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ALÉM DAS GRADES

Alvo dos olhares preconceituosos da sociedade, mulheres que passaram pelo cárcere encontram dificuldades para reconstruir a vida

DARCIANNE DIOGO

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Édo lado de fora da penitenciária que as ex- -presidiárias costumam enfrentar o maior desafio, desde o dia em que receberam a condenação e passaram a cumprir a pena. Se reatar laços familiares e refazer amigos é uma tarefa difícil, se reinserir no mercado de trabalho é uma barreira quase intransponível. No DF, as 242 mulheres em regime semiaberto e as 201 em regime provisório sabem bem o que é isso. Das 443, apenas 92 estão empregadas. A situação retrata uma sociedade que ainda não aprendeu a dar oportunidades a quem quer reconstruir a vida depois do crime. Em Brasília, as ex- -presidiárias geralmente encontram trabalho por meio da Fundação de Amparo ao Preso (Funap).

Reconstruir a vida foi algo que a ex-presidiária Wanessa Leão, 41 anos, teve de fazer. Presa em 2016 por tentativa de homicídio, ela conta que ao sair do cárcere descobriu o peso do preconceito da sociedade. “Até meus amigos me olham torto. Sempre você vai ser conhecido como a ex-presidiária”, lamenta. Até 2021 Wanessa terá de cumprir pena em regime domiciliar e conta que aban

donou o curso de Direito por medo de não conseguir emprego depois. “Voltar a estudar pra que, se não vou arrumar emprego?”, questiona.

Sem trabalho, ela depende do Bolsa-Família, que garante uma renda mensal de 240 reais. O dinheiro é insuficiente para manter as três filhas de 11, 10 e 8 anos. Para se sustentar, Wanessa depende de ajudas. Ela conta que desde o dia que saiu da prisão busca uma oportunidade no mercado de trabalho, mas só encontra portas fechadas. “Até que sou chamada para as entrevistas e passo direto, mas na hora que pedem o nada consta, nem precisa voltar. Não adianta”, explica. O nada consta, também conhecido como “certidão negativa” é um documento que serve para confirmar, ou não, a existência de ações civis, criminais ou federais. Geralmente na admissão de um funcionário, empresas costumam pedir o documento para constatação.

A ilusão do amor

Presa em 2010 por tráfico de drogas, a ex-presidiária Núbia Mendes, 45 anos, é apenas mais uma vítima dos diversos casos que levam as mulheres ao cárcere: a paixão. O ex-marido estava preso, e pedia para que Núbia levasse dinheiro para ele. Envolvida e sem medir consequências, Núbia passou a traficar. “A gente pensa que existe esse amor todo e se ilude”, relata.

Já presa, em 2013 Núbia recebeu a notícia de que o filho havia sido assassinado, aos 18 anos. Ela conta que não recebeu o direito de ir ao enterro. “Meu mundo caiu. A primeira coisa que fiz quando saí da cadeia foi ir ao cemitério para ver o túmuo do meu filho”, lembra. Com apenas um filho agora, a ex-detenta reconforta com o apoio da família.

Foi com o auxílio dos familiares que a ex-presidiária conseguiu recomeçar a vida. Segundo ela, o primeiro passo foi se afastar das antigas amizades, que de certa forma a influenciaram no crime. “Troquei minhas amizades e abri mão de festas e bebidas alcóolicas”. Hoje, ela é casada com outro homem e diz que a escolha foi criteriosa. “Tive que escolher uma pessoa que não bebesse e que não gostasse de festa, até mesmo para me apoiar”, relata.

Para a psicóloga e coordenadora de Grupo de Trabalhos do Sistema Prisional, do Conselho Federal de Psicologia, Márcia Badaró, uma característica recorrente dentro da unidade feminina, é o abandono. Ela conta que as mulheres ao contrário dos homens sofrem por não receberem visitas, principalmente do companheiro. “Ou a família está cui

“Até hoje todos, até meus amigos me olham torto. Sempre você vai ser conhecido como a ex-presidiária, isso nunca vai mudar” Wanessa Leão

dando dos filhos, ou não tem dinheiro para visitar, ou foram abandonadas pelos maridos”, destaca.

A psicóloga atenta ainda para uma das consequências do encarceramento, o medo da liberdade. Segundo ela, muitas mulheres ao receberem o livramento condicional, entram em pânico por não saberem o que vão encontrar fora. “Às vezes já não se tem mais vínculo familiar”, explica.

Atualmente, Núbia é contratada pela Funap e trabalha como copeira na Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa), mas o maior sonho é um emprego fixo. Ela diz que o emprego deu a ela a oportunidade de se sentir mais humanizada. “Aqui eu me inspiro nos funcionários, aprendo com eles sobre o bom comportamento, a ter disciplina, conversar, falar baixo e a respeitar”, diz.

O mercado de trabalho é uma das portas que podem auxiliar um ex-presidiário a ser reinserido na sociedade. No Distrito Federal o único programa de apoio ao preso é a Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap), que tem por objetivo oferecer capacitação profissional. O programa tem 74 contratos com empresas parceiras, sendo 59 em empresas públicas e 15 em empresas privadas. A Funap atende 92 mulheres que cumprem pena em regime fechado e semiaberto.

Dentre alguns serviços que são executados por elas, estão o trabalho no viveiro, serviços administrativos e serviços gerais. A diretora executiva da Funap Fátima Imai, diz que todas as demandas de encaminhamento para o mercado de trabalho são atendidas. “Nós temos ofertas, mas não temos demanda. A partir do momento que recebemos o pedido da Vara de Execuções Penais, já encaminhamos”, explica.

A gestora de contratos da Adasa, Vanessa Pádua, explica quais motivos levaram a empresa a firmar contrato com a Funap, e diz que a ideia é dar crédito e oportunidade para que ex-presidiários não se sintam excluídos. “A gente tenta viabilizar uma cultura institucional, mais

A GESTORA de contratos da Adasa diz que um dos objetivos da empresa é dar oportunidade aos ex-presidiários

humanizada e de valorização”, diz. A empresa atende cinco sentenciados, sendo três homens e duas mulheres.

Segundo a gestora, depois do vencimento do contrato, há a possibilidade de contratação terceirizada. “A gente fica com a expectativa de contratar”, diz a gestora.

Para a ex-presidiária Juliana Batista, 31 anos, o mercado de trabalho foi a porta de saída dos problemas. Depois de cumprir três anos em regime fechado na Penitenciária

Feminina do DF, Juliana foi contratada pela Funap e trabalha desde 2014 no Instituto Brasília Ambiental (Ibram) como recepcionista. Mãe aos 15 anos, ela conta que em um certo momento da vida se deparou com a dificuldade de sustentar os quatro filhos. Foi pelo desejo do dinheiro fácil que a ex-presidiária começou a traficar drogas.

Na cadeia, teve de enfrentar a dor e a saudade de ficar longe das crianças e relata que mudou de vida por causa dos filhos. Enquanto presa, os filhos ficavam com a avó, mas recebia todas as quintas-feiras, a visita das crianças.

A ex-presidiária reconhece que não é fácil conseguir emprego de carteira assinada e diz que já entregou diversos currículos, mas nunca foi chamada. “Uma vez passei direto na entrevista, e fui levar os documentos, mas não aceitaram. Fui pessoalmente conversar com o dono e explicar que queria uma chance para mudar, mas ele negou”, relata.

Foi na cela que Juliana conheceu Aline Aparecida, 31 anos. As duas se tornaram amigas e trabalham no mesmo local. Presa também por tráfico de drogas, Aline teve de conviver com outra dificuldade. Na época em que foi presa, ela estava grávida de seis meses. Quando o bebê completou oito meses, ele foi mandado para a avó cuidar. “Meu mundo caiu quando tiraram meu bebê de mim”, relata.

Aline conta que o envolvimento no tráfico foi por influência do ex-namorado. “Fiz tudo por ele, e inclusive separei dele”, diz. Hoje, o grande sonho é terminar o curso de técnico em enfermagem e iniciar a faculdade. Aline trabalha no setor administrativo do Ibram e diz com orgulho ser o braço direito do protocolo. “Sei mexer em tudo aqui. Tudo o que o chefe precisa, eu sei fazer”, conta.

“Agora estou aqui, trabalhando por um tempo, mas e depois? Ninguém vai me dar emprego”

Juliana Batista

Foi por meio das constantes visitas ao irmão na cadeia, que Marina Rosa passou a olhar profundamente para os problemas do sistema carcerário. Sensibilizada, Marina decidiu criar a Associação Humanizando Presídios (Ahup), para receber reclamações de problemas no cárcere.

Com o apoio do Conselho Distrital de Segurança Pública (Condisp), a Ahup recebe reclamações dos familiares por meio de um grupo do whatssap e pelo facebook. A presidente da Ahup diz que a maioria das reclamações está ligada ao mercado de trabalho. “Todos sabem que ninguém oferece emprego a um ex-presidiário, mas eles querem trabalhar, principalmente para ter o contato com outro mundo e ocupar a mente”, diz ela.

Marina explica que o sistema carcerário já é visto como uma masmorra, e que a sociedade acaba colocando para os presos uma pena a mais, justamente por não abrir portas. “A sociedade tem muito preconceito, e quando o preso sai e quer se endireitar, o povo não dá espaço nem no trabalho e nem educação”, diz.

O projeto “Pipoca do Bem” é o mais novo programa da Ahup. Previsto para iniciar em dezembro de 2018, a ideia é doar carrinhos de pipoca aos ex-detentos. Na lógica a pessoa que vender cerca de 50 sacos de pipoca ao valor de 3 reais poderá receber no final do mês um salário de até R$ 4,5 mil.

Sistema em números

O Brasil tem a quinta maior população de mulheres encarceradas do mundo. São ao todo 37.380 presas. Nos Estados Unidos são 205, 4 mil, na China, 103.7 mil, na Rússia 53, 3 mil e Tailândia 44, 7 mil. Os dados são do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen).

Na Penitenciária Feminina do Distrito Federal (PFDF) existem 782 mulheres presas Do total, 286 cumprem pena em regime fechado, 242 em regime semiaberto, 201 presas provisórias e 53 internas em cumprimento de medida de segurança (pessoas com deficiência mental, que cumprem a pena no hospital de custódia). Entre os crimes mais cometidos por elas estão o tráfico de drogas, roubo qualificado e homicídio.

A PRESIDENTE da Ahup, Marina Rosa, diz que a ideia é promover a igualdade

MATERNIDADE COMO FATOR DE RESSOCIALIZAÇÃO

Foi no dia 20 de fevereiro de 2017, por quatro votos a um, que o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu um habeas corpus coletivo para beneficiar mulheres grávidas ou mães de crianças de até 12 anos, que estejam cumprindo prisão preventiva. Na Penitenciária Feminina do Distrito Federal (PFDF) existem nove lactantes e nove grávidas. Até o momento oito internas foram liberadas em decorrência do habeas corpus. Segundo a Secretaria de Segurança Pública e Paz Social do DF (Sesipe), a PFDF tem duas alas distintas, sendo uma para mães com bebês de até seis meses e outra para gestantes. A ala berçário tem 22 vagas com beliches, berços, local de higienização para os bebês e banheiro coletivo. Na ala para gestantes tem 24 vagas. Além disso, uma equipe médica da Secretaria de Saúde oferece acompanhamento e pré-natal das gestantes. Antes do habeas corpus ser concedido, as crianças ficavam com as mães até os seis meses. Após esse período elas eram encaminhadas para as famílias das respectivas custodias. Quando a detenta não tinha parentes, a Vara da Infância, designava um abrigo para receber a criança. Minimizar a quantidade de crianças no sistema prisional é um trabalho que a Coordenadora de Políticas para Mulheres e Promoção das Diversidades, do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Susana Almeida, desenvolve. Ela defende a decisão do STF e diz que o cárcere não é feito para crianças. “Lutamos para que esse benefício seja transpassado para o máximo de mulheres possíveis”, explica. Em 2009, a coordenadora deu início ao projeto “Mulheres Livres”. Susana explica que o objetivo é oferecer proteção social a essas mulheres. “Nós vamos levar a defensoria pública os casos, para que elas possam cumprir a pena de outro modo”, diz. O projeto se divide em quatro etapas: levantamento de dados; assistência jurídica; decisão judicial e rede de proteção social. Os quatro pontos têm a finalidade de levantar dados das mulheres privadas de liberdade, analisar os processos pelas defensorias públicas dos estados e dos núcleos de práticas, desencarcerar o número máximo de mulheres que tenham direito ao cumprimento de pena e a inclusão social.

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