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CAMINHOS DE RESISTÊNCIA DA POPULAÇÃO NEGRA

Projeto 'Eu não sou seu alvo', criado por artistas visuais de Brasília, tem como objetivo dar visibilidade à luta da população negra por meio da arte

Uma ideia surgida no bar foi o pontapé inicial de uma dupla para fazer mais pela resistência do seu povo. Luiz Henrique Ferreira, de 21 anos, e Guilherme Couto, de 22 anos, tiveram a ideia de criar um projeto a partir do que a população negra sofre diariamente. Segundo Luiz, todo projeto nasce de um incômodo que já existe e foi a partir disso que surgiu a ideia do “Eu não sou seu alvo”. “Surgiu desse incômodo que a gente tem, desse corpo negro que sempre é alvo de opressão, de violência e que está sempre exposto. Um corpo vulnerável a tudo: à opressão policial, ao racismo, ao machismo, ” explica Luiz.

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Atualmente, de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. De acordo com o Atlas da Violência, de 2017, 23,5% dos negros possuem maiores chances de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças. Outro dado revela que a mortalidade de mulheres não-negras caiu 7,4%, entre 2005 e 2015 (ano em que o Atlas foi publicado), enquanto entre mulheres negras o índice subiu 22%.

No Brasil, o racismo é “estrutural e institucionalizado” e “permeia todas as áreas da vida”. Essa conclusão foi feita pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2015, na publicação de seu informe sobre a situação da discriminação racial no país. O racismo, no Brasil, ao mesmo tempo que é explícito, ele também é implícito. Aparece de forma sutil, como uma pergunta preconceituosa em tom de brincadeira, ou de forma rude, como uma agressão física.

Todos os dias um negro é parado por policiais que dizem ter visto “uma atitude suspeita”. Todos os dias uma negra é hipersexualizada, tem seu cabelo como piada e caracterizado como ruim. Todos os dias um negro é bandido, pessoas trocam de calçada ao se deparar com um negro na rua e muita gente ainda insiste em dizer que o racismo não existe.

A estudante de pedagogia, Thaíza Antero, de 23 anos, fala que o racismo existe e dói, sim. “Você é julgado por quem você é e não tem como deixar de ser negro,” diz Thaíza. Ser julgado por ser quem você é dói muito, deixa sequelas que são difíceis de esquecer. “A situação que mais me machucou foi quando eu entrei numa loja de departamentos e o segurança da loja começou a me seguir e falar no rádio. Ele me seguia muito, até que eu fiquei desesperada, comecei a chorar e não conseguia sair da loja. Fiquei num canto e o segurança em cima de mim, como se fosse avançar a qualquer momento”, conta a estudante que achou que nunca superaria esse caso, mesmo com a ajuda da família.

Thaíza, como mulher negra, tem de enfrentar o racismo todos os dias, os olhares discriminatórios, as ações de pessoas racistas. “Meu enfrentamento é enfrentar diariamente, tanto com palavras quanto com atos. A gente está numa fase de visibilidade e, ao mesmo tempo, somos jogados para escanteio. Resistir é a missão”, completa a estudante.

A ideia do “Eu não sou seu alvo” surgiu exatamente dessa necessidade de um enfrentamento com vários recortes. “A possibilidade de fazer algo sobre, através da arte”, diz Guilherme. “A ideia foi não abordar um recorte só, foi abordar um geral de tudo que esse corpo sofre, desde o negro LGBT, a mulher negra, o homem negro e a gente está transitando nesse sistema, inclusive, ” completa Luiz.

O enfrentamento é real e incomoda, isso é um fato. “Antes de começar a colar os lambes desse projeto, eu fiz

“Você ser julgado por quem você é, é muito doloroso” Thaiza Antero, 23 anos, estudante de pedagogia

dois lambes, um do Martin Luther King e outro da Ângela Davis. Colei na Universidade de Brasília (UnB) e em Águas Claras também. Os de Águas Claras foram arrancados por alguém e você já vê que isso é um enfrentamento e uma resistência das pessoas que fazem o racismo, atuam dentro do racismo. A reação delas é essa quando uma verdade assim é posta na frente delas, porque é um pedaço de papel. Com a gente é diferente, sabe?”, diz Guilherme sobre como o enfrentamento o incomoda.

Estereótipos

O jeito de um negro se vestir, o lugar onde mora, o local de trabalho, onde estuda também geram situações de enfrentamento e resistência. Nádia Costa, de 21 anos, estudante de Serviço Social, diz o quanto ser uma negra classe média incomoda. “Eu moro no Cruzeiro, que é um bairro de classe média, e as pessoas ficam muito surpresas quando eu digo que moro lá”, diz.

Dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio (Pdad) revelam que Ceilândia, Itapoã, Paranoá, Recanto das Emas, Varjão, São Sebastião, Estrutural e Fercal são as regiões administrativas com maior número populacional de negros (71,05% no total), enquanto no Plano Piloto,

Lagos Sul e Norte, Jardim Botânico, Sudoeste e Park Way, a maioria dos habitantes são brancos (67,19%).

Ainda segundo dados da Pdad, a proporção de negros em regiões de alta renda aumentou de 27,3%, em 2011, para 32,81% em 2015. E mesmo com esse aumento, as regiões de menor poder aquisitivo continuam como locais de grande concentração da população negra. Essa desigualdade é visível também na educação, no mercado de trabalho, nos espaços de decisões e deliberações de políticas públicas.

Dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) informam que o índice de quem tinha nível superior, especialização, mestrado ou doutorado era de 15,32% para negros e de 33,87% para brancos, em 2011. Os dados da Pdad/DF, de 2015, permitem observar a diferença existente na performance da escolaridade de negros e não-negros. Enquanto 27,18% dos negros têm apenas o primeiro grau incompleto, entre os não-negros este percentual é menor, de 15,17%.

Para o subsecretário de Igualdade Racial, Victor Nunes, a população negra não é inferior na sociedade e, sim, vulnerável. “A população negra se encontra numa situação de maior vulnerabilidade por causa do racismo”, diz. “O povo negro não é inferior ao não-negro, a questão é que nós vivenciamos uma discriminação, uma dificuldade de acessar os espaços, sejam eles educacionais, sejam eles profissionais, muito por conta do racismo”, completa o subsecretário. É importante que a população negra seja inserida em todos os espaços, assim como os não-negros são inseridos, e para isso é essencial que todos os órgãos façam sua parte. “É fundamental que o estado estabeleça ações afirmativas”, diz. “Não só ações afirmativas, mas a conscientização da população. Educação, formação, capacitação sobre a temática étnico racial são fundamentais para que a gente consiga alcançar uma mudança nesse olhar do que é ser negro no Brasil”, conclui. Ciberativismo

A resistência que o povo negro carrega desde a época da escravidão se reflete até os dias de hoje de diferentes formas. O momento de lutar por igualdade, pelo fim do racismo, pelo fim dos genocídios da população negra tem sido agora. Está cada vez mais visível a luta do povo preto de várias formas: rodas de conversas, grupos nas redes sociais, espaços em Universidades para debater sobre temas raciais, livros com temas raciais ou debates sobre espaço de fala. A internet tem sido o principal aliado nesses enfrentamentos, um novo espaço de militância, onde jovens usam as ferramentas que têm para fazer a diferença e mostrar para outros jovens que eles não estão sozinhos e que podem, sim, melhorar sua realidade. “Usar a rua como espaço para fazer esse manifesto, pois é na rua que a gente sofre essa opressão também” Luiz Henrique Ferreira, 21 anos, estudante de artes visuais LAMBES COLADOS nas paredes da Universidade de Brasília

De acordo com dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 95,4 milhões de brasileiros têm acesso à internet, ou seja, mais da metade da população. O intenso tráfego de informações nos canais de Youtube, blogs, sites e redes sociais, como Facebook e Twitter, faz com que as pessoas tenham um acesso mais intenso a variados assuntos. Porém, a população negra aparece mais uma vez no número da desigualdade.

Em 2014, o IBGE produziu uma série de pesquisas e a partir delas foi declarado que da população com mais de 10 anos que havia acessado a internet nos últimos três meses antes da pesquisa, 61,5% eram brancos, enquanto para os negros esse percentual era de apenas 39,5%. Mesmo sendo minoria na internet, as informações que são jogadas na rede chegam de alguma forma para essas pessoas com pouco acesso à internet.

É nesse contexto que se encontra a militância virtual ou ciberativismo, que é o ativismo na internet usado por grupos politicamente motivados em busca de expandir informações e reivindicações com o objetivo de buscar apoio, debater e trocar informação, organizar e mobilizar indivíduos para ações, dentro e fora da rede.

A representatividade negra cresceu na internet e se transformou numa ferramenta forte de empoderamento de negras e negros. Iniciativas que visam construir pontos positivos sobre a negritude são comuns de se ver agora. Comunicadores negros trazem pautas, como genocídio da juventude negra, racismo, cultura, educação. E o surgimento de blogs, canais no Youtube com temas para a negritude, também tem sido algo visto com mais frequência no mundo cibernético.

Representatividade

É importante para os negros terem uma representação em diferentes espaços, pois é incomum, ainda em 2018, ver atrizes negras como protagonistas, jornalistas negros, parlamentares negros. A diversidade do Brasil não é representada na mídia e, quando representada, traz sempre o mesmo estereótipo. A internet tem esse objetivo de dar visibilidade nas representações negras e nos assuntos relacionados a esta população.

A youtuber Lorena Monique, conhecida como Neggata, diz que tem muito orgulho de ser militante, mesmo sendo algo complexo. “É complicado por conta das pessoas que discordam do meu ponto de vista e partem para a ignorância e discursos de ódio que vão me atingir de alguma forma”, comenta. “Mas, por outro lado é bom porque eu estou ali dando visibilidade para uma causa super importante”, completa. Atualmente, o canal da Neggata tem cerca de 40.722 inscritos e 1.158.157 de visualizações nos vídeos.

A representatividade de negros em espaços, como televisão, internet e cinema não é importante apenas no seu conteúdo, mas também na da autoestima de uma população que já nasce com “desvantagens”. Muitos negros crescem se achando feios por ter uma boca carnuda, nariz grande, cabelo crespo e isso acontece porque as representações que existem são to

CANAL NO Youtube da estudante Lorena Monique, com mais de 30.000 seguidores

talmente diferentes da realidade deles. Até um tempo atrás não era comum ver tratamentos para cuidar do cabelo crespo e tutoriais de maquiagem para pele negra.

As irmãs Quézia Costa, de 25 anos e Queren Hapuque, de 22 anos, têm exatamente esse objetivo: elevar a autoestima da população negra através da estética. Juntas, abriram o salão Nega do Pixain, que tem como foco cuidar da beleza negra. “A ideia de abrir o salão surgiu por conta da falta de salões afros em Brasília”, diz Quézia. “As pessoas ao nosso redor não tinham muitas opções de tratamento para o seu tipo de cabelo, o afro, cacheado”, finaliza a trancista. Com o intuito de ir além e emponderar não só a população negra onde moram, as irmãs criaram um canal no Youtube, onde dão dicas de beleza direcionadas aos negros e negras. O canal Negas do Pixain já tem 2.249 inscritos e 57.008 visualizações em seus vídeos.

“A educação é a arte mais poderosa para mudar o mundo” Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul, morto em dezembro de 2015 redemoinho . ano 09 . número 14 25

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