DIREITO AUTORAL O ECAD e a reforma da lei
A PRIMEIRA À ESQUERDA
UNIÃO ESTÁVEL Avanço contra a homofobia
REMOÇÕES Rio acumula desabrigados
ano XV nº 171 / 2011 R$ 9,90
ENTREVISTAS
Carlos Lessa
O problema do Brasil é a elite
Osvaldo Coggiola
Crise econômica vira crise social e política
EXPANSÃO DA INTERNET Telefônicas tomam conta da banda larga
Jeferson De
Filme Bróder debate questão racial
Desmonte do programa espacial ameaça a soberania nacional BÁRBARA MENGARDO CLAUDIUS DÉBORA PRADO EDUARDO SÁ EMIR SADER FIDEL CASTRO FREI BETTO GABRIELA MONCAU GERSHON KNISPEL GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS GUTO LACAZ JESUS CARLOS JOÃO PEDRO STEDILE JOEL RUFINO DOS SANTOS JOSÉ ARBEX JR. LEANDRO UCHOAS LUIS VIGNOLO MARCELO SALLES MARCOS BAGNO MC LEONARDO PEDRO ALEXANDRE SANCHES RENATO POMPEU RODRIGO VIANNA SÉRGIO VAZ TATIANA MERLINO
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CAROS AMIGOS ANO XV 171 JUNHO 2011
Foto de Capa: Assessoria de Imprensa do DCTA.
sumário REPORTAGENS
EDITORA CASA AMARELA REVISTAS • LIVROS • SERVIÇOS EDITORIAIS FUNDADOR: SÉRGIO DE SOUZA (1934-2008) EDITOR E DIRETOR: WAGNER NABUCO DE ARAÚJO
O QUE AMEAÇA A SOBERANIA NACIONAL A crise do modelo neoliberal em boa parte do mundo ainda não conteve a voracidade do capital privado em abocanhar os recursos e as políticas públicas. Pelo menos no Brasil. É o que revelam duas importantes reportagens desta edição: - Uma mostra que o Programa Espacial Brasileiro está sendo vítima do mais astuto desmonte, e ameaçado de terceirização e privatização. - A outra mostra que o recuo do governo em fazer a expansão da banda larga – Internet rápida – pela estatal Telebrás, conforme anunciado em 2010, visa entregar toda a operação para as cinco grandes multinacionais de telefonia que operam no Brasil. Por trás dessas medidas – nem sempre reveladas com transparência para a sociedade brasileira – estão os interesses econômicos de grandes grupos nacionais e estrangeiros. No caso do programa espacial, está em jogo também o desenvolvimento e o controle de tecnologia. No caso da banda larga está em risco a inclusão digital de milhões de brasileiros – sem contar que toda a população tende a se tornar refém de preços abusivos do oligopólio da Internet paga. O mais grave de tudo: ambos os processos ameaçam setores estratégicos para a soberania nacional. Caros Amigos veicula também mais três reportagens da maior relevância política, social e cultural, que tratam do drama dos desabrigados do Rio de Janeiro, dos avanços da União Estável e da polêmica do ECAD e da lei do direito autoral. Além disso, apresentamos aos leitores três excelentes entrevistas: uma com o economista e professor Carlos Lessa, da UFRJ, e ex-presidente do BNDES; outra com o historiador e economista Osvaldo Coggiola, que é professor da USP e analista da situação internacional; e uma terceira com o cineasta Jeferson De, que fala de seu filme Bróder e da questão racial no Brasil. Como sempre, a revista está muito bem recheada com os artigos e análises da equipe de colaboradores. Enfim, um bom conteúdo para os leitores mais exigentes. Vale a pena ler Caros Amigos!
Programa Espacial Brasileiro sofre desmonte e está ameaçado de terceirização. Por Tatiana Merlino Banda Larga: empresas de telefonia querem tomar conta do serviço público. Por Débora Prado União Estável: decisão do STF abre caminho para novos avanços LGBT. Por Bárbara Mengardo Direito Autoral: os interesses do ECAD e a polêmica reforma da lei. Por Leandro Uchoas Rio acumula desabrigados das chuvas e removidos dos eventos esportivos. Por Eduardo Sá
ENTREVISTAS
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ARTIGOS E COLUNAS
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Mc Leonardo deixa claro com quem estão as armas ilegais no Brasil. Gilberto Felisberto Vasconcellos: a fúria de Iemanjá contra o pré-sal. Fidel Castro critica os brutais ataques da Otan contra o povo da Líbia. José Arbex Jr. comenta a rebelião da juventude contra a barbárie. Sérgio Vaz versa sobre uma Bruna que não era surfistinha. João Pedro Stedile defende mutirão nacional para acabar com a pobreza. Frei Betto lembra conversa com o escritor argentino Ernesto Sábato. Gershon Knispel fala de terrorismo e de reação ao terror no Oriente Médio. Luis Vignolo analisa a criação da CELAC e a construção da Pátria Grande. Emir Sader retoma as referências do capitalismo e do imperialismo. Caros Leitores: cartas e comentários pelo Twitter e no Facebook. Falar Brasileiro – Por Marcos Bagno: analisa língua culta e mentiras consagradas. Paçoca – Por Pedro Alexandre Sanches: Simonal é bode expiatório. Amigos de Papel – Por Joel Rufino dos Santos: a queda de Obama. Ensaio Fotográfico de Jesus Carlos: festa dos vaqueiros do Nordeste. Perfil: Nelson Sargento – Por Marcelo Salles: na apoteose da vida, aos 87 anos. Ideias de Botequim – Por Renato Pompeu: de Anita Garibaldi ao cordel. Tacape – Por Rodrigo Vianna: comenta o desgaste de Dilma para proteger Palocci.
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Osvaldo Coggiola analisa a reação popular contra a crise econômica mundial. Por Cecília Luedemann, Hamilton de Souza, José Arbex Jr. e Lúcia Rodrigues Carlos Lessa bate pesado nas elites brasileiras e defende o neopopulismo. Por Eduardo Sá Jéferson De, diretor do filme Bróder, fala sobre cinema e as questões raciais. Por Gabriela Moncau
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Guto Lacaz Claudius
www.carosamigos.com.br EDITOR: Hamilton Octavio de Souza EDITORA ADJUNTA: Tatiana Merlino EDITOR ESPECIAL: José Arbex Jr ARTE: Ricardo Palamartchuk e Gilberto de Breyne EDITOR DE FOTOGRAFIA: Walter Firmo REPÓRTERES: Bárbara Mengardo, Débora Prado, Gabriela Moncau, Lúcia Rodrigues e Otávio Nagoya SÍTIO: Débora Prado (Editora), Gabriela Moncau e Paula Salati SECRETÁRIA DA REDAÇÃO: Simone Alves REVISORA: Cecília Luedemann DIRETOR DE MARKETING: André Herrmann COORDENADORA DE MARKETING: Júlia Phintener COMÉRCIO VIRTUAL: Pedro Nabuco de Araújo e Douglas Jerônimo RELAÇÕES INSTITUCIONAIS: Cecília Figueira de Mello ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO: Clarice Alvon e Priscila Nunes CONTROLE E PROCESSOS: Wanderley Alves LIVROS CASA AMARELA: Clarice Alvon PUBLICAÇÕES DE REFERÊNCIA: Renato Pompeu (Editor) ASSESSORIA DE IMPRENSA: Kyra Piscitelli APOIO: Edcarlos Rodrigues, Joze de Cássia e Neidivaldo dos Anjos ATENDIMENTO AO LEITOR: Douglas Jerônimo e Zélia Coelho ASSESSORIA JURÍDICA: Marco Túlio Bottino, Aton Fon Filho, Juvelino Strozake, Luis F. X. Soares de Mello, Eduardo Gutierrez e Susana Paim Figueiredo; Pillon e Pillon Advogados REPRESENTANTE DE PUBLICIDADE: BRASÍLIA: Joaquim Barroncas (61) 9115-3659. JORNALISTA RESPONSÁVEL: HAMILTON OCTAVIO DE SOUZA (MTB 11.242) DIRETOR GERAL: WAGNER NABUCO DE ARAÚJO
CAROS AMIGOS, ano XV, nº 171, é uma publicação mensal da Editora Casa Amarela Ltda. Registro nº 7372, no 8º Cartório de Registro de Títulos e Documentos da Comarca de São Paulo. Distribuída com exclusividade no Brasil pela DINAP S/A - Distribuidora Nacional de Publicações, São Paulo. IMPRESSÃO: Bangraf REDAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO: rua Paris, 856, CEP 01257-040, São Paulo, SP
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CAROS LEITORES SURPREENDENTE VISÃO DE MUNDO Parabéns a Caros Amigos! A sua visão de mundo do lado dos oprimidos mostra que o caminho da luta é o fundamento para a busca de melhor condição de vida da Humanidade. Engano daqueles que pensam que a Democracia é para todos e se recebe de presente... Engano daqueles que pensam que é só ter um Governo de esquerda e está tudo resolvido... Quando alguém se instala como governo, especialmente executivo, é porque vai seguir as regras vigentes. Daí, as organizações populares não podem ser cooptadas e devem continuar suas lutas. Carlos Roriz Silva – Arujá – SP.
PORRE DE NOÉ Cumprimento Caros Amigos e o historiador Joel Rufino dos Santos pelo artigo publicado na revista do mês de maio (edição 170), intitulado O porre de Noé. Joel Rufino foi muito feliz quando fez a assimilação entre os temas do noticiário brasileiro de hoje e a Bíblia, livro de histórias antiquíssimo dos hebreus, de acordo com ele. Confesso que, após o contato com este texto, fiquei num estado pleno de satisfação. Principalmente, pelo motivo de tomar conhecimento de que, no meio de tanta hipocrisia social, e tanto desrespeito aos direitos individuais, há uma luz no fim do poço: intelectuais, que usam o seu conhecimento, para o bem comum. Leonardo Caldas – Salvador – BA.
SAARA OCIDENTAL Inicialmente, quero parabenizar a revista pelo importante papel de ser um contraponto a imprensa tradicional-conservadora do nosso país. Sou leitor, assinante e acima de tudo um admirador da revista. Simplesmente fantástica a matéria do nº 169/2011 sobre o Saara Ocidental, tanto pelos detalhes e firmeza nas denúncias de violações perpetradas pelo Marrocos (subordinado do imperialismo ocidental) contra o povo saaraui, quanto pela corajosa e firme luta saaraui em busca da sua autonomia e em defesa da dignidade de seu povo. Mário Cesar – Advogado, vice-presidente do PT – Amélia Rodrigues – BA.
Cara Tatiana: Venho acompanhando seu trabalho na Caros Amigos desde que entrou para o corpo editorial. Sempre que compro a revista, logo vou ler os artigos de José Arbex Jr., Joel Rufino dos Santos e as suas reportagens, que são sempre muito boas e bem escritas. Porém, o texto da edição 169 é surpreendente. Fiquei encantado com a história do Saara Ocidental e de seu povo. Parabéns por mais essa! José Aurélio – Belo Horizonte – MG.
INDEPENDENTE Caros Amigos, compro esta revista há muitos anos, infelizmente não com a regularidade que gostaria, por falta de tempo para lê-la. Mas comprei a de número 169 /2011. Como sempre, venho folheando os artigos e lendo as entrevistas interessantes com a da Raquel Rolnik e do Jean Wyllys, que não conhecia. O Perfil da Luiza Erundina, que conheci em 1972 e desde então sou fã, muito importante para quem não a conhece. Abraços e parabéns pelo15º ano independente e de esquerda. Claudio Mahler – Professor COPPE/UFRJ – Rio de Janeiro –RJ.
FARMACÊUTICA Parabéns à Caros Amigos e a Lúcia Rodrigues, pela coragem que nenhum outro veículo de informação teve. A atitude da indústria farmacêutica (matéria edição 169) é e sempre foi criminosa. Esse tipo de denúncia deve ser constante e as soluções vigiadas pelo cidadão. Sempre achei que o CRM fosse conivente com todas as falcatruas entre médicos e laboratórios, mas pelo jeito existe alguém lá dentro que pensa diferente. Tomara que se consiga algo de proveitoso no sentido, de não permitir mais tanta indecência para com o paciente. Valéria Oliveira – Ex-instrumentadora cirúrgica.
NOAM CHOMSKY Excelente a entrevista com o intelectual Noam Chomsky (Caros Amigos n° 169) e parabéns a Tatiana Merlino por suas indagações argutas e instigantes, que proporcionaram ao entrevistado respostas e comentários percucientes e profundos, atingindo em cheio os EUA e o Reino Unido, colonizadores de sempre. Igualmente notável o artigo
“O Brasil à venda” do Frei Betto. Vale a pena ser assinante da revista. Lúcio Flávio V. Lima – Brasília – DF.
ESPECIAL DE MÍDIA Parabéns à revista pela ótima edição sobre a mídia. É de causar indignaçao o tamanho do poder que poucas famílias possuem para manipular e decidir o que as pessoas devem pensar e fazer de suas vidas. E o pior... O nefasto governo Dilma/ Lula não fez e não fará nada para democratizar os meios de comunicação. Cabe a nós, militantes, nos mobilizarmos para mudar a realidade desse nosso país. Vamos socializar a mídia! Adriano Fernandes – Estudante – Maceió – AL.
Rolou no Twitter e no Facebook Aos 14 anos, a revista @caros_amigos adolesce, ignora sisudos e obtusos e sai às ruas, em marcha para inventar outro mundo. Rafael Tomyama – Via Twitter. Todos os dias da minha vida eu agradeço a Deus por poder ler um Jornalismo de verdade nesse País. Obrigada, Caros Amigos. Luiza Machado – Via Facebook. Construiremos uma nação soberana e livre, fortalecendo uma mídia livre e comprometida com interesses democráticos e populares. Por isso recomendo a leitura e assinatura da revista Caros Amigos. Fábio Pereira – Via Facebook. A matéria de @caros_amigos sobre novos modos de repressão aos movimentos é o espelho da realidade. Usam-se recursos legais de modo ‘ilegal’. Mário Bentes - Via Twitter.
CORREÇÃO Diferentemente do que consta na entrevista com Alan Woods, na edição 170, o escritor e teórico marxista galês é editor do site da Corrente Marxista Internacional.
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COMENTÁRIOS SOBRE O CONTEÚDO EDITORIAL,
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caros amigos
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Marcos Bagno ...
MENTIRAS CONSAGRADAS Em nenhum lugar de sua obra Darwin afirma que “o homem descende do macaco”. O que ele, sim, afirma é que o homem e os demais primatas têm um ancestral comum. No entanto, a formulação distorcida e grosseira serviu de mote para todas as campanhas do fundamentalismo religioso na época de Darwin e também na nossa (o abominável Bush Jr. defendia o “criacionismo”). Assim, uma sofisticada e elegante teoria sobre a evolução dos seres vivos foi (e é) reduzida a um axioma que seu autor jamais proferiu. Hoje, no Brasil, acontece coisa semelhante com relação às novas concepções de ensino de língua na escola. Uma teoria igualmente sofisticada e elegante, a sociolinguística, é estupidamente deturpada pelos que não conseguem apreendê-la ou, conseguindo, não querem aceitá-la. Nenhum linguista nem sociolinguista sério afirma que “não é preciso ensinar a norma
Mc Leonardo
As armas estão com os pobres? Todas as pessoas lembram sempre da favela quando o assunto é o problema das armas de fogo no Brasil. Essa ligação é compreendida quando temos uma população desinformada e manipulada pela mídia. Nas comparações que farei aqui usarei o Rio como exemplo, pois vivo aqui, mas imagino que é o retrato das principais cidades brasileiras. Cada comércio tem alguém armado na porta, seja ele qual for, e essa segurança é feita na maioria das vazes de maneira irregular. Os policiais são proibidos de fazer segurança particular armados, e mesmo assim fazem para poder complementar seus ridículos salários, fazendo com que em cada esquina tenha no mínimo uma arma dentro de uma ilegalidade. Os bairros mais ricos gastam mais com segurança particular do que a própria cidade gasta para dar segurança para toda sua população.
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culta” (“norma culta” que é, de fato, um construto ideológico porque ninguém consegue defini-la com exatidão). No entanto, é essa formulação obtusa que aparece na voz e na pena dos supostos especialistas e, pior ainda, dos nada especialistas que se apegam a um modelo idealizado de “língua certa” que eles mesmos, se pressionados, não sabem dizer o que é. Mais grave ainda: eles mesmos cometem ao falar e ao escrever diversos “erros” que a tradição normativa rejeita, mas que, por estarem já plenamente enraizados na língua falada pelas camadas dominantes, não são vistos como “erro”. Ou seja: para os amigos tudo, para os inimigos, a lei. E os inimigos, no caso, são os milhões e milhões de brasileiros que não pertencem à ínfima elite letrada — 75% deles, segundo as pesquisas do INAF, realizadas há dez anos, sobre o grau de letramento e numeramento dos brasileiros. Em recente entrevista dada a uma emissora de rádio, a sociolinguista e educadora Stella Maris Bortoni-Ricardo, pioneira na área da sociolinguística educacional em nosso país, assim se expressou: “sou favorável à discussão da variação linguística na escola, mas insisto em que é preciso que professores e alunos estejam bem informados sobre o valor sociossimbólico das variantes, ou seja, quando falamos temos de levar em conta as expectativas de nossos interlocutores. ‘Nóis pega o pexe’ é uma forma adequada na situação de fala em que ela for bem recebida pelos nossos ouvintes. Se eles têm a expectativa de ouvir ‘Nós pegamos o pexe (ou peixe)’, então devemos usar essa
As ruas Ataulfo de Paiva (Leblon) e Visconde de Pirajá (Ipanema) têm mais armas do que na favela da Rocinha, e falo somente das armas que estão a serviço da defesa do patrimônio dos comércios das principais ruas desses dois bairros, pois se for comparar com as armas que estão dentro dos apartamentos para segurança pessoal em todas as ruas do Leblon e Ipanema, esse número vai ser superior a mais de vinte favelas juntas (as vinte mais armadas). As armas que estão na mão do varejo da droga no Rio são consequências da falta de política voltada para o tráfico de armas no Brasil, o que facilitou e muito a chegada dessas armas de diversas partes do mundo na mão de quem nem conhece a cidade. O discurso de que as armas do Estado tinham que se equiparar com as armas que estavam na mão do varejo da droga foi a pior coisa que poderia acontecer para todo estado. Primeiro, é a fabricação e entrada legal de armas de grossos calibres no Brasil. Segundo, é o despreparo para o manuseio por parte da imensa maioria de policiais que são obrigados a portá-las. Terceiro, que acabou fortalecendo ainda mais o comércio ilegal dessas máquinas mortí-
ilustração: débora borba
falar brasileiro
segunda variante. Os alunos precisam saber disso para circular com desenvoltura em qualquer ambiente e desempenhar com segurança qualquer papel social que se apresentar a eles”. Pergunto: onde está dito aí em cima que “não é preciso ensinar a norma culta”? Somente na cabeça poluída ideologicamente dos que, pensando defender a “língua certa”, estão de fato defendendo uma concepção de “certo” semelhante à que só considera “certo” o cristianismo, o machismo, o racismo e outros terrorismos psicológicos da mesma laia. Ou seja: coisas de Bolsonaro. Marcos Bagno é linguista e escritor. www.marcosbagno.com.br
feras por todo o território brasileiro. O Governador do Rio de Janeiro quando fala das Unidades de Polícia Pacificadora (as chamadas UPPs) que foram instaladas nas favelas cariocas, sempre lembra que as UPPs foram elaboradas para combater as armas e o “poder paralelo” que fazia as comunidades de reféns. Queria lembrar que essa tal pacificação tão falada por ele está sendo feita somente com a presença de novas armas, já que outros órgãos governamentais não entraram nas favelas depois da ocupação policial, fazendo com que a população continue refém de um poder paralelo, pois a polícia está agindo dentro dessas comunidades de forma arbitrária. Todas as armas, sejam elas legais ou ilegais, nas mãos dos pobres ou dos ricos, estão a serviço mesmo que involuntariamente de um só poder, que é o do capital. Mirar o problema das armas para dentro da favela é a forma mais explícita de criminalização da pobreza, a mídia inescrupulosa faz e a população desinformada aplaude. Mc Leonardo é presidente da APAfunk, cantor e compositor.
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paÇOCA Pedro Alexandre Sanches ...
Lá se foram 40 anos desde que o cantor Wilson Simonal foi pela primeira vez acusado de ser um “dedo-duro”, um colaborador da ditadura militar plantado na frente avançada da música popular brasileira. Ele permanece sendo o incômodo bode na sala da história heroica da MPB de seu tempo, mesmo depois do advento de trabalhos que insinuaram linhas possíveis de inocentação, como a biografia Nem Vem Que Não Tem – A Vida e o Veneno de Wilson Simonal (Globo, 2009), de Ricardo Alexandre, e o documentário cinematográfico Simonal – Ninguém Sabe o Duro Que Dei (do mesmo ano), codirigido por Cláudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal. Em 2011, um novo livro chega ao mercado editorial propondo uma nova reviravolta no caso mais perturbador da história da MPB. É o ensaio Simonal – Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga (Record), escrito pelo historiador Gustavo Alves Alonso Ferreira. Não se trata de adicionar grandes novidades à trama intrincada que levou o cantor carioca partir da fama absoluta, em 1971, para o completo ostracismo, poucos minutos depois. Menos que isso, Gustavo Alonso estranha os esforços recentes por recuperar a imagem de Simonal por intermédio da negaçäo de suas responsabilidades e o trata, na contramão dessa tendência, como responsável por seus próprios altos (ou como “culpado”, como gostariam de rotular os fantasmas da família, da tradição e da propriedade). O historiador empurra a história adiante, se esforçando antes por livrar Simonal (ou qualquer outro personagem) do papel inglório do bode expiatório. A defesa que faz é incômoda tanto à direita quanto à esquerda, justamente porque agarra os calcanhares da evidência também incômoda de que Simonal caiu em desgraça junto à esquerda que lutava contra a ditadura militar, mas, identicamente, junto à direita para a qual o cantor trabalharia como cúmplice delator. Gustavo argumenta que não foi Wilson Simonal, mas antes a própria sociedade brasileira em sua maioria quem apoiou, legitimou e sustentou a ditadura militar de 1964. “Como punir www.carosamigos.com.br
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toda uma sociedade por se engajar numa ditadura?”, pergunta. “Condenar os chefões do Terceiro Reich à pena de morte foi a forma encontrada pelos vencedores de purgar o pecado alemão de ter mordido a maçã nazista”, exemplifica, dando ênfase à tonalidade católica dos termos “purgar” e “pecado”. “O consenso em torno da imagem traidora de Wilson Simonal purga a sociedade brasileira, e especialmente os artistas de música popular, de suas relações com o regime”, traz o exemplo para perto de Simonal, da MPB e do Brasil. Eis o ovo da serpente cutucado pelo historiador. Esmiuçando inúmeros exemplos, Gustavo dá margem à compreensão de que, numa sociedade muito mais complexa que o bangue-bangue hollywoodiano maniqueísta que divide o mundo em “bons” e “maus”, quem lutou contra a ditadura pode ter igualmente colaborado com ela, e viceversa. Quem sofre especialmente nas mãos do autor é Chico Buarque, herói máximo das esquerdas dos anos 1970 e figura que, afinal, acumulou prestígio, fama e fortuna à custa da luta simbólica diuturna contra os mandos e desmandos dos generais instalados em Brasília. Tampouco a tropicália, vertente oposta à de artistas como Chico e Elis Regina, escapa das farpas do autor. Ele elabora uma análise ousada que coloca a “pilantragem” de Simonal como vanguarda estética de seu tempo, logo capturada, retrabalhada, encorpada e ensombrecida pelos tropicalistas. “Simonal ‘dedo-duro’ ainda é um mito intocado pelos iconoclastas tropicalistas. Nunca interessou a estes repensar a imagem do cantor, pois isso seria afirmar que havia outra proposta estética modernizadora no cenário nacional com uma linha bem parecida”, ele afirma. Segundo essa ótica bastante plausível, as décadas pós-ditadura seriam de reconstrução contínua da memória das décadas “heroicas”, de modo a sempre readequar o passado sob prisma binário, bipolar, dicotômico, maniqueísta. “Não deixa de ser curioso que a classe média alta e seus jornais se sintam motivados a louvar heróis antiditatoriais”, Gustavo ironiza. “Não custa lembrar que essas mesmas classes e jornais cariocas apoiaram largamente o golpe de 1964. E 40 anos depois eles se colocam
ilustração: MURILO
Autor considera Simonal bode expiatório dos que apoiaram a ditadura
do lado dos heróis da resistência sem culpa alguma. Para além da hipocrisia de alguns, a maioria se vê levada pela maré da memória que transforma tudo e todos em resistentes ‘desde a infância’.” O propósito de dividir o Brasil em dois compartimentos estanques – um heroico, que combateu a ditadura, e outro desprezível, que a alicerçou – resulta, para o historiador, numa visão infantilizadora do povo e do próprio país. “Esse tipo de discurso banalizador encobre que a sociedade apoiou, desejou o regime e colaborou com ele”, avança. “Essa visão ao mesmo tempo vitimizadora e redentora das esquerdas não explica por que a ditadura se sustentou por tanto tempo.” O tabuleiro de xadrez que Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga expõe é cínico, talvez farsesco, em dupla face. Do lado esquerdo, em especial nos círculos da cultura, todo e qualquer personagem se constrói (e/ou reconstrói) como opositor intransigente do regime instalado, desde no mínimo 31 de março de 1964. Do lado direito, desapareceram nas sombras (quase) todos os entusiastas do arbítrio, da repressão, da tortura. No campo cultural resta, circunscrito e solitário numa desarrumada sala de jantar, o bode expiatório Wilson Simonal. Ainda hoje, onze anos após sua morte. Tendo alguém como o “rei da pilantragem” autossabotador para culpabilizar silenciosamente, pode-se estabelecer (in)conveniente cortina de silêncio e fumaça por sobre inúmeros outros colaboradores ferrenhos do regime, entre eles empresários, banqueiros, magnatas das comunicações, artistas, donas de casa, cidadãos anônimos infantilizados pelo maniqueísmo como “apolíticos”. Curiosamente, essa espécie de silêncio se esparrama inclusive por cima de um trabalho que gostaria de desfazer equívocos e desmistificar monolitos de convicção que rodeiam história tão tortuosa – ou você já havia ouvido falar em algum outro lugar sobre esse perturbador redesenho histórico proposto em livro por Gustavo Alonso? Pedro Alexandre Sanches é jornalista.
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Gilberto Felisberto Vasconcellos
Iemanjá é Contra o Pré-Sal Ouvidos antenados auscultaram por aí a fúria da rainha do mar (a primeira deusa que faz amor depois da Grécia, segundo Darcy Ribeiro) contra a busca de petróleo em profundezas marítimas. Iemanjá alerta para um oceanocídio, isto é, a morte do Atlântico. Mare oceanus, o pai de todos os rios, segundo os escritores latinos. O mar virou propriedade do capital. O mar está sendo destruído pelo capitalismo. O mar é do capitalismo. Tirar petróleo do fundo do mar é uma temeridade, cujo efeito antiecológico não é diferente da usina nuclear em Angra dos Reis. Razão tinha o poeta venezuelano Ludovico Silva: o petróleo é o excremento do diabo. Lembro Luís da Câmara Cascudo: a posse da lua não é nada perto de um prato de feijoada. O que vai trazer de progresso e de empregos para o povo brasileiro a extração de petróleo no oceano? Atenção: não há tecnologia infalível. E se der defeito na tubulação? O mar da América Latina vai virar veneno. A morte dos peixes. Aliás, os peixes estão tomando antibióticos. Peixes transgênicos.
A oligarquia financeira internacional tecla suas maquininhas de calcular: quantas Líbias, quantos Iraques, quantas Arábias Sauditas têm no fundo do mar de Santa Catarina? Karl Marx advertiu que a cabeça do capitalista é imediatista: depois de mim, o dilúvio. Eu e Iemanjá estamos contra o Pré-sal. Buscar petróleo no fundo do mar é ir em busca do efêmero e do transitório. O petróleo acaba, enquanto a energia vegetal é eterna e não polui. O Pré-sal está na contramão da ciência. Todos os países estão querendo rapar fora do petróleo, ainda que alguns roubem o petróleo dos outros como é o caso dos EUA. O Pré-sal como prioridade energética é insensatez; é a irracionalidade de atuar em desacordo com a natureza dos trópicos, que se caracteriza por elevada incidência de sol e abundância de água doce com imensa quantidade de terras agricultáveis. O Pré-sal para muita gente mostra que o petróleo é inesgotável, portanto o álcool-combustível já era. O Pré-sal no fundo do mar pode desviar
a atenção da agricultura energética, plantada e renovável (cana de açúcar, mandioca, dendê, girassol), enquanto o petróleo é extraído e não plantado. No que concerne ao suposto antagonismo entre alimento e álcool combustível, trata-se de um equívoco, pois é possível plantar simultaneamente energia e comida na terra de maneira descentralizada e em pequenas propriedades. As corporações multinacionais estão comprando vorazmente (vide a Shell) largas extensões de terras e usinas de cana-de-açúcar, não somente na América Latina, como na África e sudoeste da Ásia, ou seja, nas regiões intertropicais. Enquanto nos atrelamos ao modelo energético anacrônico, o imperialismo na era pós-petróleo está a fim de construir pipelines de álcool e óleos vegetais para abastecerem as metrópoles. Viva Iemanjá! Gilberto Felisberto Vasconcellos é sociólogo, jornalista e escritor.
Fidel Castro
Um fogo que pode queimar a todos Pode-se estar ou não de acordo com as ideias políticas de Kaddafi, mas ninguém tem direito a questionar a existência da Líbia como Estado independente e membro das Nações Unidas. Ainda que o mundo não chegara ao que, do meu ponto de vista, constitui hoje uma questão elementar para a sobrevivência da nossa espécie: o acesso de todos os povos aos recursos materiais deste planeta. Não existe outro no sistema solar que possua as mais elementares condições de vida que conhecemos. Os próprios Estados Unidos sempre tentaram ser um crisol de todas as raças, todos os credos e todas as nações: brancas, negras, amarelas, índias e mestiças, sem outras diferenças que não fossem as de senhores e escravos, ricos e pobres; mas tudo dentro dos limites da fronteira: ao norte, Canadá; ao sul, México; a leste, o Atlântico e a oeste, o Pacífico. Alaska, Porto Rico e Hawai eram simples acidentes históricos. O tema que desejo tratar hoje não é esse, mas sim o assombro com que observei, no programa Dossiê, de Walter Martínez, na televisão venezuelana, as imagens fílmicas da reunião entre o chefe do Departamento de Defesa, Robert
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Gates, e o ministro de Defesa do Reino Unido, Liam Fox, que visitou os Estados Unidos para discutir a guerra criminosa desatada pela OTAN contra a Líbia. Era algo difícil de crer, o ministro inglês ganhou o “Oscar”; estava muito nervoso, tenso, falava como um doido, dava a impressão que cuspia as palavras. Logicamente, primeiro chegou à entrada do Pentágono onde Gates o esperava sorridente. As bandeiras dos dois países, a do antigo império colonial britânico e a do seu enteado, o império dos Estados Unidos, tremulavam no alto enquanto se entoavam os hinos. A mão direita sobre o peito, a saudação militar rigorosa e solene da cerimônia do país anfitrião. Esse foi o ato inicial. Os dois ministros entraram depois ao prédio norte-americano da Defesa. Pelas imagens que vi, supõe-se que falaram por muito tempo, já que ambos voltavam com um discurso em suas mãos, sem dúvida, previamente elaborado. O âmbito do cenário constituía o pessoal uniformizado. Do ângulo esquerdo, podia ver-se um jovem oficial alto, magro, ruivo, cabeça rapada, boné com viseira preta, com seu fuzil com baioneta, com uma estampa de soldado disposto a dis-
parar uma bala do fuzil ou um míssel nuclear com a capacidade destrutiva de 100 mil toneladas de TNT. Gates falou com o sorriso e a naturalidade de um dono. O inglês o fez da forma em que expliquei. Poucas vezes vi algo tão horrível; exibia ódio, frustração, fúria e uma linguagem ameaçadora contra o líder líbio, exigindo sua rendição incondicional. Parecia indignado, porque os aviões da poderosa OTAN não tinham podido vencer em 72 horas a resistência líbia. Os ataques brutais contra o povo da Líbia que adquirem um caráter nazifascista podem ser utilizados contra qualquer povo do Terceiro Mundo. Realmente me assombra a resistência que a Líbia tem oferecido. Agora essa belicosa organização depende de Kaddafi. Se resiste e não acata suas exigências, passará para a história como um dos grandes personagens dos países árabes. A OTAN atiça um fogo que pode queimar a todos! Fidel Castro Ruz é ex-presidente da República de Cuba. Em 17 de abril de 2011.
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Rebelião Geral
Em todo o mundo,
jovens resistem à barbárie Por José Arbex Jr. Se há um denominador comum a todas as manifestações que agitam o Oriente Médio, o Norte da África e a Europa mediterrânea, é o fato de que elas são impulsionadas pelos jovens, com todas as suas decorrências: são rebeliões ousadas, generosas, irreverentes e sem nenhum compromisso com os velhos partidos e ideologias. Parece irresistível recorrer a uma analogia com 1968. Talvez isso possa ser feito, mas apenas num sentido muito amplo e superficial. As diferenças são profundas. O Muro de Berlim, símbolo da divisão do mundo em 1968, ruiu há tempos, mas o capital não cumpriu a sua promessa de uma nova era de prosperidade. Partidos autodenominados socialistas, socialdemocratas e de trabalhadores chegaram ao poder apenas para demonstrar sua capacidade de gerenciar com grande competência a crise permanente do capital. O preço da comida dispara e a fome aumenta na mesma proporção (em 2010, o mundo superou a cifra de 1 bilhão de famintos), o meio ambiente dá sinais sérios de esgotamento, a crise financeira iniciada em 2007 perdura e gera mais desemprego, mesmo nos países centrais do capitalismo. Em contrapartida, proliferam e prosperam as indústrias da guerra, do tráfico de armas, drogas e de seres humanos. A barbárie mostra a sua face. Claro que os sinais da barbárie, anunciados por Auschwitz, pelo Gulag e por Hiroxima, já se manifestavam em 1968. Os Estados Unidos despejavam milhares de toneladas de bombas e de armas químicas sobre o Vietnã, a União Soviética vivia sob o terror stalinista, ditaduras militares proliferavam em todo o planeta e o holocausto nuclear estava no horizonte de possibilidades posto pela Guerra Fria. Apesar de tudo, havia uma certa percepção – ou o desejo de que o fim da oposição entre os dois grandes blocos poderia, eventualmente, oferecer alternativas para o conjunto da humanidade, ainda mais numa época em que desabavam os últimos impérios coloniais. O desenvolvimento das lutas contra o racismo nos Estados Unidos de Martin Luther King parecia indicar a possibilidade de avanços concretos, no sentido da conquista de novos direitos sociais e políticos, mesmo no coração do sistema
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capitalista. Ninguém imaginava, ainda, o desmantelamento do Estado de bem estar social (a era Thatcher – Reagan seria anunciada apenas no final dos anos 1970), não se falava em destruição do planeta pela tecnologia (a não ser no caso de um desastre ou guerra nuclear) e a ONU alimentava a meta de erradicar a fome do planeta. De 1968 para cá deu tudo errado. Sim, houve claros progressos em ciência e tecnologia. Mas, mais do que nunca, cumpriuse a lúcida sentença de Walter Benjamin: “todo documento de cultura é também um documento de barbárie”. A área dos alimentos é a que mais claramente demonstra isso. Nunca houve tanta comida, mas a fome aumenta. Em 1950, produzia-se 2.250 calorias por dia para cada um dos 2,5 bilhões de habitantes; hoje, quando a população quase triplicou, produz-se 2.750 cdh. Apesar disso, a ONU admite ser impossível estabelecer a meta de acabar sequer com a metade da fome mundial, o que significa condenar pelo menos 500 milhões de seres humanos à morte por inanição. A fome aumenta porque a tecnologia não é empregada para produzir comida, mas sim mercadoria: só come quem paga. As novas tecnologias têm matriz bélica. São concebidas para aumentar a eficácia, a produtividade, “atingir o público alvo”, mesmo que isso signifique destruir o resto. Elas trazem embutidas o funcionamento de um mundo que oprime e isola o ser humano. Aprimora-se a capacidade técnica de trocar informações, enquanto as pessoas reais, de carne e osso, são condenadas a vidas cada vez mais isoladas, fragmentadas e sem sentido. Cria-se a ilusão de uma “sociedade globalizada”, mas a imensa maioria dos seres humanos vive à margem de tal sociedade. A contrapartida é a formação de feudos fortemente armados e guardados pelos que dispõem de capital: condomínios fechados, áreas exclusivas, carros blindados. As novas tecnologias, resultado e suporte dessa lógica, realizam a sentença da “dama de ferro” britânica: não há sociedades, há apenas indivíduos. A “revolução árabe” não foi causada pelas redes sociais, como pretendem alguns ideólogos do admirável mundo novo, mas teve como principal motivação a fome e a miséria. As revoltas na
Grécia (o primeiro a soar os dobrões fúnebres da Zona do Euro), em Portugal e na Espanha, assim como as marchas de Madison (Wisconsin), em abril, traduzem o desespero da juventude diante do desemprego brutal, dos ataques a conquistas sociais históricas e da falta de perspectivas. Nas periferias das metrópoles em que as revoltas ainda não assumiram um contorno político tão nítido, os jovens se chocam todos os dias com a polícia. Há no planeta, indiscutivelmente, uma situação latente de explosão e sede de transformação. Não por acaso, no Brasil, uma das manifestações reprimidas com maior violência e brutalidade nos últimos anos foi uma marcha pela legalização da maconha, realizada no dia 21 de maio, na avenida Paulista, em São Paulo (e em outras cidades e capitais). Uma das causas óbvias da ferocidade repressiva explica-se pelo fato de que a legalização acabaria com o comércio ilícito da droga, fonte de lucro e meio de controle policial sobre os jovens, especialmente os mais pobres. Além disso, as forças da ordem, hoje como em 1968, são absolutamente hostis aos que reivindicam as liberdades do corpo e o direito de opção. Os partidos tradicionais nada têm de concreto a dizer sobre as reivindicações da juventude, incluindo os ditos “de esquerda” (socialistas e social democratas), que, há muito, foram absorvidos pelo capital e integrados ao seu gerenciamento. Em contrapartida, os movimentos da juventude não ostentam estruturas organizadas visíveis, mas mostram que há espaço para novas formas de organização. Nisso reside, a um só tempo, a tragédia e a esperança. A tragédia decorre da falta de estratégias claras contra um inimigo extremamente bem organizado e armado. A esperança vem do fato de que, por isso mesmo, ninguém controla essa onda mundial. O problema é saber se as revoltas atuais, no Brasil e no mundo, serão finalmente, absorvidas pelo mercado e por ideologias nefastas como a do pós-modernismo (como aconteceu com as energias liberadas em 1968), ou se encontrarão os caminhos para uma transformação duradoura da vida. José Arbex Jr. é jornalista.
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Brasil
Fora de órbita
foto: Assessoria de Imprensa inpe
Risco de terceirização e privatização do Programa Espacial Brasileiro ameaça a soberania nacional e completa quadro de desmonte do setor sofrido na década de 1990.
Produção de satélites nas instalações do Inpe em São José dos Campos (SP).
Por Tatiana Merlino A condução do Programa Espacial Brasileiro está ameaçada de terceirização e privatização. Após duas décadas de esvaziamento dos órgãos ligados ao setor, com poucas contratações e salários defasados, agora o governo brasileiro vem estudando a inclusão do setor privado na execução e gerenciamento do programa espacial, hoje sob responsabilidade do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Instituto de Aeronáutica e Espaço - Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (IEA-DCTA). O primeiro é vinculado ao Ministério de
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Ciência e Tecnologia e encarregado de conceber satélites nacionais, enquanto o segundo, responsável pelos veículos lançadores, é subordinado ao Comando da Aeronáutica, do Ministério da Defesa. Embora ainda não esteja definido oficialmente quais seriam as empresas e o papel desempenhado por elas, o Programa Nacional de Atividades Espaciais (Pnae) – documento que define as diretrizes do setor – está em fase de revisão pelo governo federal, e nele deve ser incluído a participação da indústria privada.
É isso que vem sendo sinalizado por Marco Antonio Raupp desde que assumiu a presidência da Agência Espacial Brasileira (AEB), em março deste ano. As decisões referentes ao Pnae, que é atualizado a cada cinco anos, serão incluídas no Plano Plurianual (PPA 2012-2015) – plano que estabelece as medidas, gastos e objetivos a serem seguidos pelo governo federal ao longo de um período de quatro anos. Entre as mudanças que Raupp vem defendendo está a que permite que empresas possam ser prime contractors, exercendo a função
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Empresa integradora
a qual começamos a conversar no Inpe. A Odebrecht está querendo adquirir histórico na área de defesa. Quando eu soube, acenderam todas as luzes, porque eles só entram onde há recursos, no caso, a área de defesa. E, talvez, a área espacial entre no pacote”, afirma. Na época da compra, ocorrida em março, o superintendente da Odebrecht Engenharia Industrial, Roberto Simões, declarou à imprensa que a compra da Mectron demonstra que a empresa acredita muito no mercado de defesa, apesar das dificuldades enfrentadas pelo setor, especialmente agora, com os cortes orçamentários anunciados recentemente pelo governo, um grande cliente. Simões disse que com a aquisição da Mectron o grupo pretende diversificar seu portfólio de produtos militares e ampliar a sua atuação, tanto no mercado de defesa nacional quanto no internacional. No mesmo período da compra feita pela Odebrecht, a Embraer anunciou a compra do controle da divisão de radares da empresa OrbiSat da Amazônia S/A. “Creio que exista toda uma estratégia na área de defesa que talvez resulte na compra de bilhões de dólares em equipamentos da Europa, e é possível que nesse pacote venha alguma coisa para a área espacial. É nessa hora que a engenharia do Inpe e do CTA estão no caminho atrapalhando”, explica Montes. Para ele, ao se passar as diretrizes do programa espacial para uma empresa, “por mais boa vontade que ela tenha, vai lutar por seus interesses empresariais, e não vai desenvolver tecnologia. A gente pode fazer no Brasil uma montadora de satélites. Isso é um retrocesso porque os brasileiros já sabem fazer satélites”.
Em artigo, Raupp defendeu a constituição de “uma empresa integradora, capaz de fornecer sistemas espaciais completos (satélites, foguetes e sistemas de solo) que favoreça a organização de uma cadeia produtiva de fornecedores e serviços do setor espacial, orientada para os mercados interno e externo”. A ênfase à participação do setor privado não implicará, porém, em privatização do Inpe ou do CTA, declarou Raupp. Defendeu, também, que a Embraer – fabricante de aviões privatizada durante o governo Itamar Franco – seja o main-contractor do programa espacial brasileiro, durante reunião realizada em São José dos Campos, em maio, com empresários do setor aeroespacial e a própria Embraer. A Caros Amigos procurou o presidente da AEB para comentar a possível privatização do programa espacial, mas, por meio de sua assessoria, Marco Antonio Raupp disse que não poderia dar entrevistas antes do final da revisão do Pnae, que está sendo realizada juntamente com o Ministério da Ciência e Tecnologia, que tem Aloizio Mercadante à frente da pasta. No final de 2008, o governo brasileiro divulPoucos resultados gou a sua Estratégia Nacional de Defesa. Entre O presidente da AEB Marco Antonio outros pontos, o documento menciona “a reorRaupp também vem criticando o Programa ganização da indústria nacional de defesa, para Espacial Brasileiro, que teria “um histórico de assegurar que o atendimento das necessidades poucos resultados, atrasos e baixa prioridade em de equipamentos das Forças Armadas apoie-se comparação com outras políticas públicas”. De em tecnologias sob acordo com o Sino domínio naciodicato dos Servi“Não se pode vacilar na defesa nal”. No texto, o sePúblicos Feestratégica de se manter a presença do dores tor espacial aparece derais na Área de como ponto estraté- Inpe na gerência dos projetos de satélites”, Ciência e Tecnolodefendem os servidores do SindCT. gico, com prioridagia (SindCT), realdes a serem seguimente há um atradas. “Teremos uma estratégia de defesa nacional so na entrega dos satélites, mas um dos motivos que incluirá a área espacial. Ainda não tive iné o deficit de trabalhadores nos institutos, susformações seguras, mas parece que vai haver pensão de concursos públicos para reposição da uma quantidade grande de recursos na área de força de trabalho e salários defasados. Em aula defesa”, diz Montes. magna proferida em maio na Academia Brasileira de Ciências, Raupp reconheceu a existência de um deficit de trabalhadores, mas afirmou Diversificar mercado que antes de contratar pessoas é necessário estiO cientista cita a compra da Mectron Engemular as empresas. nharia (fabricante de mísseis e de produtos de Para Francisco Conde, também engenheiro do alta tecnologia para o mercado aeroespacial) Inpe, a declaração de Raupp “feita dessa maneipela Odebrecht, que atua na área de engenharia ra, é muito negativa. É um ataque. Primeiro porcivil e está entrando na área de defesa: “Foi uma que não é a nossa marca e ele conhece bem os das coisas que me deixou impressionado e sobre
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foto: Assessoria de Imprensa do DCTA
integradora dos projetos de satélites e lançadores, hoje a cargo do Inpe e DCTA. Prime contractor ou main contractor são os nomes dados à instituição executora responsável pelo projeto da missão espacial, que pode ser um órgão público ou uma empresa privada. “Ele [o prime contractor] faz a concepção, todos os planos de desenvolvimento e contrata a indústria para fazer aquilo que ele deseja, da maneira que ele deseja, fiscalizado da maneira que ele deseja”, explica Amauri Silva Montes, gerente de projeto do Inpe e há mais de 40 anos no instituto.
Produção nacional de foguetes pode ser privatizada.
motivos dos atrasos”, afirma. Outro ponto que preocupa o servidor do Inpe é a declaração do presidente da AEB sobre “a operação de satélites, serviço que deve ser comprado de empresas. Eu queria que ele desse exemplo de alguma empresa no Brasil que opera satélite. Não existe empresa que faça isso”. Segundo o SindCT, a declaração de Raupp sobre ser prioritário acertar com as indústrias a participação delas para depois pensar em concursos públicos “demonstra, de modo direto, que o Inpe e DCTA estão em segundo plano, são substituíveis”. Sobre as atuais declarações do presidente da AEB, o sindicato acredita que “tudo indica que foi dada a ‘ordem’ de desmontar o Inpe e o DCTA, não abrindo concursos, não dando aumentos salariais, não liberando recursos, restringindo áreas de atuação, travando os projetos e desqualificando o único coletivo humano competente para a missão espacial”. Fernando Morais Santos, engenheiro eletrônico, funcionário do Inpe há 35 anos e presidente do SindCT explica que a participação da iniciativa privada em alguns setores do programa espacial já existe, “porque nós não somos fábricas. Geramos conhecimento e tecnologia, que fazem surgir produtos, equipamentos, sistemas. E isso sim é passado para a indústria, para a iniciativa privada na forma de conhecimento tecnológico para a execução”. Porém, “o que não pode é haver uma mentalidade de tirar desses centros de excelência que nós somos, tanto o Inpe quanto o DCTA, a forma de fazer e de conduzir”, explica. Ou seja, a ameaça seria em transferir a responsabilidade do main contractor para a iniciativa privada. “Não se pode vacilar na defesa estratégica de se manter a presença do Inpe na gerência dos projetos de satélites como main contractor porque isso garante o controle e a
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gia. Se comprar produtos acabados, vai ficar na dependência”.
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Descontentamento
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Em relação ao custo, o engenheiro explica que mantendo o Inpe como o prime contractor, as missões seriam mais baratas. “Ao passá-lo para a indústria, naturalmente ela não vai querer correr riscos, vai ter custo mais elevado, incluir mais mão de obra, vai querer trabalhar com uma certa folga”. Segundo o argumento de quem defende a terceirização, a entrada da indústria privada como condutora do setor espacial brasileiro resolveria também a questão da contratação de trabalhadores, pois as instituições que executam o Pnae funcionam por meio da lei 8.666, lei de licitações, “que é uma lei difícil para fazer desenvolvimento tecnológico, e, para contratar pessoal, tem que fazer concurso público”, explica Montes. Segundo ele, a legislação poderia ser alterada no Congresso, de maneira que desse mais flexibilidade para as instituições tecnológicas trabalharem. Os sinais de descontentamento com o trabalho do Inpe são mais antigos do que a recente discussão sobre a entrada efetiva da iniciativa privada. Montes conta que, apesar do lançamento de um satélite CBERS em 2003 – juntamente com a China –, de outro em 2007, e o início, em 2004, da construção de dois outros satélites de O engenheiro do INPE, Amauri Montes, defende a preservação da tecnologia nacional. duas toneladas, “a gente percebia que não havia em escalões do governo e nem mesmo na direcial tem como sua parte principal o domínio da tecnologia envolvida nas mãos do Estado”, deção do instituto um entusiasmo com isso. Hatecnologia espacial, que passa pela geração e mafendem os servidores do SindCT. Para os servivia uma série de críticas, uma tentativa de dituração de tecnologia, por uma política industrial dores, um programa espacial forte “requer insminuir um pouco o tamanho da engenharia e e pela capacidade que se tem de integrar e testar tituições públicas com equipes de engenheiros e discutir a necessidade de uma alternativa. Senesses satélites. “Não queremos simplesmente lantécnicos treinados e reciclados em instituições timos que iriam querer enfraquecer a engenhaçar satélites ou foguetes sem ter domínio dessa internacionais, laboratórios modernizados e firia do Inpe e jogar todo esse programa espacial tecnologia”. O Inpe, como main contractor, tamnanciamento adequado”. em algum lugar”. bém é responsável pela geração de tecnologias, No Brasil, o Inpe é o responsável pelo Prograpensando em missões futuras. “E isso vai desde Domínio tecnológico ma CBERS (sigla para China-Brazil Earth Resourdesenvolver e lançar satélites até gerar recursos Hoje, no caso dos satélites, o Inpe atua como ces Satellite: Satélite Sino-Brasileiro de Recurhumanos, trabalhar na parte mais acadêmica, famain contractor, ficando responsável por todas sos Terrestres), parceria iniciada com a China em zer uma difusão de conhecimento”. as fases da missão espacial, desde a concepção 1988 e que garantiu a ambos os países o domíAssim, ao transferir a responsabilidade das e estabelecimento dos requisitos, incluindo a denio da tecnologia do sensoriamento remoto para missões espaciais para a indústria, ela não vai finição da órbita. Apenas depois dessa fase são observação da Terra. ter a preocupação de contratadas empresas que se responsabilizam satélites destinamdesenvolver fornecepelo desenvolvimento, projeto, fabricação e tes“Não queremos simplesmente lançar Os se ao monitoramendor, de fazer uma potes dos subsistemas e equipamentos que comsatélites ou foguetes sem ter domínio to do clima, projetos lítica industrial, que é porão o satélite, mas sempre acompanhadas e dessa tecnologia”, explica o engenheiro de sistematização e algo que interessa ao orientadas pelo Inpe. Amauri Silva Montes. uso da terra, gerenEstado. “Ele vai proEntre os subsistemas que a indústria nacional ciamento de recursos curar alternativas e, desenvolve, estão a estrutura do satélite, painéis hídricos, arrecadação fiscal, e imagens para licom isso, corre-se o risco de ele enfraquecer a solares, gravador de bordo e antenas, e fabricacenciamento e monitoramento ambiental, como política industrial e trazer produtos acabados do ção e teste dos computadores de bordo. Em seo controle do desmatamento na Amazônia Legal. exterior. Realiza-se a missão talvez num prazo guida, há ainda uma fase de integração do saSuas imagens são utilizadas por empresas privamenor, mas não está se fazendo a política intélite e uma série de testes. Além disso, o Inpe das e instituições como o Ibama, o Incra, a Pedustrial”, alerta o cientista. “O maior risco que também possui um Centro de Controle de Satétrobras, a Aneel, a Embrapa e secretarias de Faeu vejo é que a gente comece a adquirir do extelites, cujos aplicativos são desenvolvidos pelas zenda e Meio Ambiente. Criado em 1961, o Inpe rior equipamentos prontos, sob aquele estigma de equipes de engenheiros, que não são subcontratem como missão “produzir ciência e tecnologia que vai haver transferência de tecnologia, coisa tados por razões de segurança nacional, explica nas áreas espacial e do ambiente terrestre e ofeque realmente não acontece. Se o Brasil quer ter Amauri Silva Montes. “Tudo isso vai agregando recer produtos e serviços singulares em benefíacesso à alta tecnologia e a bons acordos intervalor ao país, à pesquisa, à indústria”. cio do Brasil”. nacionais, ele tem que ter a sua própria tecnoloO engenheiro explica que um programa espa-
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uma privatização”, compara Santos.
Um dos aspectos mais preocupantes levantados pelos engenheiros ouvidos pela Caros AmiContinuidade gos é que se a condução do programa for deleA ameaça que o programa espacial sofre hoje gada para o setor privado, a soberania do país é apenas a continuidade de um processo de despoderia estar em risco. “Indústria trabalha com monte e sucateamento dos órgãos do Programa capital, e capital não tem pátria. Se hoje ela está Espacial Brasileiro, que acompanharam a onda comprando o equipamento no Brasil, se for mais privatista da década de 1990, dizem seus engebarato ela comprar da China e dos EUA ela vai nheiros e funcionários. A visão do Estado mínicomprar. Ela não vai se preocupar com desenmo atingiu as instituições ao longo da década volvimento e transferência de tecnologia. Ela de 1990 e 2000, por meio de achatamento salavai se preocupar com lucro, com preço baixo. rial, “que, inclusive, facilitou o êxodo dos insA defesa, a segurança nacional, a estratégia de titutos de pesquisa. Nós perdemos muita gente defesa do país, eles vão pôr em segundo, terceipara a iniciativa privada. E não temos capacidaro ou quarto plano”, assinala Fernando Morais de de atrair o pessoal mais novo, recém-formaSantos, presidente do SindCT. do, que se forma no Instituto Tecnológico de AeAmauri Silva Montes também acredita que o ronáutica (ITA) e outros centros. Eles vão para domínio da tecnologia é essencial tanto para a o sistema financeiro, ou para as indústrias”, redefesa quanto para o lata Fernando Morais desenvolvimento do Santos. A média de A ameaça que o programa espacial país. “Se não tiveridade dos funcionásofre hoje é apenas a continuidade mos domínio da tecrios é de mais de 52 de um processo de desmonte e nologia, pode-se faanos no Inpe e mais sucateamento dos órgãos do zer grandes coisas, de 55 no DCTA. “Eles Programa Espacial Brasileiro. como uma montapisam na mangueira, dora de satélites, de não contratam, não foguetes, mas sem ter o controle da soberania pagam salários, colocam administradores que do país. Essa questão é fundamental, mas acaba são submissos a normas e pensamentos de corficando esquecida”. Entre as consequências da rentes privatistas e sucateadoras. Isso é o destransferência da condução do programa espacial monte”, define Santos. Ou seja, a passagem do dos institutos do Estado para a iniciativa privamain contractor para a iniciativa privada aceleda, está a “submissão absoluta” a quem detém a raria o processo de sucateamento e quebra. tecnologia, acredita Santos. Segundo o engenheiro José Bezerra Pessoa O Inpe e o DCTA também são responsáveis Filho, do DCTA e ex-diretor da Associação Aeropelo desenvolvimento de tecnologia e estão liespacial Brasileira (AAB), os institutos só não fegados ao desenvolvimento da política industrial charam porque eram do Estado. “Mas houve uma do país. A perda desse acúmulo de conhecimendesvalorização enorme dos salários. Em 1991, to conquistado é outro aspecto que os engenheiquando me afastei para fazer doutorado, meu saros criticam. “Hoje, os países que entraram nos lário líquido era de 300 dólares”, relata. “O que programas de desenvolvimento científico e tecprecisamos aqui é o que se chama de massa crítinológico não precisam mais ser plantadores de ca. Não há como prosseguir com o programa sem banana, não precisam ficar exportando minéque a gente incorpore umas 2.500 pessoas. Enrio de ferro, soja. Eles exportam conhecimento e tendo que não é um número trivial, mas não dá serviços”, explica Santos. para viver o faz de conta, e eu acho que estamos Porém, o engenheiro acredita que o que está vivendo o faz de conta há muito tempo. Nada do para acontecer com o Programa Espacial Brasique estava previsto no Pnae andou, não é possíleiro não é privatização. “Isso seria pegar algo vel. Para as pessoas que trabalham no programa, rico, forte, arrumadinho como a Vale do Rio isso é extremamente frustrante”, diz. Doce e privatizar por 3 bilhões de dólares saBezerra reconhece que o Estado brasileiro tebendo que o patrimônio dela é maior que isso. nha outras demandas, mas lembra que no priPrivatizar é fazer o que fizeram com a Embraer: meiro quadrimestre deste ano, ele pagou 54 biprimeiro mandaram funcionários embora e salhões de reais em juros da dívida pública. “Então, nearam as contas para depois fazer o leilão de eu tenho que aceitar que todo esse recurso seja privatização”, define. “No nosso caso, não. Eles transferido para os bancos, mas não quero aceiquebram... é igual fizeram com a rodovia Pretar que o Estado tenha que investir um milhão sidente Dutra. Eles deixaram de cuidar durande reais por ano no programa espacial brasileiro. te dez anos. Ora, todo mundo falava ‘tem que Essa é a lógica que eu não entendo”. fazer alguma coisa’, aí disseram ‘precisa privaAssim, ele discorda do tipo de prioridade dada tizar’ e, num toque de mágica, o governo empelo presidente da AEB para a questão espacial: prestou dinheiro, a empresa que pegou começou “Eu gostaria de discutir com ele como é que a limpar, arrumar, asfaltar e ficou uma estramanteremos os órgãos vivos nos próximos cinda normal como era antes. Bastava que alguém co anos. Minha crítica é sobre a venda da terceidentro do governo administrasse decentemente. rização como a solução para o programa espaMas preferiu-se primeiro sucatear para justificar cial brasileiro. Isso é um equívoco”.
foto: Assessoria de Imprensa do DCTA
Soberania nacional
O DCTA produz e lança foguetes.
Além disso, o engenheiro afirma que no Brasil não há uma base industrial para se desenvolver o Programa Espacial Brasileiro. “Na área de veículos lançadores, não há, certamente, nenhum conhecimento disponível que permita a indústria trabalhar nessa área. Então, isso precisa ser criado, contratando empresas de subsistemas e colocando especialistas do setor espacial junto com essas empresas. É assim que isso vai funcionar”. Os engenheiros e funcionários do Inpe e DCTA esperam, ao menos, poder participar das discussões sobre o futuro do Programa Espacial Brasileiro. “O correto seria discutir. Não é possível que a gente esteja há 30 e tantos anos na área e não tenha nada para dizer”, conclui Montes. Tatiana Merlino é jornalista. tatianamerlino@carosamigos.com.br
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amigos de papel
Sérgio Vaz
Joel Rufino dos Santos ...
MARIA FODIDA A história de uma bruna que não era surfistinha
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Ilustração: koblitz
Lá por 1970, o DOI-CODI do II Exército apreendeu um documento em que se propunha plano de saúde para todos, redução de impostos para os mais pobres, fechar a base de torturas do Exército, apoiar fontes de energia limpas, legalizar 12 milhões de imigrantes etc. Dias depois prendeu o autor. Ele foi pro pau, ainda mais que era crioulo. Lá por 2011, o crioulo virou presidentedos EEUU, o documento seu plano de governo. Ficou na gaveta, por vários motivos. Por exemplo, não fechou o centro de torturas e usou informações dali para executar Bin Laden. Os torturadores não gostavam do companheiro Obama, meses atrás o classificariam como esquerda light. Mas, hoje, gostam. Estão comemorando sua recente façanha com lagosta e champanha ou tiros para o alto. “Eu não disse?! Torturamos, prendemos crianças, executamos combatentes desarmados para salvar o Brasil. Agradeçam, parem de besteira, já passaram quarenta anos”. Um torturador do DOI-CODi, antes de rodar a maquininha de choque, me dizia: “Se você estivesse no meu lugar e precisasse saber onde botei a bomba, rodaria esta manivela, como vou fazer agora. Não é nada pessoal”. Queria dizer que toda autoridade, de qualquer regime, é um torturador enrustido. Não faz pessoalmente o serviço, há sempre homens disponíveis pra isso. Em 1950, meu pai proibiu Coca-Cola em casa. Minha irmã, até morrer, só tomou guaraná Brahma ou Antártica Paulista, genuinamente nacionais. Essa comédia da vida se passou há apenas meio século. A ilusão dos militantes é de que sua ética é a de todos, daí os componentes de delírio e autoritarismo que às vezes manifestam. A ascensão social de meu pai foi notável, de apanhador de caranguejo nos mangues de Olinda a fiscal do antigo IAPM, passando por calafate de navio, militante comunista, pastor evangélico, maçom, rosa-cruz. Seu Antônio era crioulo, mas não era doido. Sua incoerência, no fundo, obedecia a uma inquietação ideológica, que procurava acalmar pelo aprendizado. Trabalhador de esquerda que lia, confessava suas desilusões e partia pra outras. Não era um sociólogo, mas leu seu Gilberto Freyre, seu Werneck Sodré,
Ilustração: koblitz
Abandonem o aparelho. O Obama caiu.
seu Caio Prado. Me apresentou Lima Barreto, Richard Wright, Lênin. Recomendo ao leitor um livro de que ele gostava muito: A ilusão Americana, 1895, de Eduardo Prado. Prado foi um ricaço paulista, reacionário em política, mas o livro é uma tomografia do imperialismo americano e seu quintal latinoamericano, aviso ao Brasil para não ser a próxima vítima. O leitor compreende a relação entre o assassinato de Bin Laden, por quem não morremos de amores, o DOI-CODI, o anti-imperialismo de meu pai, o livro de Prado? Não por acaso, a façanha de Obama se chamou Operação Gerômino. O chefe apache que lutou por dentro contra o imperialismo também não bebia Coca-Cola. Joel Rufino é historiador e escritor.
Maria D´ajuda nunca soube o que era livros, mas página por página daria uma coleção de romances sujos. De capa dura passou a vida a ferro frio e de mão em mão, mas ninguém sequer sabia se aquecia o seu coração. De peito mole amamentou os bastardos perdidos em sua cama e desde sempre chorou este leite coalho derramado. Puta desalmada desamou todas as almas penadas que assombraram seu seu colchão. Como fodia essa fodida sem gosto pela vida. De manhã de tarde de frente de lado por trás,de tudo quanto é jeito e com tudo quanto é gente. De menino travesti do de homem de homem metido a menino. Pegou e largou tudo quanto é doença que os vermes transmitem na nota suja do dinheiro. Por prazer se dava pela metade. Por bebida e riso falso se dava por inteiro. Por amor? Nem fodendo. Sem filhos, Maria fodida era uma puta velha filha da puta, que não admitia que era uma velha puta que o mundo sem pai, gozado e sem gozo, paria. Não morreu de gonorreia porque usava camisinha, mas como não tinha cobertor de orelha morreu sozinha atolada numa poça funda de lama. Uma faca de um cafetão café com leite e sem açúcar cortou a sua voz com um risco do pescoço à orelha e o sangue molhou suas palavras e esvaziou suas veias. Mas para quem tinha sífilis na alma, o que era uma buceta a mais na cara? Sérgio Vaz é poeta e fundador da Cooperifa. poetavaz@ig.com.br.
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Campanha
POR UM MUTIRÃO NACIONAL PARA SUPERAR A POBREZA
O Governo Dilma escolheu um belo mote para seu mandato: “Só há país rico, sem pobreza!” E nós dos movimentos sociais poderíamos acrescentar: “E só há país sem pobreza, se forem combatidas as desigualdades sociais e garantidas as mesmas oportunidades para toda população!” O governo nomeou a ministra do Desenvolvimento Social para coordenar as propostas de governo e, ao mesmo tempo, dialogar com os movimentos. Esperamos que o governo formate um conjunto de programas que visem realmente superar a pobreza e que envolva toda sociedade de forma organizada no seu debate e implementação. O Brasil é um dos territórios mais ricos em produção material e cultural de todo planeta. Temos enormes riquezas e reservas naturais. Temos quase 100 milhões de trabalhadores adultos que poderiam trabalhar e produzir os bens para todas as suas necessidades. No entanto, a sociedade brasileira é uma das mais injustas do mundo. Estamos entre as dez piores sociedades em desigualdade social. Apenas 5% das famílias mais ricas controlam quase a metade de toda riqueza produzida a cada ano. As 100 maiores empresas controlam 48% do PIB e tiveram um lucro líquido de 129 bilhões de reais em 2010. Um por cento de grandes proprietários de terra que possuem fazendas acima de mil hectares são donos de 40% de todas as terras do país. Há dez milhões de famílias que moram em residências insalubres e inadequadas. Temos 4 milhões de famílias de trabalhadores rurais sem terra. Temos 15 milhões de adultos que ainda não conhecem as letras. Apenas 10% de nossos jovens em idade universitária conseguem se matricular no ensino superior. Metade dos jovens que estudam no ensino médio, acima de 18 anos, não têm emprego. As empresas transnacionais despejam 1 bilhão de litros de venenos agrícolas, por ano, na nossa natureza e nos transformamos no maior consumidor de agrotóxicos, que só contaminam nosso ambiente e provocam enfermidades nas pessoas. Cerca de 40 mil jovens são assassinados por ano nas periferias das grandes cidades, superando todas as guerras em curso. Apesar do revolucionário sistema do SUS, que garante a universalidade do atendimento de saúde, a falta de recursos públicos e programas preventivos, aumentam as filas e os corredores hospitalares se transformam em leitos...
ilustração: Ricardo palamartchuk
João Pedro Stedile
As estatísticas socioeconômicas sobre as mazelas da sociedade brasileira são gritantes. Indignantes. E inaceitáveis. Um programa governamental, público, para superação desses graves problemas vai exigir muita coragem e determinação do governo Dilma. Não basta programinhas de compensação social para atender setores sociais, localizados ou em situação de risco. Isso é apenas obrigação de qualquer governo. O que precisamos é um amplo programa de distribuição de riquezas (já acumuladas ou roubadas da população ao longo de décadas) e distribuição da renda, combinados com reformas estruturais, que levem a superação da pobreza, entendida, como situação que as pessoas passam por necessidades básicas. Para isso, os movimentos sociais da Via Campesina já entregaram para o Governo algumas propostas, como: a) Valorização permanente do salário mínimo e dos benefícios da previdência social. b) Investimentos produtivos que gerem emprego e renda, abandonando a política burra imposta pelo FMI, do superavit primário, e, em vez de gastar 280 bilhões de reais anuais, com juros, investir em produção, em infraestrutura social. c) Um programa sério e massivo de reforma agrária para fixar a população no campo, combatendo o êxodo rural que só cria favelas. d) Um programa massivo de superação do analfabetismo que cega 14 milhões de brasileiros. e) Um programa massivo que eleve de 10% para
50% da população jovem na universidade. Para isso, precisamos aplicar, no mínimo, 10% do PIB em educação. f) Um programa de difusão de agroindústrias cooperativas por todo o país, combinando com políticas de produção de alimentos sadios, preservação de nossas sementes e difusão de técnicas agroecológicas, que evitem o uso de venenos. g) Um programa massivo para construir milhões de moradias populares, sem especulação imobiliária e com participação da população. h) Aplicação dos recursos da saúde, necessários em programas preventivos e de educação da população. i) Aprovação da redução da jornada de trabalho para 40 horas, como política de aumento do emprego e de maior tempo para o povo estudar e elevar a vida cultural. Mas para implementar um programa dessa natureza, é preciso coragem para enfrentar os interesses dos que concentram riqueza, renda e poder político. E, por outro, sensibilizar a sociedade e convocar todas as formas de organização social para atuarmos como um verdadeiro mutirão nacional na implementação das medidas propostas. Sem isso, não sairemos dos discursos e do marketing político. E veremos a montanha da esperança parir um rato da enganação! Até que um dia o povo se canse... João Pedro Stedile é membro da coordenação nacional da Via Campesina e do MST.
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entrevista osvaldo coggiola
“A crise econômica, iniciada em 2007, agora se aprofunda na direção de uma crise social e política” almente, sou pela terceira vez, vice-presidente da ANDES, o sindicato nacional dos professores universitários do Brasil e publiquei muitos livros e artigos aqui, na Argentina e em outros países. José Arbex Jr. – Por que você teve que fugir da Argentina? Eu tive que fugir porque estava sendo perseguido, como todo mundo, por ser ativista político. A perseguição era, supostamente, por subversão dos grupos guerrilheiros. Eu não pertencia a nenhum grupo guerrilheiro, embora andasse armado. Nessa época, a violência era generalizada.
foto: Jesus Carlos
José Arbex Jr. – O seu grupo já era trotskista? Sim, sim, já era trotskista naquela época. Não era a principal organização trotskista que fazia guerrilha, Exército Revolucionário do Povo (ERP). Eu vi nascer o ERP, tinha amigos meus, inclusive, no ERP.
Participaram: Cecília Luedemann, Hamilton Octavio de Souza, José Arbex Jr. e Lúcia Rodrigues.
José Arbex Jr. – Como se deu a sua aproximação com o trotskismo? Se deu por etapas. Eu participei do “Cordobazo” [movimento de protesto de 29 de maio de 1969 em Córdoba, uma das mais importantes cidades industriais da Argentina]. Esse foi o meu batismo de fogo, em Córdoba.
fazíamos um jornal que se chamava Política Obreira. Ele era feito aqui no Brasil, era microfilmado e alguém da Argentina punha dentro de um tubo de pasta de dentes e levava para lá, era reproduzido e distribuído, clandestinamente, no tempo da ditadura de Galtieri. Voltei pela primeira vez à Argentina em 1982, justamente no tempo da Guerra das Malvinas, porque aí virou uma bagunça para entrar, eu estava nas listas dos desaparecidos em potencial, eu tinha dois primos desaparecidos, como muitos desaparecidos das famílias argentinas. Fui justamente para trazer, clandestinamente, o arquivo de Liborio Justo, filho de um presidente argentino na década de 1930, um comunista e trotskista argentino, histórico, morreu com 101 anos, um grande historiador. Esse arquivo se encontra, atualmente, na Unicamp. Em 1984, houve concurso e comecei a dar aula de História Contemporânea na USP, como professor de História da América Latina. E tenho tentado participar da vida política, como estrangeiro não posso, mais ativamente só na vida sindical; atu-
José Arbex Jr. – Você tinha quantos anos? Eu tinha 17 anos, era do Colégio Nacional de Monserrat, de Córdoba. Aí, houve o Cordobazo e toda uma geração entrou para a política. O Cordobazo foi uma insurreição popular em Córdoba. Nesse momento não havia guerrilha na Argentina, havia a protoguerrilha, grupos armados que falavam em guerrilha, durante a ditadura do general Juan Carlos Onganía, anterior àquela que terminou em 1973. Eu entrei na política revolucionária, porque era uma ditadura, não havia partidos políticos, não havia eleições, então praticamente todo mundo era de esquerda. E você tinha diferentes frações políticas de esquerda e eu passei por várias. Eu entrei no que seria depois as FAR, as Forças Armadas Revolucionárias, uma organização peronista; depois passei para outro grupo que se chamava Esquerda Nacional, um tipo de trotskismo nacionalista, não tem nenhum equivalente aqui no Brasil, mas que tinha muita influência na época, pois ganhou a Federação Universitária Argentina em 1970; comecei os estudos, e, finalmente, fui parar numa organização
Professor da Universidade de São Paulo, o historiador e economista Osvaldo Coggiola é considerado, atualmente, um dos mais sérios e profundos analistas da conjuntura internacional. Nesta entrevista exclusiva para Caros Amigos, ele fala de sua militância na Argentina, onde nasceu, e da crise econômica mundial, das reações populares ao modelo neoliberal e das perspectivas das esquerdas e das lutas sociais. Fiquem com o professor Coggiola. Hamilton Octavio de Souza – Fale um pouco da sua trajetória. Osvaldo Coggiola – Sou argentino, nascido em Buenos Aires, criado em Córdoba. Estudei Economia e História em Córdoba até 1976, aí me expulsaram da Universidade de Córdoba, fui um dos primeiros a ser expulso pelo governo militar e fiquei um ano clandestino em Buenos Aires. Fui para a França e terminei meus estudos, me formei em História e Economia, fiz pós-graduação, doutorado em História na França. Em 1981, ainda era ditadura, vim morar no Brasil. Nós
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trotskista. Ou seja, como aconteceu com muita gente, você ia mudando de ideia, participando de debates. A vida política de Córdoba a partir de 1969 até o ano de 1975 era uma ágora, praticamente, as discussões políticas da esquerda se davam em toda a parte, nas universidades, nas escolas e depois em qualquer esquina: duas pessoas começavam a discutir, se juntavam mais quatro, mais cinco, de repente eram 100 pessoas discutindo política. Era uma situação que se chama de revolucionária. José Arbex Jr. – O que é frente de esquerda, na Argentina? Atualmente, na Argentina, não é a primeira frente de esquerda. Nesta eleição, estamos tendo uma situação de forte dispersão da coalizão do governo da Cristina Kirchner e de dispersão, em geral, dos partidos que, nos últimos anos, têm hegemonia eleitoral. E três organizações trotskistas, atualmente umas sete, formaram uma frente de esquerda, Jorge Altamira (Partido Operário) como candidato a presidente, Christian Castillo (Partido dos Trabalhadores Socialistas) como vice-presidente, é uma nova alternativa política, pois nunca houve uma frente de organizações trotskistas na Argentina até agora. A maioria da esquerda argentina militante, marxista é de organizações trotskistas. O Partido Comunista ficou reduzido a um aparelho, porque apoiou explicitamente a ditadura militar. As organizações guerrilheiras já não existem mais, mas não podemos dizer que foram politicamente superadas, porque as organizações foram exterminadas fisicamente. Uma geração foi exterminada: 30 mil desaparecidos e mais milhares de mortos legais. Esses 30 mil englobam apenas os mortos ilegais, os desaparecidos, fora os mortos legais, mais uns 20 mil. Para um país do tamanho da Argentina, seria imaginar, para um país como o Brasil, uns 300 mil mortos. E, por outro lado, todos politizados, do movimento estudantil, do movimento sindical... não era qualquer argentino que foi sorteado ao azar. A característica da repressão foi uma guerra civil encoberta em que usaram métodos de guerra de extermínio, por isso que as mortes não poderiam ser legais, os corpos desapareciam. E, depois, os filhos desaparecidos, o motivo pelo qual se reabriram os processos. Porque, na verdade, depois das leis de Ponto Final de Alfonsín e o indulto aos generais feito pelo Menem, esse assunto parecia fechado. O sequestro de bebês não poderia ser considerado crime prescritível. Se calcula uns 3 mil e foram descobertos até agora 103 netos, com casos terríveis. Cecília Luedemann – Professor, como o senhor compara a reação da sociedade brasileira e da argentina depois da ditadura? Por que na Argentina os civis e militares são levados a julgamento e condenados e no Brasil isso não aconteceu? Lá, o impacto social e político foi muito maior que no Brasil. Aqui foi um impacto mais localizado e se começou a falar no assunto muito tempo depois, a ponto de a lei de anistia geral estar sendo questionada há pouco tempo. Na Argentina,
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a palavra de ordem de anistia nem sequer foi colocada, em nenhum momento, porque falar em anistiar os assassinos de direita e de esquerda, como se fosse uma coisa equivalente era um absurdo, o máximo que as organizações guerrilheiras tinham feito era matar meia dúzia de oficiais e comparar essas mortes de enfrentamento com o assassinato de 30 mil, mortos pela lei de fuga, era assassinato. Eles escolhiam os guerrilheiros presos, matavam e depois publicavam nos jornais como se fosse morte por tentativa de fuga. E as Mães da Praça de Maio, desde 1977, foram reconhecidas pelo heroísmo e pela luta pelos julgamentos. Mas, a visão que se tem desses julgamentos na Argentina é diferente da visão que se tem aqui no Brasil. Claro, na Argentina foram condenados, no Brasil, não. Está certo. Na Argentina não se faz essa comparação, o que se diz é só agora, 35 anos depois dos fatos, alguns velhinhos de uma turma de milhares de cúmplices desse sistema estão sendo julgados e condenados. Essas condenações acontecem já quando estão com os pés na cova. Na verdade, o que aconteceu na Argentina é a condenação de alguns bodes expiatórios, embora se diga o contrário aqui no Brasil. José Arbex Jr. – E a frente de esquerda argentina tem vínculo com os movimentos sociais, com os “piqueteiros” [movimento dos desempregados argentinos]? Sim, tem. A estrutura política argentina é diferente, não tem o “colchão” como o PT, aqui; tem o kirchnerismo, que sobreviveu do peronismo e outras variantes peronistas, a direita de caráter empresarial como Macri, um dos principais empresários; uma esquerda como o PT, só que não tem trabalhadores, não tem nenhum Lula, como Fernando Solanas, diretor de cinema, com força só na intelectualidade de Buenos Aires; e a esquerda trotskista com muitos vínculos com os sindicatos e o movimento “piqueteiro”. Um dos principais líderes piqueteiros é Néstor Pitrola, com quem militei junto no movimento do Cordobazo. A estrutura política e a própria situação da esquerda argentina é muito diferente que a do Brasil. Aqui, é muito limitado, mas tem o equivalente, como o Conlutas, o PSTU. José Arbex Jr. – A frente de esquerda tem condições de ganhar as eleições? Não, não tem. Tem chance de se tornar uma referência política, porque até agora não era. Na Argentina, justamente por não ser o PT, é uma esquerda que tem muito peso nos movimentos sociais, tem peso nas lutas sindicais, nas lutas estudantis, mas não tem voto. É a situação típica, pobre, que segue o dirigente classista radical na luta de todos os dias, mas na hora do voto, vota em outro. Então, vem o peronista e diz: Vota em nós, senão vai ganhar de novo a direita. Então, isso é absolutamente típico. Conseguiram tirar da cartola o Kirchner com uma base eleitoral de classe média, que era o setor que mais tinha perdido com o sequestro do depósito bancário. O Kirchner, a partir de 2001, passou a se autoapresentar como ex-montoneiro, um ex-militante da esquerda
peronista, na verdade era um JP, um militante da juventude peronista. Ele foi militante da JP, mas nunca deu um tiro, com certeza. Mas, essa propaganda de Nestor Kirchner como ex-montoneiro só aconteceu, porque o país estava inteiramente mudado. Até 2001, ele havia sido governador de Santa Cruz, totalmente dentro do esquema de Menem. Só depois de 2001 ser ex-montoneiro virou trunfo eleitoral. José Arbex Jr.- A esquerda argentina não conseguiu criar uma alternativa? Não conseguiu, basicamente, porque o movimento operário estava enfraquecido, o movimento piqueteiro, movimento social que não era fácil ter uma posição política, e o setor mais combativo em 2001 não foi o setor sindical, não houve greves, foi mesmo a classe média que havia depositado dólares nos bancos. Hamilton Octavio de Souza - A classe média perdeu tudo rapidamente, o padrão de vida foi rebaixado... Foi a mais violenta... Não era um problema de salário, reajuste, não era uma barganha... Eles tinham vendido tudo o que tinham ao longo da vida, de várias gerações, vendido casas, com 400 mil dólares nos bancos, viviam disso, pagavam aluguel... José Arbex Jr. - De repente, acordaram sem nada... Recebiam 30% de juros, anuais, em dólar. Compravam apartamentos em Santa Catarina... Tinham um padrão de vida e, de repente, perderam tudo. Essas pessoas ficaram sem nada. Nas primeiras manifestações, as roupas das pessoas, via-se que eram de classe média, com roupa de grife. José Arbex Jr. - Muita gente está querendo comparar a situação da Espanha com a da Argentina, em 2001. Você concorda com essa analogia? Há uma diferença. Por exemplo, do ponto de vista do setor social há uma analogia. Mas, a juventude tem sofrido um desemprego atroz, com índices oficiais em torno de 25%, contratos de trabalho terríveis há décadas e uma situação social terrível. O ponto principal em que se assemelha, e que a Argentina é precursora é a do ponto de vista político: “Que se vayan todos”. Era uma espécie geral de rejeição de todos os partidos políticos oficiais. E, na Espanha, é a mesma coisa. Não estão se mobilizando contra uma ditadura, mas reflete, sim, uma mudança mundial, porque o que aconteceu, primeiro na Tunísia, depois na praça Tahrir, no Egito, foi um exemplo mundial, de ocupar o centro do poder. Ocupar a Porta do Sol se inspira na ocupação da praça no Egito: “Olha, lá eles ocuparam a praça principal, não se retiraram e derrubaram o governo, vamos fazer a mesma coisa aqui.” É claro que na Espanha não estão derrubando o governo, até porque não é preciso, o governo está praticamente derrubado. Estão pedindo outra coisa: uma liberação política, uma mudança na Europa. A vitória da revolução árabe depende
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do que acontecer na Europa. Há aqueles que falam em revolução mediterrânea, com processos de características revolucionárias dos dois lados do mediterrâneo. Estão acontecendo processos semelhantes na França, Portugal... Nesse ponto, rejeição total do sistema dos partidos políticos existentes. Há alternativa? Não se sabe. José Arbex Jr. - Assim como a Argentina dolarizou a sua economia e perdeu a soberania sobre a moeda, hoje, na zona do Euro, ocorreu algo semelhante. Os países europeus perderam a soberania sobre a sua própria moeda. Não são eles que determinam o valor do euro, é o Banco Central alemão. Nesse sentido, também a moeda se tornou uma camisa de força. O dólar era uma moeda estrangeira, norte-americana, o euro é supostamente a moeda comum. Não há nenhum acordo democrático entre os países, mas sim dos mais fortes sobre os mais fracos. Está se especulando, inclusive, a saída de vários países. A primeira, a Grécia, que voltaria à moeda dracma, faria uma violenta desvalorização, para resolver o problema da crise, com uma dívida que chegava ao dobro do PIB, mesmo com ajustes, demissões, retirada de 30% dos salários dos funcionários públicos, demissões, mas a dívida só cresceu com a especulação com a dívida grega. Agora, se sair a Grécia, o passo seguinte é sair a Espanha e Portugal. E aí, a União Europeia se desintegra pelos elos mais fracos, porque, na verdade, a situação espanhola é mais grave que a grega; está mais segura, porque a economia é maior que a grega. A Grécia tem uma economia relativamente menor. Hamilton Octavio de Souza - A Espanha tem uma economia com uma maior inserção internacional. Mas, a situação espanhola é caótica. E a de Portugal também é impossível. Além da moeda, a União Europeia tem índices de política econômica, que a maioria dos países não respeita, deficit fiscal, enfim, deficit público, em geral. Dívida pública muito maior e não tem um sistema de dívida pública comum. E a proposta de unificar os sistemas de dívida pública europeia é rejeitada por todos, porque faria que os menos endividados assumissem a dívida dos mais endividados e os menos endividados não querem isso. Por outro lado, uma reestruturação das dívidas implicaria na falência dos bancos que são credores dessa dívida. Por sua vez, essa dívida já foi negociada na forma de derivativos, não uma, mas duas, três, dez vezes, não somente na Europa, mas no mundo inteiro, principalmente no Japão e nos Estados Unidos e na própria China. Na verdade, não é um problema da Grécia, da Espanha, de Portugal. A finança mundial está tão entrelaçada, neste momento, com um sistema de derivativos que se estima em cerca de 450 e 600 trilhões de dólares, ou seja, dez vezes o PIB mundial, que neste momento o problema da Grécia e de Portugal, que são economias relativamente pequenas, se transformam num problema mundial. Isto não estava nos cálculos dos apologistas da globalização.
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Lúcia Rodrigues – Você vê alguma semelhança dos movimentos nesses países árabes com o que aconteceu na Europa em 1968? Sim, claro, no sentido que o setor fundamental é a juventude. Em 1968, há uma grave crise social na Europa, muitos movimentos estudantis, mas o único país que esses movimentos se transformaram num movimento social geral contra o governo foi a França. Na Itália, depois em 1969, o chamado “outono quente”. Aqui, não, foi um movimento onde a juventude teve um papel, mas foi, logo de cara o movimento popular. A juventude foi a mais articulada, porque tem o famoso papel do twitter, do facebook. {Risos} Ela se articulou mais rapidamente, mas, foi muito rápido, inclusive, anulando as tentativas de enfrentamento dos grupos confessionais entre cristãos e mulçumanos. Poucos dias antes, houve um ataque a uma igreja cristã, com vários mortos, com o sentido religioso. Mas, isso foi arrasado pela rebelião. José Arbex Jr. – É a fome, se eu não me engano, o fator determinante da revolução árabe. Claro, começou com a fome. Estava vinculada à crise econômica mundial. A primeira pergunta que se fez: por que um dos países que estão crescendo tanto está tendo rebelião? Porque está crescendo, mas isto não significa que esse crescimento se distribui igualmente. Ao contário, em países em que, cada vez mais, a estrutura política fazia com que o crescimento fosse absorvido por uma minoria, como a Tunísia. Houve uma onda especulativa, assim como houve com o petróleo, houve a segunda onda especulativa com as matérias-primas, levantou o preço da sêmola, do trigo, na Tunísia. E o fato notável da estrutura sobre a qual estava montada a pretensa prosperidade desses países era frágil, foi em meados de dezembro, um jovem em uma cidadezinha da Tunísia tocou fogo em si e em um mês vários países árabes estavam fazendo rebelião. Não era a primeira revolta do pão, pelo contrário, já havia acontecido várias revoltas nos países árabes, a mais famosa foi em 1977, contra Anuar Sadat. O que foi surpreendente, desta vez, foi como se contagiou todos os países e a rapidez com que se transformou em revolta política. Hamilton Octavio de Souza – Como relaciona essa crise que atinge a Europa com a América Latina? A América Latina está em outro plano de voo? É o que se diz aqui no Brasil. Na Argentina, menos, porque está muito mais em crise. Há controvérsias sobre os efeitos das exportações entre Brasil e Argentina. É uma crise muito grave. Marco Aurélio Garcia acaba de declarar que não, que está tudo tranquilo, que faz parte do joguinho. Aqui, o Mercosul é praticamente uma ficção. O máximo que vai se ter aqui de moeda comum é uma moeda virtual, porque vai servir para compensações, é uma moeda que nunca vai circular. Há uma situação de deficits comerciais cada vez maiores em todos os países. Se se entende a situação brasileira em que a moeda brasileira foi a que mais se beneficiou nos anos de crise no mundo inteiro, 54% da apreciação
da moeda brasileira em relação à desvalorização do dólar, do euro e tudo mais. Logicamente um deficit comercial muito grande, especialmente com a China. A mesma coisa está acontecendo com a Europa, que acaba de criar fortes tarifas alfandegárias para as importações chinesas, especialmente de papel etc, porque estavam varrendo com todas as indústrias europeias. No Brasil ainda não se cogita isso, mas se fizesse isso nós teríamos uma elevação de preços de uma tendência inflacionária muito forte. O que segura essa tendência inflacionária, no Brasil, é não ter barreiras alfandegárias sobre a importação de produtos. Na economia argentina não acontece a mesma coisa. O que demonstra um descompasso total e a possibilidade de se ter políticas unificadas não conseguem se sobrepor ao enfrentamento. A Argentina desvalorizou sistematicamente a sua moeda, porque a moeda argentina acompanhou a desvalorização do dólar, do yemen, enfim, de todas as moedas do euro. Resultado: a Argentina não conseguiu aumentar as exportações, não sair de uma situação de deficit comercial que continua forte, apesar da desvalorização, e por outro lado, continua com um deficit comercial muito forte com relação ao Brasil. A medida adotada pela Argentina era uma medida quase de desespero, porque a situação da Argentina é muito grave, muito mais do que se pensa. E uma desvalorização do real arrasaria com a Argentina, porque aumentaria o deficit comercial da Argentina. Então, essa é a manifestação, por enquanto, da crise mundial na América Latina, principalmente no bloco mais importante que é o Mercosul. Na América Latina há uma situação que não foge da crise mundial. E essa guerra comercial que se deflagra entre Argentina e Brasil, neste momento, faz parte do quadro mais geral, no qual já há uma guerra comercial entre Europa e China, já há uma guerra monetária puxada pela desvalorização e a emissão monetária espetacular dos Estados Unidos. Então, já há uma situação em que a crise, que inicialmente era uma crise do setor financeiro privado, se transformou em uma crise de deficits públicos e, a partir daí se transformou em uma crise monetária e numa crise comercial. Então a base, embora a situação pareça mais calma que há dois ou três anos atrás, é muito maior, já penetrou em muitos setores da economia. E a América Latina não foge a isso. A propaganda de que foge, que o Brasil conseguiu contornar a crise, que foi uma marolinha, etc, etc, oculta a bomba que é a economia brasileira: uma dívida pública espetacular e uma remuneração do capital especulativo que não tem paralelo no mundo inteiro. O Brasil se mantém em pé, porque está pagando por suas reservas, suas divisas estrangeiras, uma taxa de juros que nenhum outro país paga. Cecília Luedemann - Qual é a análise que o senhor faz sobre a luta de classes, o surgimento de rebeliões, qual seria a tarefa da esquerda, neste momento? Primeiro, fazer um debate sem nenhum tipo de censuras e tentar definir um programa. A peça chave. A propaganda da situação, PT, era o bolsa
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família. Eu não vi um partido de esquerda brasileiro, esquerda do PT, que questionou o bolsa família. Inclusive um deles apresentou uma proposta radical de generalizar o bolsa família. Quer dizer, a peça mestra, o controle que o PT exerce sobre o movimento de massas brasileiro, o bolsa família não foi questionado por ninguém da esquerda. É necessário ver porque acontece tudo isso. Em segundo lugar, nós estamos vendo uma virada na luta de classes mundial e uma virada na composição da classe operária mundial. Por enquanto, nós temos a revolta na Tunísia e um pouco no Egito, em que os trabalhadores organizados têm procurado ter um papel independente dentro dessa revolta democrática geral. Por enquanto, não há nessas revoltas uma alternativa classista. Até porque o movimento dos trabalhadores foi objeto de severíssima repressão, não é fácil fazer movimento sindical no Egito, tem que arriscar a vida para organizar um sindicato. Na UGTT da Tunísia era um pouco mais legal, porque estava vinculado ao governo, e a Tunísia por vínculos com a Europa tinha uma estrutura política mais semelhante. Agora, houve greves mais significativas e é notável como a burguesia deu mais importância do que a esquerda, não só no Brasil, senão no mundo inteiro. O que temos hoje é uma esquerda já totalmente integrada ao status quo, como o Partido Socialista na Espanha, ou são pequenas organizações de esquerda que não conseguem dar conta desse panorama, porque são muito fracas. Lúcia Rodrigues - Então, vindo um pouquinho para o Brasil, a experiência que a gente viu que mobilizou operários, enfim, que não foram para as ruas, mas para os canteiros protestar... Foi Jirau.
Lúcia Rodrigues - Jirau surpreendeu a esquerda. A esquerda como um todo ficou surpresa com relação a isso. Foi um movimento espontaneísta, sem uma coordenação de nenhum partido, enfim, não tinha nenhuma central por trás, não tinha nada, foi um movimento espontaneísta. Como você analisa Jirau? Jirau foi uma surpresa, de fato? Não deveria ser. Foi uma surpresa, porque ninguém sabia o que estava acontecendo em Jirau. Pronto. Então, Jirau é o equivalente da greve em Dubai, o equivalente da greve chinesa. Quem está se mobilizando são os setores que não têm representação sindical, com certeza não têm nenhuma representação política. A esquerda existente não tem nenhuma proximidade, nem física. Hamilton Octavio de Souza - Então, nesse rumo, algumas greves de trabalhadores vão acontecer sem lideranças sindicais... É um fenômeno generalizado no mundo. Nos países árabes, na China, em Jirau, no Brasil, e agora, na Espanha. Todos os movimentos da juventude, dos trabalhadores, estão passando por fora de todos os canais existentes sindicais, políticos, etc. É uma situação de virada em que nenhuma organização política está dando conta. Isto não quer dizer que as experiências políticas devem ser jogadas fora, significa que terão que se atualizar com relação à situação que está ocorrendo. E, na verdade, as organizações de esquerda não estão conseguindo dar conta do aguçamento da luta de classes em seus países. De modo geral, revoluções nunca são anunciadas, na véspera, nos jornais. Portanto, isto não é absolutamente novo. A revolução russa, a revolução francesa, não foram anunciadas. Agora, além do Egito, Tunísia,
China, também teve na Bolívia, com o gasolinazo. José Arbex Jr. – Como a esquerda deve enfrentar essa crise? A questão chave desta crise é a evolução política da esquerda nos últimos 30 anos, as conclusões que ela tirou e que política vai ter. O balanço que se fez da luta de classes, da guerrilha na América Latina, desde Che Guevara. A esquerda na América Latina só vai poder se reconstituir como alternativa política se fizer esse balanço. Um balanço perfeitamente claro de todo esse processo, porque somos uma geração que tivemos muitos méritos, apostamos a nossa vida. E eu estou nesse país depois de passar por muitas coisas, muitos companheiros morreram, é uma esquerda com muitos méritos. O que foi a repressão da ditadura na América Latina não teve precedentes na história da América Latina, foram milhares de militantes mortos. Tudo isso tem que ser objeto de balanço. Por que esta geração chegou a que chegou? São contrastes muito grandes, muito maiores que no tempo do Marx e de Lênin, muito, muito maiores. Então, nós temos que fazer um balanço de tudo isso, porque esse é o fator chave da revolução futura depois da crise. Se vai haver uma alternativa de esquerda ou se não vai haver uma alternativa de esquerda. Se não houver uma alternativa de esquerda, não vamos ter Espanha, Praça Tahrir, grandes mobilizações, mas sem uma alternativa política clara. Essas alternativas não se fazem de um dia para o outro, tem que estar apoiada em ideias muito claras, em um programa muito claro, que façam parte de um balanço geral.
Frei Betto
ENCONTRO COM ERNESTO SÁBATO O escritor argentino, Ernesto Sábato, autor do clássico O túnel, faleceu aos 99 anos, em 30 de abril, em Buenos Aires. A 30 de outubro de 1986, convidado pelo Instituto Argentina-Brasil, jantamos juntos em São Paulo. Disse-me que, devido a problemas na vista, quase já não podia ler. Lembrei de Jorge Luis Borges e indaguei se essa era uma síndrome dos grandes talentos literários da Argentina. Ele sorriu… Contou-me que sua mulher, Matilde, havia lido para ele trechos de Fidel e a Religião. Ficara bem impressionado com a abertura do líder cubano ao tema e tivera a oportunidade de conhecer melhor os conceitos norteadores da Teologia da Libertação. Falamos sobre a Igreja e o reacionarismo dos bispos da Argentina, que apoiaram a ditadura militar. Ernesto estava comovido com o encontro que tivera com o cardeal Paulo Evaristo Arns, a quem muito admirava, por sua intransigente defesa dos direitos humanos. — Ele me disse que noventa por cento dos bispos do Brasil estão na mesma linha que ele – comentou.
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— Acho que exagerou um pouco – retruquei. — A maioria é moderada. É verdade, os progressistas têm hegemonia na conferência episcopal, mas não se pode dizer que a maioria é progressista. — Preocupa-me a viagem que o papa fará à Argentina no próximo ano – disse Sábato. —Temo que venha a respaldar os bispos que apoiaram a ditadura e, agora, sabotam o processo de redemocratização. — Por que você não escreve uma carta aberta ao papa, sugerindo como ele deve chegar à Argentina? Isso terá mais impacto do que manifestos assinados por intelectuais. Ernesto Sábato temia que tal gesto parecesse cabotino. — Creio que não há esse risco porque você tem autoridade moral para isso. O cidadão Ernesto Sábato escreve uma carta ao cidadão Karol Wojtyla. Isso contribuiria para dessacralizar a imagem do papa. Ele não pode reforçar a posição dos bispos da Argentina em favor da ditadura. — Acho a ideia sedutora. Vou consultar meus filhos.
Contou-me ter sido comunista: Desses de largar a família e cumprir todas as tarefas. Com a revelação dos crimes de Stálin, me afastei do partido. Não entendo por que em Cuba não há eleições. — Deve-se à influência soviética. Acredito que, com o processo de relatinoamericanização do regime cubano, se chegue a isso. Há na Ilha um desbloqueio ideológico, e Fidel e a Religião é um sintoma disso. Falamos da mística cristã: — Creio – disse eu - que o futuro homem novo da América Latina será filho do casamento entre Santa Teresa de Ávila e Ernesto Che Guevara. — Estou de pleno acordo - admitiu. — Os únicos livros que revolucionaram a humanidade são aqueles que tratam da questão espiritual, como a Bíblia e o Corão. Mas, como admitir um Deus que permite a morte de crianças pela fome? A existência do mal me impede de admitir a ideia de Deus. Frei Betto é escritor, autor do romance policial Hotel Brasil - o mistério das cabeças degoladas (Rocco).
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Banda Larga
Teles pressionam governo
para ampliar seus privilégios
ilustração: gilberto de breyne
Empresas privadas capturam as políticas públicas de ampliação da banda larga no Brasil, enfraquecem a atuação da Telebrás e pleiteam subsídios e exonerações fiscais.
Os grandes grupos de telefonia que operam no Brasil pressionam o Ministério das Comunicações e a Anatel para garantir seus interesses.
Por Débora Prado Com o avanço das novas tecnologias de comunicação, a promoção do acesso à internet rápido e de qualidade para toda população é considerada uma medida essencial para corrigir a exclusão digital e garantir condições de cidadania para milhões de brasileiros. Para isso, muitos defendem a difusão da banda larga pública e gratuita. O governo, porém, optou pela via da parceria público-privada para massificar o acesso, com barateamento do custo, via o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), lançado no ano passado. Ainda assim, o programa tem sofrido pressão das empresas do setor, que buscam condicionar sua adesão ao PNBL a ampliação de vantagens como subsídios, concessões de infraestrutura e isenções fiscais. Além disso, as companhias pressionam o governo federal para enfraquecer o papel da Telebrás, a estatal do
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setor, no programa. O preocupante é que o governo dá sinais de estar cedendo ao lobby privado. No fechamento desta edição, ocorreu o afastamento de Rogério Santanna da presidência da Telebrás, considerado um defensor do protagonismo da estatal no PNBL. Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad), de 2008, e divulgado no ano passado, mostra que 79% dos domicílios brasileiros não tinham acesso à internet banda larga. Pior: em alguns Estados da região Norte, o acesso é inferior a 1%, como no caso de Roraima, onde o acesso nos domicílios é de apenas 0,3%. Para endereçar essa questão, o PNBL é o instrumento do governo para a massificação dos serviços de internet no Brasil e reúne ações
em diversas frentes. Seu objetivo de expandir a oferta de acessos banda larga para a população e promover o crescimento da capacidade da infraestrutura de telecomunicações do país. A meta original é levar banda larga de baixo custo e alta velocidade a 4.283 municípios localizados em 26 Estados, mais o Distrito Federal, atendendo a 88% da população brasileira até 2014. No seu bojo, entidades ligadas ao setor e da sociedade civil organizada defendem que a banda larga seja considerada um direito fundamental e, portanto, funcione em regime público, com fortalecimento do papel da estatal Telebrás nesta expansão. Por outro lado, companhias privadas pressionam o governo para conseguir, com o plano, subsídios e isenções fiscais – ou seja, transferências de recursos públicos ao setor privado.
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pa, uma vez que as companhias representam Neste sentido, 2011 pode ser um ano de imum setor econômica e politicamente poderoso. portantes definições. E os sinais dados até aqui “A receita anual das empresas de telecom gira preocupam. Em abril, 41 entidades da sociedaem torno de R$ 200 bilhões, praticamente 5% de civil publicaram texto em que criticam a nedo PIB [Produto Interno Bruto]. Estas empresas gociação do governo com as teles, e, de lá para não querem nem a Telebrás para competir com cá, o manifesto vem recebendo mais adesões. O elas no serviço de internet, nem regulamentadocumento avalia as movimentações do goverções para a expansão da rede. E o mais preocuno federal e da Anatel (Agência Nacional de Tepante é que parece que o governo esta cedendo lecomunicações) em relação às políticas para a à pressão”, diz. banda larga – negociadas tanto para adesão das No âmbito do PNBL, o corte no orçamenempresas de telecomunicações ao PNBL, quanto da Telebrás gerou um alerta e foi entendido to na revisão dos contratos de telefonia fixa. A por muitos como um sinal de que a balança está conclusão é que as propostas tratadas nas negopendendo para o lado das empresas privadas. A ciações colocam em xeque o interesse público no advogada do Idec explica que, se por um lado âmbito do PNBL. existe um contingenciamento geral de recursos Entre os signatários do texto está o Idec (Inspor parte do governo federal, por outro há tamtituto de Defesa ao Consumidor). Segundo a bém uma clara tensão na relação entre Telebrás, advogada do instituto Veridiana Alimonti, as empresas e governo. “A dúvida é se o corte se empresas que estão ingressando no PNBL têm deve ao contexto geral ou se efetivamente as neque se submeter às condições colocadas, sem regociações estão de fato pendendo para o lado das ceber vantagens para isso. “Elas não podem amempresas”, de acordo com Veridiana. pliar suas vantagens, não podem receber beneNa avaliação do ex-presidente da Telebrás, fícios financeiros ou comerciais, este não é o Rogério Santanna, o corte está relacionado à intuito do plano”, destaca. redução no Orçamento Geral da Nação. “Neste Segundo uma fonte próxima ao governo, a governo, o orçamento sofreu um corte grande Anatel e o Ministério das Comunicações estão, em várias áreas e o PNBL acabou ficando com de fato, parcialmente capturadas pelo lobby das praticamente 35% do inicialmente previsto – o empresas de telecomunicações. Um exemplo que tem autorizado está na ordem de R$ 350 citado pela fonte é a resistência da Anatel em milhões, montante bastante inferior ao R$ 1 bitornar público o inventário de bens reversíveis lhão por ano proje- que são da União, originalmente. embora sob contro“As teles não podem ampliar suas vanta- tado E isso certamente le das concessionágens ou receber benefícios financeiros, vai afetar o plano”, rias de telefonia. este não é o intuito do PNBL” - Veridiana avalia. A suspeita é que Alimonti, advogada do Idec O montante de os bens tenham sido recursos destinado vendidos pelas conao plano e a forma como ele será utilizado serão cessionárias, sem que a Anatel fosse informada, essenciais para determinar quem sairá ganhano que não é permitido. A polêmica rendeu uma do com o PNBL. As empresas de telefonia deAção Civil Pública contra a agência e a União, vem entregar ao governo, em junho, uma proajuizada pela associação de defesa dos direitos posta para utilização de recursos de fundos de do consumidor ProTeste no dia 23 de maio, para universalização da telefonia para subsidiar sua que seja apresentada a listagem dos bens reveratuação no plano. síveis previstos nos contratos. Não é pouco o que está em jogo. Em uma Para João Brant, do coletivo Intervozes – ouaudiência pública com o governo no dia 10 de tra entidade signatária do documento da sociemaio, o representante do lobby das empresas – dade civil -, a forte pressão das teles preocu-
A advogada Veridiana Alimonti, do IDEC, defente o regime público para a banda larga.
o diretor executivo do Sinditelebrasil (Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal), Eduardo Levy – declarou que as empresas do setor estão de olho nos R$ 45 bilhões arrecadados em fundos públicos - o Fust (Fundo de Universalização das Telecomunicações), Funttel (Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações) e Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações), segundo informou a Agência Brasil. O argumento das teles é que a verba dos fundos deveria subsidiar a atuação das empresas em locais onde elas não atuam hoje por não considerarem o mercado atraente, como municípios menores e mais distante dos grandes centros. Levy defendeu, ainda, isenções fiscais e a destinação de mais faixas de frequência para as concessionárias – ou seja, mais transferência de recursos públicos para as empresas do setor. Essa possibilidade preocupa o Idec. “Ainda não houve uma manifestação categórica do governo de que ele irá subsidiar as empresas privadas, mas o ministro [Paulo Bernardo, das
Sociedade civil lança campanha “Banda Larga é um Direito Seu!” A Campanha “Banda Larga é um Direito Seu!” foi lançada simultaneamente em diversas cidades brasileiras e reúne dezenas de instituições da sociedade civil, além de adesões individuais. A campanha se define como uma ação pela internet barata, de qualidade e para todos, e defende o acesso à internet em banda larga como direito fundamental. O intuito é sensibilizar a sociedade para a importância do tema, ao mesmo tempo em
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que cria uma rede para defesa dos interesses da população ante a pesada pressão das empresas sobre as políticas públicas da área. Um dos problemas apontados pela Campanha é que o Ministério das Comunicações parece estar jogando pouco peso na Telebrás, focando o desenvolvimento do PNBL nas empresas privadas de telecomunicações. Para as entidades envolvidas, é papel do Estado garantir acesso a um serviço de banda
larga de qualidade, barato e rápido a todas as pessoas, independentemente da condição socioeconômica ou da localidade. Nesse sentido, a campanha lançou um manifesto com princípios que devem balizar as ações do Executivo e do Legislativo, sejam elas de regulamentação, regulação ou de políticas públicas para o setor. Para ler o manifesto e saber mais acesse http://campanhabandalarga.org.br
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Rogério Santanna, ex-presidente da Telebrás, lembra que por não ser um serviço público, o PNBL não possui metas de universalização, mas sim de massificação. Para ele, entretanto, passar a banda larga para o regime público neste momento significaria atrasar ainda a superação do gap digital no Brasil. “Eu, pessoalmente, não tenho nada contra ser um serviço público. Mas acho que, como estratégia no curto prazo, isto atrasaria o ingresso do Brasil na banda larga. Nesse momento, até fazer os editais, a regulamentação, etc, já teriam se passado anos sem a massificação do acesso”, afirma. Ele complementa: “nada impediria, que depois que se atingisse uma massa crítica, ela se tornasse um serviço em regime público e até que se imputasse a Telebrás esse serviço”. Para a advogada do Idec, porém, este é um momento de definições e é importante estabelecer o compromisso com o serviço público desde já: “embora possamos pensar e debater um período de transição, o horizonte tem que ser o serviço público, porque as coisas precisam se Rogério Santanna com o ex-ministro José Artur Filardi Leite, ao assumir a presidência da Telebrás em 2010. organizar desde já para este fim”. Veridiana lembra que, mesmo sem ser conhoje se colocam no serviço público, como a obriComunicações] sinalizou que avalia a possibilisiderado um direito e sim um produto mercangação e metas de universalização, a obrigação de dade”, conta a advogada do instituto. Para ela, til, os serviços de telecomunicações são os que modicidade tarifária, a fiscalização mais rígida. o Projeto de Lei 1481/2007, que propõe a utilimais recebem reclamações nos Procons (ProcuEm regime privado, os preços são livres, já no púzação de recursos do Fust na expansão da banda radorias de Proteção e Defesa do Consumidor) e, blico existem mecanismos que permitem o comlarga, é extremamente problemático. “Parte do dentro desta área, o serviço de internet é o terceipartilhamento dos ganhos com os usuários. Além Fust vem da própria conta telefônica das pessoro com mais protestos. “E ele é o terceiro porque disso, no regime público, o Estado também se resas, seria um paradoxo utilizá-lo como subsidio tem poucos usuários em comparação, por exemponsabiliza pelo serviços, então, há mais garanpara as empresas. Além do mais, ele é destinado plo, com os usuários de telefonia móvel”, frisa a tia de que a população será atendida. Por outro a universalização de serviços, ou seja, só pode ser advogada. lado, é garantido ao Estado que a infraestrutura usado em serviços públicos e o PNBL, como está, Um estudo realizado pelo instituto entre marindispensável para a prestação do serviço retorne vai funcionar em regime privado”, explica. ço e maio de 2010 levantou ainda que nenhuma a União, sem falar nas metas de qualidade e regras O PL que modifica a lei do Fust está em vias das empresas avaliadas garantiam, por exemmais rígidas. Ou seja, há mais garantias tanto para de ser votado no Congresso Nacional e, se aproplo, a entrega da velocidade anunciada na veno cidadão, como para o Estado”, diz. vado, permitirá que os recursos do fundo sejam da dos planos – um dos principais pontos de Na avaliação de João Brant, do Intervozes, o usados em qualquer investimento nos serviços reclamação dos consumidores. Foram avaliadas regime público seria essencial para que a transde telecomunicações, prestados em regime públias operadoras Oi (Telemar), GVT, Net, Ajato e ferência de recursos fosse justamente no sentido co ou privado, e não mais somente para a uniTelefonica, nas cidacontrário, obriganversalização. “No PL, as vantagens para empredes de Goiânia, Pordo as empresas que sas são claras, mas as obrigações não”, afirma “O orçamento sofreu um corte to Alegre, Recife, Rio exploram a interVeridiana. grande em várias áreas e o PNBL net comercialmente acabou ficando com praticamente 35% Branco, Belo Hori“O governo coloca que só liberaria o recurso zonte e São Paulo. a destinar parte dos mediante um edital. Mas, o PL ao qual tivemos do previsto” - Rogério Santanna, Ante as reclamações seus ganhos para a acesso diz que os editais poderão conter essas ex-presidente da Telebrás em relação a velociuniversalização. “Deobrigações, ou seja, não exigem. Em princípio, dade do acesso, o Idec fendemos o regime não tem uma cláusula assinalando que os bens ingressou com uma Ação Civil Pública público não porque a Lei Geral das Telecomuniadquiridos com essa verba, a infraestrutura, fino início de 2010, contra as empresas cações seja ótima, mas porque, nesse momento, é quem com a União – isso pode entrar no edital, Telefonica, Net, Brasil Telecom (BrT) e Oi, e cono que melhor representa um tipo de prestação de mas não está previsto no PL em si. Então, vários tra a Anatel para garantir a qualidade do serviserviço que permita ao governo tirar o sangue das pontos importantes vão depender do momento ço de banda larga conforme a oferta. A ação visa concessionárias. Enquanto ele debate a escassez em que o edital será feito e de quem estará no gofazer cumprir o direito à informação previsto no de verba disponível, o excedente está todo com verno na ocasião – ou seja, são muitas incertezas Código de Defesa ao Consumidor. as empresas. E será preciso deslocar uma quantidiante de uma só certeza, que é o repasse do di“A ação está correndo, conseguimos uma limidade grande de dinheiro para garantir a univernheiro”, complementa a advogada do Idec. nar, em caráter emergencial, que obriga as emsalização e não adianta pensar que só o recurso presas a alertarem em suas publicidades que a público vai tirar esse atraso” frisa. “Não há neInternet pública velocidade anunciada não será necessariamente nhum País que tenha superado a defasagem de Para Veridiana Alimonti, mesmo que nos edicumprida e também dá ao consumidor o direiacesso sem impor obrigações fortes ao setor pritais constem as obrigações necessárias, a poputo de rescindir o contrato sem multa caso isso vado, ainda mais em um mercado como o brasilação teria mais garantias se o serviço de banda ocorra. Além disso, buscamos o pagamento proleiro, que é praticamente um monopólio ”, comlarga for prestado em regime público e não privaporcional: se o consumidor usou só parte do pleta João Brant. do. “A prestação do serviço deve ter garantias que
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serviço, ele não deve pagar pelo serviço todo”, explica Veridiana.
Indefinições
Enquanto alguns pontos essenciais para o PNBL seguem indefinidos, as metas de entrega da internet nas cidades ainda não saíram do papel. Para Rogério Santanna, o atraso nos acordos com a distribuidoras do sistema elétrico e Petrobras – firmados em maio – para cessão do uso de fibra ótica das empresas prejudicou os prazos e, daqui para frente, o corte de recursos pode comprometer o programa. Os contratos já acordados pela Telebrás para a implementação da rede nacional – chamada de backbone - e o acesso até os municípios contemplados pelo PNBL pela rede secundária conhecida como backhaul – somam R$ 207,4 milhões. Com eles, a estatal passa a oferecer no atacado os serviços de transporte para a internet. O ex-presidente da Telebrás espera que atuação permita aos mais de 2 mil pequenos provedores com-
prar este serviço a um preço mais barato, se tornando mais competitivos. “O controle do meio de transporte no atacado faz com que essas empresas consigam eliminar seus concorrentes. Hoje no Brasil, 96% do mercado de banda larga é controlado pelas empresas que controlam a rede de transporte. Então, o que limita a redução dos preços é o controle do backbone e backhaul pelas empresas operadoras de telefonia, sobretudo nas suas regiões”, afirma Rogério Santanna. A previsão da Telebrás é concluir em junho o primeiro trecho da rede nacional de telecomunicações (backbone) que atenderá o PNBL. São 377 km de rede utilizando as fibras ópticas instaladas nas redes de transmissão de Furnas que ligará Brasília a Itumbiara, em Goiás. Para Rogério Santanna, o fato do Brasil não dispor de uma infraestrutura de acesso a rede fragiliza o País do ponto de vista estratégico. “Vamos supor que os EUA sofram um cyber ataque e resolvam suspender sua rede até encontrar a razão
deste ataque, como aconteceu com o espaço aéreo no 11 de setembro. Isso significaria que nós não vamos falar com nenhuma parte do mundo mais, porque 90% do tráfego de internet passa pelo território norte-americano hoje em dia. Um país que não tem estratégia própria nas telecomunicações está fora do jogo”, considera. A importância do acesso a banda larga vai além da soberania nacional. Segundo João Brant, a banda larga hoje é uma porta de acesso para direitos e serviços. “Para direitos, se você pensar na liberdade de expressão, direito à comunicação, direito de participação política, sem contar que a internet facilita o acesso a outros inúmeros direitos, como o direito ao trabalho. Além disso, também permite o acesso a serviços de todo tipo - de educação, bancários, troca de conteúdos. É quase uma condição para a cidadania hoje em dia”, destaca. Débora Prado é jornalista debora.prado@carosamigos.com.br
Negociações do 3º Plano Geral da telefonia fixa podem comprometer a universalização da banda larga Além do PNBL, a expansão da banda larga também está sendo negociada no 3º Plano Geral de Metas e Universalização da telefonia fixa, o PGMU III. Também aí a pressão das concessionárias sobre o governo têm sido forte. Na negociação com as empresas concessionárias de telefonia fixa – Oi, Telefonica e Embratel, que questionaram as propostas iniciais do PGMU – o governo e a Anatel passaram a considerar propostas que, se implementadas, terão impacto negativo para massificação do acesso. “Muitas das negociações que estão sendo revisadas por conta do PGMU são preocupantes. As metas exigidas das empresas não vão aumentar, a assinatura do telefone fixo seguirá cara e, na verdade, como o governo não aumenta as metas de internet por uma pressão das empresas de telecom, não há previsão de aumentar a velocidade e a quantidade do serviços oferecido. Isto pode significar a manutenção dos valores altos que hoje impende a universalização”, comenta a advogada do Idec Veridiana Alimonti. Entre as medidas do PGMU que podem representar um retrocesso, está a cessão, sem licitação e sem ônus, da faixa de 450-470MHz para as operadoras de telefonia fixa cumprirem as metas da telefonia rural. Essa faixa é capaz de suportar múltiplos acessos em banda larga e interessa à Telebrás por possibilitar melhores condições de promoção da inclusão digital. A Telebrás manifestou interesse faixa de 450-470MHz formalmente em um ofício
encaminhado ao Ministério das Comunicações. “Esse espectro permitiria que nós pudéssemos ligar a população que está mais dispersa e mais distante nas regiões mais interioranas do Brasil. A proposta da Telebrás é aproveitar essa faixa para gerar uma solução mais adequada para países que tem uma população dispersa, já que as soluções que nós vemos hoje no mercado foram desenvolvidas por países europeus, que têm as cidades menores, mais próximas uma das outras e a frequência utilizada são mais úteis para este cenário. Como esta era uma faixa que ninguém usava, nós, da Telebrás, mandamos uma carta para o Ministério dizendo que temos o que fazer com ela: ligar escolas distantes, ligar postos de saúde, ligar comunidades isoladas”, conta o ex-presidente da estatal. Para Rogério Santanna, o espectro no Brasil apresenta, ao mesmo, tempo escassez e ociosidade no espaço e no tempo. “Escassez porque a maior parte do espectro já foi leiloado e já tem operadora se apropriando dele. Por outro lado, se nós ligarmos um rádio aqui, vamos ver que o espectro tem um grande vazio, porque as compradoras do espectro até agora sentaram em cima dele e não o usam, ou usam apenas para se manter com a licença e pagar menos tráfego de rede. Com isso, hoje, nós temos uma subutilização do espectro. É preciso ter modelos que obriguem os contratantes a de fato usarem este espectro e não ficar trancando o processo com espectro ocioso”, critica. Outro ponto polêmico em jogo no PGMU-III é a possibilidade de mais uma desoneração para as concessionárias. Atualmente, as empresas
devem pagar, a cada dois anos, 2% de sua receita operacional líquida pela concessão na telefonia. Mas, a Anatel considera a possibilidade de abater deste montante os custos necessários para o cumprimento das obrigações de universalização. A ausência de obrigações backhauls - as ligações de internet das grandes redes para os municípios - foi outra alteração preocupante. Na primeira versão do PGMU-III, havia obrigações de as operadoras de telecomunicações instalarem backhauls em todas as localidades com mais de mil habitantes. Após críticas das empresas, que buscavam evitar o investimento, o mais provável é que não haja esta obrigação na versão final. A utilização do PGMU para negociar a banda larga não é bem vista pela sociedade civil, que também criticou a inclusão das obrigações de backhauls no documento. “A gente não concorda com a utilzação do PGMU para se colocar metas de internet, porque a banda larga devia ser prestada em regime público e ter suas próprias metas”, diz Veridiana, do Idec. Além de proíbida, a inclusão de metas de internet no plano de telefonia fixa poderia gerar um subsídio cruzado entre os serviços, com o custeamento da banda larga pela telefonia. O dispositivo, porém, deve ser retirado do PGMU, atendendo a reclamação das empresas, sem que haja compensação em um plano de metas próprio para a banda larga.
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ensaio Jesus Carlos ... A festa dos “encourados” - Os homens de couro chegam de todos cantos do submédio São Francisco, região que se estende de Remanso, na Bahia, a Ouricuri e Serra Talhada, em Pernambuco. O amarronzado dos jalecos (gibões), dos guarda-peitos, das perneiras, das luvas e dos chapéus de couro predomina. Fazendo muito alarido, circulam, com seus cavalos, pelas ruas da cidade de Santa Maria da Boa Vista, no sertão pernambucano, distantes uns 600 quilômetros da capital, Recife, Aqui, durante três dias deste final da primeira quinzena de maio, os “encourados” são as principais personagens de uma festa que se realiza há nove anos, que se transformou no grande acontecimento do ano por essas bandas. A Festa de Vaqueiros de Santa Maria da Boa Vista. Texto: José Paulo Borges.
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entrevista CARLOS LESSA
foto: ana nascimento - agência brasil
“O problema do Brasil é a nossa elite”
Carlos Lessa, economista, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-presidente do BNDES.
Por Eduardo Sá Formador das várias lideranças em nosso continente, Carlos Lessa é antes de tudo um professor, como gosta de ser chamado. Aos 75 anos é uma referência no que diz respeito à economia. Deixou de ser reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para presidir o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) no governo Lula, cargo que deixou de ocupar por conta de pressões internas por suas posições nacionalistas. Hoje, ele tem uma coluna mensal no jornal Valor Econômico e dá palestras, muitas delas de graça. Nesta entrevista, Lessa aponta a elite brasileira como o principal entrave para o progresso nacional, faz críticas à mídia nacional e à política da Vale (ex-estatal Companhia Vale do Rio de Doce), além de se defender, como ex-presidente de uma grande instituição, contra os argumentos de Antonio Palocci, que atribuiu às suas funções pós-governo o expressivo aumento de seu patrimônio em tão pouco tempo. Qual a sua opinião sobre o que é veiculado na mídia em relação à economia, apesar de você escrever no Valor Econômico? Eu não sei quem me indicou, eu tinha saído
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do BNDES e o meu pulmão passou a ser o Valor. Eu escrevo até duas vezes por mês, para mim é importante porque o empresariado e as direções sindicais leem. De certa maneira, as assessorias das figuras de poder tomam conhecimento, então é uma maneira de eu passar o recado. A própria presidente é minha ex-aluna, e, além disso, durante dois anos convivi com ela todas as semanas quando eu fui presidente do BNDES e ela era ministra de Minas e Energia. Aliás, eu fui professor de uma quantidade enorme de personalidades, José Serra também foi meu aluno, ele se diz meu discípulo, porque no Chile ficava na minha casa quando eu era exilado. Ao mesmo tempo que você influenciou várias lideranças não tem muito espaço na mídia, isso é por causa das suas opiniões nacionalistas? Não tenho espaço, pergunte a eles. Eu me defino como nacionalista e populista. Nacionalista sem qualificativo, e neopopulista. Se você fizer um corte radical na população brasileira, você vai ter de um lado a elite e, do outro, o povão. O povão, para mim, é uma massa heterogênea que do ponto de vista de inserção na economia é a
mais variada possível. Eu acho o povo brasileiro absolutamente admirável, é dos melhores povos do mundo: não tem arrogância, é cordial, não tem preconceito, extremamente aberto às novidades e, ao mesmo tempo, conservador a tudo que tem e sabe. Então, ele tem uma combinação de comportamentos muito estranha, porque ele é aberto à inovação e ao mesmo tempo extremamente conservador das tradições. Aliás, eu acho que a nação brasileira está na estrita dependência desse povão, que não deixa a ideia do Brasil cair e o idioma português desaparecer. Se você dependesse da elite, a nação brasileira não teria importância nenhuma, a elite não liga para a nação. Ela não liga para o seu povo, que é a principal característica das lideranças nacionais, deixa o povo maltratado para burro. Eu comecei a ter uma visão crítica da sociedade com a minha mãe, classe média alta, oligarquia antiga, tinha os seus pobres, comiam na minha casa todos os dias. Ela me acostumou muito com duas coisas: a existência do povo e situação social diferenciada. Porém, eu só descobri o grau da iniquidade quando eu já era estudante de economia e fui para Recife, e vi as favelas de lá. Porque eu tinha uma visão da favela do Rio como
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Daí a origem do seu populismo? Eu sou neopopulista, e acho que a salvação do Brasil está no seu povo. Atualmente, eu já chego a uma coisa mais pretensiosa, porque eu acho que os padrões comportamentais do povo brasileiro são, na verdade, uma vanguarda civilizatória do mundo. Porque o nosso povo tem muitas características interessantes: é amoroso, não é arrogante, é cordial, ama a festa, que eu acho um negócio fantástico! Eu sou inteiramente favorável à festa. E ele assimila tudo que lhe chega para ver se serve ou não, e, como ele tem de sobreviver, desenvolveu uma enorme capacidade de adaptação. A maior parte das boas coisas do Brasil o povão absorveu e transformou, esse processo de contínua deglutição e transformação é realmente uma das chaves para entender a sobrevivência popular. Ao mesmo tempo, o nosso povão não tem nenhuma homogeneidade, quem tem carteira assinada na base do povão é a elite do povão. Esse cara de carteira assinada acaba se convertendo cooptado pela elite. O caso do Lula é claro e inequívoco: ele aderiu aos bancos, ao capital internacional, aderiu numa velocidade impressionante. Eu o conheci militante, tinha muito contato com ele antes de ser presidente, mas nunca fui do PT. Eu me lembro perfeitamente do Plano Cruzado e a atitude que o Brizola e o PT assumiram em relação a ele. A gente não avançou naquele momento, porque eles puxaram o tapete, se eles tivessem aderido à vanguarda do PMDB tínhamos levado para frente o processo com uma transformação social espetacular. Movimentos sociais e intelectuais criticam o BNDES por conta dos financiamentos a grandes projetos privados. Como você vê isso como ex-presidente da instituição? A crítica ao BNDES é uma bobagem. Primeiro porque a trajetória do BNDES está associada www.carosamigos.com.br
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ao desenvolvimento brasileiro, você não consegue escrever nada de desenvolvimento de 1950 até quase 1990, em que o Brasil salta a frente, sem o BNDES. Depois os neoliberais quiseram destruir o BNDES, e quem o recuperou está falando com você. Eu voltei a configurá-lo como banco de desenvolvimento com o apoio do Lula, ele me deu carta branca. Só que a sua dificuldade é a seguinte, se não há uma estratégia de desenvolvimento no Brasil o BNDES vai se desalinhando. Aonde o pessoal de esquerda critica o BNDES está errado, de que ele está apoiando outros países, não é verdade. A principal crítica é a prioridade dada ao investimento massivo no sistema privado. Mas ele sempre apoiou o investimento privado, e está massivamente, agora, porque o setor público está parado, não pode se endividar. Se o setor público estivesse fazendo hidroelétrica, o BDNES estaria gostosamente financiando, se tivesse fazendo estradas o BNDES estaria ajudando, reformando os portos. Só que não existe mais Portobras, não existe mais marinha mercantil oficial, eletricidade oficial, e por aí vai. É uma resposta à própria omissão do governo, então? Não é de agora, começou em 1980 com o neoliberalismo e foi crescendo na década perdida até os tristes 1990 com a sucessão de Fernandos. Quando o Lula veio, eu achei que ia mudar isso, ele me convidou para ser presidente do BNDES com carta branca e a diretoria do banco. Fui o único presidente da história do banco que teve isso, eu virei o jogo, a Vale do Rio Doce ia virar uma empresa nipo brasileira e eu impedi. Dei 1 bilhão dólares de lucro ao BNDES naquele ano só com a compra das ações da Vale, agora eu não tenho culpa se ele não tem coragem de tirar a presidência da Vale que está com o Bradesco. Aí, é outro problema, mas a maioria das ações está em mãos do setor público do Brasil. A Vale do Rio Doce poderia ser uma empresa para o desenvolvimento nacional, mas não é. Ela deveria dar prioridade a Carajás, ao invés de ser a rainha do níquel mundial. Ela está querendo se converter numa grande mineradora mundial, quando deveria ser um instrumento de desenvolvimento brasileiro e da América do Sul. A política da Vale é extremamente equivocada, mas as condições para virar o jogo existem e o Lula não virou, porque não quis. E a Dilma não vai virar. O BNDES financia as empreiteiras brasileiras e isso é ótimo, porque exporta serviço brasileiro, sobreviveram quando elas foram para fora. Só que quando o Brasil financia uma obra do Equador, a liderança, projeto e grande parte do equipamento são brasileiros. É por isso que a Bolívia reage, o Equador reage, porque os presidentes mais nacionalistas não gostam dessas coisas. Mas, do ponto de vista do balanço comercial brasileiro, o BNDES está ajudando a ampliar as exportações.
foto: elza fiuza - agência brasil
lugar de pobres, mas não dramático. Em Recife, vi a favela Nova Brasília, do Pina e Boa Viagem. Uma sociedade que tem edifícios com apartamentos belíssimos na praia de Boa Viagem e por trás convive com essa miséria devastadora, porque você não tem ideia do que é uma favela em cima de mangue, é a pior que existe. As casas são baixinhas, e as condições higiênicas com lama sem esgoto e coleta de lixo são as piores. Eu tive uma revolta brutal, pois uma sociedade que deixa sua gente nessas condições é uma elite que não merece o meu respeito. Aí, eu botei a elite brasileira entre parênteses, isso se deu quando eu tinha 22 anos. Arraes tinha sido eleito prefeito e eu fui ajudá-lo a fazer o plano diretor. Fiquei horrorizado com o drama social urbano de Pernambuco. Como intelectual, eu levei minha vida inteira pensando criticamente as elites do mundo e a brasileira em particular, e observando muito o povão. Eu acho o povo brasileiro extremamente criativo, é fantástico ele sobreviver a essa elite e ainda conseguir ser alegre.
O que me enfurece no BNDES é o financiamento às multinacionais, porque deu muita facilidade de pegar dinheiro. Eu tentei com que o BNDES voltasse a só financiar empresa nacional e o Lula não me bancou. Levei dois anos sendo demitido quase três vezes por mês com notícias de jornais. Na minha perspectiva, o BNDES também não era para fazer uma sociedade de amigos, nem favorecer antigas relações, era um instrumento para retomar o desenvolvimento. Só que eu tinha o Palloci pela frente e, principalmente, o presidente do Banco Central me marcando sob pressão. O Henrique Meirelles, aliás, foi quem me derrubou. E não mudou essa política monetarista com a chegada da Dilma... Já tinha, e o Lula comprou por inteiro, só que eu achei que o Lula ia comprar temporariamente e ia se descartar. Mas, no fim de 2003, ele se entregou gostosamente ao Meirelles, a tal ponto que quis fazer dele vice-presidente da República agora na chapa da Dilma. Do ponto de vista da mídia, que você falou que queria te derrubar... Não é a mídia, se bem que o Estadão não gosta de mim mesmo, e eu não gosto dele. Eu acho que o Estadão é a ponta de lança do conservadorismo no Brasil. A ideia de elite sobrevive na alma do Estadão, mas a Folha é prática, ela dança conforme a música. De certa maneira, o Globo também. Estão ligados ao sistema financeiro, aos grandes bancos brasileiros, ao mercado de capitais, às multinacionais que estão aqui e a promiscuidade absoluta com o nosso sistema financeiro: eles dependem disso. Mas isso é uma característica do neoliberalismo ou uma tradição da imprensa brasileira? Acho que é uma característica do neoliberalismo, porque ele estabelece um tipo de ditadura muito curiosa. Repare que as instituições neoliberais são muito covardes, divide o setor público
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espécie de imensa democratização a partir dessa inovação tecnológica que é a informática, eu não sei como a mídia vai resistir a isso. Pode ser que eu esteja enganado, acho que com essas redes sociais você tem condições inclusive de contestar a grande mídia.
em duas coisas com funções típicas de Estado e paga bem a elas. O que não é típico de Estado você vai passando para as agências, as de transporte aéreo, de eletricidade, de tudo, nelas os interesses concentrados comandam. As pessoas só tomam conhecimento quando machuca. Sabe quem lidera as ações populares no Procon? Tudo vai em cima das concessionárias de comunicações, energia elétrica, de água, os prestadores de serviços privados horrorosos, porém, eles têm muito peso nas agências. Qual a sua opinião sobre a natureza econômica da mídia no sistema capitalista? Todas as instituições de uma sociedade refletem, de alguma maneira, funções dentro daquela sociedade, sendo que, ao longo dos tempos, quando a imprensa começou se imaginou que fosse uma forma de ampliar a democratização básica que vinha com Gutenberg. Mas, rapidamente, ela se converteu em um instrumento de controle social, quer dizer, um instrumento de criar padrões, costumes, valores etc. Se ela tem esse poder, é evidente que o sistema a coopta. Como? Fazendo com que a sobrevivência da empresa dependa do sistema, então imaginar que possa haver um tipo de grande mídia inteiramente descomprometida é um sonho de noite de verão. Pode haver mídia alternativa, mas grande mídia é dificílimo. Você pode até em determinados momentos ter tres grandes instrumentos de mídia que na competição alguns acabem sendo mais conservadores e outros mais progressistas. Mas você nunca terá grande imprensa crítica da sociedade, não sobrevive, esse que é o problema. Não é problema, isso é assim mesmo, não tem jeito. Você tem que pensar no princípio de realidade, se você quer ser crítico, e eu acho que a sociedade precisa dos críticos, ele tem que necessariamente buscar a pequena imprensa ou alternativa. Hoje tem essa história fantástica que é o sistema de correspondência eletrônica, os blogs, e isso é uma janela impressionante. Na verdade, você restaurou o hábito da correspondência, de certa maneira você tem uma enciclopédia em que você é o co-autor. Então, você tem uma
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Como você enxerga, como ex-presidente de uma grande instituição, as jutificativas do Palloci para o seu expressivo aumento de patrimônio em curto tempo? O Palloci está dizendo que o capital dele cresceu brutalmente, porque ele fez conferência por todo lado, e disse mais outra coisa: todos os ministros da Fazenda, do Banco Central e do BNDES fazem conferência extremamente bem pagas e ganham muito dinheiro com consultoria. Eu fiquei irritadíssimo com a linha de defesa do Palocci, porque é verdade: qualquer ex-ministro da fazenda, ex-presidente do Banco Central, ex-diretor do Banco Central, ex-presidente do BNDES vale muito no mercado por causa de cadernos de telefones que ele tem das pessoas que continuam, por informação privilegiada, por contato privilegiado. Todos são convidados para dar assessoria de consultoria, fazer parte de conselhos, ganhar um dinheirão com conferências. Eu fui o presidente do BNDES que deu ao banco o maior lucro em toda a sua história, saí do BNDES e não dei uma conferência para o setor privado. Eu dou um monte de conferência e a maior parte delas é de graça, desde que eu considere a instituição séria. Não participo do conselho de nenhuma empresa, não fui convidado para nenhuma, e jamais prestei consultoria ao setor privado depois de ter sido presidente do BNDES. Eu só prestei consultoria ao setor privado no auge da repressão, tinha voltado ao Brasil e pedido demissão da universidade para poder sobreviver. Então, o que eu quero te dizer é que não é verdade, ganha pelo caderno de telefone, pelo contato, às vezes por informações privilegiadas. Essas, normalmente, são do pessoal do Banco Central, que é uma promiscuidade total entre eles e o mercado. Em relação ao povão, pegando a crise, você já citou algumas vezes o perigo com o sistema de crediário no Brasil. É uma bolha que está em processo? É um horror, 62% das famílias brasileiras estão endividadas. Para as famílias endividadas, a redução na taxa de crescimento é apavorante, mas elas não sabem. Há anos que eu digo isso, e agora ela está para estourar. O crescimento da inadimplência é assustador, estão parando de pagar cheque especial, prestação, é tudo, a fonte é a Serasa. Nos últimos anos, nós produzimos o desenvolvimento maciço das famílias fazendo compras a prazo: eletrodomésticos, veículos, imobiliário, lançando mão também do chamado crédito especial bancário pela antecipação do salário no mês que vem. O endividamento pode ser uma maneira de ativar o desenvolvimento da economia, gerando emprego e aumento de
renda, mas no Brasil foi só endividamento. Chegaram a vender automóvel a 90 prestações sem entrada, isso é uma loucura. Gerou aumento de importações, a população automobilística cresceu 9% ao ano no Brasil como um todo e é impossível o tráfego urbano com esse aumento de veículos. E o tráfego interurbano tornou-se pior, o número de acidentes com mortes em estradas cresceu 15%. Então, nós estamos degradando as relações interurbanas, e nas cidades o crescimento da frota aumenta o sucateamento, batida e tudo mais, não tem morte, porque está tudo emperrado. Não há maior crime contra uma pessoa do que acabar com o tempo de existir: você não tem tempo de mulher, de papo, de cuidados pessoais, desenvolvimento cultural, a vida se esvai nessa porcaria do trânsito. Então tem uma vingança apocalíptica da sociedade de consumo, você faz um consumo infeliz. Ele não percebe, mas está sendo neurotizado, está jogado dentro de uma coisa horrorosa que é o transporte. Você faz uma opção popular pelo ônibus, uma opção familiar e individual para a periferia da elite no automóvel, que vira sonho de objeto de consumo. Então você facilita o acesso ao automóvel, e daí? Congestiona tudo, é uma estupidez do ponto de vista de longo prazo, e o Brasil está fazendo. Mas o Lula era metalúrgico, ele fez uma política a favor da indústria automobilística, dos sindicatos dos metalúrgicos. Quem ganhou com esse endividamento brutal da população foram as montadoras, os fabricantes de autopeças, os importadores de veículos e os operários do setor metalúrgico. O resto da população ninguém está olhando. Quais são as alternativas para o país, então? Fora do povo não há salvação, no Brasil isso vale mais que em qualquer lugar. Só que o povo não é sujeito da sua história nem da sua biografia, só é sujeito da sua sobrevivência. Ele sobrevive a essa elite, que caga e anda para o povo. Não é de agora não, nós fomos um dos últimos países a abolir a escravidão e não integramos os escravos. O problema do Brasil é social, é a nossa elite. Todos os elementos que vem do povo eles absorvem. Eles são cooptados, deslumbram-se e descaracterizam-se. Foi o caso do Lula! Por isso que a nossa juventude não acredita em política, acham que não existe. O problema é que vocês, se omitindo, arrebentam tudo, a juventude tem que ter utopia, acreditar que o Brasil é possível. Quais são os seus sonhos? Um Brasil crescendo 8% ao ano, reduzindo a má distribuição de renda, cultivando os dons da nossa civilização. Eu sou de uma geração que acreditou numa civilização brasileira. Eu estou falando mal da elite, mas formalmente eu faço parte dela, eu sou da contra elite. Esse país é maravilhoso, a elite não vale nada, mas o povão é uma maravilha. Não há salvação sem o povo. Eduardo Sá é jornalista.
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NELSON SARGENTO
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Na apoteose da vida, aos 87
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como Carlos Cachaça, Heitor Villa-Lobos, Donga e outros tantos. Nelson se lembra quando, numa visita, o compositor erudito virou-se para Cartola e disse: “O movimento está todo errado, mas o som é de uma beleza primorosa”. Nelson e Pandeirinho eram vistos por Cartola como dois promissores compositores da favela, e para eles fez o samba “No Tom da Mangueira”, que traz os seguintes versos: Continuam nossas lutas, podam-se os galhos/ colhemse as frutas e outra vez se semeia/ e no fim desse labor, surge outro compositor/ com o mesmo sangue na veia”.
foto: marcelo salles
Todos dentro do táxi rumo à Lapa, onde Nelson Sargento se apresentaria em mais uma roda de samba. Um policial para o veículo, revista um por um até reconhecer o compositor. “Desculpa aí, Nelson, não tinha te visto”, ele diz envergonhado, e bate continência. “Descansar, soldado”, retruca o Sargento, que ganhou o apelido quando serviu ao Exército, entre 1945 e 1949. Quem conta a história é Evonete Belizário, sua esposa há mais de trinta anos. Ela cita, revoltada, pelo menos outros três casos em que seus familiares foram vítimas do preconceito racial, na portaria do próprio prédio, em lojas de roupas ou simplesmente caminhando pela rua. Já Nelson parece ter se conformado. “Isso é normal, sempre aconteceu”, diz cabisbaixo, num lamúrio resignado. O que não significa que tenha deixado de lutar. Pode-se dizer que aos 87 anos ele está plenamente na ativa. Ao contrário de boa parte dos sambistas das antigas, que só cantam músicas do passado, ele continua compondo, pintando telas, escrevendo livros – já publicou três –, lançando CDs e fazendo shows na cidade. Para completar, ainda tem encarado viagens regulares a Brasília, onde busca apoio para a profissionalização do compositor e a aposentadoria especial para os sambistas da velha guarda. “O samba é uma poesia não reconhecida”, costuma dizer. Entre os escritores em que bebeu, cita Castro Alves, Olavo Bilac, Gonçalves Dias, Cruz e Souza e Fagundes Varela. Nelson morou no morro do Salgueiro até os 12 anos, quando mudou-se para a Mangueira. Lá, teve uma adolescência como a dos outros meninos pobres de sua idade. Começou a trabalhar muito cedo, aos 14 anos, em chão de fábrica. Foi também pintor em construção civil e na casa de gente como Sérgio Cabral, Leila Diniz e o dono da Bacardi. Suas recordações da favela nem sempre são as melhores: caminhos mal feitos, vala de esgoto a céu aberto, barracos toscos, casas de pau a pique. Por outro lado, a violência era menor em toda a cidade, e na favela não tinha essa coisa de armamento pesado. Do Salgueiro e da Mangueira, Nelson colheu as percepções e sentimentos que depois traduziria em música ou em pintura, já que em suas telas ele também utiliza, predominantemente, elementos da favela e do samba. A grande mudança na vida do artista vem aos 18 anos, quando ele toma contato com o violão de Cartola. “Não saía da casa dele”, assim
De Agenor para Agenor
Nelson Sargento teve dezenas de parceiros, entre os quais se destacam, além de Cartola, Jamelão, Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito, Ivone Lara, Nei Lopes, Jair do Cavaquinho, Darcy da Mangueira e João de Aquino. Setenta anos depois do primeiro contato com Cartola, Nelson teve um encontro musical com outro Agenor de Oliveira, músico carioca, cujo nome homenageia o mestre da Mangueira. Agenor deixou um disco seu com Nelson, que dois dias depois ligou propondo a parceria. “Ele é intuitivo, tem uma simplicidade que se aproxima muito da genialidade”, diz Agenor, pouco antes de começarem uma roda de samba na Lapa, agora em maio. Roda, aliás, que comprovou toda a vitalidade de Nelson. Primeiro, ele teve que encarar uma escada alta com degraus curtíssimos. Subiu com a ajuda de um amigo, afinal, já são quase noventa anos nas costas. O homem ganhou o salão, pé ante pé, já sozinho e caminhando sem dificuldades. No caminho até o palco, cumprimentou um ou outro conhecido e sentou de frente para a roda, num lugar guardado especialmente pra ele. Pronto, ali estava em seu habitat natural. No primeiro intervalo, é reverenciado pelos músicos, e pelo público. Na volta do intervalo, Agenor de Oliveira puxa seis músicas e chama Nelson ao palco. Ele entra com “Ô, ô, ô, foi Mangueira quem chegooooou”. Daí em diante ele vai cantar quinze músicas seguidas até dar a vez a Wilson Moreira. Mas quem disse que ele foi pra casa descansar? O Sargento só saiu da roda quando ela terminou, sete ou oito horas depois de ter começado. Ainda teve direito ao bis e a uma promessa. “Vou cantar até pelo menos o ano 3000”... Pai de doze filhos, sendo cinco adotados, Nelson Mattos “Sargento” nasceu na Praça XV, no centro
do Rio de Janeiro, no dia 25 de julho de 1924. Aos oito anos começou a desfilar na Escola de Samba Azul e Branco, no Salgueiro. A mudança para a Mangueira acontece aos 12 anos, quando sua mãe, viúva, “amigou-se” com Alfredo Lourenço, um marinheiro português com quem fez samba. Sargento e Alfredo venceram o concurso de samba-enredo da Mangueira em 1949 e 1950, e em 1955 conseguiram o segundo lugar com um dos sambas mais famosos da história, que muitos consideram o hino do Carnaval: “Cântico à natureza”, que contou com a participação de Jamelão. A carreira profissional de Nelson Sargento deslancha quando participa do show Rosas de Ouro, em 1965, ao lado de Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Anescarzinho do Salgueiro, Clementina de Jesus e Aracy Cortes. Seu primeiro disco, “Sonho de um sambista”, foi gravado em 1979. Seguiram-se oito discos solo e inúmeras coletâneas. No total, Nelson Sargento tem mais de 400 músicas. A grandiosidade de sua obra é reconhecida por todos, tanto pelos que com ele esbarram nas ruas quanto pela mídia, passando pelo público que lota suas rodas de samba. Mas é sua esposa quem melhor expressa a admiração pelo homem. “Se tivesse um Nelson em cada esquina não haveria mulher infeliz”, diz Evonete, que apesar da declaração de amor não hesita em levantar a voz quando sente necessidade. “Levanta logo e vai se arrumar pra foto”, determina ela, diante da resistência do marido ao final da entrevista. Ao Nelson, só restou obedecer e ir trocar de roupa, o que fez devagarinho e cantarolando. Marcelo Salles é jornalista.
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União estável
Caminhamos para o fim
da homofobia no Brasil?
foto: Débora Ferraz
Decisão do STF de estender união estável a casais homoafetivos dá esperança a movimentos LGBTs.
Parada Gay em São Paulo.
Por Bárbara Mengardo “Nossa final de Copa”. Foi assim que o grupo Gay Brasil definiu, em seu twitter, a quarta-feira em que começou o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiria que casais homoafetivos também têm direito a uniões estáveis. A decisão, por unanimidade, deixou a sensação de ver a história sendo construída diante de nossos olhos, e levantou esperanças e dúvidas. Será que o posicionamento do STF foi um pontapé inicial, e, em breve, veremos aprovadas as leis que criminalizam a homofobia e garantem direitos iguais a LGBTs? Por outro lado, fica a dúvida sobre o que motivou o STF, que sempre se posicionou de maneira conservadora, a aprovar, por unanimidade, um tema que ainda tem lugar garantido entre os preconceitos de parte da sociedade, influenciada principalmente pela mídia e igrejas. O STF expôs ainda a omissão do Legislativo, que sistematicamente se nega a pautar a questão LGBT e debater seriamente um dos temas em que o Brasil está mais atrasado.
União estável
Foi Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro,
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quem levou o tema da união estável entre casais homoafetivos para o STF. “Cabral redigiu, em 2008, uma arguição ao Supremo Tribunal Federal, dizendo que considerava que o conceito de família tal como está na Constituição e no Código Civil é discriminatório. Isso criava problemas práticos no momento de, por exemplo, faltar ao trabalho por razões de família. Como uma pessoa que vive em situação de convívio estável, porém homoafetivo, faz para pedir para faltar ao trabalho se seu companheiro está doente? A lei não protege esse companheiro”, diz Carlos Lungarzo, membro da Anistia Internacional. Cabral estava pedindo que se tornasse regra o que já havia acontecido em muitos tribunais em todo o Brasil. Mesmo antes do assunto parar no STF, muitos juízes já haviam reconhecido uniões estáveis entre casais homoafetivos, e até autorizaram adoções. Decisões como estas, no entanto, dependiam de quem analisava cada caso, e o STF atuou com a intenção de indicar a forma como o assunto deveria ser tratado em todos os tribunais. O deputado Jean Wyllis explica: “A Constituição de 1988 criou a união estável. No artigo 226, ela diz: ‘A união estável é aquela entre homem e mulher,
podendo ser convertida em casamento’. Esse artigo não é excludente, como é interpretado, por exemplo, por fundamentalistas religiosos. Ele não deveria excluir as relações conjugais entre homossexuais, porque foi criado para assegurar os direitos, por exemplo, das mulheres que viviam em união estável (sem serem casadas no civil ou religioso), eram abandonadas pelos maridos e não contavam com a proteção do Estado”. Foi em torno dessa polêmica que girou a discussão do STF. No dia 5 de maio, ele interpretou que também podem ser consideradas estáveis uniões entre homossexuais, porém, não detalhou que benefícios esta condição trará aos casais homoafetivos, já que na lei, união estável é muito similar ao casamento civil. “Quando terminou a votação, os ministros do STF não explicaram algumas coisas. Por exemplo, casais gays podem adotar crianças?”, completa Carlos.
PLC 122
Os movimentos LGBTs comemoram uma vitória que também é fruto de seu trabalho. Fato provavelmente importante para a aprovação da união estável foi a divulgação, no dia 29 de abril, de dados do
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Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que revelaram que no Brasil cerca de 60 mil pessoas vivem com alguém do mesmo sexo. O número, apesar de provavelmente estar subestimado, pode ser calculado com mais precisão graças à campanha “IBGE... Se você é LGBT, diga que é!”, deflagrada pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). Além disso, o movimento vem crescendo em tamanho e visibilidade: “Movimentos como a Conferência Nacional LGBT, a marcha contra homofobia, organizada pela ABGLT, o lançamento do programa ‘Faça do Brasil um território livre da homofobia’, a criação de um conselho LGBT no Ministério do Trabalho e o fato de termos, hoje, mais de 200 paradas no Brasil são um instrumentos de visibilidade social” diz Ideraldo Beltrame, presidente da Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo (APOGLBT). Ele acredita, ainda, que os resultados da decisão do STF irão além dos benefícios garantidos pela união estável: “Essa decisão teve uma repercussão fantástica, animou e coroou a luta. Eu acho que ela facilita a vida dos homossexuais que têm dificuldade de se assumir. Foi criado um campo de respeito à civilidade que pode ser um instrumento de autoestima”. Muitas pessoas ligadas à luta LGBT acreditam que o STF pode ter aberto espaço para que velhas bandeiras sejam conquistadas. “Nos últimos anos, tramitaram no Congresso várias leis, várias tentativas de reconhecer a união estável, várias vezes levantadas e esquecidas. Outros projetos de leis que tentavam regular as questões ligadas à união sequer entravam em pauta, sequer foram para votação”, diz Ideraldo. Recentemente, o projeto em pauta que diz respeito à população LGBT e vem causando muita discussão é o Projeto de Lei Complementar (PLC) 122, também conhecido como a lei que criminaliza a homofobia. O Projeto, que está atualmente no Senado, complementaria a lei que criminaliza o racismo, tornando crime a descriminação contra idosos, portadores de deficiências e LGBTs. A iniciativa, no entanto, tem como principais opositores as Igrejas e setores conservadores da sociedade, que a batizaram de “lei da mordaça”. “Algumas pessoas no Brasil querem ter o direito de incentivar a violência” define Toni Reis, presidente da ABGLT. Carlos completa: “Você não pode dizer ao seu filho ‘se você ver um argentino na escola, dê uma surra’, não pode ensinar seu filho a odiar judeus, odiar estrangeiros ou negros, é um crime, mas não há nada em relação a homossexuais”. Novamente, parte principalmente das igrejas a oposição à extensão da cidadania aos LGBTs. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, por exemplo, tentou de todas as formas evitar que a decisão do STF fosse favorável aos homossexuais, e no dia 11 de maio divulgou uma nota onde dizia que não reconhece a união homoafetiva. Entre outras coisas, o documento dizia: “As uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo recebem agora em nosso país reconhecimento do Estado. Tais uniões não podem ser equiparadas à família, que se fundamenta no consentimento matrimonial, na complementaridade
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e na reciprocidade entre um homem e uma mulher, abertos à procriação e educação dos filhos. Equiparar as uniões entre pessoas do mesmo sexo à família descaracteriza a sua identidade e ameaça a estabilidade da mesma”. Entretanto, mais do que influenciando seus fiéis em âmbito privado, é preocupante o processo de ampliação do poder de líderes religiosos na política. A bancada religiosa vem se avolumando no Congresso, e essa pode ser uma das razões para que os LGBTs não tenham seus direitos garantidos por leis. E as leis? Após a decisão do STF, ficou o sentimento de evolução da nossa democracia, mas ficou também a perplexidade. Em diversos outros momentos, o Supremo se portou de forma extremamente conservadora. O que fez com que os ministros aprovassem, por unanimidade, a união estável entre casais homoafetivos? Ideraldo opina: “O Estado e a sociedade devem ser contínuos. O Estado deve ser o eco do que a voz da sociedade diz, e o STF entendeu isso perfeitamente. Embora não tenha grandes causas que possam diretamente ter pressionado o STF, ao longo das últimas décadas, as instituições ligadas ao movimento LGBT criaram uma situação para que ele tivesse bastante argumentos para aprovar a união estável”. Carlos analisa o evento sob outro ponto de vista: “Acho que o STF se viu obrigado pela opinião pública, o movimento LGBT tem uma força de organização, e sobretudo políticos importantes, artistas, intelectuais, setores da burguesia, comunicadores e pessoas famosas”. Independentemente das razões, ainda causa estranhamento o fato de que, neste primeiro momento, a união entre casais homoafetivos não tenha sido garantida por uma lei, e desse fato decorre a dúvida quanto a todos os benefícios que o reconhecimento da união estável gerou. Há muito tempo, diversos setores da sociedade tentam debater mais amplamente a questão LGBT, mas encontram resistência na mídia, igrejas e também no Congresso Nacional. “A família mudou, e o Judiciário vem atendendo a essas demandas, coisa que o Congresso não fez de modo deliberado, porque ele é constituído de forças que historicamente se opõem à cidadania LGBT. Essas forças são os deputados da direita mais reacionária e a bancada cristã”, afirma Jean. O deputado lembra, ainda, que o último Projeto de Lei que versava sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo foi feito pela atual senadora Marta Suplicy em 1995. Desde então, o Projeto foi arquivado e desarquivado diversas vezes, sem nunca conseguir a aprovação. Atualmente, Jean tenta botar em pauta na Câmara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para tentar aprovar a questão, mas o documento ainda não atingiu o número mínimo de assinaturas. Para Ideraldo, o Congresso se acorvadou em legislar em favor dos homossexuais, e isso não se deu exclusivamente por conta dos religiosos: “Ao contrário do STF, no Congresso há uma perspectiva de que ‘se eu aprovo isso, e portanto me coloco a favor, qual é o ganho ou ônus que eu vou ter em relação
aos meus eleitores?’ então eu diria que a bancada religiosa é uma oposição visível, mais não só ela”.
Família ideal
Se por um lado a decisão do STF serviu para escancarar o papel nefasto de alguns membros da bancada religiosa no Congresso, talvez tenha servido, também, para mostrar à população que deve haver um espaço delimitado entre o Estado e a religião. “Eu acho que as pessoas estão entendendo o que é Estado laico, porque é importante lembrar que ninguém perdeu com essa decisão. A família não perdeu”, afirma Toni. Ao contrário de perder, muitos casais ganharam a oportunidade de registrarem sua união, e diariamente os cartórios recebem pedidos de homossexuais querendo regularizar suas uniões estáveis. Toni foi o primeiro a desfrutar da decisão do STF, e no dia 9 de maio oficializou a relação de 21 anos com seu parceiro em um cartório de Curitiba. Eles tentam agora pleitear a adoção de duas crianças. A decisão do STF evidenciou também uma sociedade brasileira menos conservadora do que muitos pensavam. Além de setores da Igreja, não houveram grandes posicionamentos públicos contrários à extensão da união estável aos homossexuais, o que animou Jean: “A sociedade brasileira está pronta para amadurecer, e o país está pronto para amadurecer como Estado-nação, desde que sejam devidamente informados”. É possível perceber a partir deste caso a íntima relação entre a democratização da comunicação e o avanço de direitos. Quando longe do conservadorismo da mídia, que insiste em tratar de forma preconceituosa a questão LGBT, a população é capaz de apoiar temas que são considerados tabus intransponíveis. A decisão do STF passou pela mídia de forma discreta, mas após a aprovação da união estável, se via predominantemente nas redes sociais e nos comentários às matérias publicadas em meios on-line manifestações comemorativas e extremamente favoráveis ao novo direito alcançado pelo Brasil. Para membros do movimento, essa pode ser uma oportunidade de pautar a extensão de direitos também em outras áreas: “Nós precisamos ampliar os direitos civis para outras esferas. É preciso garantir os mesmos direitos em relação ao trabalho, o trabalhador LGBT deve ter isonomia de direitos em relação aos héteros. Nós precisamos combater a homofobia no sistema de educação e conseguir, por exemplo, que travestis não sejam expulsas dos bancos escolares, e que os estudantes LGBTs não sofram bullyng”. É muito grande o espectro de pautas do movimento LGBT, mas Jean define uma das principais mudanças que deve acontecer no pensamento da sociedade para que o tema seja tratado com a seriedade que merece: “Aquela família ideal: pai, mãe, filhinho e papagaio se transformou. Ao lado dela, agora nós temos outros arranjos familiares”. Bárbara Mengardo é jornalista.
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Direito Autoral
ilustração: ricardo Palamartchuk
Os interesses no Ecad e a polêmica reforma da lei
Por Leandro Uchoas Educação, saúde, previdência, transporte, emprego. São muitas as carências históricas brasileiras. Tantas que, quando se fala na urgência de se reformar a Lei de Direito Autoral (LDA), poucos são os que encaram a demanda como prioritária. Em geral, mesmo os setores mais progressistas da sociedade não têm ideia da abrangência da reformulação. Práticas como a cópia de trechos de livros em universidades, a reprodução de CDs e DVDs, o compartilhamento de arquivos pela internet, e a execução pública de filmes e músicas são regulados pela lei. Atualizá-la, de modo a sintonizá-la com as novas práticas do século XXI, e a ampliar a rede de beneficiados da produção artística brasileira, parece ser tarefa essencial de governo e parlamento. Entretanto, entender as complexidades dos distintos posicionamentos não é tão simples quanto, por vezes, se faz supor. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) compreendeu isso ainda em 2004. Na época, houve um problema com fotocopiadoras de universidades. Muitas foram fechadas porque estudantes estavam reproduzindo trechos de livros, prática tão comum quanto ilegal no Brasil. Lula convocou seu ministro da Cultura à época, Gilberto Gil. Queria resolver o problema por meio de medida provisória. Gil disse ao presidente que o problema era mais complexo. Carecia de uma reforma da LDA (9610/98). Após as primeiras reuniões
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setoriais, o governo instalou o Fórum Nacional de Direito Autoral para discutir as mudanças com todos os setores do meio cultural. Muitos seminários foram realizados. A reforma da LDA foi discutida durante, pelo menos, quatro anos. De rara complexidade, a nova versão foi gerada com a contribuição de alguns dos maiores especialistas do país. Em 2010, o Ministério da Cultura (MinC), já sob o comando de Juca Ferreira, chegou à versão final do projeto. O texto foi submetido, inicialmente, a 30 dias de consulta pública. Então, houve pedidos para que o prazo fosse prorrogado, o que estendeu o período a 75 dias. “Nunca um projeto de lei teve tanta participação da sociedade. O problema foi ter demorado muito a ser levado a público”, defende o músico Leoni, ex-integrante do Kid Abelha, que compõe o Grupo de Articulação Parlamentar PróMúsica (GAP). A lei já era dada como pronta quando Dilma Rousseff (PT), eleita presidente, escolheu Ana de Hollanda para o cargo de Juca. No início, a escolha da nova ministra foi recebida com surpresa. Com Ana, voltava ao ministério setores fragilizados durante o governo Lula. Já no primeiro mês, algumas decisões do novo MinC desagradaram a antigos apoiadores do ministério, especialmente os que orbitam em torno dos movimentos de Cultura Digital, Mídia Livre e Software Livre. Entre as
insatisfações, destaca-se o recuo do novo MinC em relação à reforma da LDA. Segundo Márcia Regina, titular da Diretoria de Direitos Intelectuais (DDI/MinC), o ministério concluiu, à época, que “alguns pontos ainda precisavam ser debatidos na busca de soluções político-legais que possam tornar a proposição aprimorada”. O projeto foi novamente submetido a consulta pública. Pelo cronograma oficial, uma nova versão será enviada à Casa Civil em 15 de julho. Embora tenha ganhado maior visibilidade, essa não é a única diferença de posicionamento entre o MinC e aqueles que têm feito oposição a ele. Haveria outras três reivindicações mais consensuais: a manutenção da reforma da Lei Rouanet, de financiamento da Cultura; a ampliação do Cultura Viva, que estabeleceu uma rede de 5 mil Pontos de Cultura no país; e a implementação do Plano Nacional de Cultura (PNC), série de políticas voltadas à promoção da diversidade cultural.
Lei ultrapassada
A LDA brasileira é considerada uma das mais atrasadas do mundo. O relatório “IP Watchlist 2011”, que avalia a lei em 26 países, confirma. Como critérios de análise, estabelece a liberdade de acesso e o consumo de cultura. O Brasil foi considerado o quarto pior, à frente apenas de Tailândia, Chile e Reino Unido. O relatório elogia a reforma da lei
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brasileira, dizendo ser uma das primeiras a apontar “soluções reais para os consumidores que têm seus direitos de usuários obstruídos por proprietários de direitos autorais.” A LDA foi reformulada, pela última vez, durante o governo FHC, em 1998. Já naquela época, a principal discussão girava em torno da regulação do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) – muito embora a lei seja muito mais ampla. O Ecad é o órgão que coleta recursos do direito autoral de exibição pública de obras musicais, e os reparte entre os autores. Três anos antes da revisão da lei, em 1995, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi instalada no Congresso Nacional para investigar o Ecad. Constatou que os próceres das associações que o integravam formariam o que chamou de “quadrilha”. A CPI não teve maiores consequências, e ainda hoje as pessoas à frente das associações permanecem, em parte, as mesmas. A revisão da LDA, em 1998, trouxe avanços, uma vez que a anterior estava bastante ultrapassada. Porém, já trazia dois problemas. Não se adaptou às novas tecnologias digitais, nascentes à época, e seguiu a orientação neoliberal que marcou o período. Os formuladores da revisão tinham posicionamentos considerados conservadores. Embora de grande complexidade, pode-se apontar três problemas principais na LDA, que têm sido reivindicados pela esquerda: necessidade de fiscalização da gestão coletiva, exercida pelo Ecad, limitações amplas e proteção aos criadores nos contratos com intermediários. Um desses pontos tornou-se um mantra entre os ativistas da Cultura Livre. A necessidade de fiscalização do Ecad. Criado em 1973, o órgão era fiscalizado até 1988, pelo Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA). O órgão acabou extinto. Um estudo em 136 países revela que o Brasil é o único país, no mundo, com instituições maduras, onde não há fiscalização governamental do setor. O estudo foi realizado em 2009, com apoio da Unesco, pelo pesquisador da UFRJ, Alexandre Negreiros. Todos os países onde não foi possível identificar fiscalização têm volume econômico muito menor e instituições políticas pouco desenvolvidas. Negreiros defende a regulamentação, que é mais rigorosa do que a fiscalização. Reivindica ainda a reestruturação completa do Ecad para abarcar todos os segmentos da criação artística – uma vez que o órgão trabalha apenas com obras musicais. E complementa: “o Brasil é recordista em número de entidades administrando um mesmo direito. São nove associações. O máximo que encontrei, em outros lugares, foram três.” Ele também denuncia que o Ecad é um dos únicos, no mundo, que administram tanto direitos autorais quanto direitos conexos (de produtor, intérprete, etc).
As peculiaridades do Ecad
Criado como uma entidade “sem fins lucrativos”, o Ecad arrecadou, em 2010, R$ 433 milhões. Como distribuiu R$ 346 milhões, sobraram nada menos do que R$ 87 milhões. Segundo o órgão, esse montante seria utilizado para sua administração e para
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pagamento de direitos em 2011. De 2006 a 2010, a arrecadação cresceu 61,3%. Dos 342 mil artistas vinculados ao escritório, 254 mil (74,3%) não receberam qualquer quantia. O Ecad afirma que não houve execução pública de suas músicas. Entre as nove associações que compõe o Ecad, duas efetivamente o controlam. Juntas, a Associação Brasileira de Música e Arte (Abramus) e a União Brasileira de Compositores (UBC) têm 29 dos 37 votos da assembleia decisória (78,4%). A Abramus é presidida pelo advogado e músico Roberto Mello, que teria supostamente apoiado a candidatura José Serra à presidência em troca de sua indicação ao MinC. As multinacionais Warner, Universal, e EMI compõem a associação, o que explica a defesa de interesses estrangeiros no Ecad. A UBC é presidida pelo compositor Fernando Brant, tem Sandra de Sá como diretora vogal e Ronaldo Bastos como diretor de Comunicação e Assistência Social. Como multinacional que a compõe, destaca-se a Sony. José Antônio Perdomo é, talvez, o personagem mais influente da UBC. Poucos meses antes de Brant assumir a presidência, o estatuto foi mudado, concedendo poder maior ao cargo de Perdomo. Brant é amigo de faculdade de Hildebrando Pontes, advogado vinculado ao Ecad que já presidiu o CNDA, e que teria indicado Márcia para o DDI (Hildebrando teve longa reunião com Ana de Hollanda no dia 27 de janeiro). Recentemente, o jornal O Globo denunciou uma fraude. O órgão teria pago R$ 127,8 mil a alguém que, utilizando o nome de Milton Coitinho, se passou por autor das trilhas sonoras de Sérgio Ricardo e outros. Motorista gaúcho, Coitinho negou envolvimento. A UBC, à qual o falso Coitinho é filiado, levou a denúncia ao Ministério Público. Outra denúncia do jornal, pouco depois, foi mais constrangedora ao Ecad. E-mails de fins de março, enviadas por dirigentes das associações, confirmaram a sintonia entre Ecad e MinC. Uma das mensagens mais didáticas foi enviada por Marcus Vinícius de Andrade, presidente da Associação de Músicos Arranjadores e Regentes (Amar), à qual a ministra Ana, como cantora, é filiada. Ele diz: “a Comissão (de Comunicação do Ecad) é necessária para que afinemos nosso discurso público, principalmente diante das responsabilidades que o novo momento político nos impõe. Falei ontem com a nossa amiga do MinC, que me garantiu que o ministério está querendo ter conosco uma interlocução mais próxima.” Suspeita-se que “nossa amiga no MinC” seja Márcia. Os e-mails também trazem acusações a diretores de associações que estariam repartindo honorários de advogados.
O sistema de amostragem
Existem algumas causas para a insatisfação de muitos autores e artistas quanto à distribuição do dinheiro. A principal delas é a falta de informações sobre a metodologia empregada. O Ecad afirma que a distribuição se divide em direta e indireta. A direta ocorre para as obras executadas em TVs e shows, em que o ECAD reparte de acordo com as informações enviadas. Porém, a distribuição de rádio e de música ao vivo (que inclui as tocadas em ba-
res, consultórios, academias e casas de festas) é feita por amostragem. Arrecada-se, e o dinheiro é repartido conforme amostra do que foi veiculado em rádios. Portanto, se um músico toca sua música num bar, o pagamento pode ir ao cantor de sucesso na rádio. Aqueles que pagam “jabá” para as estações terminam duplamente favorecidos. “As regras de distribuição são pouco claras, e há apenas um ano o ECAD publicou em seu site o Regulamento de Distribuição. Essas regras são criadas sem a participação efetiva dos autores, e obedecem aos interesses das multinacionais” ressalta o advogado Daniel Campello Queiroz, especialista em direitos autorais e sócio da Up-Rights. Um acordo firmado em setembro entre Ecad e o Youtube também chamou a atenção. “Eles consideram ‘execução pública’ a veiculação de músicas no site, dentro da casa das pessoas”, ironiza Negreiros. Desde novembro, certa quantia passou a ser arrecadada a cada vídeo exibido. É possível que a distribuição desses recursos venha a se dar também pelo critério de amostragem. A falta de transparência do órgão é outro motivo de amplas críticas – embora se reconheça melhorias. Das 369 reuniões da assembleia geral, por exemplo, há apenas 30 atas no site. Em 17 de maio, o Senado aprovou nova CPI para investigar o Ecad, a ser presidida por Randolfe Rodrigues (PSOL-AP). Há setores na esquerda que defendem o fim do Ecad, e a extinção dos direitos autorais. A pergunta natural que surge é como o autor será remunerado por sua criação. Defende-se que, em cada segmento, haja novos mecanismos: o músico passaria a lucrar com shows e publicidade, e o autor de livros buscaria outras fontes de receita. O Teatro Mágico, por exemplo, disponibiliza suas músicas na internet, vivendo de seus espetáculos. “Se as pessoas vissem o direito autoral como uma possibilidade de renda, poderiam viver disso. Os recursos existem. O problema é como são distribuídos”, defende Campello. Há, ainda, os que defendem uma empresa pública para substituir o Ecad. O ministério já fala em “supervisão” – e não fiscalização – do Ecad. “Cremos que a chamada supervisão estatal terá que ser feita. O que está em discussão é a extensão (dela)”, defende Márcia. Em nota, o órgão se posicionou contrário à ideia. “A supervisão só interessa aos grandes usuários de música. Eles hoje são os maiores inadimplentes, causam grandes prejuízos aos artistas”, diz. Sobre a reforma da LDA, o Ecad diz que seus argumentos “não foram considerados em nenhum momento da elaboração do anteprojeto.” Entre os autores, há muitos que apoiam incondicionalmente o Ecad, por entenderem que os que se opõe são contra o direito autoral. “Esses são os desavisados. Estão sendo enganados”, defende Campello. Um bom exemplo é o manifesto pró-Ecad, intitulado “o autor existe”, que contou com a assinatura de diversos artistas. Questionados por Leoni, ao menos sete deles disseram não saber o que assinaram, e voltaram atrás. Leandro Uchoas é jornalista.
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Oriente Médio
Os terroristas nunca vão por fim ao terrorismo É surpreendente como os acadêmicos, os comentaristas, os ensaístas e a mídia em geral estão ignorando o fato de que a “luta contra o terror” precisava ser iniciada na própria casa. Não precisamos buscar exemplos distantes no passado. Os próprios alemães invadiram países e aterrorizaram a população. Provocaram o surgimento do Maquis na França, Partisans da Iugoslávia, da Polônia, da União Soviética. Para os nazistas, eram terroristas, mas para os países ocupados, humilhados, eram lutadores pela liberdade. Na Palestina, durante a ocupação britânica, de 1918 a 1938, no grande levante das milícias palestinas contra os ingleses, em 1936, os rebeldes foram qualificados de terroristas pelo Exército do rei George VI e foram executados em massa. Mas, para os palestinos, eram heróis que sacrificaram a vida pela liberdade. Confesso que, na minha adolescência, participei de ações armadas de grupos judeus contra os ocupantes ingleses na Palestina, no início com o grupo Lechi, de comunistas e nacionalistas, e depois da Haganá. Os líderes fora perseguidos como terroristas, capturados, enviados a campos de concentração na Eritreia, fuzilados e enforcados na prisão de Acra, junto aos membros dos movimentos palestinos. Em 1948, quando foi formado o Estado de Israel, no qual o objetivo desses grupos armados se realizou, imediatamente foram desmontados. Depois da Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967, o governo de Israel, ainda liderado pelo Partido Trabalhista, ocupou, além de outras terras, todos os territórios designados pela ONU para o futuro Estado palestino. Logo as facções armadas palestinas se reuniram na OLP, liderada por Yasser Arafat, que constituiu a liderança armada contra o ocupante israelense. Surpreendentemente, a OLP levou toda a população palestina a aderir à Intifada, em 1988, que levou, em 1994, a acordos de paz. Quando as negociações foram rompidas, o grupo radical Hamas se fortaleceu e derrotou eleitoralmente, em janeiro de 2006, o grupo laico do Al Fatah, que não tinha mais nada a oferecer. A União Europeia, seguindo os Estados Unidos, qualificou o Hamas de terrorista. As frustrações dos palestinos chegaram a um tal ponto que homens-bomba suicidas se tornaram um hábito diário. Quando o Muro da Separação começou a ser construído por Israel, militantes palestinas reagiram com mísseis caseiros Kassam, que em 96 % caíam em lugares vazios, não causando nem vítimas, nem danos.
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Mas esses “ataques” foram suficientes para Israel instaurar a política dos “alvos seletivos”, usando mísseis teleguiados para liquidar líderes, como o ancião inválido, na cadeira de rodas, Ahmed Jassin. No clímax disso, Israel invadiu, em janeiro de 2008, a Faixa de Gaza, deixando 1.400 mortos, na maioria velhos, mulheres e crianças. Os atuais líderes do governo israelense, formado pelos grupos nacionalistas mais radicais, precisam do terrorismo palestino para legitimar a colonização judaica em territórios ocupados. Com a queda de Mubarak no Egito, a marionete dos norte-americanos que durante décadas foi o intermediário entre o Hamas e o Al Fatah, sem nunca ter conseguido um acordo, aconteceu o milagre: em poucas semanas o Hamas e o Al Fatah entraram em acordo para formar um governo palestino. E a reação do governo de Israel não demorou: no dia seguinte, suspendeu os pagamentos à Autoridade Palestina. Enquanto o Hamas e o Al Fatah eram rivais, o governo de Israel alegava que não podia negociar a paz, porque não sabia com quem. Quando eles formam a união nacional palestina, Israel continua se recusando a negociar, pois a única negociação que pode haver é a respeito da desocupação dos territórios palestinos. Enquanto os Estados Unidos continuarem a apoiar Israel, o governo israelense nunca aceitará negociar com os palestinos. Washington defende seus próprios projetos expansionistas de duas maneiras: usando seus próprios agentes secretos, por intermédio da CIA, como seu terrorista Bin Laden, nos anos 1980, em atos de terror contra o Afeganistão, enquanto durava o conflito dos Talibans contra a União Soviética. Nos anos 1960 e 1970, os Estados Unidos implantaram ditaduras militares no Brasil, Chile, Argentina e Uruguai. A outra foma de repressão são as intervenções armadas diretas e abertas, como nos anos 1950 a 1980: Coreia, Vietnã, Panamá. Depois, desde os anos 1990, o Iraque, Iugoslávia, Afeganistão, e, agora, a Líbia. O assassínio de seu ex-agente, o terrorista Bin Laden, no Paquistão, no curto prazo recuperou a popularidade de Obama, como Bush, depois da invasão do Iraque, porém sua queda vai ser tão dolorosa quanto a de Bush. O governo de Israel está vibrando com tudo isso, pois considera que um tipo de ação antes muito criticado pela opinião pública internacional está sendo agora legitimado até pela União Europeia: os Estados Unidos ignoraram a
foto: Reprodução do livro 2a Guerra mundial.
Por Gershon Knispel
Atenção! Risco da presença de terroristas! A entrada na região Karatchev-Resseta está expressamente proibida para civis e militares. Quem entrar na região será imediatamente alvejado. O comandante alemão em Karatchev. Os “terroristas” da placa, evidentemente, eram os patriotas que lutavam contra a ocupação de seu país.
soberania de Estados, com o fim de recuperarem para o Ocidente o terreno perdido com a descolonização, tanto no caso Bin Laden no Paquistão como no caso Kadafi na Líbia. Havia sinais de que os cidadãos norte-americanos tinham acordado do pesadelo Bush, sentindo um mal-estar com a intervenção no Iraque. Botaram no poder esse jovem simpático que prometeu virar Washington de cima para baixo, liquidar a injustiça de Guantánamo, trazer os soldados para casa e trocar a linguagem de força e as intervenções armadas por negociações abertas com líderes rivais, levando em conta que o 11 de setembro tinha raízes profundas na raiva e no desespero contra a humilhação causada pelo único império que sobrou. Chegou a hora de deixar bem claro para os habitantes desses países cujos governos estão recorrendo ao terror de Estado, que eles estão correndo o risco de serem vítimas dos atos de revanche. Devem mudar seus governos. Por exemplo, Angela Merkel, cedendo às pressões da opinião pública, se negou a envolver forças alemãs nos ataques a Kadafi. Se os cidadãos de Israel, em vez de continuarem a dar apoio aos partidos nacionalistas, passarem a dar apoio aos partidos que se opõem à ocupação, o terror vai acabar. Do mesmo modo, se os norte-americanos acordarem de novo e rejeitarem a política de Bush-Obama, o terror vai acabar. Pois a vingança não é a fonte do terror, é a reação ao terror (terror do Estado). Gershon Knispel é artista plástico.
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Pátria Grande - América Latina
CELAC, a Nossa América além da OEA, sem Estados Unidos Os bombardeios à Líbia e a morte de Osama Bin Laden, indícios de um novo empurrão do militarismo norte-americano com sua vocação hegemônica e unipolar planetária, induzem a refletir, uma vez mais, sobre a necessidade de impulsionar uma verdadeira multipolaridade mundial, que não seja meramente declarativa. Será decisivo, neste contexto, o protagonismo progressivo dos “Estados Continentais Industriais” – China, Índia ou Rússia -, como os chamou o pensador uruguaio Alberto Methol Ferré. Para nós, latino-americanos, a possibilidade certa de participar no esforço por criar uma multipolaridade real, que ao mesmo tempo nos permita ser livres e soberanos, depende da capacidade de realizar a unidade de nossos povos indo-afro-latino-americanos como Pátria Grande. Coincidindo com o bicentenário da declaração de independência da Venezuela, e em meio a múltiplas comemorações dos 200 anos do movimento revolucionário na América Latina, 32 chefes de Estado e de Governo criarão, no próximo dia 5 de julho, em Caracas, a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos. A organização se propõe substituir ao Grupo do Rio e incorporar os países da Comunidade do Caribe (Caricom). Durante os últimos dois anos, o Brasil impulsionou decisivamente, através de Lula, o nascimento deste novo organismo integrador, que não inclui Estados Unidos e Canadá, como um novo intento de desenvolver uma política autônoma em relação à potência norte-americana. Se a experiência tiver êxito, marcará um giro na política predominantemente ‘sulamericanista’ do Brasil com respeito à região, que teve suas expressões principais no Mercosul e na Unasul. Agora se trata de abarcar o Caribe no conjunto da América Latina e, por consequência, marcar posição na zona centro-americana e caribenha junto ao México, zona em que a influência imperativa dos Estados Unidos tem dominado desde o século XIX. Ali era o núcleo do “quintal dos fundos”. A recente frustração ante o golpe de Estado em Honduras que derrubou Zelaya, e a incapacidade da OEA para responder ao desafio, provavelmente contribuiu para o impulso criador da CELAC. É justamente Honduras, devido ao golpe, o único país latino-americano que não participa dos preparativos fundacionais da nova Comunidade.
UNASUL e CELAC
Em escala sul-americana, o processo integrador
é complexo e deve contemplar os delicados equilíbrios entre os países que não têm Tratados de Livre Comércio com os Estados Unidos, como os membros da ALBA e do Mercosul, e os que têm TLCs com os Estados Unidos, como o Chile e o Peru. A proliferação de tratados bilaterais econômicos e militares é a resposta norte-americana ao fracasso da ALCA, porém um grupo importante de países sul-americanos resiste aos TLCs ao mesmo tempo em que se opõem à multiplicação de novas bases militares norte-americanas, como as instaladas na Colômbia. O Conselho de Defesa Sul-americano da Unasul, proposto por Lula e criado em dezembro de 2008, representa o mais audaz projeto de autonomia em nossa região frente ao militarismo unilateral norte-americano. Muito se deve avançar ainda, tanto na Unasul como no Conselho de Defesa Su-lamericano, e mais genericamente na unidade econômica regional; sem embargo, deve existir no horizonte compartilhado de nossos povos uma organização como a projetada Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos que fortaleça nossa identidade cultural, política e econômica comum ante a globalização. Como disse Lula na Reunião de Cúpula do Grupo do Rio que teve lugar em Cancún, “não é um feito histórico menor, é um feito histórico que, eu diria, da maior dimensão, na medida em que estamos conquistando nossa personalidade como região”. Não são contraditórios os esforços integradores do Mercosul, da Unasul e do Conselho de Defesa Sulamericano com os da CELAC. Se se atua com sabedoria, a CELAC poderá fortalecer a Unasul; e, a Unasul, a CELAC. Enquanto a América Central e o Caribe junto com o México seguirão sendo estrategicamente decisivos para os Estados Unidos, e em consequência constituirão provavelmente uma espécie de zona de fronteira entre Nossa América e a potência hegemônica norte-americana, em troca a América do Sul é e será o núcleo básico da unidade latino-americana. É imperativo harmonizar as necessidades e desafios do nosso núcleo político e nossa fronteira, da América do Sul, por um lado, e do conjunto da América Latina e Caribe, por outro. Os ritmos de avanço na integração e unidade não poderão, provavelmente, ser os mesmos em nosso núcleo e em nossa fronteira, porém nem o núcleo deve se desentender com o destino de sua fronteira, nem a fronteira deve se desentender com o destino de
ilustração: Ricardo Palamartchuk
Por Luis Vignolo
seu núcleo, já que dele depende nossa capacidade de sobrevivência.
Nação Latino-americana
O presidente uruguaio José Mujica disse: “Criamos muitos países, porque fracassamos na fundação de uma nação. Ali estavam os sonhos de Bolívar, as cartas de San Martín, a visão federal de nosso Artigas”. Parafraseava o pensador argentino Jorge Abelardo Ramos, que escreveu em seu livro Revolución y contrarrevolución en Argentina: “Somos um país, porque não pudemos integrar uma nação e fomos argentinos porque fracassamos em ser latino-americanos”. Essas palavras valem para cada um dos países da Nossa América, para cada fragmento da Nação latino-americana inconclusa. O Brasil, devido a suas dimensões, tem uma responsabilidade especial nas tarefas pendentes da construção da Pátria Grande. Ao mesmo tempo, e também como consequência de suas dimensões maiores que as dos nossos demais países, é o Brasil quem mais se expõe à ilusão de sua grandeza autossuficiente, sem compreender que isolado de seus vizinhos será inexoravelmente dominado pela potência norte-americana. As experiências que se avizinham com a criação da CELAC serão, junto às já iniciadas na Unasul, provas de nossa vontade de deixar para trás o fracasso neocolonial a que nos condena a balcanização, e fazer realidade o sonho libertador de Bolívar.
Luis Vignolo é jornalista e pesquisador da Fundação Vivián Trias, do Uruguai.
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Sem Casa
Rio de Janeiro acumula
desabrigados e removidos
foto: eduardo sá
Uma radiografia das remoções de habitações populares no Rio de Janeiro por causa das chuvas em 2010 e megaeventos esportivos.
Remoção compulsória para megaeventos esportivos violenta direitos dos moradores, no Rio de Janeiro.
Por Eduardo Sá Mais de um ano depois das chuvas que ocorreram em abril de 2010 no Rio de Janeiro, quando houve mais de 250 mortes e milhares de desabrigados, muitas pessoas permanecem sem qualquer atendimento do poder público após o deslizamento ou remoção de suas casas. São diversos os relatos de gente que continua ou voltou para casas em áreas de risco, está sem receber o aluguel social ou não foi devidamente indenizada. Em paralelo a esse cenário, milhares de cidadãos também estão sendo removidos por conta dos empreendimentos instalados para receber os megaeventos esportivos na cidade: a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Segundo os dados do Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (Iterj), responsável pela regularização fundiária, o deficit habitacional já era de 487 mil moradias e cerca de 600 mil passíveis de formalização. Calculando três por família, dá 1.800.000 pessoas. O órgão tem 800 comunidades cadastradas, mas calcula que seja a metade das existentes no estado. O deficit não fica evidente
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só nas favelas, pois no centro do Rio são cadastradas 29 ocupações urbanas por movimentos pela moradia e pessoas sem alternativas de habitação, mas o número também é maior. O prefeito Eduardo Paes anunciou a remoção de oito comunidades logo após às chuvas no ano passado, com base num laudo técnico da Fundação Instituto de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro (Geo-Rio), subordinada à Secretaria Municipal de Obras. A reportagem teve acesso a esse laudo, que condenava cada comunidade, em um parágrafo de seis linhas em média. Mais de um ano depois, quando milhares de pessoas tiveram um desgaste psicológico e até financeiro, com a interdição de suas casas, a empresa apresentou outro estudo. A Geo-Rio informou que no início deste ano a prefeitura concluiu um inédito mapeamento geotécnico que apontou cerca de 18 mil imóveis em 117 comunidades da cidade em áreas consideradas de risco, sem se posicionar sobre o laudo anterior. A instituição alega que o atual estudo usou tecnologias modernas, e grande parte deste risco pode ser
mitigada com obras de contenção, ao contrário da total remoção antes anunciada. “Foram mapeadas as encostas localizadas no Maciço da Tijuca e adjacências, abrangendo 52 bairros das Zonas Norte, Sul, Oeste e do Centro da cidade. Após as chuvas de abril de 2010, pelo menos 47 dessas comunidades listadas no mapeamento já passaram por obras de contenção de encostas e urbanização, além de parte dos moradores ter sido reassentada”, afirma a Geo-Rio. Naquele período também foi divulgado que o antigo Complexo Penitenciário da Frei Caneca, implodido no ano passado e anunciado pelo governador para construção de 2.500 unidades habitacionais no Programa Minha Casa, Minha Vida, atenderia muitas dessas famílias. No entanto, autoridades, inclusive o Secretário Municipal de Habitação, Jorge Bittar, responsável pelos reassentamentos, declararam que o espaço não será mais destinado a habitações populares. “O Governo do Estado ainda analisa a destinação para o terreno”, se limitou a informar a Casa Civil do Governo do Estado, atual responsável.
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A região é rodeada por favelas e recebeu nos últimos meses várias Unidades de Polícia Pacificadora (UPP’s), que valorizaram o metro quadrado da área. As alternativas oferecidas às famílias chegam a 70 km de distância das suas comunidades de origem, como Senador Camará, Cosmos e Paciência, por exemplo, todas muito distantes do centro da cidade. O Morro do Urubu, em Pilares, zona norte carioca, por exemplo, teve algumas famílias realocadas a 20 km em Realengo, na zona oeste. O Ministério Público Estadual tem ouvido as comunidades e encaminhado os relatos à Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva, que abriu um inquérito civil para apurar se houve desrespeito ao devido processo legal nessas remoções. De acordo com Leonardo Chaves, Subprocurador Geral de Justiça de Direitos Humanos no Rio, esses episódios revelam a ausência de elementos técnicos sérios e a falta de política habitacional da prefeitura. Ele também defende que deveria ser instalada uma CPI para apurar as reais intenções desses fatos, de modo às pessoas responderem por possíveis irregularidades. “O secretário nega e faz isso. Estamos vivendo no Rio de Janeiro uma situação muito grave, cujos efeitos nefastos por causa da dissolução desses vínculos históricos podem vir a ocorrer numa dimensão muito grave. Na medida em que essas pessoas são desalojadas de suas casas, elas vão para algum lugar, o secretário de habitação não oferece alternativa, a não ser pagar o aluguel social ou quando paga uma indenização muito abaixo do preço do mercado”, critica. A Secretaria Municipal de Habitação (SMH) informou que oferece aluguel social, indenizações ou apartamentos do programa Minha Casa, Minha Vida a todas as famílias que necessitam ser reassentadas em função de obras de grande alcance social da Prefeitura. De acordo com Jorge Bittar, secretário Municipal de Habitação, a maioria dessas famílias é relacionada às chuvas de abril. “Todas as famílias são contatadas pelas subprefeituras e a SMH tem dedicado grande atenção social a estes moradores. Desde abril de 2010, a SMH reassentou 6.200 famílias. Deste total, algumas foram reassentadas em função das obras. A maioria de famílias reassentadas é composta por desabrigados na chuva de abril do ano passado. Nunca houve tanta atenção social e projetos que beneficiem a população de menor renda”, afirma Bittar.
Morro do Bumba
A comunidade mais atingida pelas chuvas em 2010 por todo o estado do Rio de Janeiro foi o Morro do Bumba, em Niterói, onde 56 pessoas morreram e sete continuam desaparecidas, segundo a liderança local. Só em Niterói foram mais de 170 mortos. O Morro do Bumba ficou durante meses na mídia em todo o mundo, mas quando a poeira baixou a comunidade caiu no esquecimento, assim como outras no município. Há relatos de pessoas que voltaram para suas casas em risco, de aluguéis sociais atrasados, não pagamento de indenizações, cidadãos ainda sem documentos e os 180 apartamentos prometidos para a região ainda não ficaram prontos. Muitos se mudaram para São Gonçalo, por www.carosamigos.com.br
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causa do aumento dos aluguéis na região, e a grande maioria está em casa de parentes ou amigos. Os moradores criticam a construção de uma praça, no local dos deslizamentos, com a justificativa de que milhares de pessoas em toda Niterói estão precisando de moradia. A Secretaria de Obras do Estado do Rio de Janeiro informou que foram investidos R$ 35 milhões na recuperação do Morro do Céu e do Bumba, e na construção dos apartamentos e da praça. De acordo com o presidente da Associação de Vítimas do Morro do Bumba e um dos representantes do Comitê dos Desabrigados de Niterói, Francisco Carlos, o deficit habitacional na região vinha de antes da tragédia e agora piorou muito. Segundo ele, a Prefeitura está com o aluguel social atrasado desde janeiro e cerca de 7 mil pessoas não receberam nada até hoje. “Infelizmente, nós só vemos muitas promessas e nada é feito. As pessoas estavam sem receber em janeiro, e no início de abril eles falaram que iam nos pagar e pagaram o pessoal do mês de novembro e dezembro em falta. Houve aquela manifestação que jogaram spray de pimenta em mim, em crianças, quer dizer, nós não fomos fazer manifestação e sim receber. Os funcionários da prefeitura saíram pelos fundos da Viradouro, e simplesmente não deram explicação se ia ter pagamento ou não”, explicou. A Prefeitura de Niterói informa que começou a pagar a 3.200 famílias em maio do ano passado, por meio de um convênio de nove meses com o Governo do Estado, o aluguel social no valor de R$ 400,00. O órgão alegou que o Governo Estadual foi quem definiu o valor e o número de benefícios concedidos para Niterói. A Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH), responsável pelos pagamentos, informa que a verba foi repassada conforme o cadastramento das famílias feito pela Prefeitura e sua última prestação foi encaminhada em dezembro. “A Prefeitura de Niterói está trabalhando, desde o ano passado, para assinatura de novos convênios com o Governo do Estado, para liberação de mais recursos para pagamento de novos benefícios a quem ainda não está recebendo. Se o Estado acatar todos os ofícios enviados, serão atendidas pelo benefício do Aluguel Social um total de 6.404 famílias (renovação dos 3,2 mil atuais, mais 800 do termo aditivo) e 2.404 do novo convênio solicitado”, informou. Em janeiro, encerrou o primeiro convênio e no dia 21 de março foi assinado o novo termo de cooperação por mais nove meses, que viabilizará o pagamento do aluguel social às 3.200 famílias. As pessoas vão receber agora numa conta corrente com cartão magnético uma verba do Governo do Estado fornecida diretamente pela Caixa Econômica Federal. A SEASDH investiu até o momento R$ 11,5 milhões no aluguel social, e informou que nos meses de maio e junho as famílias receberão o aluguel do mês e uma parcela retroativa. A expectativa dos moradores é péssima. Ainda de acordo com o representante do Morro do Bumba, após um ano da tragédia sequer um apartamento foi construído e as pessoas estão voltando para as suas casas. As reivindicações estão no Ministé-
rio Público e na Defensoria Pública, que, segundo os moradores, esta não tem cumprido seu dever de dar assistência. A informação que os moradores do Bumba têm é de que dos 180 apartamentos ao lado da comunidade, 140 serão destinados para famílias do Morro do Céu, comunidade próxima onde não houve deslizamento e corre um processo desde 2002 por conta do lixo da área do Bumba realocado no local. Os moradores do Bumba estão dispostos a ocupar os apartamentos assim que estiverem prontos, e, se sobrar moradia, qualquer comunidade será bem vinda, dizem. Segundo a Prefeitura, logo após a tragédia do Morro do Bumba foram entregues aos moradores da comunidade, obedecendo a critérios de justiça social, 93 apartamentos no Condomínio de Várzea das Moças, que faziam parte do Programa de Arrendamento Familiar (PAR), da Caixa Econômica Federal. “Está em curso a construção de 7,5 mil unidades habitacionais voltados aos desabrigados através do programa “Minha Casa, Minha Vida”, em parceria com os governos federal e do Estado. A previsão é de que todas as unidades sejam entregues até 2012. No momento, estão sendo erguidos 180 apartamentos no bairro Viçoso Jardim, próximo ao Morro do Bumba. A obra e a distribuição dos apartamentos estão a cargo do Governo do Estado e a previsão de entrega é julho”, conclui a Prefeitura. A principal crítica da liderança comunitária é que o prefeito, Jorge Roberto da Silveira (PDT), atualmente em seu quarto mandato, é um empresário, sócio de diversos empreendimentos na cidade, e deu as costas à população que o elegeu. Na Câmara de Vereadores, por sua vez, 16 dos 18 parlamentares estão à mercê do prefeito, porque todos estão envolvidos em subsecretarias regionais, nas quais são empregados 11 funcionários, em sua maioria parentes, amigos, ou cabo eleitorais. E o governador Sérgio Cabral (PMDB) já está apoiando a candidatura de Silveira para 2012.
Morro dos Prazeres
Logo após o deslizamento que matou 34 pessoas no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, no centro do Rio, o prefeito condenou toda a comunidade para remoção. A Defesa Civil, à época, divulgou que 1.345 casas estavam interditadas no local. Os moradores se mobilizaram e, mais de um ano depois, a própria prefeitura constatou que se precipitou em seu diagnóstico. Um novo levantamento da Fundação Geo-Rio diz que, ao invés das 1.700 moradias, 229 imóveis devem ser removidos. Esse também foi o caso da comunidade Estradinha, no Morro dos Tabajaras, na zona sul, em que várias casas foram removidas e hoje se aponta para o baixo risco do local. Desde a tragédia, a presidente da Associação de Moradores do Morro dos Prazeres, Elisa Rosa, defende um estudo mais aprofundado para ser feita a demolição apenas das casas próximas aos deslizamentos, onde 11 casas caíram. Segundo ela, que está entre as 20 pessoas ainda sem casa, aluguel social ou indenização da prefeitura, a área dos deslizamentos precisa de uma atenção especial e imediata
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para dar continuidade às obras de contenção que foram paralisadas por causa da negociação. “Eu sou uma dessas 20 que está morando fora e não posso voltar pra minha casa, então precisa de uma decisão imediata: ou faz uma obra, ou então me indeniza. Tem gente que mora ainda em casa de risco, está aguardando a indenização para poder sair. Tem outras que moram ao lado, que entraram na justiça, porque não existe possibilidade visível de que possam sofrer alguma coisa com chuvas, porque existem contenções atrás. Mas tem casas que foram demolidas e estão pré-demolidas, ainda tem muito entulho”, observa. De acordo com o Secretário Municipal de Habitação, Jorge Bittar, das 229 famílias que perderam suas casas, 126 recebem aluguel social e 73 foram indenizadas, e as 20 famílias que aguardam a indenização serão pagas no início de maio. “Quem está recebendo aluguel social aguarda os novos empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida em áreas centrais. A nossa sugestão, que será apresentada para as famílias em breve, é o Bairro Carioca, em Triagem”, disse Bittar, descartando a prometida Frei Caneca.
Vila Laboriaux
Na Vila Laboriaux, no topo do Morro da Rocinha, entre São Conrado e a Gávea, duas pessoas morreram em decorrência das chuvas de abril. Segundo o relato de moradores, além das 4 casas que caíram com as chuvas, mais 50 foram derrubadas pela prefeitura. Hoje deve ter umas 600 residências, com mais ou menos 7 mil pessoas, dizem os moradores. Todos estão com um auto de interdição, tiveram de assinar um documento à época e, após a avaliação da prefeitura casa a casa, ficaram com a promessa de receberem uma indenização por seus imóveis. Uns estão recebendo o aluguel social desde então, outros se queixam de ainda não ter recebido a última parcela, que corresponde a R$ 1.200,00, equivalente a três meses. Todos também foram informados de que receberiam aluguel social por dois anos até a entrega do conjunto habitacional no antigo presídio Frei Caneca, no bairro do Catumbi. Ninguém foi indenizado e os moradores do Laboriaux não fazem ideia do que vai acontecer. O que mais revolta os moradores é o fechamento da escola municipal Abelardo Barbosa, inaugurada em 1982, onde estudavam mais de 300 crianças até a 4º série do primário. Quase todos os moradores mais velhos da comunidade passaram por ela em sua infância. Nas assembleias, mais de mil assinaturas foram colhidas para o retorno do ano letivo: não houve uma resposta do poder público. Segundo os moradores, as crianças agora levam cerca de meia hora para chegar à escola oferecida pela prefeitura, que disponibilizou o seu terceiro andar para os alunos. A Secretaria Municipal de Educação informou, por meio de sua assessoria, que esses alunos estão cursando o ano letivo no colégio Camilo Castelo Branco, no Horto, zona sul da cidade. Um ônibus está disponível gratuitamente para levar e trazer as crianças do colégio. Não há previsão de abertura da escola Abelardo Barbosa e nem estimativa de
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até quando os alunos vão frequentar esse novo colégio, complementou o órgão. As mães das crianças se queixam por ter de levar e buscar as crianças no ponto do ônibus na Rua 1, na Rocinha, por causa do horário de trabalho, além de o Laboriaux ser muito íngreme e em dias de chuvas ficar ainda pior. Para Marco Aurélio, técnico de informática, morador do Laboriaux desde que nasceu e ex-estudante da escola, onde seus dois filhos também estudam, é um absurdo fecharem uma das 4 escolas que funciona na Rocinha, onde tem mais de 150 mil habitantes.
Eventos esportivos
O Rio de Janeiro será uma das cidades sede da Copa do Mundo de 2014 e receberá integralmente os Jogos Olímpicos de 2016. Muitas obras estão sendo feitas na capital fluminense, porém para que essas instalações se concretizem centenas de famílias estão sendo retiradas de suas casas. As principais obras são as Bus Rapid Transit (BRTs), como a Transoeste e a Transcarioca, vias expressas para o transporte coletivo da população. De acordo com Leonardo Chaves, do Ministério Público, a construção dessas vias sob a alegação dos jogos internacionais está tendo um preço muito grande para as comunidades pobres da cidade. “No caso da Vila Harmonia, Restinga e Recreio II tem pessoas que tiveram suas casas destruídas. Me refiro à casas estabelecidas há mais de 30 anos, sem o pagamento de qualquer indenização por parte da prefeitura do Rio. Isso é muito grave, na medida em que o secretário municipal de habitação vem a público dizer que está pagando aluguel social e indenização”, observa o Subprocurador Geral de Justiça. A Prefeitura do Rio de Janeiro afirma que são investimentos de grande alcance social, como a Linha 4 do Metrô, a integração intermodal através do Bilhete Único e o Programa Morar Carioca. “O fato é que os Jogos Olímpicos de 2016 deixarão para o Rio um significativo legado urbanístico e social. Os empreendimentos habitacionais disponibilizados pelo Município estarão conectados aos locais de origem das famílias reassentadas através dos BRTs, que estão sendo construídos”, diz Bittar, Secretário Municipal de Habitação. Alexandre Mendes, defensor público do Núcleo de Terras e Habitação do Estado do Rio, vai a essas comunidades desde 2009 e testemunhou nesse período várias arbitrariedades. Um dos exemplos é o despejo, durante uma madrugada, da comunidade Restinga, no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste, por conta da Transoeste, que ligará a região ao aeroporto internacional Antônio Carlos Jobim. De acordo com o defensor, famílias foram removidas às 2h30 sem indenização e lugar para se abrigar: teve gente que dormiu na praia e outras receberam uma semana depois a indenização de aproximadamente R$ 9 mil, que estão gastando mês a mês com o aluguel. Ele relatou, ainda, o caso das moradias demolidas próximo ao Sambódromo, no Centro, onde um morador recebeu uma notificação de demolição com a data do dia anterior. Mendes traçou algumas das ações do poder
público que, segundo ele, refletem a “lógica de atuação global na cidade”: os projetos, procedimentos ou medidas alternativas não são anunciados previamente; não há participação da comunidade em nenhum momento; os reassentamentos são realizados em lugares distantes, e apresentados como única alternativa; indenizações baixas, e estabelecimentos comerciais ou instituições, como as religiosas, não foram contempladas, etc. Para o defensor, muitas dessas questões são previstas nas leis e não são cumpridas. A Secretaria Municipal de Habitação informou que o número dos reassentamentos feitos até agora em comunidades para a construção da Transoeste são 99 famílias em apartamentos do Programa Minha Casa, Minha Vida e 268 indenizações. Na Transcarioca, por sua vez, 37 famílias receberam um apartamento e 27 estão recebendo o aluguel social de R$ 400,00 mensal até serem reassentadas no programa federal.
Anistia Internacional
Em visita ao Rio de Janeiro, o secretário-geral da Anistia Internacional, Salil Shetty, se reuniu no dia 26 de abril com diversos moradores de comunidades cariocas para ouvir relatos sobre as remoções de moradias que estão ocorrendo na cidade. Na ocasião, que contou também com a participação de representantes do Conselho Popular, da Pastoral de Favelas e defensores públicos do Estado do Rio, ele declarou que a essas pessoas só resta resistir. “Acho que resta pouco a dizer depois desses relatos poderosos e sofridos que ouvimos aqui, hoje, em relação à brutalidade das autoridades, resta apenas resistir”, observou Shetty. O representante da Anistia Internacional também destacou que as autoridades brasileiras precisam ter sensibilidade ao fazer o reassentamento de pessoas para a realização de obras para a Copa e das Olimpíadas. Segundo ele, não estão respeitando os procedimentos legais para a retirada das pessoas nessas áreas e tampouco está havendo diálogo com os moradores. A relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada, Raquel Rolnik, divulgou um comunicado no mesmo dia listando irregularidades na política de remoção de moradores em relação aos dois megaeventos que o Brasil vai receber. A urbanista brasileira exemplificou com denúncias em oito cidades que sediarão os jogos. “Estou particularmente preocupada com o que parece ser um padrão de atuação, de falta de transparência e de consulta, de falta de diálogo, de falta de negociação justa e de participação das comunidades afetadas em processos de desalojamentos executados ou planejados em conexão com a Copa e os Jogos Olímpicos. Uma compensação insuficiente pode resultar na falta de moradia e na formação de novos assentamentos informais”, afirmou Rolnik.
Eduardo Sá é jornalista.
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entrevista JEFERSON DE
foto: jesus carlos
Diretor de BRÓDER debate a questão racial
Expressão do cinema de favela, comprometido com a população pobre, o longa-metragem recebeu vários prêmios e o reconhecimento internacional.
Por Gabriela Moncau Dez anos depois de causar polêmica no universo audiovisual com o lançamento do Dogma Feijoada – manifesto com o intuito de mudar a imagem do negro no cinema brasileiro e que chegou a tornar-se um movimento, reunindo diretores negros –, o cineasta paulista Jeferson De estreia seu primeiro longa-metragem. Ele dá continuidade aos temas raciais, sociais, políticos e econômicos da realidade brasileira que abarcou durante sua carreira de produção de curtas-metragens, entre os quais o premiado Carolina (2003), o filme Bróder, em cartaz nos cinemas, se passa no Capão Redondo, bairro periférico de São Paulo. A história se passa em 24 horas e gira em torno do reencontro de três amigos que cresceram juntos no Capão: Jaiminho (Jonathan Haagensen) tornou-se um rico jogador de futebol, Pibe (Sílvio Guindane) é vendedor de seguros e mora num pequeno apartamento no centro de São Paulo com a mulher e o filho recém nascido, e Macu (Caio Blat), o protagonista, continua morando no bairro e busca melhores perspectivas de vida. Com a preocupação de fugir da obviedade, Jeferson De teve de se explicar algumas vezes a respeito da escolha de um ator branco para representar o personagem principal, cujo nome faz
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referência a Macunaíma, personagem de Mário de Andrade. Reiterando a atualidade do Dogma Feijoada, Jeferson aponta como paradoxalmente maravilhoso e doloroso ter pele escura hoje no Brasil. E afirma que teve a intenção de ampliar o debate da questão racial para além da cor de pele de cada um, apresentando algo provocador e instigante, ainda que sem a pretensão de iluminar respostas. Bróder, além de ter sido selecionado no Festival de Berlim, recebeu prêmios nos festivais de Paulínia e do Rio de Janeiro e fez a rapa na 38ª edição do Festival de Cinema de Gramado, onde conquistou 5 Kikitos, entre os quais os de melhor filme, melhor diretor e melhor trilha sonora. Jeferson De, 42, cujas principais referências no cinema são Martin Scorsese, Spike Lee, Woody Allen, os irmãos Dardenne e Lars Von Trier, conversou com a Caros Amigos a respeito de sua trajetória pessoal e influências, o processo de produção do Bróder, a estreita relação entre sua produção cinematográfica e a música, suas frustrações, suas ideias a respeito do cinema de favela no Brasil, as diretrizes do Dogma Feijoada que guiam o que ele chama de “cinema de atitude”, a questão racial brasileira e seus próximos projetos.
Caros Amigos - Fale da sua trajetória, como estabeleceu esse laço de identidade com o cinema de favela? Jeferson De - Tem uma leitura equivocada, que todo mundo acha que eu vim da favela, e eu não vim da favela, conheço ela bem como tantos outros cineastas brasileiros. Mas tenho uma identificação enorme, até por conta de ser negro, e obviamente quanto mais você vai para longe das regiões de poder mais escura vai ficando a pele das pessoas. Mas eu tive acesso a uma série de coisas que a maioria da população não tem, eu fiz primário, colegial, depois entrei na USP, fiz Filosofia e Cinema, apesar de não terminado nenhum dos dois cursos. Filosofia eu fiz 2 anos e Cinema eu fiz 4 anos, mas faltaram algumas disciplinas. À medida que eu ia avançando nos estudos, diminuía o número de negros na sala de aula. Eu estudei na USP num período em que não havia cotas para negros, nem nada, então o número de negros no curso era eu, eu era o número (risos). Tenho essa identificação com a população mais desfavorecida. Meu pai era torneiro mecânico e minha mãe dona de casa. Tenho essa relação de estar muito mais ligado, obviamente, à
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base da sociedade, às periferias. Nasci em Taubaté, terra de um dos maiores escritores e maiores racistas brasileiros, Monteiro Lobato. Você tem irmãos? Tenho um irmão, que não estudou. Infelizmente essa é a normalidade. Eu sou a exceção e ele, a regra. Ele estudou até o segundo colegial, parou, trabalha como vendedor num depósito de bebidas. Numa família de dois filhos, a duras custas e com sacrifícios absurdos, um só conseguiu estudar. É uma história muito comum, apesar de não ter nascido na favela, minha história tem muitas relações com ela. Meu pai morreu por causa do alcoolismo, uma doença comum nas grandes periferias. Meu pai trabalhava numa metalúrgica, era o técnico de futebol do time dos trabalhadores e presidente do clube dos funcionários. Não sei de onde ele tirou essa ideia, mas resolveu que os funcionários deveriam ter sessões de cinema. Aí ia até a cidade vizinha no fusca dele, buscava o projecionista, esticava o lençol e projetava filmes. E eu, aquele menino no banco de trás do Volkswagen, vendo essa coisa do projetor, as latas, a projeção começava e, de repente, o filme aparecia. E de onde surgiu seu interesse por cinema? Tem dois fatos que foram muito importantes para eu chegar nessa coisa de fazer cinema. Primeiro, eu era uma criança asmática e minha mãe achava que todo asmático deveria ficar quieto dentro de casa para não ter crise de asma. E eu ficava muito dentro de casa, então tive muito contato com os livros, meu Google na época era um conjunto de 16 enciclopédias e a televisão, eu fui uma criança que ficou muito na frente da televisão. O outro fato foi que eu morava num lugar em Taubaté e eu tinha que me deslocar até minha escola, morava em um bairro meio retirado e tinha que pegar o ônibus. E nesse bairro, que chama Quiririm, era onde o Mazzaropi fazia os filmes dele, ele já era o bam bam bam, e eu me lembro, ainda que vagamente, dessas filmagens, de passar pelos pontos que ele registrou, a igreja que minha família frequentava, a pracinha. Então, tem esses pontos cinematográficos, os livros, a televisão, meu pai, hoje eu penso nessas questões e vejo um link entre o fato de estar numa família negra, muito festiva sempre e essa coisa do audiovisual, enfim, uma conjunção no que se constituiu uma influência do gostar do cinema. Como é a relação entre música e suas produções cinematográficas? Você diz que a música costuma ser o ponto de partida para os seus roteiros... Eu ouço muita, muita música. Ouço bandas das mais diversas, de ouvir mesmo, de pôr um disco do Restart e ouvir mesmo, ouvir a sobreposição de guitarras do Patu Fu que me interessa bastante, e ouvir rap, Baden Powell, Bach, ouço de tudo e dentro disso muito música boa. E volto para a questão da família. Minha família era muito muwww.carosamigos.com.br
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sical, eu estudei violão clássico na escola. Mas um fato foi muito importante para que na minha produção cinematográfica a música fosse algo muito forte, além da coisa familiar. Quando eu fiz meu primeiro projeto de curta, que eu construí a partir da música “Distraída pra a morte”, do Otto, ganhei um prêmio, mas vi que não daria para rodar com aquele dinheiro e resolvi pedir autorização para o Estúdio da Trama – que tinha gravado o cd do Otto – para usar os direitos da música, mas mandei o projeto inteiro. Aí a secretária do João Marcelo Bôscoli [proprietário da gravadora Trama, filho de Ronaldo Bôscoli e Elis Regina] me ligou, disse que ele gostou do projeto e queria conversar comigo. Eu cheguei todo arrumado, e um moleque de shorts, tênis, aparece na minha frente. E foi uma experiência muito bacana, a gente resolveu fazer o curta juntos, com a Ruth de Souza, com um trio de atores maravilhosos, o Xis gravou uma música especialmente para o filme, o Max de Castro fez a trilha, foi incrível. Uma parceria que começou há 10 anos atrás e continua até agora. Durante o longa, eu resolvi experimentar outra maneira de fazer filme, me inspirando um pouco no Woody Allen, que quando acaba o filme ele pega um monte de disco, vai para o estúdio e começa a enfiar essas músicas prontas. Então você começou a pensar nas músicas do Bróder depois que o filme já estava quase pronto? É, eu tinha já algumas ideias. No filme, existe uma relação muito forte entre Mano Brown e Jorge Ben Jor. Essa relação entre o passado que é o malandro de sapato branco, o bróder e o presente, essa coisa do mano, do rap. Hoje em dia não tem mais graça ser bandido, não existe mais o malandro de sapato branco, aquele cara simpático que todo mundo gosta. Hoje, o bandido é o chefe da milícia, o sequestrador, o traficante, ou seja, o crime se organizou de uma maneira que hoje não tem mais o cara que está no crime de alegre. No filme, eu queria que existissem essas duas coisas e logo no início já tinha pensado nesses dois cantores. Me encontrei com o Jorge Ben Jor, falei que queria usar uma música dele no filme, foi muito bacana. Pedi para ele assinar um disco que eu ia usar em uma cena do filme, gravei a cena, editei. Falei com o Mano Brown que também liberou a música “Fim de semana no parque”. Chegou no final, o filme já estava pronto, já tinha ido para Berlim, e o Jorge Ben Jor me manda uma conta enorme. Falei “pô, mas somos manos” (risos), acabei tendo que tirar a música do filme. Foi uma das coisas mais frustrantes da minha vida. Tem algumas pessoas que consideram que o seu filme e até o 5x favela – agora por nós mesmos são uma espécie de reação ao retrato que Cidade de Deus faz da periferia. Essa análise me agrada. Eu jamais teria feito Bróder sem que existisse Cidade de Deus, que inaugura um novo momento do cinema brasileiro.
Acho que pela primeira vez nós tivemos um reconhecimento técnico nos EUA, no Oscar. É algo que considero importante, pois principalmente a questão técnica era tudo o que se criticava no cinema brasileiro, ou seja, deu esse salto de qualidade e teve um encontro muito forte com o público. Essa recepção do público, inclusive, foi uma surpresa, porque foi um filme em que quase 50% dos seus atores não são conhecidos, são negros, e falando sobre uma questão que a sociedade costuma não gostar de ver na tela. Então o Fernando Meirelles causou um terremoto no cinema brasileiro e acho que os maiores beneficiados foram os realizadores negros, os realizadores da periferia. Pudemos trabalhar às vezes num sentido de contraponto ao que ele fez, mas graças ao fato do filme ter existido. Podemos dizer que ele abriu um plano geral e agora podemos dar os closes. No Bróder é como se o Caio Blat interpretasse o Zé Pequeno e nós fossemos conhecer a família do Zé Pequeno. A família do Zé Pequeno não cabia no Cidade de Deus, porque aí seria outro filme. Para mim, tem uma relação de me aprofundar em questões levantadas por Cidade de Deus, tanto é que a violência não é protagonista do meu filme, ela está presente porque num país como o nosso, hoje, ela teria que estar presente, impossível tirá-la. Tem um crítico que faz uma análise freudiana a respeito disso. Brinco que a minha intenção é matar Cidade de Deus, mas sei que Cidade de Deus é meu pai. Como foi a preparação do elenco no Bróder? Alguns atores moraram um tempo no Capão Redondo, né? Desde o início, eu sabia que eu não poderia ter essa mesma questão de Cidade de Deus de trabalhar com atores locais, porque eu precisaria só para fazer a preparação praticamente o dobro do orçamento que eu tinha. Por outro lado, eu via nesse suposto filme que ia fazer, que a parte mais frágil do filme era eu, que nunca tinha feito um longa-metragem. E eu tinha quatro semanas e meia para entrar naquele bairro e rodar o filme. Existia a possibilidade de ir para um estúdio, mas eu quis filmar tudo lá, acho a zona sul de São Paulo extremamente cinematográfica. Fui escolhendo o elenco, Cássia Kiss, Caio Blat, Jonathan Haagensen, Sílvio Guindane, Zezé Mota, Antonio Petrin, enfim. Faltavam dois meses para gente começar a filmar, o elenco definido, tal, e aconteceu esse momento mágico que eu não tenho mérito nenhum que foi a relação entre o elenco e a comunidade que se adoraram. Logo o Caio Blat alugou uma casa no Capão, e levava os outros dois protagonistas, o Jonathan e o Sílvio e eles ficaram morando lá esses meses. Foi o próprio Caio Blat que resolveu morar esse tempo lá? Sim, ele achou que tinha que ter uma vivência para trazer toda a dignidade que o personagem tinha, a intensidade necessária, o conhecimento mesmo da quebrada. Eu tinha chamado o Lázaro Ramos para fazer o filme e ele não pôde por ter
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foto: Gastão Guedes
outros compromissos e aí eu conversei com o Mano Brown, expliquei qual era a do personagem e ele me indicou um rapper que canta com ele, o Du Bronx, do grupo Rosana Bronx. O personagem dele é o Napão, ele trouxe uma verdade para o filme muito grande. No filme, ele e o Caio Blat sempre estão muito juntos e, de fato, na preparação do filme eles viraram muito amigos. Muitas vezes nesses filmes que retratam a favela, a tentativa de reprodução do vocabulário da periferia aparece muito falsa nos diálogos. Ah, com certeza, tipo “ah, vamos nessa”, “vamos fazer um assalto ali, você leve as drogas” (risos). Sim, isso foi uma preocupação. Quando eu escrevi o roteiro e ele foi aprovado, pensei nisso, pô, não é assim que os caras falam na favela. Eu e o Newton Cannito, co-roteirista, resolvemos falar com o Ferréz. Ele leu todos os diálogos do filme, um roteiro de 90 páginas, e repassamos fala por fala. E foi indo, por um lado o aperfeiçoamento dos diálogos e, por outro, a própria vivência dos atores no Capão deu essa base para eles. Os atores na maior parte do tempo são fiéis ao texto, mas teve momentos que falava “agora é meio solto, vai aí”. Por que você escolheu um ator branco para ser o protagonista? Na periferia, o tom de pele das pessoas é muito variado. Nesse espaço específico do Capão Redondo basta dizer que o bairro foi fundado por alemães. Essa pureza do gueto negro não tem no Brasil. Agora, obviamente, as pessoas têm a pele mais escura lá, assim como na Oscar Freire as pessoas têm a pele mais clara. Eu descobri que muitas coisas que eu poderia discutir sobre a questão racial se potencializavam com a presença de um ator de pele clara. Tem um dado mais ideológico do que propriamente dramático é que a gente não pode medir a questão racial no Brasil pelo tom de pele das pessoas. Ninguém pode dizer eu sou preto, sou negro, sou afrodescendente pelo tom de pele. No meu modo de ver, isso é um equívoco. As cotas nas universidades, por exemplo, pelas quais eu sou totalmente favorável, não têm que ser feitas somente pelo critério de tom de pele. Isso é muito perigoso porque a gente tem hoje no Brasil pessoa que são netas de negros que tem olho azul, cabelo claro. Enfim, acho que são várias questões que me fizeram dar uma dimensão nova para a questão ra-
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cial. Acho que o Bróder evidencia isso: é um menino de tom de pele clara falando “eu sou negão, quero ser negão”. Meu projeto é lançar luz sobre a questão racial e mais ampliar esse debate do que apresentar respostas. Acho que o silêncio que o Brasil faz sobre a questão racial é a certeza que vamos continuar assim como estamos. O Brasil vai ser o que as mulheres negras quiserem que ele seja. Nesse momento, as mulheres negras ainda estão trabalhando 10 horas por dia, estão limpando casa, com raríssimas exceções estão em cargos de poder. Além de tudo, o Brasil é um país majoritariamente do sexo feminino e de cor preta. Enquanto essa grande maioria do sexo feminino e de cor escura estiver ainda tendo que cuidar 100% do seu dia de filho, de marido, a situação vai continuar muito complicada.
Bróder foi filmado em 2007. Por que tanta demora para chegar ao circuito? Tem vários fatores. Um deles é o fato de receber o dinheiro picado, acontece bastante com cineasta estreante. Fora isso, a produtora também era estreante. No cinema brasileiro, tem uma situação delicada: surgiu um número muito grande de diretores estreantes, mas não surgiu o número proporcional de produtores. Às vezes pesa sobre o diretor escrever o roteiro, produzir o filme, dirigir o filme e ainda dar pitacos na distribuição. Sinto a falta de produtores no Brasil. Tem outro dado que também é importante dizer, que não tem cinemas na maioria dos municípios brasileiros. Então esse pouco espaço fica em disputa o tempo todo. Às vezes o filme entra, fica uma semana, e acabou. Difícil nesse período foi administrar a ansiedade. O Bróder foi para Berlim e não foi lançado. Foi para Paulínea, ganhou 4 prêmios e não foi lançado, foi para Gramado e nada, então é difícil. Porque Bróder é um desses filmes. Têm muitos outros que estavam prontos antes do meu, e ainda estão esperando, muitos ainda não foram lançados, e muitos nem serão. Fale sobre um manifesto que você tornou público no Festival Internacional de Curtas em 2000. Ele chamava Gênesis do Cinema Negro Brasileiro e depois mudou para Dogma Feijoada, certo? É. Foi um estudo que eu fiz dentro da faculdade com uma bolsa de iniciação científica. Estudei a representação do negro no cinema brasileiro e como os diretores negros tinham feito seus filmes. Percebi, em conclusões gerais, que a maneira como os negros eram retratados no período da chanchada era sempre de um modo muito ingênuo, nunca como sujeito da história, mas como objeto dela. O maior ícone disso é “O grande Otelo”, aquele preto muito ingênuo, muito bobinho, engraçadinho, tal. Aí chegou o período do Cinema Novo no qual os negros muitas vezes eram o retrato do povo brasileiro. E esse povo de uma maneira muito positiva, bastante folclorizada também, presença forte dos orixás, de uma coisa até mística, e nada disso me agradava. A maioria dos negros brasilei-
ros não é do candomblé nem da umbanda, nem católicos, a maioria dos negros brasileiros é evangélica. Ou seja, via muita coisa que era bonita na tela, mas não correspondia com o real. Além disso, estava naquele gás, querendo fazer a revolução, querendo mudar a maneira como os negros são vistos e retratados, falei com um professor, expliquei para ele essa minha insatisfação e ele foi muito provocativo, perguntou como é que eu achava que deveria ser esse tal de cinema negro. E eu escrevi os sete pontos. O diretor tem que ser negro, a temática tem que falar a respeito da questão negra, os protagonistas têm que ser negros, os cronogramas têm que ser exequíveis. Porque tinham muitos filmes que começavam a ser feitos e paravam no meio por falta de grana. Para mim, era inconcebível chamar um negócio de cinema negro se não tinha nenhum negro dirigindo, escrevendo, produzindo. Aí escrevi essas sete leis, lancei um curta chamado “Gênesis 22” e fui convidado para fazer um debate sobre isso no Festival Internacional de Curtas. E me encontrei com um amigo cineasta também, Ari Cândido Fernandes, e chegamos à conclusão que Gênesis do Cinema Negro Brasileiro estava muito pesado. Lembramos dos dinamarqueses que lançaram o Dogma 95, e estávamos literalmente comendo uma feijoada e pronto, ficou Dogma Feijoada. Virou um movimento, a gente se uniu m um coletivo chamado Cinema Feijoada, composto por 7 diretores negros para discutir essas coisas, virou um ponto de debate, muito bacana. Aí, 10 anos depois eu vou fazer um filme e o personagem principal é feito pelo Caio Blat. E agora? Eu cheguei à conclusão que é aquilo que te falei, o negro no Brasil não pode ser medido pela cor de pele, mas pela história que ele carrega. E resolvi colocar essa discussão no meu filme. E, de fato, continuo achando que essa história de ter negros na frente da tela não é o suficiente para resolver a questão. Precisamos de diretores negros, roteiristas negros, produtores negros, para que essa diversidade que está na frente da tela vá para trás da câmera. Quais são seus próximos projetos? Já tem um segundo longa-metragem em mente? O que não faltam são projetos. Tem um que é uma experiência que acabei de fazer, fui produtor de um curta-metragem, estamos agora na finalização. É uma história a respeito do universo feminino dentro da Fundação Casa (antiga FEBEM), de uma documentarista chamada Cristiane Arenas, também conhecida como minha mulher (risos). Tem outro projeto que é meu próximo longa, chama Música romântica, uma história de amor entre um cara negro e uma descendente de alemães em São Paulo, o avô dela é um senhor de mais de 80 anos que saiu da Alemanha nos anos1940 e enfim, uma série de histórias envolvidas aí. Gabriela Moncau é jornalista.
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IDEIAS DE BOTEQUIM Renato Pompeu ...
DE ANITA GARIBALDI AO CORDEL, PASSANDO POR DEUS E A CIÊNCIA
Um dos livros mais interessantes do mês é A guerrilheira – O romance da vida de Anita Garibaldi, de João Felício dos Santos, escritor nascido cem anos atrás, obra lançada pela José Olympio Editora. O livro é consagrado pela apresentação de ninguém menos do que a famosa historiadora e escritora Mary Del Priore, que diz, depois de ressaltar que o autor deu continuidade ao trabalho de José de Alencar como escritor de romances históricos: A guerrilheira é a narrativa das lutas de Ana Maria de Jesus Ribeiro, chamada também de ‘heroína dos dois mundos’ e com o nome e o sobrenome que seu companheiro, o revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi, lhe atribuiu: Anita Garibaldi. O autor nos apresenta sua juventude, o encontro com os farroupilhas, o abandono da agulha e da tesoura, do marido sapateiro e a substituição www.carosamigos.com.br
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dos artefatos domésticos por aqueles da guerra. Com Garibaldi viverá por dez anos, até sua morte. O pano de fundo é uma das revoltas mais importantes do período regencial, fruto do choque de interesses dos grandes estancieiros e charqueadores da Província de São Pedro com o governo imperial”. Outro lançamento interessante é Conversa sobre a fé e a ciência, do Frei Betto com o cientista Marcelo Gleiser, com a colaboração de Waldemar Falcão, editado pela Agir. Diz Frei Betto: “Hoje no inconsciente coletivo há um antagonismo entre ciência e religião. Isso porque se supõe que a religião é o reino do dogma, da certeza absoluta, e a ciência, o reino da dúvida, da incerteza absoluta (como fator positivo). Ora, que a ciência seja o reino da dúvida ninguém pode questionar; todo cientista é alguém que – para usar uma expressão da moda – quer conhecer a mente de Deus”. Já Gleiser postula: “Quando você acredita num Criador que é onipotente e onipresente, para penetrar na Sua mente, você tem que transcender sua dimensão humana. Isso pode ser tanto através da fé, ou até mesmo da ciência, se o cientista acredita nessa metáfora que quanto mais a gente entende o mundo, mais a gente entende a mente de Deus. No fundo, ambas, a fé e a ciência, estão servindo como um veículo de transcendência da condição humana, de ir além, de explorar uma dimensão desconhecida”. Da bem conhecida militante Elisabeth Sousa-Lobo, com apresentação da filósofa Marilena Chauí, é o livro A classe operária tem dois sexos – Trabalho, dominação e resistência, da Editora Fundação Perseu Abramo. Falando sobre as lutas das operárias do ABC paulista, se diz: “Se mudanças fundamentais ocorreram desde os anos 1970 nas relações de trabalho e de poder entre os sexos, uma série de aspectos mostram que a hierarquia do masculino e do feminino continua ativa”. São es-
tudos de Beth Lobo, lançados inicialmente 20 anos atrás. Quem busca a melhora das relações entre judeus e árabes deve ler dois livros de autores franceses publicados pela José Olympio: História do povo árabe, de Dominique Sourdel, e História do povo hebreu, de André Lemaire. Diz a apresentação do primeiro: reconta “episódios cruciais da história desse povo, como o aparecimento da sociedade árabe-islâmica, cujo surgimento tem reflexos presentes na sociedade moderna”. A do segundo afirma: “analisa as passagens da Bíblia que contam a história dos fundadores dessa civilização” e “episódios como a instauração do Reino de Saul, a queda de Samaria e o exílio dos hebreus”. Outro livro muito importante, para se acompanhar os dilemas do mundo contemporâneo, é Triângulo rosa – Um homossexual no campo de concentração nazista – A história do último sobrevivente gay de Buchenwald, ou seja, Rudolf Brazda, 97 anos, coautor, com Jean Luc Schwab, desta obra lançada pela Mescla. Deve-se lembrar que, assim como os nazistas obrigavam os judeus a se apresentarem com uma estrela amarela ao peito, obrigavam os homossexuais a usarem um triângulo cor-de-rosa. Finalmente, temos Meus romances de cordel, de Marco Haurélio, com apresentação de Vilma Quintela e ilustrações de Luciano Tasso, publicado pela Global. São os primeiros cordéis desse poeta cordelista baiano, “desde relatos de aventuras até histórias de amor, vividas por personagens que ora impressionam por sua astúcia, ora emocionam com sua ternura e sensibilidade, ora nos fazem rir graças às suas atitudes inusitadas em situações de apuros”.
Renato Pompeu é jornalista e escritor. www.renatopompeu.blogspot.com rrpompeu@uol.com.br>
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Tacape Rodrigo Vianna ...
O “CUSTO PALOCCI”
E AS ESCOLHAS
DE DILMA
Até o momento em que escrevo esse texto, a estratégia de Dilma, de manter Palocci no cargo, já custou caro: primeiro, os ruralistas aprovaram o Código Florestal, em troca de não apertar o cerco ao ministro consultor; depois, Dilma cedeu à pressão da bancada religiosa e suspendeu o kit contra preconceito do Ministério da Educação. Esse foi o “custo Palocci”, no curto prazo. Mais grave é o que pode ocorrer no médio prazo: a dissolução da base social que apoiou Dilma na eleição. Isso, sim, é grave, gravíssimo. A denúncia contra Palocci parece consistente. Ah, mas foi vazada por “ruralistas” interessados em enfraquecer o ministro. E daí? É só quando os poderosos divergem que essas coisas vêm à tona...
Sim, Palocci cumpria, no caso do Código Florestal, um papel positivo: negociava duramente com os ruralistas da base governista, para que aceitassem um Código menos retrógrado do que o proposto por Aldo Rebelo. Por isso, criticar Palocci agora - dizem alguns apoiadores de Dilma - é fazer “o jogo da direita”. Será? Basta ver qual o jogo da direita e da velha mídia brasileira, que cumpre o papel de partido político da oposição... Veja e as outras revistas semanais de maior circulação trataram Palocci com cuidado. Com carinho, eu diria. Só a Carta Capital pôs o caso na capa. E isso já diz muito. Serra e Aécio deram declarações cuidadosas, fizeram quase uma defesa de Palocci. Quem acompanhou os bastidores da campanha eleitoral de 2010 sabe qual foi a opção de Dilma e do núcleo dirigente do PT no primeiro turno: tentaram ganhar a eleição só com o programa de TV e a popularidade de Lula. A ideia era ganhar sem fazer política. Quem fez política foi o Serra. Politizou pela direita: trouxe aborto e religião para a campanha. Com isso, empurrou milhões de votos pra Marina, e levou a eleição pro segundo turno. Aí, a ficha do PT caiu. Dilma e o núcleo da campanha finalmente compreenderam o que já se via na internet há semanas: o terrorismo conservador à solta. Dilma teve coragem de ir pra cima no debate da “Band”: pendurou no pescoço do Serra a história do aborto (a mulher de Serra tinha dito que
Dilma gostava de “matar criancinhas”). Se Dilma tivesse insistido no figurino do primeiro turno, poderia ter perdido a eleição. Pois bem. Passada a eleição, Dilma montou o ministério e começou a governar. Com o figurino idêntico ao usado no primeiro turno da eleição: sem política, longe dos movimentos sociais, procurando agradar o “mercado” e a “velha mídia”. Palocci tem a ver com isso. Coordenou a campanha. Ele quer um governo moderadíssimo, que não assuste a turma a quem dá “consultoria”. Assim como ocorreu na eleição, Dilma talvez perceba que o figurino palocciano não garantirá estabilidade ao governo. Com quem ela vai contar quando enfrentar crise séria? Com a família Marinho? Com os banqueiros? Dilma segue com popularidade alta. Mas o caso Palocci mostra os limites do governo. Pode faltar base social organizada – já irritada com tantos recuos. Dilma precisa fazer uma escolha agora. Semelhante à que ela fez naquele debate na Band: a quem ela pretende agradar? À turma do Palocci, ou à turma que foi à rua e garantiu a vitória dela enfrentando a onda conservadora que Serra trouxe para o debate? A oposição está enfraquecida. O lulismo é forte e dominante no país. Mas o governo Dilma parece frágil. Equação estranha. Rodrigo Vianna é jornalista e responsável pelo blog. Escrevinhador www.rodrigovianna.com.br
Emir Sader
capitalismo e imperialismo As duas referências centrais para compreender o mundo contemporâneo são o capitalismo e o imperialismo. Vivemos em sociedades capitalistas, em distintos graus e formas de desenvolvimento, e o sistema político mundial está hegemonizado pelo poder imperial norte-americano. Sem essas duas referencias como centrais, é difícil, senão impossível compreender o mundo contemporâneo. O traço central das sociedades atuais continua a ser a separação entre capital e trabalho, entre proprietários dos meios de produção e portadores da força de trabalho – que Marx definiu como os traços centrais das sociedades capitalistas. Sob distintas formas, continua a desenvolver-se a extração da mais valia – o valor produzido pelos trabalhadores, mas não retribuído pelos capitalistas – que alimenta os processos de acumulação privada de capital. São esses processos que permitem entender que uns – a grande maioria – viva do seu trabalho e nunca consiga superar o nível elementar da sobrevivência, enquanto – uma pequena minoria – ao possuir capital, se permite viver do trabalho alheio e se enriqueça continuamente. Por outro lado, o sistema mundial está
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organizado em torno do poder imperial norte-americano, depois do fim do período chamado de “guerra fria” ou de bipolaridade mundial –, em que duas superpotências se equilibravam em termos militares e dividiam sua influencia pelo mundo todo. Superada essa etapa, com a desaparição do então chamado campo socialista e a vitória do campo capitalista e imperialista, uma única superpotência passou a dominar o mundo – a norte-americana. Qualquer visão que não tome em conta essas duas referências, tende a se perder nos meandros do liberalismo, de visões abstratas e dogmáticas sobre a realidade do mundo contemporâneo. Na atualidade, se desenvolvem teses como as de “guerras justas” supostamente para defender povos dos seus governos acusados de genocídios, teses de um suposto “imperialismo humanitário”, que interviria militarmente para cuidar de povos, atacados por seus governos. São teses que pretendem se fundar na centralidade dos direitos humanos, mas que, inseridas nas relações de poder realmente existentes, fortalecem o campo imperialista. O caso recente da aprovação da relatoria de direitos humanos da ONU para o Irã mostra como a esse pais é aplicada a centralidade dos direitos
humanos. Mas ninguém toma iniciativa para fazer o mesmo em relação à maior violação dos direitos humanos no mundo atual, que se dá em Guantánamo, ou em relação a tudo o que Israel segue fazendo na Palestina e, em particular, em Gaza. Configurase, assim uma posição de dois pesos e duas medidas, como resultado do desconhecimento da centralidade do imperialismo nas relações de poder em escala mundial. SUGESTÕES DE LEITURA: •P rimeiro como tragédia, depois como farsa Slavoj Zizek, Boitempo Editorial. •T erritorialidade e diversidade nas cidades latino-americanas e francesas Marcos Saquet e outros (orgs), Editora Expressão Popular. •C lasse operária tem dois sexos Elisabeth Souza-Lobo, Editora Perseu Abramo. Emir Sader é cientista político.
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conquista de todos os brasileiros. A nova legislação que regula a exploração e a produção de óleo e gás no pré-sal inaugura uma nova era para o nosso país. O Brasil terá maior participação nas receitas do petróleo e maior controle sobre o ritmo da produção. O novo regime regulador do pré-sal fortalece a soberania do país sobre seus recursos energéticos e permite acelerar o crescimento da economia, em benefício de todos os brasileiros. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP participou da formulação das propostas para o novo modelo regulador, está pronta para os desafios dessa nova era e vai continuar trabalhando pela consolidação dessa conquista histórica. ANP. Cuidando do que move o Brasil.
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