A obra "Os Lusíadas" de Luís Vaz de Camões

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Sob o olhar de uma jovem: A obra “Os Lusíadas” de Luís Vaz de Camões

Carla Patrícia do Vale Lucas Funchal, 2003


NOTA: O presente trabalho “Sob o olhar de uma jovem: a Obra “Os Lusíadas” de Luís Vaz de Camões” foi escrito em 2003, por uma jovem que contava, na altura, com 14 anos, e que era apreciadora desta mesma obra, por inspiração da sua professora de 9.º ano, Irmã do Bom Pastor. Foi, pois, uma obra que fez parte do universo criador e edificador desta jovem..., constituindo agora um tributo a uma história que é de todos nós e a um passado que nos ajuda a continuar a construir novos futuros.

Para referenciar este documento: Lucas, C. V. (2003). Sob o olhar de uma jovem: A obra «Os Lusíadas» de Luís Vaz de Camões.

Funchal.

Obtido

de

http://issuu.com/carlavalelucas/docs/os_lus__adas-

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Índice

Nota introdutória …………………………………………………………………………….. 4 Camões, como autor épico – contextualização ……………………………………………… 6 “Os Lusíadas” como epopeia ………………………………………………………………... 9 Resumo dos Cantos …………………………………………………………………………. 12 Análise de algumas passagens ……………………………………………………………… 16 Proposição …………………………………………………………………………... 16 Invocação …………………………………………………………………………… 18 Dedicação …………………………………………………………………………… 19 Início da Narração …………………………………………………………………... 21 Episódio do Velho do Restelo ………………………………………………. 23 Episódio do Adamastor ……………………………………………………... 25 Ilha dos Amores ……………………………………………………………... 28 Considerações Finais ……………………………………………………………………….. 30 Bibliografia …………………………………………………………………………………. 32

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Nota Introdutória

D

itosa a triste desventura que por acaso do destino e guiada pela força interior do grande poeta português pôde tomar um rumo diferente daquele

que parecia ser o último suspiro de uma obra gloriosa. Atravessando as águas turbulentas da comarca de um oceano sem fim, Luís de

Camões, o ilustre representante da Lusitana Terra – Portugal, arriscou a sua vida para salvaguardar o que são os agora “Cantos Molhados” – Bíblia de todo o Português. Após o naufrágio no rio Mecom, na China, sulcou tenazmente as ondas que caminhavam sobre ele, erguendo o seu braço acima do nível da água para proteger o que tinha de mais precioso, e à medida que se salvava via perdida, afogando-se, a linda chinesa Dinamene& que lhe prendera o coração e se convertera numa das suas fontes de inspiração. Nem a tenacidade da natureza, nem obstáculos, nem mesmo a imensidão que desconhecia – o mar, fez os “Lusíadas”, assim se chama o culto mais precioso das venturas e desventuras de um povo herói, o povo português, perder-se... pois destinado estava, devido à sua eloquência, embalar o mundo com seus versos épicos. Apesar de traçado e delineado o rumo que deveria seguir, muitos obstáculos teve que enfrentar no século que então se vivia – século XVI, já que a aceitação de algo novo era e é difícil, até porque se cultivava e ainda se cultiva nesta Lusitana terra, a crença e idolatração ao que já não está neste mundo terreno.

&

Julga-se que o verdadeiro nome desta chinesa seria Natércia.

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Com Luís Vaz de Camões não foi diferente, apesar de ter sido ele o criador de uma grandiosa obra épica, algo ansiado por muitos, mas que apenas se converteu em realidade para Camões. Não obstante ter sido publicada em 1572, com o apoio do Rei D. Sebastião, só depois da morte do poeta, que viria a ocorrer a 10 de Junho de 1580, é que alcançou, aos poucos, uma dimensão mundial. Agora como imortal, digna de grande apreciação, é a base desta minha modesta análise, que vem tentar desvendar, ou melhor, abrir as portas para que possamos ser transportados para um passado, o nosso passado, o passado português.

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Camões como autor épico Contextualização

L

uís de Camões viveu entre 1524 a 1580, sempre guiado pelo misterioso e sublime sentimento – o amor, que se apoderou avidamente do seu ser. O século em que Camões viveu foi marcado pelo grande movimento

cultural - o Renascimento, cuja génese se baseia nas transformações provocadas pelos Descobrimentos que mudaram por completo o século XV. Deste modo, as necessidades passam a ser outras, assim como as aspirações culturais, que não mais podem ser satisfeitas pela já velha cultura clerical (a cultura da Idade Média). Este novo período que nasce – o Renascimento, trazido até nós pelos viajantes, pode ser entendido como sendo a adopção e valorização das formas artísticas grego-latinas. No entanto, este Renascimento traz obrigatoriamente consigo a assimilação do Humanismo e do Classicismo. O Humanismo parte do estudo da cultura antiga e, com base nela, valoriza tudo o que é humano, passando o homem a ser o centro do Universo (antropocentrismo). O humanismo alia-se ao classicismo, que é uma estética que estabelece um rigoroso sistema de regras próprias dos vários géneros literários: o épico, o lírico e o dramático. O classicismo tem como principais características a exaltação do homem em contraste com o teocentrismo medieval; o predomínio da razão sobre o sentimento; a imitação da natureza pela arte; a imitação dos

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autores gregos e romanos; a sujeição a regras rígidas de conteúdo e forma; o equilíbrio e comedimento. Neste contexto, a aspiração literária máxima do poeta clássico passa a ser criar uma epopeia, que se traduz num canto grandiloquente das acções heróicas de um povo, as quais, pela sua transcendência, interessam a toda a humanidade. ... E porquê este ávido desejo? ... A resposta para esta pergunta reside no facto de o poeta admirar os modelos das literaturas gregas e romanas antigas, daí procurar imitá-los e se possível ultrapassá-los. Tudo porque este é o mais elevado género cultivado pelos antigos, pois existem diversas regras, impostas por Aristóteles, que deverão ser rigorosamente cumpridas. São elas: a existência de uma acção épica expressiva de grandeza e heroísmo; um protogonista (rei, herói) que deve revelar um grande valor moral; uma unidade da acção, isto é, deve contar um grande número de factos interligados; a existência de variados episódios, que dêem extensão à epopeia mas que sobretudo, sirvam para enriquecê-la sem quebrar a unidade da acção; a existência do maravilhoso, isto é, a intervenção de agentes sobrenaturais na acção; a utilização do modo narrativo quer seja em seu próprio nome ou assumindo personalidades diversas; deverá começar “IN MEDIA RES”, isto é, quando a acção já está numa fase adiantada. Assim, através da imitação daquilo que a Antiguidade criou de mais sublime, ele poderá pôr à prova a capacidade de defrontar ou se igualar àqueles que mais admira. Por todas estas razões, esta aspiração de carácter literário não deixou de vir ao encontro da cultura portuguesa no século XVI, pelas já enumeradas razões – as conquistas e descobertas ultramarinas, que são feitos grandiosos, não menos dignos de glória do que as proezas dos heróis da Ilíada, da Odisseia ou da Eneida.

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Muitos Portugueses lançaram-se nesta aventura, de escrever algo tão grandioso que pudesse atingir a magnanimidade das obras da Antiguidade Clássica. No entanto, as regras clássicas que deveriam seguir, impostas por Aristóteles, filósofo grego, constituíram o grande obstáculo, que os impediu de realizarem os seus objectivos, à excepção de um. Luís de Camões foi o contemplado que se atreveu, escrevendo com o seu coração e alcançando o que outros não conseguiram. Para além de conseguir realizar o seu sonho, conquistou algo ainda mais grandioso. Respeitou todas as regras impostas pelos clássicos, entre elas a mitologia, isto é, a intervenção de deuses pagãos favorecendo e dificultando a acção, mas conciliando esta realidade com a sua própria certeza e crença. Acima de tudo, Camões era Cristão e por isso utilizou também o maravilhoso cristão, enriquecendo ainda mais a sentida obra que fez de si imortal perante os homens e perante toda a história. Há que reter que ao escrever “Os Lusíadas”, Camões inspirou-se em diversas obras para que a sua epopeia pudesse dispor de uma veracidade extrema. Desta forma, sob o ponto de vista estético, alumiou-se na Eneida de Virgílio, na Ilíada e na Odisseia de Homero. Para saber mais acerca da História dos Descobrimentos teve em conta as “Décadas de Ásia” de João de Barros e a “História do Descobrimento da Índia” de Fernão Lopes Castanheda, enquanto que para saber mais sobre os acontecimentos anteriores da história de Portugal, baseou-se no conhecimento dos cronistas: Fernão Lopes e Gomes Eanes de Zurara. Resultado obtido: obra de grande envergadura, que tanto pode ser considerada como sendo epopeia Nacional – “Bíblia Nacional” (já que compreende toda a história portuguesa, bem como a verdadeira missão de cada português); como sendo epopeia do renascimento e epopeia cristã (já que Camões revela a sua fé convicta e o seu espírito cristão, assim como revela que uma das fulcrais missões dos portugueses era lutar contra os mouros e contra o protestantismo, bem como dilatar “...a fé e o império”.) “Sob o olhar de uma jovem: a Obra “Os Lusíadas” de Luís Vaz de Camões” por Carla Lucas (2003)

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“Os Lusíadas” como epopeia

O

s Lusíadas” constituem uma obra de estilo elevado, sublime, com uma vasta riqueza vocabular, em que são usados termos correntes, elevados, eruditos e ainda vocabulário técnico de navegação. Uma das

suas outras características é a musicalidade que percorre cada verso, cada estância, quer seja derivada pelas alterações de ritmo; pelas constantes aliterações; pela diversidade de recursos estilísticos, bem como pela inúmera adjectivação e variada utilização de tempos verbais, que vêm num conjunto delimitar uma riqueza sem igual, que consegue abrir os nossos sentidos, fazendo com que através deles sintamos, por exemplo, as ondas enfurecidas do mar. “Os Lusíadas”, obra de cunho épico, narram em verso um grande acontecimento da vida do povo português que, heroicamente e corajosamente, se lançou ao mar, em busca da conquista de novas terras, num imenso oceano que perigos imensos guardava e que para todos era o desconhecido. Como determinada elementos

epopeia, estrutura

impostos

esta e por

obra,

contém

segue

uma

determinados

Aristóteles,

antes

enumerados.

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Assim, a descoberta do Caminho Marítimo para a Índia (acção geográfica) e toda a História de Portugal (acção histórica ou real), que por si só vem glorificar a coragem que reside em todo e cada coração português, constituem a acção épica expressiva de grandeza e heroísmo. Vasco da Gama e o povo português assumem o papel de protagonistas. Vasco da Gama como herói geográfico ou aparente e o povo português desenhando-se em cada verso como um herói colectivo, lutando para alcançar os seus mais profundos sonhos, sem jamais desistir. A acção começa quando todos os marinheiros portugueses já estão em alto mar, daí a designação de “In media res”. Nesta acção estão inseridos variados episódios mitológicos, líricos, simbólicos, bélicos. Para vangloriar todo o Português temos a intervenção de agentes sobrenaturais que favorecendo e dificultando a acção, constituem o maravilhoso pagão. Todavia, Camões como cristão que era, alarga este conceito do maravilhoso, abarcando também o seu Deus cristão (maravilhoso cristão), que é a fonte de toda a força e o recurso a que cada marinheiro pode apelar. A história de Portugal, que também constitui a acção, é descrita através do modo narrativo, quer pelo próprio poeta, quer por Vasco da Gama, Paulo da Gama, Fernão Veloso, bem como através das profecias feitas por Júpiter, Adamastor e ninfa Tétis. Desta forma, podemos afirmar que Camões obedeceu a todas as leis clássicas, não esquecendo também a ligação das partes, formando um todo harmonioso (unidade).

Esta obra é constituída internamente por uma Preposição, Invocação, Dedicação e narração. “Sob o olhar de uma jovem: a Obra “Os Lusíadas” de Luís Vaz de Camões” por Carla Lucas (2003)

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Na Pr o posição, posição está descrito o assunto do poema, isto é, o que se pretende cantar – os guerreiros e navegadores; os Reis que dilataram a fé e o império; e todos os que, pelas suas obras, se tornaram imortais. Na Invocação, Invocação Camões como clássico crê que a inspiração é concedida apenas por seres divinos e sobrenaturais daí implorar às divindades que lhe concedam a inspiração necessária para poder clamar tão grande e audaz glória. Na Dedicató ria, ria Camões apela a D. Sebastião, a quem dedica toda a sua obra, tecendo ainda elogios e conselhos. Na Narração (canto I est.19 até ao fim canto X), temos a característica de “In media a res”, isto é, a acção começa já em alto mar, não sendo portanto narrada por ordem cronológica dos acontecimentos, mas sim narrada por analepse (retrospectiva do passado), bem como narrada por prolepse, isto é, fazendo profecias. Podemos delimitar também uma conclusão, onde é expresso o regresso dos portugueses à Pátria, com passagem pela Ilha dos Amores, e um apelo a D. Sebastião. “Os Lusíadas” dividem-se em dez cantos, com versos decassílabos heróicos (acentuados ritmicamente na 6.ª e 10.ª sílaba ) ou sáficos (acentuados ritmicamente na 4.ª, 8.ª e 10.ª sílaba), com estrofes de oito sílabas em que a rima é cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada nos últimos dois. Através da sua eloquente obra, Camões demonstrou a coragem, o valor, a destreza e a força dos Portugueses. Fez-nos ver o quanto o povo português é um povo guerreiro, que luta acerrimamente com amor e paixão pelo que acredita e pelo que quer. Com razão, esta obra é considerada a Bíblia de Portugal e de todo o Português, sendo por isso que jamais poderá ser esquecida e apagada do passado, do presente e especialmente do futuro.

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Resumo dos Cantos

Ilustração – Viagem de Vasco da Gama – acção central, sua narração n’Os Lusíadas

CANTO I Neste canto Camões anuncia o que pretende cantar (na Proposição), e pede inspiração às ninfas do Tejo (na invocação), para que a sua obra seja digna de cantar os feitos heróicos do seu povo. É neste canto, que Camões dedica toda a sua obra a D. Sebastião e onde inicia a narração “In media res”. A expedição de Gama viaja da Ilha de Moçambique até Mombaça, ocorrendo entretanto o Concílio dos Deuses do Olimpo.

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CANTO II Neste canto a armada de Vasco da Gama chega a Mombaça, onde Baco havia conspirado contra os portugueses. Para se libertarem desta traição, Gama invoca Deus, e é Vénus que os salva, intercedendo junto a Júpiter. A frota chega a Melinde e o rei pede a Gama que este lhe conte a geografia e a história de Portugal, bem como toda a viagem até ali.

CANTO III Há novamente uma invocação, desta vez à Deusa Calíope, pois Camões precisa urgentemente de uma grande força que o faça relatar, através da boca de Gama, tudo acerca de Portugal. Assim, há a narração de Vasco da Gama situando geograficamente Portugal e contando toda a História da sua Pátria. Tem espaço neste canto apenas a primeira dinastia, sendo descritos episódios como: a Batalha de Eurique, a Formosíssima Maria, Inês de Castro e a Batalha do Salado.

CANTO IV Vasco da Gama prossegue a sua narração, destacando a crise de 1383/85, a história de Nuno Álvares Pereira, a Batalha de Aljubarrota (contra os Castelhanos), bem como o sonho de D. Manuel, a Partida das Naus e o Velho do Restelo.

CANTO V Vasco da Gama dá a conhecer ao Rei, os incidentes que ocorreram durante a viagem que os levou de Lisboa até Melinde. Faz assim menção aos fenómenos do mar, como a “Sob o olhar de uma jovem: a Obra “Os Lusíadas” de Luís Vaz de Camões” por Carla Lucas (2003)

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trompa marítima que dificultaram a sua travessia; ao episódio de Fernão Veloso, companheiro de viagem; ao Gigante Adamastor e a doença do escorbuto, que pareciam querer pôr à prova a coragem dos Portugueses.

CANTO VI Neste canto temos a despedida dos Portugueses, festejada com festas, e a partida da frota para Calecut. É neste canto que mais uma vez, Baco entra em acção, havendo por isso o Concílio dos deuses Marítimos. Enquanto viajam, Fernão Veloso conta a história dos Doze de Inglaterra para distrair os marinheiros. No entanto, são fustigados por uma grande tempestade provocada por Baco e mais uma vez salvos pela doce Vénus, que amaina os ventos. Por fim, chegam a Calecut (Índia).

CANTO VII Os Portugueses encontram um mouro – Monçaide, que descreve a Índia, e posteriormente são recebidos pelo regente dos reinos – O Catual, havendo a troca de gentilezas e informações. O poeta invoca, mais uma vez, as musas para que consiga prosseguir a cantar os portugueses.

CANTO VIII O Catual visita as naus, sendo Paulo da Gama (irmão de Vasco da Gama) que faz uma descrição das bandeiras. “Sob o olhar de uma jovem: a Obra “Os Lusíadas” de Luís Vaz de Camões” por Carla Lucas (2003)

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Todavia, Baco insatisfeito insiste na perseguição instigando, em sonhos, os chefes nativos, que retêm Gama em terra.

CANTO IX A frota parte da Índia, quando já estão todos libertos e recolhidos nas naus, rumo à Pátria. Vénus resolve premiar os seus amados heróis com prazeres divinos, daí que surge neste canto a Ilha dos Amores, juntamente com todo o simbolismo que a envolve.

CANTO X Os portugueses continuam a sua estadia na Ilha dos Amores. Tétis dá a conhecer, a Vasco da Gama, a máquina do Mundo, fazendo profecias sobre a acção futura dos portugueses. No entanto, e apesar do desalento de todos em abandonarem esta Ilha tão bela, partem rumo à Pátria, havendo a conclusão do poema e, mais uma vez, um apelo a D. Sebastião.

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Análise de algumas passagens… P

ROPOSIÇÃO (Canto I est. 1, 2 e 3)

1 - As armas e os barões assinalados

E aqueles que por obras valerosas

Que, da Ocidental praia Lusitana,

Se vão da lei da morte libertando:

Por mares nunca dantes navegados,

Cantando espalharei por toda a parte

Passaram ainda além da Taprobana,

Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Em perigos e guerras esforçados Mais do que prometia a força humana,

3 - Cessem do sábio Grego e Troiano

E entre gente remota edificaram

As navegações grandes que fizeram;

Novo reino, que tanto sublimaram;

Cale-se de Alexandre e Trajano A fama das vitórias que tiveram;

2 - E também as memórias gloriosas

Que eu canto o peito ilustre Lusitano,

Daqueles Reis que foram dilatando

A quem Neptuno e Marte obedeceram.

A fé, o Império, e as terras viciosas

Cesse tudo o que a Musa antigua canta,

De África e Ásia andaram devastando,

Que outro valor mais alto se alevanta.

Seguindo as regras literárias clássicas, Camões inicia o seu texto épico com uma proposição, onde anuncia os feitos grandiosos da história portuguesa – os descobrimentos, como sendo o que se propõe a cantar. Desta forma, e mais concretamente, pretende exaltar e glorificar: “Sob o olhar de uma jovem: a Obra “Os Lusíadas” de Luís Vaz de Camões” por Carla Lucas (2003)

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ü

... A coragem dos Homens Ilustres (“as armas e os barões

assinalados”), que ultrapassaram as fronteiras do Universo (“por mares nunca antes navegados”) e construíram, em paragens remotas, um “Novo Reino”. ü

... Os Reis que dilataram a Fé e o Império, tanto na Ásia como na África: “As

memórias grandiosas/ Daqueles que foram dilatando/ a Fé, o império e as terras viciosas...” ü

... Todos os heróis portugueses que, pelos seus feitos grandiosos,

permanecem na memória dos homens, alcançando a imortalidade: (“E aqueles que por obras valerosas /se vão da lei da Morte libertando”). Todos estes heróis são dignos de serem cantados porque superaram a própria condição humana, ou seja, ultrapassaram todas as limitações que delimitam o agir do Homem (“mais do que prometia a força humana”).

Na estância número 3, temos presente um pedido, que pode de certa forma ser entendido como sendo uma ordem [“Cessem (...) / Cale-se (...) ”], para que se esqueçam os feitos dos heróis da Odisseia (“sábio Grego”) e da Eneida (“Troiano”), assim como as vitórias alcançadas pelo rei da Macedónia (Alexandro) e imperador romano (Trajano), ou seja, que se esqueça tudo o que a poesia da Antiguidade grego-romana exalta, pois Camões canta algo mais forte (“que outro valor mais alto se alevanta”) a essência da sua Pátria a quem, até deuses do mar (Neptuno) e da guerra (Marte), se prostraram (“que eu canto o peito ilustre Lusitano”).

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I

nvocação (canto I est. 4 e 5)

4 - E vós, Tágides minhas, pois criado

5 - Dai-me ũa fúria grande e sonorosa,

Tendes em mi um novo engenho ardente,

E não de agreste avena ou frauta ruda,

Se sempre em verso humilde celebrado

Mas de tuba canora e belicosa

Foi de mi vosso rio alegremente,

Que o peito acende e a cor ao gesto muda;

Dai-me agora um som alto e sublimado,

Dai-me igual canto aos feitos da famosa

Um estilo grandíloco e corrente,

Gente vossa, que a Marte tanto ajuda,

Por que de vossas águas Febo ordene

Que se espalhe e se cante no Universo

Que não tenham inveja às de Hypocrene.

Se tão sublime preço cabe em verso.

Ao longo d’ “Os Lusíadas” existem várias invocações, de forma a apelar inspiração, alento e algo tão forte que permita a Camões escrever versos dignos do valor atribuído aos feitos grandiosos que pretende cantar. Assim, temos uma invocação às deusas mitológicas, quando se aproxima algo de grande estirpe que vem exigir um dom mais reforçado, para que este seja descrito condignamente. No caso desta primeira invocação, através de uma apóstrofe (“E vós, Tágides minhas, ...”) Camões faz menção às Ninfas do Tejo que são as escolhidas como suas musas protectoras, e a quem pede “um som alto e sublimado” e “Um estilo grandíloco e corrente”, que seja digno de louvar a glória portuguesa, em cada verso escrito e saudado. Pede às musas (“Dai-me”) uma nova inspiração (“um novo engenho ardente”) que seja “ũa fúria grande e sonorosa” e “de tuba canora e belicosa” (símbolo da poesia épica) e não algo que, humildemente, chama de banal – a inspiração que o leva a escrever versos líricos.

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D

EDICATÓRIA (canto I est. 6-18)

A dedicatória é facultativa, atendendo às leis clássicas. No entanto, Camões aproveita este

espaço para dedicar toda a sua obra a D. Sebastião, rei que então governava Portugal, não deixando de pedir a sua majestade que se incline e veja o seu povo guiado pelo amor à Pátria, dando-lhe desta forma razões para valorar e se orgulhar do povo que a cada minuto engrandece o pequeno mas tão grande Portugal. (“E julgareis qual é mais excelente,/ se ser do mundo rei, se de tal gente.”) fim est.9 “Ponde no chão: vereis um novo exemplo De amor dos pátrios feitos valerosos Em versos devulgado numerosos. (...)”

Camões, também, humildemente designa toda esta grandiosa obra como sendo um “pregão do ninho meu paterno”, que vem ajudar a divulgar estes feitos no intuito de que jamais se esqueçam e se percam no tempo. est. 10 “ Vereis amor da Pátria, não movido De prémio vil, mas alto e quase eterno; Que não é prémio vil ser conhecido Por um pregão do ninho meu paterno. Ouvi: vereis o nome engrandecido Daqueles de quem sois senhor supremo, Que julgareis qual é mais excelente, Se ser do mundo Rei, se de tal gente.

No entanto, os elogios que tece do povo português não ficam por aqui. Faz referência aos heróis estrangeiros como Rodamonte; Rugeiro; Orlando; Dom Fuas; Doze Pares; Eneias, “Sob o olhar de uma jovem: a Obra “Os Lusíadas” de Luís Vaz de Camões” por Carla Lucas (2003)

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comparando-os com os heróis portugueses Nuno Álvares Pereira; Egas; Doze de Inglaterra; Gama; Dimas; Magriço, que em tudo superam esses estrangeiros, mas que à semelhança deles estão em pé de igualdade quando comparados em número. Faz o mesmo em relação aos reis. Destaca apenas dois reis estrangeiros - Carlos Magno e César, comparando-os com muitos mais reis portugueses - D. Afonso Henriques; D. João I; D. João II.; D. Afonso III; IV; V; que por todos os seus feitos se libertaram da lei da morte (segundo a preposição). Esta gradação que percorre toda a dedicação, em relação, à exaltação do povo português não fica por aqui. Depois de feita referência aos reis e aos heróis, Camões faz menção aos heróis portugueses do Oriente, algo que só foi achado pelo povo português, sendo eles: Pacheco; Almeidas; Albuquerque; Castro. Na parte final, podemos encontrar a dedicatória propriamente dita, já que é onde se encontra a exortação ao Rei, para que este se torne digno de ser cantado, continuando a lutar avidamente contra os mouros, assim como o povo português encara a realidade, sempre lutando, sem jamais desistir. “Daí vós favor ao novo atrevimento Para que estes meus versos vossos sejam”

A conclusão desta dedicatória está, de certo modo, no final do canto X, já que Camões se dirige novamente a D. Sebastião.

Nota: É importante que se diga que Camões tratou sempre coloquialmente D. Sebastião, com vocábulos quer no imperativo (inclinai, ponde, ouvi...), quer na 2.ª pessoa verbal do plural – vós (vereis, dareis, vos darei...), de forma a demonstrar respeito por aquele seu eterno amo.

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I

NÍCIO DA NARRAÇÃO (canto I est. 19 até canto X)

A

narração

incorpora

finalmente

o

assunto do poema. Este assunto é desencadeado pela acção central que é a viagem de Vasco da Gama à Índia. Esta viagem, seguindo as regras clássicas, inicia-se já em alto mar (“In media a res”), mais propriamente quando as quatro naus (a de Vasco da Gama, de Paulo da Gama, de Nicolau e dos Mantimentos) navegam no Canal de Moçambique, zona que se desenhava como novidade e desconhecido, até aquele momento. A descrição feita do oceano e das embarcações, nesta estância, é embalada pelo ritmo ondulatório das ondas do mar, que se faz “ Já no largo Oceano navegavam, As inquietas ondas apartando; Os ventos brandamente respiravam,

sentir através dos vocábulos (ver tracejado na estância). Esta estância 19 é logo interrompida

Das naus as velhas côncavas inchando;

pela intervenção de uma narração que

Da branca escuma os mares se mostravam

ocorre ao mesmo tempo: O primeiro

Cobertos, onde as proas vão cortando

Consílio dos Deuses. A palavra “Quando”

As marítimas águas consagradas, Que do gado de Proteu são cortadas.” (est. 19)

lega exactamente essa ideia de que estão a ocorrer as duas coisas simultaneamente. Será neste Consílio dos Deuses do

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Olimpo, que ficará decidido o futuro dos portugueses, pelos deuses que, supostamente, governavam a vida humana – mitologia. Deste modo, Júpiter estava a favor dos portugueses, assim como a doce Vénus (deusa do amor) e Marte (deus da Guerra), que por ver a sua amada Vénus encantada por aquela raça latina descendente de Enéias, também passa a compartilhar desse mesmo sentimento, o que não acontece com Baco (deus do vinho, celebrado como conquistador da Índia) que é inteiramente contra a ousada decisão dos portugueses a navegarem num oceano desconhecido e o que o leva a pôr em prática planos maquiavélicos procurando impedir que cheguem à Índia.

Outros episódios… Os episódios simbólicos funcionam como obstáculos que vêm dificultar a missão dos portugueses. Como obstáculos temos os deuses (como já foi referido), recorrendo Camões assim ao maravilhoso, estando esta oposição salientada principalmente no canto I, no Concílio dos Deuses no Olimpo; os Homens, símbolo representativo dos fracos de espírito que não tinham qualquer crença nestes descobrimentos, encarando tudo isto como um disparate que só traria a insegurança dos que ficavam na Pátria - episódio do Velho do Restelo, canto IV; oposição da natureza, pelo episódio do Adamastor, canto V.

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Episódio do Velho do Restelo Canto IV (est. 94 a 104) O choro das mães, das esposas, dos filhos… era sufocante no momento da partida de Belém - conta Vasco da Gama ao rei de Melinde. Como comandante da armada, Gama viu-se a ordenar aos seus companheiros que embarcassem sem demoras, antes que a dor os consumisse por dentro e os levasse a desistir do seu propósito. «Nós outros, sem a vista alevantarmos Nem a Mãe, nem a Esposa, neste estado, Por nos não magoarmos, ou mudarmos Do propósito firme começado, Determinei de assi nos embarcarmos, Sem o despedimento costumado, Que, posto que é de amor usança boa, A quem se aparta, ou fica, mais magoa.» Est. 93 do episódio “Despedidas em Belém”

No entanto, no meio da multidão pintada de dores e angústias, ergue-se a voz pesada de um velho de “aspeito venerando”, com um saber de experiências feito, a condenar a expedição para a Índia e a motivação moral que os inspirara a tal ideia e a tal ensejo, meneando assim três vezes a cabeça, descontente. Segundo ele, a fama e a glória representavam o chamariz que os arrastava para aquela “vã” aventura, num oceano desconhecido repleto de imensos perigos, sem que ao menos reflectissem na dor que causavam àqueles que ali ficavam desamparados, chorando a solidão a que estavam votados.

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Por tudo isto, não pôde deixar de questionar toda aquela ânsia que levara aqueles homens a enfrentar as leis da vida e as leis dos homens, e por essa razão fê-los ver as alternativas das quais podiam usufruir. Defendia, sim, a expansão portuguesa para o Norte de África, pois esta era mais fácil e mais proveitosa e até porque ele parecia representar alguém da velha nobreza, que agora se via vencido pela burguesia. Ao vê-los ali corajosos, determinados a partir, sentenciava-os e acusava-os. Para ele, estes homens deixavam as portas abertas ao inimigo que estava próximo – os Mouros, para arranjarem outro mais distante em paragens remotas. O Velho do Restelo representa, então, a voz do bom senso, que aconselha a que não se ultrapassem os limites permitidos pelas possibilidades humanas e que se evitem aventuras, para que estas não os venham conduzir a desgraças ou a se converterem em tal. Desta forma, o velho evoca símbolos de insatisfação: Adão, Dédalo, Ícaro, Prometeu…, para condenar todos os que ali se arriscam, bem como para mostrar o que acontece quando se faz frente ao que parece designado no presente e traçado no futuro. Esta figura é também representativa para mostrar que os heróis não temem os riscos que os aguardam no desconhecido, bem como para condenar todos os que se querem aproveitar desta situação para defenderem os seus mais vis interesses. Todavia, existem historiadores que defendem que Camões ao escrever este episódio, mostrava a sua posição em relação a toda esta realidade, pois parecia desfrutar da mesma opinião do velho, teoria que comprovam com o apelo feito a D. Sebastião, em que pede ao rei que vá combater os mouros, no Norte de África.

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Episódio do Adamastor Canto V (est. 37 a 60)

Situado depois do episódio de Fernão Veloso na Baía de St.ª Helena, representa um episódio mitológico, simbólico e lírico – traços essenciais para que a esta obra seja atribuída a nomenclatura de Epopeia.

Nada faria prever perigos futuros… Navegavam calmamente, com os ventos soprando a favor, quando uma nuvem pesada surgiu sobre as suas cabeças, petrificando-os de medo. Gama, intuitivamente, ergue as mãos ao céu, clamando por ajuda Divina, mas enquanto apela, surge, aparecido do nada, uma figura robusta… gigantesca. Com “rosto carregado” irrompeu diante de todos, movendo os corações pelo terror que causava. Os “olhos encovados”, os cabelos crespos, a “boca negra”, os “dentes amarelos”, e a voz horrenda e monstruosa que se fez ouvir, legando aos portugueses, inconscientemente, um elogio “Ó gente Ousada” e castigos futuros, porque o audaz povo português ousara enfrentar, outrora e agora, a providência da natureza (ventos e tormentas desmedidas) para transpor esta

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tão perigosa passagem (Adamastor metamorfoseado no Cabo das Tormentas). Desta forma, o Adamastor faz profecias, dizendo esperar vingar-se de quem o descobriu – Bartolomeu Dias, bem como de Francisco de Almeida – primeiro vice-rei da Índia e D. Manuel Sousa Sepúlveda, sua mulher e companheiros, fazendo-os sofrer arduamente. Este episódio do Adamastor é, então, um símbolo das forças cósmicas que os homens, neste caso os portugueses, terão de vencer para alcançar os seus objectivos. Quando Gama interrompe-o, demonstrando nas suas feições não medo, mas sim maravilha perante aquela imagem, pedindo-lhe que se identifique: “Quem és tu? Que esse estupendo / corpo, certo, me tem maravilhado”, o monstro carrancudo muda o seu semblante e aceita responder, transformando a sua voz antes rude em uma “voz pesada e amara”. É então que se apresenta como sendo o “Oculto e grande cabo a quem chamais vós outros Tormentório” / “A quem vossa ousadia tanto ofende”. É sim, um dos gigantes mitológicos, filhos da terra, que se rebelaram inutilmente contra Júpiter. O seu nome é Adamastor. Passa a narrar a sua triste história de amor, revelando um passado cruel. Sem que desejasse, sentiu o seu coração preso a Tétis, quando a viu pela primeira vez “sair nua na praia”. No entanto, este árduo e fogoso desejo, possessivo até, transformara-se num pesadelo. Era feio, monstruoso… o que fez com que se tornasse impossível alcançá-la, resolvendo portanto tomá-la à força. Certo dia, julgando ver Tétis ao longe, correu até ela. O que parecia ser o dia mais feliz da sua vida, ficara convertido a um triste desengano.

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Abraçado ao que julgava ser a sua amada, viu-se abraçado a um duro rochedo. A sua dor tão grande era, que ficou mudo e quedo, e transformou-se aos poucos, membro por membro, num penedo também. Conta ainda, derramando medonhas lágrimas, que Tétis atormenta-o constantemente, transformada em onda, pois ora está perto de si, ora está longe, nunca conseguindo alcançá-la. Acabada de relatar toda a sua triste saga de amor, desfez-se a nuvem que os céus escurecia. Gama eleva, uma vez mais, as mãos a Deus e pede que o que o Adamastor anunciou não se torne real no futuro. Continuam a navegar, ultrapassando o grande e místico Cabo das Tormentas. O facto de a nuvem desaparecer, assim como a coragem que os Portugueses demonstraram ao enfrentarem este monstro, representa a destruição das forças cósmicas que este episódio do Adamastor simboliza, passando por isso a significar o domínio dos mares, pelos portugueses. Por outro lado, o drama amoroso manifestado através do amor possessivo do Adamastor, levou-o à destruição e traduziu-se na triste realidade em que agora está mergulhado.

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Ilha dos Amores Canto IX e X

Na minha mais respeitosa opinião, este episódio é deveras importante e essencial, pois traduz-se no reconhecimento que os marinheiros portugueses não tiveram ao chegar à sua Pátria, pois como afirmo na nota introdutória, são difíceis as homenagens quando ainda os merecedores de tais estão vivos. Assim, Camões tendo conhecimento do que aconteceu no passado e sabendo que também não irá ser reconhecido pelo seu trabalho e pelas suas obras antes de morto, atribui uma recompensa a todos aqueles que lutaram para atingirem os seus objectivos. Aproveita também para dar a conhecer factos que aconteceram depois da descoberta do Caminho Marítimo para a Índia, através das profecias de Tétis, anfitriã, que dá a conhecer a Gama a máquina do mundo. É nesta ilha dos Amores que é concedido aos portugueses a gratificação pelos seus feitos heróicos, sendo o prémio algo para o corpo como: doces manjares, perfumes caros, frutos suculentos, actos amorosos, isto é, tudo o que venha contemplar e saciar os órgãos sensoriais, condimentando-os com uma sempre e especial pitada de amor, pois para Camões, o amor é a força suprema capaz de conduzir à harmonização do universo, passando por isso (neste canto) o homem a estar acima dos deuses, como senhor do seu destino, e os deuses passando a ter características humanas. É importante ter em atenção que todo este episódio tem um carácter fictício e mitológico, o que não quer dizer que se perca a beleza da veracidade e do maravilhoso cristão que percorre esta epopeia, pelo contrário esta presença constante do maravilhoso pagão engrandece e glorifica ainda mais esta obra, até porque Camões assume a fantasia como sendo “Sob o olhar de uma jovem: a Obra “Os Lusíadas” de Luís Vaz de Camões” por Carla Lucas (2003)

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fantasia, dando aos deuses a dignidade máxima de terem sido humanos, do mesmo modo que aponta aos homens a maneira de se divinizarem, estando assim ao seu alcance tudo o que possam imaginar, desde que guiados pela fé e pela coragem e vontade de vencer.

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Considerações Finais: “O porquê a escolha desta Obra?” - esta poderá ser a questão que surgirá na mente de quem estiver a ler este trabalho.

A obra “Os Lusíadas”, no meu parecer, representa algo tão grandioso que jamais pode ser esquecido e que serve de exemplo para todos nós. Apesar dos muitos obstáculos a ultrapassar, apesar das afrontas da vida, todos nós somos capazes de criar, de construir algo belo de acordo com as nossas capacidades, tal como Camões conseguiu, sendo por isso apontado como exemplo de força e de perseverança. “Os Lusíadas” são para mim, mais do que uma epopeia digna de grande apreciação. São sim algo que demonstra a humildade com que sempre encarou os aspectos da vida, com que sempre lidou com o seu dom, bem como com a sua própria coragem, pois alimentara-se anos consecutivos com uma ânsia insaciável de escrever algo digno da glória do povo heróico português (o que conseguiu alcançar da melhor forma).

Esta obra é dotada de grande valor moral, histórico, espiritual… que deverá ser sempre guardada dentro de cada um como sendo a imagem a seguir. É sim e com razão, considerada a “Bíblia Nacional” porque guarda, para além da história portuguesa, a coragem por vezes perdida dos portugueses, agora no presente. É esta a bravura que tentei demonstrar em algumas das passagens deste canto grandiloquente, como por exemplo no episódio do Adamastor e até mesmo no episódio do Velho do Restelo…

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Posso afirmar que me diverti deveras ao escrever este pequeno resumo, apesar de estar consciente de que, certamente, não consegui relatar dignamente a magnitude e a beleza profunda que percorre cada verso, cada estância, cada canto.

Agora e para finalizar este meu trabalho, faço um apelo final… «Esta obra é digna de ser apreciada e estudada, por isso não a tirem do currículo escolar!» … Pode ser algo difícil de compreender, algo que exija muito trabalho por parte de cada pessoa, mas aí é que reside o seu encanto. É necessário esforço da nossa parte, para que a consigamos apreender e interiorizar. No entanto, há que haver, para além de um estudo dedicado por parte do aluno, uma mentalidade de encarar tudo de bom agrado, por parte do professor, de forma a que este possa transmitir e ajudar os educandos a desvendar os aspectos que se escondem por detrás de cada verso. Com esta combinação, o resultado será digno de igual exaltação, pois reproduzir-se-á quer na vida presente, quer no futuro de cada um, conseguindo sempre marcar cada dia deste presente e desse futuro ainda por vir, mas também relembrando sempre o passado português, merecedor de igual valor.

Carla Patrícia do Vale Lucas Funchal, 2003

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Bibliografia: Camões, Luís (1971). Os Lusíadas; Parceria A. M. Pereira, Lda. Diciopédia 2002 – Grande Dicionário Enciclopédico Multimédia (2001); Porto Editora Internet: http://www.secrel.com.br/poesia/camoes34.html Pais, Amélia Pinto (2000). Para Compreender Os Lusíadas; Areal Editores Paulo, Amadeu; Barbosa, Maria José (1997). Português B - 10.º ano; pág. 230 a 270; Constância

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