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‘FAST-FODA

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ALÉM DAS GRADES

ALÉM DAS GRADES

JARDIM DAS Delícias, obra de Hieronymus Bosch de 1495/1505, descreve história do mundo a partir da criação

Marcado por aplicativos, sem qualquer tipo de vínculo e visando muito prazer, sexo rápido e casual é cada vez mais praticado em locais públicos

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MATEUS ROSA

Sexo. Compulsão. Vício. Culpa. O prazer que se transforma em doença e obsessão e que, em casos extremos, pode levar a crimes e até à morte. Conhecido entre os praticantes como “fast-foda”, o sexo descompromissado ou o sexo rápido garante encontros a partir de aplicativos ou até mesmo em locais já conhecidos entre os adeptos. A adrenalina experimentada nos lugares públicos é um componente a mais. O banheiro da Rodoviária do Plano Piloto e os estacionamentos do Parque da Cidade são pontos de encontro constantes. A intenção é sempre a mesma: muito prazer e nenhum vínculo.

Entre os aplicativos mais usados estão 69 Place, Grindr, Scruff, Tinder, Hornet e Happn. No 69 Place, por exemplo, os usuários que estão online podem ser notificados por pessoas disponíveis para sexo em locais públicos. Já o Grindr funciona de maneira similar, mas garante sigilo e mostra outras que estão próximas sem identificá-las. Usuário frequente do aplicativo, o microempresário Vander*, 26 anos, é adepto do sexo casual pelo menos quatro vezes ao dia. Já chegou a faltar aulas e trabalho frente

à compulsão, que denomina incontrolável. “Sinceramente? Já pensei em me matar”, relata. Segundo ele, não dar vazão ao instinto provoca forte crise de ansiedade. “Na hora, eu sou um animal, não penso em nada”.

O Parque da Cidade é um dos principais pontos em Brasília para o sexo casual em público. O técnico de enfermagem Renato Mourão Rockfeller, 20, diz que, entre as árvores do local e à luz do dia, relaciona-se com dois ou três parceiros. Como tudo já está previamente marcado, a sedução passa apenas pela troca de olhares. “Eu gosto das loucuras que faço. Geralmente faço em locais públicos como a esquina da rua durante a madrugada”, comenta.

Especialista em sexualidade, o psicólogo Clécio Sousa explica que muitas vezes o que existe nessa busca pelo prazer é a tentativa de acionar

O sexo na arte existe desde a Antiguidade. Era entendido como mágico e divino. O falo e os seios usados como símbolos de sorte e de fertilidade. Os deuses, em geral, eram seres muito sexuais, tais como Vênus, Marte, Mercúrio, Eros, Príapo, sátiros e bacantes. Já no século XVI, "O jardim das delícias, do pintor e gravurista holandês Hieronymus Bosch, apresenta a história do mundo desde a criação com prazeres carnais nas formas mais diversas. Na mídia, o fast-foda é abordado na música, em filmes e séries. A sexóloga Cintia Folgierini explica que o sexo é muito abrangente, envolve valores, experiências, cultura emocional e até religiosa. O filme A Vida secreta de Zoe ou o Ninfomaníaca I e II são referências para o assunto, não somente da doença, mas também do sexo sem compromisso. No Ninfomaníaca, “Preencha meus buracos” é uma das falas mais comentadas da personagem principal Joe, diagnosticada com psicopatia. O documentário (Des)Honestidade é citado pelo especialista em novas mídias Leyberson Lelis como exemplo para se entender o uso de aplicativos em adeptos de encontros casuais. Uma música chamada Fast-Foda, lançada este ano por Nancy Hallow, um dragqueen brasileiro, faz sucesso entre o público LGBTTI. "É fastfood ou fastfoda? Nem vem com caô / Se tu não quer compromisso, a solução chegou / Vou marcar um fast foda para me aliviar / Mal sei o seu nome, Eu deveria perguntar?", entoa o refrão da música. A planner e conteudista Thaís Oliveira, 20, observa que a indústria pornográfica é um dos mercados que mais movimenta a economia mundial, atraindo empresários e usuários na abordagem de abusos, pedofilias, estupros, violência física, verbal, hipersexualização, padrão de sexo e sexo violento, quase sempre em uma relação de desvalorização da mulher. “Sem contar os pontos relacionados às histórias das mulheres envolvidas nessa indústria, o antes e o depois. Muitas são abusadas sem consciência disso”. Segundo Thais, um dos maiores problemas é a questão da submissão. O homem manda, o homem faz e acontece e tudo é justificado com o "instinto masculino", o que reforça estereótipos muitas vezes elogiados pela indústria pornográfica. “Então percebo que nesse contexto, a sexualidade da mulher está sendo comandada por homens. Eles ditam as regras. A violência, por exemplo, torna-se fator excitante”.

Transtornos e parafilias: São desejos sexuais e fantasias que, dependendo de qual sejam, podem trazer prejuízos e provocar vícios Fetiche: Tipo de parafilia muito comum e que nem sempre traz prejuízo. O desejo é despertado por objetos como, por exemplo, calcinhas, algemas, chicotes ou até mesmo partes do corpo Pedofilia: Ato sexual com crianças e adolescentes, desde a fantasia e o desejo enrustidos, passando pela exploração comercial, pornografia infantil, abuso e violência Efebofilia: Quando um adulto personifica um adolescente para conseguir excitação e orgasmo Vícios sexuais: exagero e descontrole pelo ato sexual, múltiplos parceiros, contato intenso com pornografia, obsessão pelo erotismo (tendência abusiva para o sexo), fantasias, fetiches, masturbação constante, ansiedade e vida dupla

um sistema de recompensas. “Busca- -se recompensar aquele vazio existencial e os buracos dentro de si, com coisas que as viciam, independente do que seja”. O raciocínio é que, frente ao vazio, a pessoa descobre a fuga no prazer imediato. “Em qualquer compulsão existe uma fragilidade, pois se está buscando algo para compensar o vazio existencial. É uma questão para qualquer vício, seja álcool, droga e até mesmo o sexo”. depois a pessoa ser decepcionante”. A crítica é principalmente em relação à frieza com o parceiro após a consumação do ato sexual.

Com a internet, o sexo casual tornou-se frequente entre os usuários como um “facilitador” de encontros. No caso do Tinder, algumas etapas contam como preliminares. O chamado “match” só ocorre a partir dos “likes” e “superlikes”, com a indicação de perfis que podem evoluir para um encontro

Psicólogos alertam que o chamado DSH, Desejo Sexual Hiperativo, não é saudável, por ser incontrolável

A possibilidade de lidar apenas com desconhecidos, que nunca mais serão vistos, é argumento comum entre eles. A estudante Elisa*, 19, revela que o fato de não se apegar e o sexo a qualquer momento que a vontade surgir, inclusive várias vezes ao dia, são os pontos positivos. “Eu levo tudo pelo lado da experiência e faço tudo mesmo que seja só para saber se gosto ou não”, relata. O psicólogo Clécio Sousa observa que a emoção do sexo está na ativação da dopamina. “A dopamina produz essa descarga do vício e a pessoa já não tem controle, daí a coisa começa a complicar”.

Para os especialistas, o chamado DSH, Desejo Sexual Hiperativo, não é saudável. O problema não está na quantidade de vezes que a pessoa transa por dia, mas quando isso se transforma em rotina incontrolável. “Ter atitude contra esses gatilhos é essencial para combater qualquer vício. Tirar as crenças más sobre as relações sexuais é outro ponto para evitar vício em pornografia ou uma possível compulsão sexual”, explica Clécio.

A empresária Danielle Fontes, 22, conta que por muito tempo foi ninfomaníaca. A cura para a obsessão pelo prazer só veio com tratamento. Na avaliação dela, o apetite sexual é muito romantizado. “Ninguém fala sobre

Também especialista em sexualidade, a psicanalista Cíntia Almeida Folgierini observa que a opção pela ausência de vínculos não funciona para todos. Em alguns casos pode, inclusive, ocasionar transtornos psicológicos. “Existem pacientes que já me relataram que fariam de novo e outros que disseram que é uma experiência estranha, diferente e fria e que, não foram saciados e sim frustrados”. É o caso do sub-chefe de cozinha Gabriel*, 21. Usuário frequente dos aplicativos Grindr e Hornet, ele afirma que transou a primeira vez no chamado “fast-foda”. Segundo ele, todas as relações do tipo foram aquém do esperado. Ainda assim, mantém as relações sexuais sem compromisso. “Já aconteceu de na hora ser bom, mas casual. Diferente de outros aplicativos, o Tinder revela a identidade da pessoa e proporciona um relacionamento mais “romantizado”, como define Gabriel*. No início, o uso de aplicativos, segundo ele, era uma forma de facilitar os relacionamentos. “Foi um momento de aceitação, acho que tinha 19 anos. Eu não tinha me envolvido com homens ainda, por ser muito tímido, tentar esconder da família e por não me aceitar ainda”, lembra.

Para Anderson*, 48, casado e pai de dois filhos, adepto do “fastfoda”, o fetiche está no relacionamento com pessoas mais novas e sem a exposição da verdadeira identidade. “Minha esposa é mais velha”, descreve Anderson*, sem admitir a bissexualidade.

quando isso passa dos limites e eu acho que esse tabu tem que ser quebrado. Precisamos falar do desejo tanto como uma obsessão como também da completa ausência dele e que essas coisas podem acontecer com qualquer um a qualquer momento e é necessário buscar equilíbrio”.

A ninfomania e a satiríase (ninfomania masculina) são definidas pela psicanalista como a necessidade contínua de manter relações sexuais com vários parceiros, correr riscos, desafios e situações constrangedoras para que o prazer seja alcançado. “Mas não se pode confundir essas doenças com alterações hormonais, que também são investigadas no diagnóstico da enfermidade psicopata”. A compulsão sexual de Danielle não se restringia ao ato sexual. Em alguns momentos, o desejo era tão incontrolável que recorria a masturbação por “horas seguidas”, ao ponto de chorar de dor e prazer. “Não conseguia mais viver minha vida normal, desmarcava compromissos ou saía no meio deles para me dar prazer, satisfazer-me”.

A masturbação também faz parte do cotidiano de Vander*, que sente a necessidade permanente de gozar. A pornografia funciona como gatilho. “Quero ter controle sobre isso, mas realmente não tenho. Sou escravo do sexo”, afirma. O psicólogo explica que a pornografia é apenas um detalhe quase sempre ligado a autoestima da pessoa.

Os vícios em conteúdo de sexo explícito podem ser tratados, segundo o psicólogo, com exercícios físicos e educação dos pensamentos, além de psicoterapia. Em alguns casos, é necessário uso de medicação. “Pessoas viciadas em pornografia têm pensamentos alterados e disfuncionais, por isso, é necessário realizar uma terapia comportamental”, explica.

Para a sexóloga, ao mesmo tempo que o sexo “encanta” também “assombra”. “É um tema que nem sempre as pessoas querem falar por existirem profundos motivos tanto de alegria, como de reprodução e do prazer físico”, conta. Cíntia explica que o sexo pode ser perigoso, insalubre, ilegal, como também pode ser benção se percebido como necessário. “Acredito que quanto mais esclarecimento sobre tal assunto mais pessoas serão ajudadas”, acrescenta.

CARTILHA PERSA de 1824 explica posições para ato sexual Compulsão sexual

A compulsão sexual é definida como o desequilíbrio do desejo e um misto de várias ansiedades que podem atingir um patamar de distúrbio e evoluir para uma doença. Para muitos, a culpa é recorrente, como relatam Vander*, Gabriel*, Renato e Elisa. Clécio explica que essa culpa ocorre porque a pessoa sente que fez algo errado. “No momento do ato há o sentimento de poder, mas após vem o sentimento de culpa pois a pessoa não tem domínio sobre o poder, mas o poder da sexualidade tem o domínio sobre a pessoa”.

Segundo Cintia, por ser algo fora dos padrões ditos normais da sociedade, o sentimento de culpa gera internamente um conflito, o julgamento de si mesmo, em que as pessoas se enxergam como não merecedoras por fazerem algo as escondidas. “Essa patologia é silenciosa, uma demanda grande de pessoas que relatam não ter coragem de conversar com ninguém sobre suas dores, ansiedade e culpa. Vivem nesta esfera de julgamento e pouca compreensão”, explica.

Há consequências com o excesso do comportamento sexual, como desinteresse pelo parceiro ou parceira fixos, disfunção e perda de sensibilidade no órgão sexual, ejaculação precoce, perda de memória e ansiedade social. A sexóloga lembra que certa vez atendeu um paciente passou pela ansiedade social. Ele estudou três anos para um concurso e, no dia da prova, não conseguiu realizá-la, porque estava tão ansioso que manteve relações sexuais em grupo durante quatro horas seguidas e perdeu o horário do compromisso.

A falta desse controle pode ainda levar a práticas criminosas, tais como estupro, abuso e pedofilia. Estas duas são consideradas parafilias, desvio sexual classificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como doença. Já o estupro é típico de quem tem disfunção sexual. O acompanhamento com psiquiatra e, em grande parte das situações, o uso de medicação são necessários por envolverem processos químicos do cérebro. Crédito: Museu de Londres redemoinho . ano 09 . número 14

VIVER ALÉM DA DEPRESSÃO

Uma entre quatro pessoas vai ter algum tipo de transtorno ou episódio da doença ao longo da vida. Conheça histórias das que conseguiram superar ou conviver com o problema

CAROLINE FOGAÇA

Cortei meus pulsos e fiquei 15 dias internada na UTI. Hoje eu vejo que eu não queria morrer e sim acabar com aquele sofrimento intenso, uma tristeza constante que eu sentia na minha alma e coração”. A declaração é de Karen Viana, 48 anos, técnica de enfermagem, diagnosticada com depressão crônica. A depressão pode ser apresentada por sintomas como tristeza, perda de interesse ou prazer, sentimentos de culpa ou baixa autoestima, sono e apetite alterados, cansaço e falta de concentração. Ela pode ser de longa duração ou recorrente, prejudicando bastante o cotidiano de quem enfrenta o problema.

Karen teve uma infância traumática, com um pai violento. Cansada de remédios e terapias, tentou tirar a própria vida por diversas vezes. Para controlar a dor, trancada no quarto, sucumbia: chorava e se mutilava. “Depois me reerguia das cinzas para sonhar novamente”. Em todas as 10 vezes que precisou ser internada, Karen diz que voltava pior: “Era uma ida ao inferno. Prefiro a morte a ter que passar por mais uma internação”.

Depois de várias terapias e medicamentos, hoje ela consegue conviver com a depressão. Karen presta serviços em uma ONG que ajuda animais abandonados. Adotou cinco cães, destes, um é cego. “Com eles aprendi a ver a vida de outro jeito. Não tive mais crises desde então”. Ainda assim, Karen continua sob tratamento médico e vai ao psiquiatra toda semana. O desejo de cometer suicídio está diminuindo e o médico a ajuda a ver que é possível resolve seus problemas sem recorrer à morte.

Já são mais de 300 milhões de pessoas afetadas com depressão no mundo, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS). Quem

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