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ATHOS POR TODA A PARTE

Seja em fotos, objetos, obras e até tatuagens, Athos Bulcão permeia o cotidiano de quem mora ou visita a capital

LUCAS FARIA

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Logo que desembarcam no aeroporto, os visitantes da capital federal já se deparam com dois enormes painéis de azulejos - um azul e verde e outro laranja e amarelo. A maioria nem imagina que está diante de uma obra de arte de um dos maiores símbolos de Brasília. Dez anos depois de ter morrido e no ano em que completaria 100 anos de idade, Athos Bulcão continua tão presente na paisagem e no espírito da capital que é praticamente impossível não se deparar com uma das obras dele, todos os dias. Carioca, Athos Bulção veio para Brasília em 1958, movido pelo interesse de contribuir com a construção da nova capital. Amigo intimo do urbanista Lúcio Costa e do arquiteto Oscar Niemeyer, ele foi convidado por Juscelino Kubitschek para fazer parte da equipe que conduziria os principais trabalhos de criação e arte dos monumentos que seriam construídos aqui. Cinco décadas depois, o artista segue encantando moradores e turistas.

A arte de Athos Bulcão está tão identificada com a cidade que basta uma rápida navegada pelas redes sociais para se deparar com a quantidade de pessoas que se exibem em fotografias tiradas com os azulejos da Igrejinha ao fundo, os mosaicos da parede do Teatro Nacional e o painel Ventania, do salão verde do Congresso. Como se não bastasse, a obra do artista está nas canecas, toalhas

e até azulejos usados como peça de decoração nas casas. E há quem não resista e carregue a marca do artista na pele. Elas fazem parte da lista de opções oferecidas pelos tatuadores de Brasília.

A estudante Nirvana Maciel não pensou duas vezes na hora de homenagear Brasília e tatuou nos braços os símbolos da Igrejinha. “Quando resolvi tatuar queria algo que simbolizasse a cidade, e então me perguntei, por que não Athos?”, diz. Já o estudante de arquitetura Lucas Viana sempre foi apaixonado pelo trabalho do artista. Ele lembra que quando era mais novo fazia tours pela cidade para vislumbrar tudo aquilo que tinha ligação com Athos Bulcão. Na hora de escolher uma carreira, não teve dúvidas e optou por arquitetura. Ele queria estudar Athos Bulcão mais profundamente. “Athos na minha vida é mais do que Brasília”, conta, com um sorriso no rosto. “Eu sempre brinco que se não fosse a genialidade do professor junto com Oscar [Niemeyer], essa cidade seria tão menos colorida e alegre” diz Lucas.

Em casa, Lucas possui diversos itens que faz questão de deixar à mostra. São pratinhos, canecas e até um quadro com uma réplica dos azulejos da igrejinha. “Meus amigos já até sabem o que me dar de presente”, afirma. Mas a mãe dele, Marta Viana, reclama. “Com a quantidade de coisa que ele tem, fica complicado não dar algo repetido”, relata. tratado para projetar a azulejaria do Teatro Municipal de Belo Horizonte. Um ano depois ele integrou a equipe do pintor Candido Portinari, na produção do painel de São Francisco de Assis, na Igreja da Pampulha.

Para o professor de história da arquitetura Brasileira, da Universidade de Brasília, José Carlos Córdova, o trabalho feito na Pampulha recolocou o azulejo na arquitetura moderna. “O azulejo estava esquecido. Estava só nas paredes internas das casas e servia apenas como algo decorativo dentro de um ambiente”, explica. “Com a obra na Pampulha, as pessoas voltaram a se atentar a essa arte e partir dali o azulejo volta a recuperar força dentro da arquitetura”, conclui.

A arquiteta Ana Luísa Oliveira, também professora da Universidade de Brasília, confirma que as obras na igreja da Pampulha engatilharam uma série de obras com este tipo de trabalho pelo Brasil. “Após esta igreja, os arquitetos voltaram a fazer projetos com azulejos. Um exemplo é o Pedregulho, no Rio”, afirma.

De acordo com Córdova, outro ponto importante na volta dos azulejos ao cenário moderno da arquitetura foi a adaptação da arquitetura para uma produção mais industrial. “Athos na minha vida é mais do que Brasilia”

Lucas Viana, estudante

O começo

Nascido no Rio de Janeiro em 2 julho de 1918, Athos Bulcão abandonou o curso de Medicina, aos 21 anos, para se dedicar à pintura e às artes plásticas. Em 1939 fez amizade com o pintor e paisagista Roberto Burle Marx. Era o começo de uma parceria que encantaria o mundo. Já a parceria com Oscar Niemeyer começaria em 1943, quando já famoso pelos azulejos, o artista foi conO professor acredita que essa inovação permitiu aos arquitetos e artistas novas possibilidades de voos na imaginação. “Você tem nessa etapa o fim das fachadas artesanais, cheias de esculturas e cariatides [aquelas estátuas que seguram os pilares]”, explica. O professor de arte contemporânea da Universidade de Brasília, Antônio Martins, ressalta a importância desta produção. “O Athos junto com os arquitetos passaram a trabalhar mais os volumes geométricos, sem ornamentação, explorando essa nova forma de produção de materiais”, explica.

Identidade de Brasília

Foi o céu de Brasília que fez Athos Bulcão escolher a cidade para passar o resto da vida. O artista começou a desenhar os azulejos da igrejinha ainda no Rio de Janeiro e veio, em 1958, supervisionar a instalação, mas não resistiu à imensidão azul que cobria e daria ainda mais ênfase ao trabalho dele. “Athos dizia que quando chegou a Brasília tudo o encantava, mas principalmente, a sensação de vastidão da paisagem e o céu sem fim”, relata a diretora da Fundação Athos Bulcão, Valéria Cabral. Para o artista plástico Ralph Gehre, Athos Bulcão assumiu a identidade da cidade e a cidade assumiu a identidade dele. “Ele se encantou pelo que estava sendo construído aqui, e trouxe a paixão pelo que ele viu para dentro da sua

VALÉRIA CABRAL é responsável por manter e preservar a obra do artista plástico

obra”, explica. Nos 50 anos que passou na capital, Athos Bulcão trabalhou em 261 obras. Todas catalogadas e inventariadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Durante os anos que viveu em Brasília, o artista se tornou muito popular entre o público. “Athos fez de Brasília um museu ao ar livre”, afirma o arquiteto Sergio Parada, que trabalhou e foi amigo de Athos Bulcão. “Você vai ao parque e tem azulejo dele. Num edifício público tem um painel dele. Vai a uma casa, tem obra dele. Ele faz parte de Brasília”, finaliza.

Valéria Cabral concorda e explica que a paixão das pessoas pela obra do artista está ligada ao fato dele as ter tirado de dentro de um museu e as colocado em espaços abertos. De acordo com a diretora, os painéis pensados e feitos pelo artista sempre se preocupavam com o deslocamento do admirador da obra. Para ela, Athos Bulcão tinha a característica de sempre favorecer o expectador.

Em 2009, o Governo do Distrito Federal tombou as obras públicas do artista como patrimônio de Brasília. É uma maneira de impedir que elas fossem destruídas ou ficassem sem manutenção. A fiscalização é feita pela Secretaria de Patrimônio e Meio Ambiente do Ministério Público, com supervisão da Fundação, única entidade autorizada a reproduzir e reformar qualquer obra ligada a Athos Bulcão.

Influência

Além de ter tido grande importância na arquitetura da cidade, Athos também participou da formação de novos jovens arquitetos e artistas plásticos na capital. Ele lecionou no Instituto Central de Artes da Universidade de Brasilia, a convite de Darcy Ribeiro em 1963. Foi professor da Universidade até 1965, quando participou dos movimentos de protesto contra o regime militar, que resultou na demissão coletiva de mais de 200 professores da

PERFIL DE UM ARTISTA

Artista célebre, cheio de talentos, Athos Bulcão também colecionou amigos durante os 50 anos em que viveu em Brasília. Conhecido por ser uma pessoa simples, discreta, de fala mansa, não perdia o bom humor e a língua afiada. “A inteligência do Athos era muito grande. Irônico ao extremo”, explica Sergio Parada. O artista plástico Ralph Gehre conheceu Athos Bulcão quando ainda era adolescente, ele explica que seguia o artista até a única papelaria da cidade, na época na 508 Sul, e ficava observando o que ele iria comprar. “Eu via tudo o que ele levava, depois que ele saia eu ia lá, e comprava a mesma coisa”, lembra. “Na época eu não sabia muito o que fazer com tudo aquilo, mas uma coisa era certo, eu queria ser como ele”, finaliza Ralph. Em uma dessas idas à papelaria Athos Bulcão conversou um pouco com Ralph, e passou dicas de como seguir na carreira das artes plásticas. “Ele sentou comigo e me falou: Encontra aquilo que você se identifica na arte, e reproduz para o papel. O importante é que você ame isso”, recorda. Ralph. “Eu arregalei os olhos e absorvi aquilo para minha vida”, diz. Anos mais tarde, em 1980, quando Ralph se torna artista plástico e passa a trabalhar com a arte mais de perto, ele reencontra Athos Bulcão em uma mostra de arquitetura, com obras dos dois artistas expostas. O trabalho de Ralph Gehre foi caracterizado pela utilização de mídias gráficas, pinturas e fotografias tratando de questões relativas à leitura, utilizando a relação da imagem e da palavra. Nessa exposição Athos se reaproxima de Ralph e elogia o trabalho do artista plástico. “Quando ele fala que se encantou por aquilo que eu fazia, fiquei sem palavras”, conta. “Me fez relembrar a época que eu corria atrás dele”, afirma. Depois desse reencontro passaram a frequentar cafés e conversar sobre vários assuntos. Da mesma maneira, a diretora da Fundação Athos Bulcão, Valéria Cabral, teve o primeiro contato com o artista. Ela explica que era muito amiga de Ralph e que ia com ele à papelaria que Athos frequentava. Depois de morar muitos anos fora do Brasil, Valéria volta à capital e passa a frequentar a casa da curadora Maria Luísa de Carvalho, que viveu com Oscar Niemeyer por 25 anos, e era muito amiga da família de Athos Bulcão. Em uma dessas visitas ela explica que encontrava Athos bebendo um vinho e se divertindo com os amigos. “Eu ficava super preocupada com aquele homem, já de idade, indo para casa dirigindo aquele carro antigo”, recorda. “Ele nunca soube mas eu ia atrás dirigindo até determinado momento para ver se ele ia direitinho, depois ia embora, mas gostava de acompanhar”, relata. Depois que começou a trabalhar na Fundação, com projetos de produção e pesquisa, em 1996, a relação de amizade só aumentou. “A gente vai crescendo e a idade vai perdendo a importância”, explica. “Então com a relação de trabalho, ele ia lá para casa tomar um café, e mais no finzinho eu ia visita-lo no Sarah”

UnB. Foi reintegrado à Universidade em 1988, pela lei da anistia, onde deu aulas até se aposentar em 1990. Em 1997 recebeu o título cidadão honorário de Brasília. Em julho de 2008, morreu de parada cardiorrespiratória, aos 90 anos, no Hospital Sarah Kubitscheck, onde estava em tratamento contra o Mal de Parkinson.

Principais parceiros

O artista plástico trabalhou com grandes arquitetos brasileiros, como Ítalo Campofiorito, Milton Ramos e Elvo Duvograsi. Mas dois foram considerados fundamentais por tirar o máximo da capacidade de Athos Bulcão: Oscar Niemeyer e João Filgueiras Lima, o Lelé. Com Niemeyer, Athos trabalhou em projetos que completassem as construções de importantes edifícios públicos da capital, e em painéis que trouxessem leveza ao concreto. Com Lelé, ele fez a Rede Sarah, casas particulares e os tribunais de contas do Nordeste e do DF.

Para a diretora da Fundação Athos Bulcão, a relação dele com os dois arquitetos era marcada pela forte troca de experiências. Ela explica que os projetos feitos com Oscar não levavam em conta o grau de instrução da pessoa. “Era uma obra monumental, grandiosa e para todos”, explana. Já com Lelé, Valéria afirma que a obra servia mais para familiarizar o visitante com o local em que estava. “Eram projetos que faziam o bem, a pessoa entra e sente um abraço, um aconchego, uma alegria por estar naquele lugar”, completa.

Comércio e legado

A Fundação Athos Bulcão é responsável por manter vivo o legado do artista. Em parceria com Governo do Distrito Federal, a fundação conseguiu implementar na grade horária das escolas veiculadas à Secretaria de Educação a matéria Athos Bulcão como obrigatória para o quarto e quinto anos do ensino fundamental. Além de estudarem a obra do artista, a Fundação recebe os alunos no museu destinado ao artista. Além disso ela é responsável por autorizar a reprodução e venda de qualquer objeto relacionado ao artista. Camisetas, tapetes e canecas precisam passar pelo aval da Fundação, antes de serem comercializados. A intenção é que a obra não perca a originalidade.

PROJETO AEROPORTO

Além de trabalhar com Oscar Niemeyer e Lelé, Athos Bulcão também teve uma importante contribuição no projeto artístico do Aeroporto Internacional de Brasília. Em 1990, o governo brasileiro contrata o escritório do arquiteto Sérgio Parada, para desenvolver as obras dos terminais do aeroporto. Sérgio afirma que na época, fez o primeiro contato com Athos Bulcão, apresentou o projeto e esperou a resposta. “Logo de cara eu falei que queria um painel dele”, explica. “As pessoas quando desembarcassem queria que já respirassem um pouco de Brasília”, completa. “Fiquei todo bobo, porque o cara que eu tinha estudado na faculdade tava assinando um projeto meu”, explica. Em 2014, a reforma feita pela Inframerica, concessionária que administra o Aeroporto de Brasília, acabou destruindo em parte o projeto inicial de Athos Bulcão e Sérgio Parada. O painel de azulejos que deveria ser de livre acesso ao público ficou restrito a só uma parte da parede . “Se perdeu um pouco daquilo que era original, pois a pessoa sai do terminal e não tem vista global deles”, explica. “E o que ele falou para mim é que as pessoas possuíam o direito de recorrer essa obra”, sem esconder a chateação. Mesmo com a reforma do terminal é comum que um passageiro passe ali e tire uma foto com os azulejos de Athos. O advogado paraense Ricardo Alves veio a Brasília para uma reunião de trabalho e quis fotografar o mural do Aeroporto. Ricardo afirma que parou para tirar fotos com o painel por conta da beleza da parede. “Fiquei deslumbrado com o painel, aproveitei pra tirar uma foto e colocar no Instagram.

Exposição

Para comemorar os 100 anos de nascimento de Athos Bulcão a Fundação organizou, em parceria com o Centro Cultural Banco do Brasil, a exposição “100 anos de Athos Bulcão”. A ideia da mostra é reavivar todos os momentos do artista no decorrer da vida. São obras feitas à mão, pinturas dos principais trabalhos e as maquetes dos painéis de azulejos encontrados nos pontos turísticos de Brasília. A exposição vai até janeiro de 2019 e passará por Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro.

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