos atuais com o objetivo de compreender seu papel social como uma forma de manifestação. Essa abordagem foi baseada em três principais pilares: o marketing social, o comportamento e os registros realizados em forma de foto e vídeo. Como resultado desses registros o projeto têm como parte integrante, um material que posteriormente pode ser utilizado para a realização de outro estudo de caso que aborde o mesmo tema ou temas similares. Partindo de uma análise histórica, teórica e também dos materiais coletados, o projeto demonstra que para se colocar em prática um plano de marketing social, são necessários diversos fatores que coexistam em harmonia para o sucesso da empreitada, com destaque para os fatores upstream de influência.
Abstract This project makes an approach on the raves from his/her origin to the times act with the objective of understanding her social role as a manifestation form. That approach was based on three main pillars: the social marketing, the behavior and the registrations accomplished in picture form and video. As result of those registrations the project has as integral part, a material that later can be used for the accomplishment of another case study that approaches the same theme or fear similar. Leaving of an analysis historical, theoretical and also of the collected materials, the project demonstrates that to put in practice a plan of social marketing, they are several necessary factors that coexist in harmony for the success of the taskwork, with prominence for the factors influence upstream
Sumário 1. Introdução 1.1 Do Disco ao Trance 1.2 História, conceitos e terminologias 1.3 A Origem das primeiras raves 1.4 Raves como trancendência cultural 1.5 O crescimento do público e o declínio do movimento 2. O marketing e o social 2.1 Marketing social 2.2 Foco nos comportamentos 2.3 Marketing social e marketing comericial 2.4 Raves como questões sociais 2.5 Raves e a prática do marketing social 2.6 Festival multicultural Respect 2.7 Respect como agente de mudança 3. Metodologia 3.1 A estraégia de praça no marketing social 3.2 O planejamento de marketing social 3.3 “P” de praça: onde e quando promover que o mercado-alvo desempenhe o comportamento? 3.4 Considerações finais
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Introdução O foco principal desse projeto são as raves, abordando desde sua origem até a contemporaneidade, buscando compreender seu papel social como uma forma de manifestação que historicamente é mal vista pela parcela mais conservadora da sociedade. Com uma história cheia de reviravoltas e polêmicas, a música eletrônica transmutou-se de um ritmo ouvido apenas em clubes underground localizados na américa do norte para viajar o mundo captando novas tendências musicais até dar origem ao fenômeno conhecido atualmente como rave. Para melhor compreensão da temática abordada, um estudo de caso, focado apenas no elemento “praça”, foi elaborado para verificar se após a contribuição de tantas culturas ainda existem raves que colocam em prática o verdadeiro espírito da cultura trance representado pela sigla P.L.U.R (paz, amor, união e respeito). Como ferramentas ilustrativas dessa realidade, foram realizados dois registros (fotográfico e audiovisual) que trarão à tona a verdadeira realidade das festas raves consideradas conceituais. Partindo deste histórico, foram verificadas as ideologias presentes nesse tipo de evento, suas nuenaces e variações, para, posteriormente analisar o material coletado e realizar um comparativo entre técnicas de marketing social, e os comportamentos influenciados pela rave Respect.
História, conceitos e terminologias A música sempre esteve associada à evolução cultural e responsável por propiciar a interação social de povos desde a sua origem. Sob diferentes formas, gêneros e estilos, expressa movimentos culturais, como as raves, que agrupam público e artistas ao som de música eletrônica, sugerindo ser um elemento influenciador de um novo fenômeno cultural entre os jovens. No entanto, muitos estudiosos defendem uma tese de que algo parecido com as raves acontecia em cavernas pré-históricas. Por exemplo: de acordo com Steven Mithen, arqueólogo inglês autor do livro “Os Neandertais Cantavam Rap” citado por Chiaverini (2009, p.44), antes mesmo de desenvolver a linguagem, homens de Neandertal, usavam ritos coletivos de transe musical como forma socialização cultural e até mesmo de “primitivos encontros amorosos” expressão cunhada pelo Figura 1 - Pinturas rupestres feitas por Neandertais parecem retrarar um rito coletivo de dança
próprio Chiaverini.
No desenrolar da história da humanidade, diversos povos se reuniram - e ainda se reúnem – com diferentes objetivos, para entrar em um estado de transe, alcançado por meio da música, de
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longos períodos de dança e/ou alteradores de consciência. Entre os ritmos dessas diferentes reuniões, podemos encontrar a música eletrônica, um fenômeno que surgiu como um movimento localizado para posteriormente tomar proporções gigantescas.
Figura 2 - Uma das pistas do Ozora Festival (Hungria) edição de 2014
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A música eletrônica, como é conhecida hoje, é resultado de um processo evolutivo iniciado nos Estados Unidos na década de 1960, evoluindo de uma vertente da Disco Music1, que foi popularizada principalmente após a estreia de John Travol-
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Na época, o ritmo era tocado nas discotecas underground de Nova Iorque e Filadélfia
ta no filme “Embalos de Sábado a Noite” em 1977. Nos anos seguintes, de 1977 a 1979, a Dance Music espalhou-se rapidamente no continente americano, sendo o novo estilo musical “[...] usualmente associado aos movimentos gay afro-americanos [...]” (Domingos, 2011 p. 53) Em 1979, enquanto o movimento ganhava proporções cada vez maiores, um protesto com um discurso “anti-disco” foi organizado: a Disco Demolition Night (Noite da Demolição do Disco) em Illinois, Chicago. De acordo com Domingos (2011), esse protesto consistia na explosão de uma caixa cheia de discos/objetos da cultura Disco e ocorreu durante um jogo de baseball entre os times Chicago White Sox e os Detroit Tiggers (coincidentemente os dois principais times das cidades onde posteriormente seriam o berço do surgimento do Techno e House). Figura 3 - Poster do filme “Embalos de Sábado a Noite” (1977)
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Baseada em argumentos homofóbicos e racistas, essa manifestação social foi aproveitada por algumas gravadoras de rock para tentar recuperar as receitas perdidas com a ascensão do Disco. A manifestação conseguiu tirar um pouco do glamour do ritmo, mas ao mesmo tempo, atraiu ainda mais atenção para o movimento, devido à repercussão da manifestação na mídia.
Figura 4 - Estádio do Chicago White Sox após a explosão
A partir daí, o movimento ganhou ainda mais força com o surgimento de duas novas vertentes, consideradas as bases de toda a evolução da música eletrônica e seu cenário: o House e, posteriormente, o Techno, que fizeram sucesso e rapidamente se disseminaram na cena underground de toda américa do norte. O House surgiu no final da década de 1970 e seu nome vem do local onde o estilo geral-
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mente era escutado, um clube gay de Chicago chamado Wharehouse. As pessoas iam até o clube, escutavam o novo estilo musical e, quando iam às lojas comprar um CD, pediam pelo som da Wharehouse, ou simplesmente House. Como relata Domingos, o surgimento do House significava muito mais do que um simples estilo musical: “A house culture de Chicago criou um espírito libertador e deu expressão a identidades minoritárias, onde os afro-americanos ou os elementos da comunidade gay não seriam considerados estranhos ou exteriores ao movimento. O espaço da festa era um local onde essas identidades alternativas podiam Figura 5 - Butch Curran, proprietário da Wharehouse, posando na pista de dança recém-inaugurada ao lado do bar e grill em 23 de julho de 1984
expressar o seu sentimento de oposição.” (Domingos 2011, p.47)
Já no início da década de 1980, o Techno surgiu em Detroit, um dos principais polos da indústria automotiva dos Estados Unidos, localizado a quatro horas de carro de Chicago. A população acabara de ser realocada para o subúrbio, o que resultou na desertificação do centro, criando o ambiente perfeito para a realização das festas e, ousando dizer, da criação de um novo ritmo. O Techno consistia em utilizar as batidas do House, remover praticamente todos os vocais da música e preencher o seu espaço vazio com sons que pareciam reproduzir os sons das linhas de montagens (metálicos, agressivos e tecnológicos) que substituíam o ser humano com mais força, eficiência e barulho.
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Inicialmente experimentado por três jovens afro-americanos, Derrick May; Juan Atkins e Kevin Saunderson, o Techno junto ao House fizeram um grande sucesso na década de 1980 nos clubes voltados ao público gay, passando de uma cena underground localizada, para um fenômeno que atingiu proporções globais, chegando a ter uma música do estilo no topo das mais pedidas no reino Ao se disseminarem pelo continente americano, os ritmos acabaram por chamar a atenção dos jovens europeus, entretanto, enquanto no continente americano os ritmos faziam parte do movimento underground, no continente europeu, de acordo com Domingos apud Rietveld, os ritmos alcançaram maior sucesso financeiro e mercadológico que em seus locais de origem. 2
unido em 19862. Desde a sua criação, a música eletrônica já não era bem vista pela sociedade, principalmente pelo fato de que, grande parte do público que frequentava os clubes e danceterias da época era composto pelas minorias sociais, como negros e homossexuais. Entretanto, o clima dentro das festas era o mais harmonioso possível, por mais que os frequentadores desses eventos fossem considerados como a parcela “marginal” da qual a sociedade burguesa queria que seus filhos e netos mantivessem distância. Enquanto no contiFigura 6 - Derrick May; Juan Atkins e Kevin Saunderson, pioneiros na experimentação do Techno junto ao House
nente americano o movimento era visto como marginal, ao pas-
sar pela Europa ele exerceu papel revolucionário tanto no cenário musical como no político. O impacto na Inglaterra foi tão grande que o período entre 1987 e 1988 foi chamado de Second Summer of Love,
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fazendo uma alusão ao original Verão do Amor de 1987, em São Francisco. Apesar de ter sua origem datada do início da década de 1980, de acordo com Domingos, foi apenas alguns anos mais tarde e sob a designação de Acid House3, que a cultura Clubber foi de fato internacionalizada, sendo explorada em diversos locais, como Manchester, Londres e a renomada ilha de Ibiza, que de acordo com Dmitri citado Chiaverini, é considerada até hoje como “Casablanca do Divertimento” (Chiaverini 2009, p.66)
Nome dado ao estilo pelas sutis e coloridas alucinações provocadas pelo LSD e amplificadas a partir das modulações e variações do estilo. Essas oscilações foram descobertas por acaso, quando a Roland (famosa marca de sintetizadores) criou o TB303, um sintetizador que reproduzia o som do baixo (instrumento musical também conhecido como guitarra baixo) e criado originalmente para ser usado por guitarristas. Curiosamente, o público alvo da criação não deu muita atenção para a nova tecnologia criada. Enquanto isso, os DJs e produtores de música eletrônica se fascinavam com os novos efeitos distorcidos criados pelo aparelho. A partir daí, toda música que conta com a participação do TB303 tem o prefixo de acid: Acid House, Acid Jazz, Acid Rock. 3
Figura 7 - Pista do Amnesia bombando durante a “Cream”, uma das festas mais famosas de Ibiza
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Os pubs eram obrigados a encerrar as atividades no máximo às duas horas da manhã 4
Conhecida pelo gênero único e característico criado da mistura de diversos estilos musicais dançantes, como: Techno, House, Disco, Rock e Pop, a ilha acabou tornando-se cada vez mais famosa. De acordo com Domingos, Ibiza é o destino de férias de jovens do mundo todo, com destaque para os americanos e europeus, dessa maneira, a ilha acabou tornando-se o elo de ligação entre o cenário underground norte-americano e a cultura club britânica.
MDMA (3,4 metilenodioximetanfetamina) é o principal componente da droga sintética conhecida como ecstasy. “Bala” foi o nome popularizado no Brasil para definir o MDMA em formato de comprimido. O ecstasy ou XTC, foi considerado durante muito tempo a droga do amor, principalmente em movimentos festivos na Europa das décadas de 1980 e 1990, devido aos efeitos estimulantes e alucinógenos da droga que beneficiavam o espírito de companheirismo e aceitação do outro nas festividades em que era consumido. 5
Apesar dessa ascensão com o novo ritmo, as festas a céu aberto eram raras, devido à predominância de casas noturnas e à pressão exercida pela sociedade sobre as autoridades para coibir eventos dessa natureza. De acordo com Chiaverini (2009, p.45), as festas de Ibiza eram uma espécie de extensão da cultura Clubber, sendo que os eventos apresentavam, de uma forma ampliada, o clima de dentro dos clubes, um “clima de liberdade, de hedonismo e de mistura de culturas era semelhante àquele posteriormente encontrado nas festas” (CHIAVERINI, 2009 p.45) ao ar livre. Dessa forma, ao voltar de suas viagens de veraneio para a Europa os jovens chegavam com a bagagem cheia de novas influências e “[...] o fenômeno raver trazido de Ibiza pela elite europeia, só cresceu até assumir ares de contracultura” (CHIAVERINI, 2009 p.45). Esse boom das festas eletrônicas só atingiu tais proporções devido a leis que limitavam o horário4 de funcionamento de pubs e, principalmente, pela popularização de uma nova droga que espalhava um clima de euforia, alegria e amizade capaz de unir num mesmo espaço torcedores de futebol inglês, punks e gays sem problema algum: o ecstasy. Ao combinar a popularização do ecstasy, uma droga que deixa a pessoa alerta e acordada durante horas, e a restrição de funcionamento de pubs e clubes após certo horário, surgiam, nesse cenário, as primeiras reuniões de jovens intituladas raves. Segundo Sarah Champion, citada por Domingos, (2011, p. 48) o consumo de MDMA5 nas discotecas representou um fator marcante na emergência da música eletrônica no cenário festivo da Inglaterra.
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A origem das primeiras raves Ao ficarem sem opção de locais para se reunirem, os jovens europeus começaram a organizar, por conta própria, o
que
podemos
considerar
como as festas que deram origem ao que hoje conhecemos como rave. As primeiras raves na Europa começaram a ser organizadas no final de 1987 de forma tímida, realizadas de forma ilegal e improvisada, Figura 8 - Diversos tipos de comprimidos de ecstasy apreendidos pela polícia civil (2015)
com cerca de 100 a 200 pes-
soas reunidas em sítios e galpões ao arredores de Londres (segundo Thornton, citada por Domingos, 2011 p.48 “[...] a deslocalização dessas festas para locais mais afastados tinha como intenção criar um sentido de imprevisibilidade e ilegalidade”) ou em squats: imóveis que permaneciam vazios por grandes períodos devido à especulação imobiliária, geralmente situados na região central de Londres, podendo ser desde um apartamento até fábricas e galpões abandonados. Esses imóveis em sua maioria eram invadidos por grupos de jovens mochileiros.
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6 Aos 13 anos, Dmitri Rugiero, junto com sua mãe se juntaram a uma trupe que faria uma jornada da Alemanha até a Índia, passando por diversos países como Grécia, Turquia, Irã, Afeganistão. Em cada parada, os músicos da trupe improvisavam com músicos locais inusitadas jam sessions.
Segundo o DJ Dmitri , brasileiro considerado o 6
“pai” das raves, existiam algumas técnicas para se obter um squat com sucesso: a primeira era escolher edificações maiores e que dificilmente seriam alugadas em um curto período de tempo (devido à crise), além de conseguir abrigar um número maior de viajantes; a segunda, era invadir o squat de madrugada e com o maior
Figura 9 - Rave em uma fábrica abandonada
silêncio possível; a terceira era a fase mais importante: trocar a fechadura e eliminar qualquer indício de arrombamento. A posse da chave invertia os direitos legais e os invasores se tornam protegidos pela polícia (o que não impedia de que os donos dos imóveis em alguns casos aparecessem com porretes na mão para expulsar aquela “cambada de vagabundos”, como alega Dmitri. Mas na vida nem tudo são flores. Era comum os invasores terem que passar alguns dias no escuro, apenas entrando e saindo do squat durante a madrugada, para não chamar a atenção, aguardando o chaveiro conhecido para trocar a fechadura. A partir desse ponto, o proprietário só poderia reaver seu imóvel após uma ação na justiça, que demorava em média quatro meses para ser julgada, o que era tempo mais do que suficiente para os viajantes realizarem algumas raves e procurar outro squat para invadir.
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Vale ressaltar que o termo rave do parágrafo acima refere-se a um evento diferente do que se conhece hoje, como descreve Chiaverini: “As festas nos moldes londrinos, os estopins das onda raver, ainda não tinham muitos dos elementos encontrados nos eventos atuais. Não havia a influência de Goa, não havia psytrance, e os sítios afastados geralmente davam lugar aos squats. Eram festas de amigos, com caixas de som e picapes vagabundas, comandadas um pouco por cada um dos “produtores”. Os ingressos eram baratos, o suficiente para pagar os custos e dar um lucro pequeno.” (2009, p.67)
Figura 10 - Rave em um squat
O estilo mais ouvido nessas primeiras raves era o Acid House, que de acordo com Chiaverini combinava totalmente com o estilo dos frequentadores das primeiras raves: “Eram Clubbers urbanos, que começavam a usar ecstasy e frequentemente viam as festas como uma forma de contracultura e quebra de rotina, quase como uma afronta às leis preestabelecidas, o que só torna tudo mais divertido.” (2009 p.48/49)
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Nessa época, não existia nenhuma legislação que proibisse especificamente a promoção de raves. Apesar disso, ficava claro que “...mesmo antes da regulamentação, a polícia não via com bons olhos aquelas reuniões de malucos que varavam a noite entupidos de ecstasy...” (CHIAVERINI, 2009 p. 68). Entretanto, as autoridades britânicas procuravam não interromper eventos que reunissem muita gente, com a finalidade de evitar tumultos e incidentes mais graves. Segundo Domingos essa passividade por parte das autoridades proporcionou um novo papel na sociedade: “A cultura rave britânica acabou por representar uma revolução social e cultural maciça em Inglaterra entre o final da década de 1980 e início da década de 1990, reflectindo o desejo e a necessidade de viver experiências colectivas em oposição às limitações impostas pelo autoritarismo do governo... e pelo individualismo vivenciado pela sociedade inglesa.” (2011 p.49)
Raves como transcendência cultural Desde os seus primórdios, como apontado, as raves não eram bem vistas pelas autoridades e muito menos pelos políticos e famílias mais conservadoras. Para evitar a presença de autoridades durante as festas, os organizadores utilizavam-se das mais diversas técnicas, como por exemplo, divulgar o evento apenas algumas horas antes dos DJs tomarem seus lugares nos palcos dos galpões abandonados. Especialmente antes do advento da internet, a propaganda era feita no boca a boca ou por linhas telefônicas secretas. Dentre as mais diversas técnicas utilizadas, alguns organizadores optavam pelo uso de um sistema de mensagens eletrônicas, e o número dessa “caixa postal” era disponibilizado para os frequentadores algumas horas antes da festa começar. Esse sistema também permitia gravar apenas trechos do caminho e, conforme a caravana raver se deslocava nos arredores de Londres, as mensagens eram atualizadas e ouvidas em paradas estratégicas, através de telefones
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públicos. Em alguns casos, eram marcados pontos de encontro: distribuía-se o mapa e posteriormente a caravana seguia em direção ao sítio ou à fábrica abandonada, onde o som eletrônico ecoaria até a manhã seguinte. Após essa cultura raver disseminar-se pela Europa, em 1989, ela fez o caminho contrário e voltou para os Estados Unidos, com as raves sendo produzidas principalmente na costa leste. Um dos momentos mais marcantes na história das festas nesse local aconteceu quando o DJ Frankie Bones, inspirado no espírito das raves inglesas, resolveu parar a música que tocava para mais de 5 mil pessoas em um galpão abandonado no Queens e fazer um discurso. Nesse discurso, Bones falou sobre paz, amor, união e respeito, valores já propagados por uma geração anterior de malucos. A ideologia P.L.U.R (paz, amor, união e respeito) surgiu entre as décadas de 1960 e 1970, sendo propagado e colocado em prática por milhares de hippies nos diversos festivais que aconteceram na época. A sigla é utilizada até hoje para definir os Figura 11 - Flyer de rave feito à mão
pilares do movimento.
No começo da década de 1990, o cenário das raves começou a apresentar mudanças que iam desde a música tocada, até a ideologia. O DJs europeus começaram a mixar sons aéreos em meio
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às batidas eletrônicas do Techno e do House, com a intenção de gerar um efeito hipnótico que levasse o público a estados alterados de consciência. A essa nova vertente foi dado o nome de Trance. Essa mudança não foi considerada de grande importância para os frequentadores dos clubes, mas foi essencial para dar origem, após viajar o mundo, ao Psytrance que é o estilo mais tocado nas raves do Brasil e do mundo. As festas exibiam uma decoração mais colorida, os cabelos dos frequentadores mudavam de despenteado com gel, para enormes tranças de dreadlocks. A música tocada continuava a ser o Techno, House e Trance, mas começava a deixar escapar elementos new-age, solos sinuosos de cítaras e alguns mantras hindus. O clima dentro desse novo modelo de raves, que de mantinha desde os clubes fechados, era de total amizade e receptividade. Entretanto, esses valores ganharam maior atenção Pirofagia: arte de manipular o fogo, engolindo, cuspindo ou passando pelo corpo enquanto o profissional desenvolve movimentos performáticos de malabarismo. 7
nessa nova configuração em que elementos como performances que faziam uso da pirofagia7, chapéus de duende entre outros que pareciam ter saído de um conto de fadas ou algum misterioso e distante continente. E tinham mesmo. Esse continente era Ilha de Goa, como descreve Chiaverinini: “...um dos menores e mais ricos estados da Índia, que na década de 1970 havia se tornado a Meca dos viajantes libertários e dos hippies. Essa fama de “terra prometida” da contracultura se manteve anos 1980 adentro e acabou atraindo uma parte daqueles jovens europeus responsáveis pelas primeiras raves” (2009 p.50)
Ao chegar em Goa, o clima hippie que era lembrado com saudosismo pelos participantes do Woodstock ao se transmutarem em yuppies atrás das mesas de seus escritórios nos polos comerciais, continuava lá quase intacto. “As festas na praia, as decorações coloridas..., o LSD, a liberdade sexual, a filosofia paz e amor... os gurus e as cítaras pareciam ter parado no tempo à espera da próxima leva de malucos [...]” (Chiaverini, 2009 p.51)
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Com a propagação dessa nova modalidade de festa, a ilha de Goa começou a atrair cada vez mais jovens que frequentavam as mais loucas raves pelo mundo afora, ouviam falar desse estado mitológico e resolviam ir até lá para conferir pessoalmente a novidade. As festas eram inspiradas em tradições religiosas hindu, com aparições
Figura 12 - Festa Rave, Ilha de Goa 1990
pontuais de figuras míticas. Era raro encontrar bebida alcóolica nas festas, ao contrário de gurus8, como por exemplo o guru que nunca sentava, ou o que não abaixava o braço há mais de 30 anos e o mesmo estava calcificado. Essas peculiaridades se mis-
Guru é um tipo de professor no Hinduísmo, Budismo e Sikhisno e que possui profundo entendimento de alguma linha filosófica. O Guru também tem é visto na religião indiana como um guia sagrado à auto-realização. 8
turavam em meio às mulheres vestidas de sari, vendendo samossa, chapatti, pastéis indianos e chás. Assim como na Inglaterra, não havia propaganda e como era de costume não se cobrava entrada. Figura 13 - Guru que não abaixa o braço há mais de 30 anos
Gíria utilizada para definir o indivíduo que vive no meio urbano e que não se adapta e/ou não tem interesse por outros lugares. 9
A primeira coisa que os DJ’s
urbanóides9 fizeram ao chegar à ilha, foi pegar seus gravadores e suas fitas DAT (fitas para captação de áudio em alta qualidade, tec-
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nologia de ponta para a época) para começar a captar toda aquela essência que parecia perdida no tempo. Eles captavam todos os estilos de som possíveis: de cítaras e mantras até crianças falando hindi, depois misturavam esses sons às bases eletrônicas do Trance europeu, dando início a um estilo que ficaria conhecido como Goa Trance e posteriormente como Psychedelic Trance, ou simplesmente Psytrance. “Hoje, o ritmo tornou-se tão popular que Figura 14 - Fita DAT
acabou dominando o termo que antes designava o estilo
de música europeu. Atualmente, a palavra trance é geralmente usada como abreviação não apenas do som, mas também de toda uma cultura que acompanha o Psytrance. Em sua forma mais tradicional, ainda encontrada em algumas e poucas raves e festivais, a “cultura trance” baseia-se nos princípios PLUR de paz, amor, união e respeito. Vem temperada com elementos neo-hippies de culto às drogas e à liberdade; tem traços da contracultura freak europeia; e levanta bandeiras de proteção ao ambiente, vegetarianismo e oposição às autoridades estabelecidas.” (Chiaverini, 2009 p.51)
Além de introduzir elementos que seriam de suma importância para a base do universo e cultura raver, a ilha de Goa também foi responsável por mais uma das características das festas atuais: eventos ao ar livre. Esse tipo de festa já acontecia na Europa, mas sempre com certa timidez, devido ao clima não ser propício para se passar a noite toda ao ar livre. Por esse motivo, as festas restringiam-se aos galpões, squats ou clubes.
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Após essa leva de DJ’s que visitaram Goa presenciarem o surgimento do Goatrance e captar os sons da ilha em suas inseparáveis fitas DAT, eles partiram mundo afora, sempre buscando novas influências e realizando as raves com as próprias mãos e de forma improvisada, até chegar ao Brasil em meados da década de 1990. Enquanto o fenômeno raver apenas começava a surgir no Brasil, na Europa o movimento atingiu seu ápice durante um festival em Castlemorton, intitulado como Commom Festival. Como de costume, o evento era um tanto que improvisado e sem grandes estruturas, entretanto, cerca de 40 mil ravers compareceram à festa que atingiu proporções “woodstockianas” expressão cunhada por Chiaverini (2009 p. 68). O evento ganhou proporções muito além das expectativas, chegando ao ponto de ter helicópteros da polícia desviando dos rojões que eram disparados pelos participantes enquanto sobrevoava a pista de dança. Para piorar a imagem negativa que o movimento já possuía, toda a cena foi transmitida ao vivo em boletins de todas as grandes emissoras da Europa. A resposta do governo a esse show de horror transmitido ao vivo para todo o continente foi um pacote de leis que endureceu as medidas contra as festas em squats e proibia qualquer reunião de pessoas em espaço aberto sob o som de qualquer música de batidas repetitivas, esse pacote de leis recebeu o Figura 15 - Estacionamento do Common Festival
nome de Criminal Justice Act, de 1994.
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Com a aprovação desse pacote de leis, a expectativa era de que o movimento perdesse força perante as intervenções que a polícia estava autorizada a realizar nas festas raves. Mas segundo Carvalho, citado por Domingos (2011, pg. 49): “[...] estas restrições não acabaram com o movimento. Pelo contrário, fortaleceram e estimularam-no, pois estas limitações à liberdade encorajaram ainda mais a realização de raves ilegais em massa, representando aqui uma forma de resistência não de classes, mas de direito ao lazer e à diversão.”
O fortalecimento da cultura ganhou ainda mais proporção e “[...] acabou por representar uma revolução social e cultural maciça em Inglaterra entre o final da década de 1980 e 1990, reflectindo o desejo e a necessidade de criar e viver experiências colectivas em oposição às limitações impostas pelo autoritarismo do governo... e pelo individualismo vincado na sociedade inglesa.” Domingos (2011 p. 49)
Após o evento em Castlemorton, a cultura raver criou um sentimento de oposição e pânico moral na sociedade. Esse sentimento ficava cada vez mais claro e evidente na medida em que os meios de comunicação de massa apresentavam um discurso negativo focado principalmente na realização de festas ilegais onde o consumo de drogas era feito com um propósito hedonista de prolongar o prazer e a duração da festa. Após o pacote de leis de 1994 ser colocado em prática, e com a imagem negativa que as raves adquiriram na Europa, alguns dos organizadores desse tipo de festa começaram a buscar novos locais paradisíacos e isolados para a realização das festas. Após viajarem pelo mundo, chegaram ao Brasil coincidentemente na mesma época em que alguns dos Djs que acabavam de sair da ilha de Goa. As raves no Brasil Da mesma forma que na Europa, as raves no Brasil traçaram uma trajetória que começou
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de forma discreta, com pequenas festas que não chegavam a cem pessoas, realizadas por núcleos de estrangeiros e que, com o passar do tempo, acabam atraindo milhares de pessoas e tomando proporções gigantescas. Os primeiros organizadores de raves chegaram ao Brasil durante uma de suas viagens pelo mundo em busca de destinos paradisíacos “[...] posicionados entre os dez mais de seus guias de viagem.” (Chiaverini, 2009 p. 53) para a realização dos eventos. O “ponto zero” das raves no Brasil são os distritos de Trancoso e Arraial D’ajuda, localizados ao sul da Bahia, em Porto Seguro. Ao chegar no Brasil, as raves já possuíam uma certa identidade que se desenvolvera desde sua “criação”, quando foram misturados elementos da música eletrônica (EUA e Europa), com os elementos das festas da ilha de Goa. As primeiras raves foram realizadas no ano de 1991, sendo organizadas por pequenos núcleos de estrangeiros, entre eles, o DJ italiano Max Lafranconi, que possuída uma casa em Arraial D’ajuda e experiências anteriores com esse tipo de festa. Curiosamente, por mais que as festas fossem realizadas em território nacional, [...] as festas de Trancoso faziam parte de um movimento de estrangeiros que se encerrava ali, naquele seleto grupo de neo-hippies, muitos dos quais passavam a vida viajando com polpudas mesadas paternas ou se virando com bicos Figura 16 - DJ Max Lanfranconi (2013)
esporádicos.” (Chiaverini, 2009 p.53/54)
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Por mais que se tratasse de um movimento de um grupo seleto, haviam participantes brasileiros, mas de acordo com Chiaverini “[...] a maioria estava ali como convidada dos estrangeiros e não como protagonista do movimento.” Chiaverini (2009 p.54) Enquanto isso, nos clubes underground de música eletrônica de São Paulo, a palavra rave era pouco conhecida e raramente pronunciada. As poucas pessoas que se arriscavam a utilizar essa terminologia eram DJs ou pessoas que tiveram contato com esse formato de festa no exterior. Até Geralmente o horário de funcionamento dos clubes de música eletrônica era das 22:00 às 4:00 da manhã. 10
porque como retrata Chiaverini: “[...] para aquele punhado de clubbers urbanos, gays, moderninhos e fãs de Techno, a possibilidade de ter que sujar os pés de lama... para chegar a festas em praias isoladas parecia pra lá de absurda.” (Chiaverini, 2009 p.54) Entretanto, da mesma forma que na Europa, a ideia começou a parecer um pouco mais plausível e interessante a partir do momento em que o ecstasy começou a liderar a lista de drogas
O ambiente do Chill-out consiste geralmente em instalações confortáveis com redes e puffs, onde o som ambiente tocado predominante é baseado em músicas acústicas e orgânicas que proporcionam relaxamento físico e mental. 11
usadas pelos clubbers durante a noite paulistana e “[...] com isso, cada vez os clubbers pensavam menos em ir para a cama no fim das noites de sábado” (Chiaverini, 2009 p.54). Devido ao uso da droga, da mesma forma que ocorrera anos antes na Europa, o horário10 de funcionamento dos clubes de música eletrônica já não era mais suficiente para o público. Dessa forma em meados da década de 1990, surgiram as primeiras reuniões Chill-outs11 que tinham como objetivo dar um tempo para relaxar e esperar a euforia do ecstasy passar. No início essas reuniões eram organizadas e realizadas pelos próprios jovens em suas casas ou apartamentos e, com o passar do tempo passaram a ser realizadas em bares que notaram o crescimento desse mercado e adotaram esses jovens como público alvo. Após vários anos morando na Inglaterra e em uma visita ao Brasil, em 1994, Dmitri produziu uma festa intitulada “Tenda do Além”, a primeira rave que se tem relatos na cidade de São Paulo. A festa era pequena, cerca de 200 pessoas, e foi realizada em um estúdio de vídeo, seguindo os moldes londrinos. Infelizmente – e diferente dos moldes londrinos - a festa foi interrompida pela polícia.
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Já em 1995, alguns dos estrangeiros responsáveis pelas primeiras festas de Trancoso e Arraial D’ajuda, entre eles o italiano Max Lafranconi, arriscaram-se a realizar as primeiras festas rave em cidades próximas a São Paulo. As festas ainda eram chamadas de “festas de sítio” e de acordo com Chiaverini, “[...] os eventos tinham pouca repercussão e o público era composto de estudantes universitários ou conhecidos dos organizadores. Havia poucos adeptos dos clubes de música eletrônica por ali [...]” (Chiaverini, 2009 p. 55) Nesse mesmo ano, Camilo Rocha12 ao voltar da Inglaterra para São Paulo, resolveu organi-
No começo da década de 1990, o DJ e jornalista Camilo Rocha havia passado uma temporada no continente europeu, mais especificamente na Inglaterra, frequentando festas londrinas e tendo contato com a cultura Clubber. 12
zar uma rave inspirada nas experiências que teve em Londres. A festa de Camilo aconteceu no fim de 1995 na faculdade de química da USP e foi “[...] uma das primeiras festas a unir o “gueto” eletrônico com o fenômeno raver no Brasil [...] (Chiaverini, 2009 p. 55) Essa união ocorreu principalmente pelo fato de Camilo tocar no submundo eletrônico há algum tempo. Chiaverini aponta que: “A festa de Camilo foi uma novidade bem-vinda, com cerveja barata, quatro DJs de diversos estilos (André Meyer entre eles) e um terraço onde era possível enxergar o horizonte da cidade que dormia, alheia aos primeiros passos do embrião eletrônico que se espalharia pelo país e se tornaria um universo paralelo para onde fugiriam jovens das mais diferentes tribos. E os pais que dormiam tranquilos no final daquele ano de 1995 Figura 17 - Camilo Rocha (2015)
nem poderiam imaginar que, quando seus filhos ainda
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crianças chegassem à adolescência, no ano de 2007, teriam cerca de 1.400 raves para tentar satisfazer sua busca... por formas cada vez mais intensas de diversão.” (Chiaverini, 2009 p. 55)
A partir desse momento a maioria das festas, tanto ao ar livre como as festas em locais fechados, “[...] eram produzidas por grupos de amigos que se reuniam e juntavam dinheiro para alugar um terreno e comprar umas cervejas.” (Chiaverini, 2009 p. 55) Entretanto, de acordo com André Meyer13: junto com a realização desse tipo de festa, “[...] vinha um sem-número de contratempos.” Enquanto a juventude cara-pintada saiu às ruas no início da década de 1990 pedindo a renúncia do presidente caçador de marajás, André Meyer estava fazendo suas malas e partindo rumo à Inglaterra, “[...] onde passou a morar com um tatuador, que o ajudou a mergulhar de cabeça em um novo universo, uma moderna onda hedonista que se alastrava pela Inglaterra e estava prestes a dominar o mundo.” (Chiaverini, 2009 p. 44) Quando voltou para o Brasil, André usou toda a experiência adquirida no exterior para começar a realizar o que seriam as primeiras raves em território nacional. 13
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(Chiaverini, 2009 p. 55) André lembra de diversas situações inusitadas que vão desde a caravana raver se perder no meio do mato, de madrugada, sem fazer a mínima ideia da localização do sítio alugado, e não ver outra alternativa a não ser ligar o som dos carros no último volume e fazer a festa ali mesmo, até situações mais tensas, onde o dono do terreno alugado se dava conta que “[...] aquele bando de malucos tatuados com seus dreadlocks e piercings não iriam mais embora e assustado, disparava a alguns tiros para o alto para espantar todo mundo.” (Chiaverini, 2009 p. 56) Por incrível que pareça os ravers não se importavam, pegavam os geradores, as caixas de som, encontravam um terreno abandonado e continuavam a festa do jeito que desse. Por maiores que pareçam os contratempos, a aventura de ir até um lugar no meio do mato e dançar a noite toda até o amanhecer é uma experiência única. André ressalta que ir a uma rave é muito diferente de ir a um clube de música na cidade “[...] uma caixa subterrânea onde se saía bêbado lá pelas duas ou três da manhã, depois se cambaleava até uma cama em um apartamento empilhado na cidade.” (Chiaverini, 2009 p. 56) Enquanto nas festas raves o clima era bem diferente: embalado o sob as intermináveis batidas do Psytrance “[...] o pessoal dançava a noite inteira no meio do mato, da natureza, perto de cachoeiras ou à beira-mar [...]” (Chiaverini, 2009 p. 56)
Figura 18 - Foto aérea do Festival Mundo de Oz
A persistência dos organizadores e o positivismo dos integrantes do movimento frente aos problemas parecia ser sua força motriz, e “[...] para André, aquele movimento todo era uma onda romântica, de alguns amigos que queriam viver a vida de uma forma diferente, alternativa.” (Chiaverini, 2009 p. 56) Até o esse momento, como podemos observar, as festas realizadas no Brasil apresentavam uma característica parecida com as das primeiras festas desse gênero, que misturavam elementos londrinos, americanos e da ilha de Goa, acompanhadas de um espírito de colaboração para alcançar a meta principal que era a realização de uma reunião ao som de música eletrônica. Entretanto, na segunda metade da década de 1990 o público que frequentava esse tipo de festa era muito grande, e
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como o número de raves era pequeno, o público acabava superlotando as festas. Com esse sucesso, os organizadores desse tipo de evento passaram a focar em atrair um público cada vez maior, o que foi a fórmula perfeita para arrecadar receitas cada vez maiores, mas ao mesmo tempo significava cada vez menor controle sobre o público, e maior depreciação dos valores (P.L.U.R) originalmente tidos como base do movimento.
O crescimento do público e o declínio do movimento Em 1996, dois anos depois de sua última visita ao Brasil, Dmitri decidiu voltar definitivamente para viver em solo nacional e assim como outros DJs viajantes, começou a organizar a própria festa. Com a história se repetindo mais uma vez, e com mais de dez anos de atraso em relação à Inglaterra, o Brasil começa a presenciar o fenômeno da multiplicação das raves. Três anos depois das primeiras festas em Trancoso, São Paulo já abrigava diversos núcleos de produção desse tipo de evento, “[...] como as Naganaja, dos mesmos estrangeiros que produziam as festas na Bahia; as Daime Tribe, de André Meyer com outros organizadores; e as Oribapu, de Camilo Rocha.” (Chiaverini, 2009 p. 70) As festas eram voltadas para um público jovem, universitários de uma forma mais geral. Aconteciam geralmente em sítios nos arredores de São Paulo com som de baixa qualidade e quando atingiam a marca de trezentos participantes já era motivo de alegria para os organizadores. Apesar de algumas raves buscarem um maior nível de profissionalismo, “[...] a maioria continuava a acreditar na improvisação como parte do movimento.” (Chiaverini, 2009 p. 71) As primeiras festas de Dmitri chamavam-se Cuckooland, posteriormente mudando o nome para “Avonts” (gíria da época para à vontade). A Avonts seguia os moldes de festa londrinos, já que ao contrário de André Meyer, Dmitri não havia presenciado o surgimento do psytrance na ilha de Goa e não dava tanta importância para o ritmo.
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Foi então, que no final da década de 1990, começaram a surgir eventos em que o público passava de mil participantes. A partir daí, os organizadores das festas entraram na era da concorrência, cada um tentando fazer raves com mais participantes, tentando aumentar o nível de profissionalismo para consequentemente aumentar o lucro. Em 1998, ao atingir a marca de dois mil participantes, a Avonts mudou de nome para “Mega-Avonts, tornando-se uma das maiores raves brasileiras. Esse sucesso é explicado a partir de uma simples atitude: a aposta da Avonts na influência londrina, reproduzindo em suas festas as batidas que eram classificadas como urbanas, como o Techno, o Acid House, e outras vertentes como o Drum’n’Bass14. E foram essas batidas urbanas que atraíram não só os jovens de classes mais abastadas, mas também os jovens da periferia, que juntavam dinheiro por meses para poder ir a uma festa
“Ritmo eletrônico com elementos do hip-hop, batida sincopada e que agradava mais os jovens da periferia.” (Chiaverini, 2009 p. 71) 14
rave. Consequentemente com o sucesso da festa, veio o sucesso na carreira de Dmitri como DJ, tornando-se um dos DJs mais cobiçados da época, tendo sua agenda lotada de sets por todo o Brasil. 15
Tudo ia muito bem na vida de Dmitri, até que uma certa noite enquanto tocava em um clube
Set é um conjunto de músicas previamente selecionadas pelos DJs que são mixadas na hora da apresentação. 15
na Vila Olímpia, uma equipe da polícia civil invadiu o local e o levou preso sob a acusação de tráfico de drogas16. No final das contas, Dmitri acabou sendo liberado quando (quatro meses depois) os dois jovens que foram flagrados com a droga voltaram atrás nos depoimentos. Curiosamente ao sair da cadeia, “[...] Dmitri viu sua carreia de DJ dar um salto.” (Chiaverini, 2009 p. 75) Depois de aparecer em jornais, revistas e na televisão, ele havia se tornado mais famoso que antes e todos queriam tê-lo como atração em festas e clubes. E foi em 2001, após cinco anos de sua primeira edição, sendo realizada às margens da represa Billings e atraindo um público cada vez maior, que a Mega-Avonts atingiu um público de doze mil
Como conta Chiaverini: “Naquela mesma noite, depois de meses de investigação, a polícia prendera dois jovens em flagrante, com 1.200 comprimidos de ecstasy. Durante o depoimento, os dois haviam apontado Dmitri com dono da droga.” (Chiaverini, 2009 p. 71/72) 16
pessoas. O sucesso da festa era grande, mas não parecia o suficiente para Dmitri que paralelamente
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a organização da festa, continuava a investir na sua carreia de DJ, que mais do que nunca, rendia um bom dinheiro: cerca de R$ 3.000,00 por apresentação. Entretanto, esse crescimento que parecia a fórmula do sucesso acabou também sendo o calcanhar de Aquiles da Mega-Avonts e de muitas outras raves que seguiam a mesma formulação. Tradicionalmente, a Mega-Avonts oferecia artistas de diversos estilos e consequentemente seu público também era variado. Mas com o passar do tempo, os jovens de classe média que eram adeptos do Psytrance, não gostava da presença em massa do pessoal que vinha da periferia para ouvir o Drum’n’bass e no final das contas “[...] a festa acabou sendo taxada como “festa de mano” e o público começou a diminuir.” (Chiaverini, 2009 p. 78) Com essa diminuição dos adeptos do Psytrance nas festas, a proposta inicial das raves baseada no espírito PLUR, de paz, amor, união e respeito foi por água abaixo, transformando a Mega-Avonts em uma balada como os clubes de São Paulo, mas a céu aberto. Após tantas desventuras e aventuras, em 2006 Dmitri passou por uma experiência que jamais vivera antes: tornou-se pai. A partir do nascimento de sua filha, o dinheiro que os sets lhe rendiam era razoável e para Dmitri “[...] as festas constituíam um investimento incerto. Podiam dar lucro, mas bastava uma boa chuvarada para causar vultosos prejuízos.” (Chiaverini, 2009 p. 76) Foi então que, juntando o espírito da festa que se perdera em meio ao preconceito entre classes sociais e o nascimento de sua filha, Dmitri deixou de produzir a Mega-Avonts. A festa ainda acontece esporadicamente nos arredores de São Paulo, mas com o público minguando e sendo produzida de forma cada vez mais precária. Atualmente, Dmitri ainda recebe royalties pela marca da festa, mas o sustento de sua vem de seu trabalho na galeria de arte popular brasileira, fundada por seu pai. Foi então, que a partir do final do ano de 2010 que, da mesma forma que as festas de Dmi-
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tri, outras muitas surgiram, tiveram sua ascenção e posteriormente, como um destino fatídico, caíam em declínio com o aumento do público e a “comercialização” dos eventos. Com isso, muitas festas que eram consideradas como representantes da cultura trance e do espírito P.L.U.R deixaram de existir enquanto muitas outras surgiam para seguir a mesma trilha: começar como uma festa conceito e depois descambar para apenas mais uma empreitada financeira. Dessa forma, os núcleos de produção das raves saíram em busca de novas táticas para a realização da raves e começaram a apostar em valores que remetiam os das primeiras festas da ilha de Goa, como o contato com a natureza, um novo estilo de música eletrônica, e uma ideologia baseada nos conceitos P.L.U.R. Ao colocar em prática esse novo modelo de festa, as raves deixaram de utilizar o marketing comercial como método e assumiram características que muito se assemelham ao marketing social, tema que abre o próximo capítulo.
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Marketing Social
O marketing social é uma vertente do marketing que foi rotulada como tal no início da dé-
cada de 1970 e, de acordo com Kotler, tem seu foco voltado a “influenciar comportamentos que vão melhorar a saúde, evitar acidentes, proteger o meio ambiente e contribuir para as comunidades em geral.” (KOTLER, 2011 p. 26). O termo marketing social foi inicialmente introduzido em um artigo pioneiro no Journal of Marketing, por Philip Kotler e Gerald Zaltman, para definir o uso de técnicas do marketing para promover uma causa social, um comportamento ou uma ideia. Com o passar dos anos, o interesse crescente sobre o assunto passou da esfera da segurança e da saúde pública para defensores do meio ambiente e da comunidade. Essa disciplina pode ser amplamente utilizada para influenciar os mais diversos comportamentos para benefício do próprio praticante da mudança ou para a sociedade que o cerca, por exemplo: “reduzir o consumo de tabaco, diminuir a mortalidade infantil, deter a disseminação do HIV/AIDS, erradicar a filariose, tornar o uso do capacete de bicicleta uma norma social, diminuir o despejo de lixo nas ruas...” (KOTLER, 2011 p. 21), entre outras ações. Kotler demonstra ainda que existem diversas definições de diversos autores para designar o que é de fato o marketing social, mas todas elas apresentam grande semelhança entre si, como podemos observar: “O marketing social é um processo que aplica princípios e técnicas do marketing para criar, comunicar e proporcionar valor a fim de influenciar comportamentos de públicos-alvo que beneficiam tanto a sociedade (saúde pública, segurança, meio ambiente e comunidades) como os públicos-alvo propriamente ditos.” (Philip Kotler, Nancy Lee e Michael Rothschild, 2006) Kotler, 2011 p. 26
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De acordo com Kotler, ““Upstream”, literalmente significa “rio acima”, sendo o termo utilizado por diversas áreas para designar o que está anterior a um determinado ponto em uma cadeia de atividades [...]” e no caso em pauta “significa que o marketing social está anterior, como fator de influência, na cadeia de atividades que podem resultar na mudança de comportamentos (downstream) desejáveis para o bem da sociedade e do público-alvo.” (Kotler, 2011 p. 22) 17
“O marketing social é o processo de criar, comunicar e proporcionar benefícios que o(s) público(s)-alvo quer(em), em troca de um comportamento público que beneficie a sociedade, sem lucro financeiro para o profissional de marketing.” (Bill Smith, 2006) Kotler, 2011 p. 26 “O marketing social é a aplicação de tecnologias de marketing comercial para a análise, o planejamento, a execução e a avaliação de programas projetados para influenciar o comportamento voluntário de públicos a fim de melhorar seu bem-estar pessoal e o de sua sociedade.” (Allan Andreasen, 1995) Kotler, 2011 p. 26 “O marketing social é a aplicação sistemática de conceitos e técnicas de marketing para alcançar metas comportamentais específicas relevantes para o bem social.” (Jeff French e Clive Blair-Stevens, 2005) Kotler, 2011 p. 26
As semelhanças nas descrições acima parecem apontar para um uso restrito do marketing social em organizações sem fins lucrativos, como Bill Smith alude. De fato, o marketing social é mais utilizado por essas instituições, o que não impede que outras organizações com fins lucrativos façam uso de suas técnicas, de forma a propiciar um comportamento upstream17 que gere o bem-estar do praticante da mudança e/ou da comunidade, além de gerar receita para a organização.
Foco nos comportamentos
Da mesma maneira que o profissionais do marketing comercial vendem produtos e servi-
ços, os profissionais do marketing social estão vendendo comportamentos e formas de agir em sociedade. Aliás, essa diferenciação é apontada por Araújo (1997) e compartilhada por Brenkert: O marketing social difere do marketing comercial em pelo menos dois aspectos importantes: primeiro, a meta do marketing social é o bem (bem
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estar) individual ou social, não simplesmente a satisfação individual; segundo, a finalidade a ser alcançada pelo marketing social é algo que aqueles que vivenciam o problema social não precisam eles mesmos identificar como um problema social (BRENKERT apud ANDREASEN, 2002, p. 59-61) Assim, Kotler sugere que os agentes da mudança atuem de uma maneira que influencie os mercados-alvo para executar uma das quatro ações: “1 – Aceitar um novo comportamento (ex. Produzir adubo a partir de restos de alimento); 2 – Rejeitar um comportamento parcialmente indesejado (ex. Começar a fumar); 3 – Modificar um comportamento atual (ex. Aumentar a atividade física de 3 dias por semana para 5 dias por semana); 4 – Abandonar um velho hábito indesejável (ex. Falar ao telefone enquanto dirige).” (Kotler, 2011 p. 28) Kotler ainda destaca que o grande desafio do marketing social não é informar a sociedade sobre algum problema vigente, e sim a adesão da sociedade a algum(s) hábito(s) ou prática(s) diária(s) para prevenir, diminuir ou sanar o problema. Essa dificuldade na adesão dos comportamentos desejados ainda encontra mais três outras barreiras: 1 - o profissional de marketing social não pode prometer um benefício direto ou um retorno imediato em troca da adoção da mudança de comportamento.
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2 – “... identificar o que os públicos-alvo identificam como barreiras para adotar o comportamento desejado e os benefícios que eles desejam e acreditam que podem adquirir.” (Kotler, 2011 p. 29) 3 – “... a mudança de comportamento é geralmente voluntária.” (Kotler, 2011 p. 28) Entretanto essa mudança que em um primeiro momento seria voluntária, com o tempo perde sua força de adesão, e alguns estudiosos afirmam que atualmente a mudança ocorre de uma maneira diferente, como sugere Kotler: “[...] muitos acreditam que essa forte confiança na mudança voluntária de comportamento individual está ultrapassada e evoluiu para a aplicação de tecnologias de marketing social, para influenciar outros fatores de mudança no ambiente (por exemplo, leis, política, mídia) [...]” (Kotler, 2011 p.29)
Por isso o marketing social, da mesma forma que o marketing comercial, necessita de um planejamento que vá ao encontro dos desejos, necessidades e preferências dos públicos-alvo, focando em benefícios reais, exequíveis e de curto prazo, além de basear-se fortemente na recompensa por bons comportamentos em vez da punição de maus comportamentos por intermédio de meios de influência legais, econômicos ou coercivos. Kotler aponta que estudiosos como Donovan e Henley defendem também a ideia de buscar indivíduos em comunidades que tenham o poder de promover mudanças institucionais, políticas e legislativas em núcleos sociais (ex. supervisores de escolas), facilitando assim o processo de adesão ao comportamento esperado. Dessa forma, o agente de mudança deixa de influenciar apenas o indivíduo com um problema/comportamento “problemático” para influenciar também aqueles que podem facili-
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tar a mudança desse comportamento, lembrando que as técnicas continuam as mesmas. Por fim, tem-se a última questão que é considerada até um motivo de discordância com o marketing social: quem determina se uma mudança de comportamento criada por programas de marketing social é benéfica? Embora a maioria das causas apoiadas pelo marketing social tenham a tendência de gerar um consenso de que a causa é boa, o mesmo modelo de apelo pode ser usado pela oposição que tem uma visão divergente do que é bom. Um bom exemplo citado por Kotler (2011, p. 30) é o aborto: “Ambos os lados afirmam estar do lado “bom” e fazem uso de estratégias de marketing social para influenciar o comportamento público”.
Marketing Social e Marketing Comercial A American Marketing Association entende que o marketing é a
“Função organizacional e um conjunto de processos para criar, comunicar e proporcionar valor aos clientes e para gerenciar relações com os mesmos, de maneira que beneficiem a organização e as partes interessadas.” (Kotler, 2011 p. 29)
Observando essa afirmação, temos uma base que rege todas as variações do marketing, entretanto para cada uma delas são tomadas medidas diferentes, de acordo com o objetivo do plano de marketing, para melhor atender as necessidades de cada público-alvo. Para melhor compreender essa diferenciação, foi estabelecida primeiro uma lista das semelhanças entres as disciplinas e, em seguida, uma tabela que faz um paralelo das diferenças entre o marketing comercial e o social:
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Similaridades – Marketing Comercial e Social Foco no cliente é fundamental: oferta do produto (produto; preço; praça) atraente para o público-alvo, solucionando um problema, satisfazendo um desejo ou necessidade. Teoria da troca: percepção pelo público-alvo de benefícios que se igualem ou excedam os custos percebidos associados ao desempenhar o comportamento. Pesquisa de marketing contínua: pesquisar e compreender as necessidades, os desejos, as crenças e as atitudes específicas dos adotantes-alvo para desenvolver estratégias efetivas.
Segmentação de públicos: estratégias feitas sob medida para os desejos, as necessidades, os recursos e os comportamentos atuais dos diferentes segmentos de mercado.
Uso dos 4 P’s: criar uma estratégia vencedora com uma abordagem integrada, que utilize tudo que há de disponível em seu “arsenal” fazendo uso de outras técnicas além da propaganda e comunicação persuasiva. Mensuração de resultados: avaliação do feedback para aprimorar o projeto.
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Diferenças Marketing Comercial
Marketing Social
Venda de produtos e serviços.
Venda de um comportamento desejado.
Foco no ganho financeiro.
Foco no ganho da sociedade.
Segmentos de mercados-alvo são escolhidos baseados Busca por segmentos de mercados-alvo em fatores como: prevalência de problema social; capaque proporcionem maior volume de vencidade de atingir o público; aceitação de mudança; entre das lucrativas. outros. Concorrência: comportamento atual ou preferido do mercado-alvo e os benefícios percebidos associados a esse Concorrência: organizações que ofere- comportamento, incluindo o status quo. Isso também leva cem produtos e serviços similares. em consideração organizações vendendo ou promovendo comportamentos que competem com a iniciativa do marketing social, como a indústria do cigarro) Por mais que essas duas “divisões” do marketing possuam divergências em sua maneira de atuação, o objetivo converge para um mesmo ponto: ganhar os maiores retornos possíveis sobre o seu investimento de recursos. Por um lado gerando o consumismo e riqueza para uma instituição e por outro gerando um bem-estar de seu público e do meio em que vive.
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Psicodelia.org “Promover “raves” para vender ecstasy: novo mercado para os traficantes cariocas” disponível em: http://psicodelia.org/noticias/ polemica/promover-%E2%80%9Craves%E2%80%9D-para-vender-ecstasy-novo-mercado-para-os-traficantes-cariocas Acesso em: 16/10/2015 18
Raves como questões sociais
Como já abordado no capítulo anterior, desde o seu surgimento junto a cultura clubber, a
música eletrônica já era encarada como um ritmo da parcela marginal da sociedade. Esse preconceito tornou-se ainda maior na sociedade após o surgimento das primeiras raves, que eram encaradas –e são até hoje- como um lugar onde pessoas se reúnem com o propósito de usar drogas e dançar a noite toda sob o som ensurdecedor do bumbo eletrônico. Atualmente as raves ainda carregam sob si esse olhar preconceituoso que, em grande parte, foi formado pelo discurso tendencioso que a mídia faz uso para atrair audiência. O que a maioria não enxerga é uma festa rave é muito mais do que uma reunião de pessoas em um sítio ou fazenda com música eletrônica tocando direto. A festa rave inclui uma série de ideologias e comportamentos que, de uma certa forma, são próprios daquele ambiente específico. E quando dizemos “ambiente específico” nos referimos ao ambiente de cada “festa”. Existem diversos tipos de festas e diversos núcleos e produtoras de raves, algumas delas visam apenas o lucro sob o evento, tendo uma visão mais comercial, não pensando no bem-estar das pessoas e muito menos na ideologia que deu origem ao movimento. Inclusive, essa ideologia “marqueteira” de algumas raves chegou até a servir de inspiração para traficantes cariocas, que tiveram perspicácia de organizarem festas que tocavam música eletrônica onde não se cobrava entrada e o lucro da festa vinha exclusivamente do tráfico de drogas.18 Infelizmente atitudes como essa mancham ainda mais a reputação das raves no imaginário do público em geral. Mas da mesma forma que diversas produtoras visam apenas o lucro, existem também núcleos de produção que de fato buscam seguir a mesma ideologia e o mesmo formato das festas que deram origem ao movimento trance.
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Atualmente, poucos núcleos de produção ainda seguem o modelo original das primeiras raves em suas festas, com as estruturas, o som e toda a organização do evento realizada de uma maneira mais “artesanal” mas claro, sem perder a qualidade e o profissionalismo.
Esse
tipo de festa é denominada como “rave conceito” ou “festival de música eletrônica”, dependendo de sua duração. Figura 19 - Foto aérea do maior festival de cultura altermnativa do mundo, o Burning Man
Até agora a palavra “rave” foi utilizada de uma maneira mais genérica para definir as festas que ocorrem em locais abertos e são embaladas pelos ritmos eletrônico. Contudo, existem algumas subdivisões que de fato são o que diferenciam um tipo de festa do outro, assim influenciando comportamentos que só serão aceitos naquele determinado tipo de festa. Antes de começar uma abordagem mais detalhada sobre o assunto, e para que se compreenda melhor as terminologias utilizadas, será apresentada uma tabela com as principais diferenças entre: rave PVT, rave conceito, festival de música eletrônica e megarave.
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Rave Conceito
Fest. Mús. Eletrônica
Rave PVT
Megarave
Duração
18 à 24 horas
48 à 168 horas
16 à 20 horas
48 à 120 horas
N° de palcos
1 ou 2
2 a 2.500
1
2 a 10
Público
Em sua maioria, alternativos e assíduos em festas desse tipo
Em sua maioria, alternativos e assíduos em festas desse tipo
Jovens universitários de classe média
Jovens universitários de classe média
Locais afastados e alter- Locais afastados e alternanativos, geralmente pró- tivos, geralmente próximos ximos de cachoeiras, rios de cachoeiras, rios lagos lagos ou praias ou praias
Sítios ou chácaras nos arredores dos grandes polos
Fazendas ou hotéis fazenda
Ideologia
Prática da ideologia PLUR, conexão com a natureza, vegetarianismo, estruturas constituídas a partir de técnicas de permacultura e/ou bioconstrução
Prática da ideologia PLUR, conexão com a natureza, vegetarianismo, estruturas constituídas a partir de técnicas de permacultura e/ou bioconstrução
Culto ao corpo, uso de Culto ao corpo, uso marcas de grife e con- de marcas de grife e duta consumista dos conduta consumista participantes dos participantes
Patrocinador
Não
Não
Núcleos de produção especializados nesse tipo
Núcleos de produção especializados nesse tipo de
de evento, buscando resgatar a ideologia PLUR
evento, buscando resgatar a ideologia PLUR
Localização
Organização
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Não Produtoras de eventos comuns/grupos de amigos
Sim Produtoras de evento comuns
Ao observar a tabela acima, podemos constatar que existem muitas semelhanças entre os tipos de festa. Entretanto são as pequenas diferenças – praticamente invisíveis para um olhar “destreinado” - que ditam qual o público que frequentará o evento, podendo ser constituído desde as pessoas mais alternativas ou pelas pessoas mais consumistas e seguidoras de tendências midiáticas. Dessa forma cada vez mais as raves criam características específicas para se diferenciarem umas das outras, gerando uma segmentação de público e consequentemente, incentivando tendências comportamentais que, dependendo do ponto de vista, podem ser positivas ou negativas. Ao colocarem em prática essas tendências, as raves criam um ambiente onde seus próprios organizadores/frequentadores ditam quais ideologias devem ou não serem praticadas/aceitas naquele local. A partir desse momento as raves assumem um papel social muito maior do que uma nova modalidade de evento e acabam se transformando em uma zona autônoma temporária (TAZ). De acordo com Bey, “A TAZ é uma espécie de rebelião que não confronta o estado diretamente, uma operação de guerrilha que libera uma área (de terra, tempo, de imaginação) e se dissolve para se re-fazer em outro lugar e outro momento [...]” (Bey, 2001 p. 17). Assim sendo, com a rave assumindo o papel de uma zona autônoma temporária, todo o ambiente ocupado pela ela no espaço/tempo se torna uma nação -praticamente- independente que para ser regida faz uso das mais diversas práticas, incluindo o marketing social. Entretanto, Bey destaca que por mais que a TAZ seja retratada como uma nação independente, com poder de organização sob si mesma, ela não deve chamar a atenção do Estado, pois “Uma vez que o Estado se preocupa com a simulação, e não com a substância [...]” ao não chamar a atenção do Estado “[...] a TAZ pode, em relativa paz e por um bom tempo, “ocupar” clandestinamente essas áreas e realizar seus propósitos festivos.” (Bey, 2001 p. 17/18)
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Dessa forma, surge a questão: já que as raves são zonas autônomas temporárias (que não devem chamar a atenção do Estado), porque e como elas fazem uso do marketing social tanto para ditar tendências comportamentais e atrair seu público como para gerar receita?
Raves e a prática do marketing social
Como citado anteriormente, ao se transformar em uma TAZ e terem total controle sob o
local ocupado, os organizadores das raves se preocupam em proporcionar um ambiente que facilite ou até mesmo descarte a ação dos agentes de mudanças. Para isso, são tomadas uma série de medidas que vão desde o material utilizado para a construção das estruturas, até o tipo de alimentação Principais áreas de atuação do marketing social: promoção da saúde; prevenção de acidentes; proteção ambiental; envolvimento da comunidade. 19
oferecida. Em seu livro “Marketing Social – Influenciando comportamentos para o bem” Kotler e Lee apresentam uma tabela de 50 questões sociais importantes das quais poderiam beneficiar-se da aplicação das práticas, princípios e técnicas do marketing social. É claro que existem mais milhares de questões que poderiam se aproveitar do marketing social, contudo Kotler alega que “trata-se apenas de uma lista parcial, mas ela é representativa das quatro principais arenas19... nas quais os esforços de marketing social geralmente são focados [...]” (Kotler e Lee, 2011 p. 35) A partir das 50 questões sociais apresentadas na tabela, foram selecionados as ações que podem utilizadas como artifícios das raves colocar em prática técnicas do marketing social e uma nova tabela mais compacta foi elaborada:
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Questões importantes que o marketing social pode influenciar nas raves Consumo de frutas e vegetais
Mais de três em cada quatro adultos (76,8%) não consomem as cinco ou mais porções recomendadas por dia.
Redução do lixo
Apenas 50% de todo o papel, 45% de todas as latas de cerveja e refrigerantes de alumínio e 34% de todas as garrafas e refrigerante de plástico são recicladas.
Proteção do hábitat da vida selvagem
Aproximadamente 70% das principais espécies de peixes marinhos esgotadas pela pesca excessiva são pescadas em seu limite biológico.
Destruição das florestas
Cerca de 15 milhões de árvores são derrubadas anualmente para produzir os 10 bilhões de sacos de papel usados a cada ano nos Estados Unidos.
Compostagem do lixo e 30-50% de todo o lixo depositado em um aterro sanitário nos Estaresíduos dos Unidos poderia ser transformado em adubo composto. Conservação da água
Um vaso sanitário com vazamento pode desperdiçar até 750 litros por dia.
Poluição do ar por auto- Estima-se que 76% da pessoas nos Estados Unidos se deslocam de móveis carro sozinhas para o trabalho. Lixo jogado na rua
A cada ano, 4,5 trilhões de pontas de cigarro são jogadas na rua no mundo todo.
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A partir da tabela apresentada, podemos reparar que a maioria das ações são voltadas a preservação e manutenção do meio ambiente. Além dessas questões apresentadas, existem mais uma série de ações que as raves aprovam e incentivam e não estão presentes na tabela elaborada por Kotler e Lee. Para nos aprofundarmos mais no uso do marketing social pelas raves, elaboramos um estudo de caso que fará um comparativo entre as práticas do marketing social e as práticas utilizadas por um dos poucos núcleos de produção que ainda se dedicam a realizar raves conceito e festivais de música eletrônica: o núcleo de produções Respect. A seguir, serão levantadas questões de como e porque as festas do núcleo Respect podem ou não serem consideradas como agente da mudanças.
Festival Multicultural Respect A Respect foi
criada na primeira metade do ano de 2006, tendo como inspiração os melhores e maiores festivais de música eletrônica do mundo como Boom Festival (Idanha-a-nova, Portugal); Transcendence (Goiás, Brasil); Universo Paralello (Bahia, Brasil).
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Figura 20 - Uma das pistas do Boom Festival
Fonte: www.respect.art.br Acessado em 03/11/2015 20
Segundo seus organizadores o núcleo de produção surgiu “[...] com o propósito de resgatar o verdadeiro espírito trance P.L.U.R.... como um espírito de vida, onde todos possam se respeitar, cuidando da mãe natureza, propagando arte a amor.”20 Em 9 anos de organização foram realizadas mais de 17 edições, e a cada nova edição realizada, o festival inova ainda mais “[...] apresentando uma experiência ritualística moderna, que promove um forte senso comum [...]”. Foi com essa ideologia que ao longo de sua trajetória os festivais e festas organizados pelo núcleo Respect já reuniram mais de 100 mil pessoas, sendo o maior deles realizado em 2009 na cidade de Itú, com um público de aproximadamente 5 mil pessoas.20 Assim,
a
Respect
consolidou-se como um dos mais importantes e consagrados festivais de arte e cultura do Brasil em todos os sentidos: decoração, line-up, projetos sócio-ambientais, entre outros. Inclusive contando com o apoio de um dos melhores festivais de trance do Figura 21 - Pista principal da Respect VII (2009)
Brasil, o Universo Paralello.
Atualmente a Respect se auto intitula como um encontro multicultural e ecológico, que traz em sua essência referências históricas de diversos festivais de arte e cultura alternativa. Junto com essa nova denominação a Respect cada vez mais se preocupa em oferecer palestras, oficinas, manifestações performáticas musicais, artísticas, audiovisuais, cenográficas e teatrais. Essas palestras e manifestações artísticas tem como principal objetivo “[...] incentivar projetos
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que trazem soluções inovadoras de preservação, fontes alternativas de energia e de auto sustentabi21 Fonte: www.respect.art.br Acessado em 03/11/2015
lidade.”21 por meio da educação da consciência coletiva de um “todo” no que se diz respeito à preservação, discussão e difusão dos mais diversos aspectos culturais, sociais e ecológicos.
Figura 22 - Performance de pirofagia (Respect Yourself 2014)
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Acompanhada de toda essa ideologia, a Respect acaba reunindo os mais diversos tipos de amantes da cultura alternativa: artistas plásticos/visuais, malabaristas, designers, músicos, místicos, hippies, visionários e apreciadores da diversidade.22
Fonte: www.respect.art.br Acessado em 03/11/2015
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Respect como agente de mudança
Todo o conjunto de fatores apresentados acima, só pode ser alcançado e mantido em har-
monia a partir uma série de ações que são tomadas pelo núcleo de organização. Essas ações devem ser condizentes com a ideologia da festa, e nem sempre são perceptíveis para o público, mas são de grande importância, como por exemplo, o uso da àgua. A preocupação com esses “detalhes” surge do princípio de criar fatores upstream explicar o que é que possam proporcionar o ambiente favorável à mudança/adesão de um comportamento. Nesse quesito, a Respect pode ser Figura 23 - Posto de reciclagem dentro da Respect Lost #3 (2015)
considerada um festival
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Selos greenhub de sustentabilidade são certificados de qualidade seguindo a ISO 20.121 de gestão da sustentabilidade de eventos, composto de normas e legislações ambientais nacionais e internacionais. 23
com medidas inovadoras em relação à gestão e compensação ambiental. Ao propor uma série de ações o festival torna seus processos cada vez mais sustentáveis e menos prejudiciais ao meio ambiente. Como comprovação dessas medidas relacionadas ao meio ambiente a Respect recebeu o Selo GreenHub23. Esse selo atesta a uso de práticas sustentáveis e é divido em três categorias: Gestão de Resíduos Sólidos: Certifica a gestão de resíduos da operação do evento/empresa, através da capacitação e inclusão de coope-
Figura 24 - Selo Greenhub de resíduos sólidos
rativas de reciclagem locais, responsáveis pela coleta seletiva; e garantindo que todos os resíduos gerados estão sendo destinados para locais ambientalmente adequados; Ações Socioambientais: Certifica a iniciativa do evento/empresa com a criação de ações de conscientização e educação ambiental para o público do evento, visando disseminar o conceito da sustentabilidade. Cultural: Certifica o evento/empresa sobre a adoção de ações e
Figura 25 - Selo Greenhub de ações socioambientais
iniciativas com a rede de fornecedores e parceiros, promovendo atividades culturais, educacionais e de lazer para a valorização pessoal e profissional destes colaboradores. Para adquirir esses selos, a Respect adotou uma logística de sustentabilidade que segue padrões internacionais. Essa logística considera a aplicação de técnicas de gerenciamento de resíduos uma ação de suma importância para lidar com os impactos resultantes da geração de resíduos e rejeitos.
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Figura 26 - Selo Greenhub cultural
Antes de colocar em prática o gerenciamento de resíduos, foram considerados todos os tipos de “lixo” que serão gerados durante o evento, entre eles: resíduos secos; óleo de cozinha usado; lixo eletrônico; pilhas e baterias; resíduos orgânicos. Após esse levantamento foram analisados os impactos que seriam gerados no meio ambiente e sete medidas foram tomadas para reduzir os danos:
Ações - Respect Reciclagem (lixo seco)
Manejo, separação e reciclagem de todo o lixo gerado pelo evento.
(lixo orgânico)
Instrumento disponibilizado junto a Cozinha Ecomunitária, com as devidas instruções. Este lixo será destinado a compostagem, visando à produção de adubo orgânico e a difusão da compostagem orgânica caseira.
Materiais biodegradáveis nas construções
As estruturas construídas no festival foram edificadas utilizando-se materiais alternativos e de mínimo impacto ao meio ambiente através da bioconstrução e da permacultura.
Reutilização de materiais
Busca do reaproveitamento das sobras de materiais utilizados na cenografia e bioconstrução do espaço.
Tratamento da água utilizada pelo evento
As duchas para banhos contam com sistema de filtragem da água residual. E existem avisos sugestivos para que os frequentadores utilizem produtos biodegradáveis.
Conscientização ambiental
Uma série de ações voltadas à conscientização ambiental são promovidas antes, durante e depois do evento. Ex: Oficinas de conscientização ecológica, distribuição de cinzeiros de bolso, distribuição de sementes, oficinas sobre plantio e reciclagem e incentivo à limpeza coletiva da praia.
Hospedagem de baixo impacto
A acomodação do público em campings evidencia o baixo impacto ambiental do evento se comparado a outros tipos de estrutura, mais caras e poluentes.
Compostagem
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Relatório evento limpo Respect: http://respect.art. br/wp-content/ uploads/2014/03/Relatorio_Evento_Limpo_107.2012.pdf 24
Além de todas essas ações, um plano de compensação ambiental24 foi elaborado baseado nos impactos gerados no meio-ambiente desde a pré-produção até a pós-produção. Após todos esses esforços, o núcleo Respect orgulha-se ao apresentar os impactos positivos para a sociedade local: • Valorização temporária dos imóveis do entorno do empreendimento; • Expectativa positiva da população com a realização do evento; • Nenhuma interferência nas áreas protegidas por lei; • Geração de renda na AID e AII através da contratação de mão de obra (empregos diretos e indiretos); • Criação de programas de capacitação aos trabalhadores locais envolvidos na produção do evento; • Arrecadação de impostos para o município; • Desenvolvimento de atividades culturais e artesanais. Podemos observar que muitas medidas foram adotadas para um resultado, que a um primeiro olhar não parece tão grandioso se comparado ao esforço somado para a realização de um
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evento com essas características. Entretanto, se comparado a outros eventos ao ar livre, o impacto gerado é mínimo e rapidamente revertido pelo próprio meio ambiente. No capítulo seguinte será apresentada a metodologia que será utilizada para executar o estudo de caso, que fará uma comparação entre as medidas tomadas pela Respect e as ações que são consideradas técnicas de marketing social.
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A estratégia de Praça no marketing social
Ao entender que o marketing social trata da gestão estratégica do processo de introduzir
novas práticas sociais a partir da mudança de comportamentos e atitudes, este projeto quer debruçar-se sobre o elemento Praça como fator preponderante de influência para a adoção dessas mudanças, por meio do público de interesse. Apesar da abordagem processual do planejamento estratégico de marketing social, proposto por Kotler e Lee (2011), de sistematicamente considerar o mix de marketing (estratégias de Produto, Preço, Praça e Promoção), como elementos analíticos, esta investigação em sentido restrito fará uma análise focada apenas do elemento Praça, pelo fato de o considerar principal fator upstream de influência nesse tipo de evento. Em um estudo similar, Macedo25 (2007) propõe investigar o elemento Preço como único viés de pesquisa, por apontá-lo como relevante na tomada de decisão correta e mais rápida se o objetivo que se quer alcançar é maximizar o lucro, mesmo entendendo que a metodologia de planejamento de considere o mix de marketing, já citado. Em tempo, rassalta-se que o termo upstream, no sentido metafórico e com base no pensamento de Kotler e Lee (2011), vem designar o fato anterior a outro, em uma cadeia de atividades, que estrategicamente por meio dele, assumido como influenciador, o passo seguinte irá ter um de-
25 MACEDO, M. A. S.; SOUZA, M. A, F.; ROSADAS, L. A. S.; ALMEIDA, Kátia. EAD, Fea, USP, 2007. Análise da Estratégia de Preço: uma proposta metodológica a partir da Análise Envoltória de Dados Disponível em: http://www.ead.fea. usp.br/semead/9semead/resultado_semead/trabalhosPDF/84.pdf. Acessado em: 03/11/2015
sempenho esperado, a ponto de chegar ao objetivo do que foi planejado. Portanto, ao usar a Praça como fator estratégico para expor uma proposta de marketing social, ou ainda, de uma ação social, A Respect espera-se um maior engajamento no momento do evento. Assim, se o ambiente da festa rave for conceitualmente ecológico, tudo o que vem depois será influenciado pelo ambiente e isto deverá favorecer à mudança de comportamento (o downstream esperado do marketing social), como por
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exemplo o fato de implementar lixeiras e placas de conscientização para inibir que os participantes joguem lixo no chão. A favor da problemática deste projeto, a estratégia de Praça no marketing social será o fator relevante para verificar se as raves podem ser consideradas lugares de socialização, implicando em verificar também se a Respect utiliza o local das festas raves que realiza para promover o marketing social, em especial os locais onde foram empreendidas as duas últimas edições da Respect: a Respect Lost #3 e a Respect Pocket, ambas realizadas no município de Ilha Comprida, em São Paulo, no ano de 2015. Ao participar de diversas edições da Respect e fazer uma pesquisa sobre sua história, podemos observar que o objetivo de marketing que a Respect busca atingir é a conscientização socioambiental e resgate dos valores P.L.U.R (paz; amor; união; respeito), que são considerados a base da ideologia dos frequentadores de raves.
O planejamento de marketing social
O marketing social, empregado no sentido da sistematização de princípios e métodos do
marketing tradicional, tende a promover a adoção de uma causa por um público de interesse, levando a mudanças de comportamentos, atitudes e na forma de pensar e agir a respeito de uma questão social. O fundamento do conceito de marketing social coloca o consumidor como cerne do estudo e, por isso, este projeto utilizou a metodologia do planejamento de marketing de Kotler e Lee (2011) para servir de modelo comparativo ao estudo de caso da Respect, já que o raver, ou participante de suas festas raves, é o foco do projeto social da entidade. Um planejamento de marketing, como propõem Kotler e Lee (2011), segue uma sequência
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lógica, que inicia-se com o estabelecimento do propósito e o foco do plano, já demonstrado. Em seguida, busca dados para a análise da situação e o ambiente atual, atitude fundamental para: identificar o mercado-alvo, o posicionamento desejado para plano, estabelecer os objetivos e metas do marketing e determinar um mix de marketing estratégico, ou seja, os quatro pês: produto (ou serviço); preço; praça e promoção. As atividades táticas desse planejamento preveem, ainda e por fim, desenvolver
Respect Lost #3 e Respect Pocket, ambas realizadas no município de Ilha Comprinda, no ano de 2015. 26
planos de avaliação, orçamento e implementação. Em um plano de marketing social, o objetivo de marketing é influenciar um comportamento de um mercado-alvo, que este projeto considera ser o raver. Assim, o estudo de caso vai considerar o público presente de duas edições da Respect26, verificar como o objetivo do marketing social será atingido e como o evento pode influenciar o comportamento dos frequentadores das raves produzidas pelo núcleo Respect.
“P” de praça: onde e quando promover que o mercado-alvo desempenhe o comportamento? Para o marketing social, de acordo com Kotler e Lee (2011), a praça é fundamental para es-
trategicamente entender onde e quando o mercado-alvo vai desempenhar o comportamento desejado. É interessante ressaltar que, além dessa importância atribuída por Kotler e Lee ao ambiente como influenciador de mudanças de práticas sociais, há também uma discussão ampliada desse conceito, apresentada por Hakim Bey (1998), que aponta a associação das festas raves à um TAZ (Temporary Autonomous Zone, ou ainda, uma zona temporária e autônoma). De acordo com Bey, “A TAZ é uma espécie de rebelião que não confronta o estado diretamente, uma operação de guerrilha que libera uma área (de terra, tempo, de imaginação) e se dissolve para se re-fazer em outro lugar e outro
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momento [...]” (Bey, 2001 p. 17). Assim sendo, com a rave assumindo o papel de uma zona autônoma temporária, todo o ambiente ocupado por ela no espaço/tempo se torna uma nação -praticamenteindependente que para ser regida faz uso das mais diversas práticas, incluindo o marketing social. Em sua dissertação de mestrado, Camargo (2008) propôs um olhar geográfico ao “P” de praça de Kotler, preocupando-se com a construção do espaço pela sociedade, com a interface psicológica, observando o indivíduo e sua consciência social ao ocupar esses espaços, em uma pesquisa que ele designa como Geografia Psicológica, em sua dissertação, Camargo articula processos espaciais e mentais, analisando o território por meio da subjetividade. Em contraposição ao pensamento de Bey, para ele: “Os territórios festivos das raves não se constituem como territórios autônomos. Pelo contrário, são territórios extremamente controlados. No imaginário criado sobre as raves, as festas têm um caráter de liberdade. Podemos observar nas raves alguns movimentos interessantes: a fuga da cidade para “outros lugares”, para além das boates e clubes, para além do asfalto da cidade grande, para além dos espaços disciplinares da escola, do exército, da empresa com hora marcada para entrar, da casa e da família. É na rave que o frequentador se encontra consigo mesmo e se desconecta da matriz do controle e da disciplina. Por outro lado, o controle que as autoridades impõem sobre a população, e que a população impõe sobre si própria, modificou a maneira de ver esse “estilo de vida”. Já não existe mais o ideal de liberdade, a não ser no discurso de marketing para divulgação das festas.” (CAMARGO, 2008).
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Considerações Finais
As festas raves apropriam-se de uma série de comportamentos que, de uma certa forma,
são próprios do ambiente específico de cada festa. Percebe-se que a deslocalização dessas festas para locais específicos ou mais afastados tem como intenção criar uma sensação de imprevisibilidade, além da expectativa de gerar experiências positivas para o público. Ao colocarem em prática uma ação social, como por exemplo incentivo à práticas ecologicamente corretas; compensasão de danos ao meio ambiente; uso da bioconstrução e permacultura; entre outros, as raves do núcleo Respect criam um ambiente permissível, onde seus próprios frequentadores instintivamente são estimulados a adesão e a mudança de atitudes. Desta forma, entende-se que as raves assumem um papel social muito maior do que apenas ser uma modalidade de evento. Se comparada a uma TAZ - a zona autônoma temporária de Bey (2001), seria como uma “operação de guerrilha”, configurada em espaço, tempo e imaginação, “que se dissolve para se refazer em outro lugar e outro momento” (idem). Todo o ambiente ocupado pela rave - naquele espaço e tempo - torna-se uma nação, propiciando a adoção das mais diversas práticas sociais, caracterizando-se em uma estratégia do marketing social. Desconectado das forças de controle e disciplina da sociedade, como argumenta Camargo (2008), o ambiente das festas raves surge como um espaço de liberdade, ideal para cooptar uma prática regulatória, que em outro ambiente, como os “espaços disciplinares da escola, do exército, da empresa com hora marcada para entrar, da casa e da família” (idem), poderia dificultar a admissão dessa prática na sociedade. No aspecto mercadológico e estratégico de Kotler e Lee (2011), o ambiente proposto na realização das festas da Respect atendem aos seguintes princípios que estabelecem o elemento “P”
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de Praça: • Torne o local acessível ao seu público-alvo • Amplie as horas • Torne o local mais atraente • Supere as barreiras psicológicas associadas com a praça • Seja mais atrativo do que a concorrência • Esteja onde seu público-alvo consome • Esteja onde seu público-alvo se reúne Mais do que um ambiente desregulamentado, o local da realização das raves torna-se propício ao engajamento e é disciplinante, como reafirma HAESBAERT (2008): “Mesmo em sua efemeridade e “fluidez”, é impressionante como estes espaços “de liberdade” estão se transformando em “paraísos seguros” num sentido totalmente incorporado ao sistema das “sociedades de controle” (ou “de segurança”) “
Em tempo, é válido ressaltar que o engajamento à mudança de atitudes parte de um processo motivacional legítimo, coerente aos valores da marca (sua missão e visão) Respect, e seu sincero desejo em beneficiar a sociedade. E será esta conduta socialmente responsável que trará o envolvimento do público e, consequentemente, o retorno financeiro e lucrativo para a empresa.
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É tudo uma questão de perspectiva