6 minute read

TRANSFORMAR PARA ASSEGURAR MERCADOS

O mundo em acelerada mudança e o futuro a ser marcado por uma grande indefinição que limita a tomada de decisões. Estas foram das principais questões em reflexão, transversais aos vários painéis que se inseriram no tema ‘Estratégia & Mercado’. O debate foi enriquecedor. Desde Paulo Portas a alertar para a fragmentação que começa a notar-se no mundo e os conflitos que daí possam advir, o que pode levar a uma nova organização mundial, às tendências e prioridades dos principais clientes da indústria de moldes (automóvel, embalagem e dispositivos médicos), as intervenções nos primeiros momentos do Congresso remeteram para uma questão: a necessidade da transformação da indústria para assegurar mercados nos quais a exigência é cada vez mais elevada.

“Podemos acreditar que o sector será capaz de identificar e criar as vantagens competitivas e mudar a sua estrutura e os seus fatores críticos do processo, de modo a construir soluções que sejam adequadas para os desafios que se colocam à indústria”. José Camacho, da Universidade Europeia, sintetizou, desta forma, o conteúdo do primeiro conjunto de reflexões no XI Congresso da Indústria de Moldes.

Os congressistas debateram a atualidade dos negócios, tendo, até, a participação dos principais clientes do sector, que deram nota das suas necessidades, prioridades e desafios. Analisou-se o posicionamento da indústria num mundo em mudança. Paulo Portas, um dos oradores convidados, exortou os empresários a manterem “o otimismo, a persistência e olharem para os mercados com muita atenção”. “Quando as empresas têm competência e boa gestão os resultados são positivos”, salientou.

Na sua intervenção fez uma caracterização muito rigorosa do mundo volátil onde vivemos. Falou da guerra na Ucrânia e das suas consequências na economia, advertindo para uma questão que, no seu entender, começa a ser já preocupante e pode agravar a realidade dos negócios: por um lado, as enormes assimetrias na recuperação económica dos países e, por outro, a fragmentação das principais economias (China e Estados Unidos) em blocos díspares, o que introduzirá alterações significativas no equilíbrio dos mercados. “Temos de aprender a lidar com o fator imprevisibilidade”, aconselhou.

Chamou ainda a atenção para as mudanças no sector automóvel, principal cliente dos moldes portugueses, aludindo à introdução de imposições ecológicas às quais à indústria tem de estar atenta. Advertiu que no caso das baterias para os modelos elétricos, as dez maiores empresas que as produzem localizam-se na Ásia, enquanto no caso dos chips, cerca de 80 % provêm diretamente da China. E considerou que a Europa tem um desafio grande nesta questão.

O mundo, defendeu, “precisa de serenidade e estabilidade”, de forma que as economias se fortaleçam. Mas tais desígnios são, por enquanto, uma incógnita. Até porque, lembrou, não se sabe quando terminará a guerra na Ucrânia.

Nova Mobilidade

O sector automóvel e as suas transformações estiveram em destaque neste primeiro painel. O tema ‘Indústria automóvel: tendência de futuro’ abriu o Congresso, tendo como primeiro orador António Melo Pires (ex-Diretor Geral da Volkswagen Autoeuropa) que, em síntese, deu nota do desenvolvimento automóvel, perspetivando o seu futuro e considerando que haverá uma disrupção no modelo de mobilidade, centrando questões como a eletrificação, a conetividade, os 3R e a condução autónoma.

No caso dos elétricos, considerou que há ainda um percurso longo a percorrer. Chamou a atenção para o que é ainda “um problema” das baterias, no caso da eletrificação, lembrando que há ainda questões de carga e segurança que têm de ser acauteladas e, por isso, haverá necessidade de desenvolver novos tipos de carregadores. Com os modelos elétricos surge também a necessidade de incrementar as redes de recarga rápida nas cidades, acrescentou.

Já no caso da conectividade, afirmou que o poder computacional vai fazer parte de todos os modelos e marcas, mas, sustenta, ainda vai demorar até se chegar à condução totalmente autónoma. O mais importante é, no seu entender, a questão ecológica. Os materiais reciclados e recicláveis vão ser, cada vez mais, uma obrigatoriedade e as empresas têm de estar atentas a este desafio.

A mobilidade, defendeu, vai ser assegurada, por soluções alternativas e o crescimento do mercado automóvel será assimétrico. No seu entendimento, quer o mercado europeu, quer o norte e sul americano (com exceção do México) não irão crescer. O aumento vai notar-se, sim, na zona da Ásia e no Pacífico.

Neste contexto, os moldes estão “numa encruzilhada”. Parte das empresas fabricantes está a sair da China e a procurar outros fornecedores, mas com preços esmagados. Por outro lado, considerou, haverá renovação de modelos, mas o volume dos moldes vai ser menor.

Jean-Brices François (Renault Nissan) e Emmanuel Coreau (Stellantis) deram conta, no momento seguinte, da evolução prevista para as marcas automóveis que representam. O número de modelos tenderá a baixar e será necessário criar soluções que respondam a novos desafios do sector: carros com menos peso, menos emissões e maior autonomia.

É também necessário, segundo estes dois representantes da indústria automóvel, criar novos ecossistemas que tornem mais ágeis as produções, com os fornecedores mais próximos dos grandes fabricantes e dos seus fornecedores de primeira linha, de forma a diminuir a pegada carbónica associada aos transportes.

Os materiais a usar nos veículos são outra questão sensível. Terão de apostar em produtos reciclados e recicláveis. A prioridade é proteger o ambiente. Quer um, quer outro, advertiram ainda que uma outra prioridade das grandes empresas passa por “reduzir custos de fabrico”.

No debate entre os três, moderado por Isabel Cunha (Antena 1), António Melo Pires defendeu a necessidade de as empresas de moldes ganharem escala. “Apesar da qualidade reconhecida aos moldes portugueses, a dimensão pode ser um problema. As empresas de pequena dimensão vão ter dificuldade em concorrer no mercado”, advertiu.

Prioridade Ao Ambiente

Eric Tordjeman (Forvia), com moderação de Jorge Castro (AFIA) falou, depois de ‘Requisitos, necessidades e expectativas dos clientes’, ainda no domínio da indústria automóvel. E, no seu entender, a prioridade gira em torno de quatro questões essenciais: eletrificação, sustentabilidade, condução autónoma e digitalização.

A mobilidade ‘limpa’, considerou ainda, é a grande meta que os fabricantes desejam alcançar, através de soluções inovadoras – nas quais já trabalham – para conseguir reduzir as emissões.

Dirigindo-se diretamente ao sector de moldes, lembrou que a Forvia também os fabrica, mas, salientou, “compramos mais de 80 % dos moldes que necessitamos porque não temos capacidade para os fazer”.

Jorge Castro, da AFIA, defendeu que o equilíbrio custo/preço é um dos valores mais decisivos para a escolha de um cliente e não, como deveria ser, a qualidade. Por isso, defendeu que é necessário otimizar soluções, reduzir tempos de fabrico e alargar a integração de serviços.

Dois outros grandes clientes da indústria de moldes, o packaging e os dispositivos médicos, marcaram também presença no Congresso e deram conta das suas necessidades e expectativas.

Considerando que se trata de uma indústria em que a complexidade aumenta em função do risco (para a saúde), Luís Pereira (Medtronic Portugal) explicou que o principal requisito para entrar na área dos dispositivos médicos é a enorme qualidade, uma vez que o grau de exigência é imenso. Trata-se, no seu ponto de vista, de um sector muito dinâmico, que funciona com um ritmo acelerado. Exemplificou que, a cada dois anos, é necessário substituir e lançar novas soluções (até do mesmo tipo de dispositivos) no mercado, procurando sempre que sejam mais seguras e fiáveis. E salientou que a medicina tem vindo a evoluir e as necessidades de dispositivos a aumentar.

Aconselhou as empresas a integrarem missões, oferecendo a vários clientes soluções de diferenciação e escala, sempre assentes na qualidade e rigor.

Caroline Sauvan e Roxane Marques (L’Oréal) deram conta das necessidades que esta gigante da cosmética tem, no que diz respeito a embalagens para os muitos e diversos produtos que cria.

Roxane Marques explicou que, em 2021, a empresa lançou no mercado cerca de 7.6 bilhões de unidades (embalagens), com especial incidência na Europa e nos Estados Unidos. Por isso, sustentou, precisa de fornecedores de moldes que garantam “segurança, qualidade e preço, não esquecendo o design”.

Uma das prioridades, advertiu, é a segurança ambiental e, nesse sentido, a empresa trabalha com materiais plásticos ecológicos.

Além destas questões, os fornecedores têm de ter ainda em atenção outros requisitos aos quais a empresa dá grande importância, como o time to market, o conhecimento da cadeia de valor, a robustez do negócio e a comunicação.

Tempo

Por ano, contou ainda, a L’Oréal necessita de, pelo menos, 600 moldes para os seus produtos. Estes são, na sua maioria, adquiridos na Europa. Até porque, salientou, ter o fornecedor próximo é um outro requisito da empresa europeia.

Na parte do debate entre os dois fornecedores, Pedro Pereira (CEFAMOL), lembrou que, quer os dispositivos médicos, quer as embalagens são sectores estratégicos para a indústria nacional de moldes, ocupando, até, o ranking dos cinco primeiros sectorescliente.

Na síntese final, José Camacho (Universidade Europeia) chamou a atenção para um dado relacionado com o principal cliente dos moldes portugueses. “Os moldes, como foi referido, estão na terceira posição na Europa e na oitava no mundo. Se olharmos para o sector que nos é necessariamente mais próximo, que é o automóvel, Portugal andará - dependendo da medida utilizada -, entre o 26.º ou 27.º do mundo. Onde se faz esta diferença? Olhando para o passado, talvez possamos encontrar posições que nos mostram qual o futuro”, defendeu.

Contudo, advertiu, “os desafios que se colocam hoje são muito diferentes dos do passado”. Por isso, no seu entender, as empresas devem questionar-se sobre as suas vantagens competitivas. E em particular, a questão ‘tempo’. “Quando falamos de agilidade, não há agilidade sem tempo. O tempo vai ser dos fatores mais complexos de tratar uma vez que tem a ver com produto, gestão, tecnologia, organização e relação entre empresas”, considerou.

Chamou ainda a atenção para uma outra questão abordada nos painéis: a escala. “A coordenação efetiva entre as empresas pode levar a criação de instrumentos que motivem a obtenção de economias de escala ou vantagens de posicionamento sem que a propriedade esteja em causa”, considerou.

This article is from: