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Divisão que funciona
por: Bruna Fernandes
Há cinco anos, guarda compartilhada é a modalidade prioritária adotada na separação conjugal com o objetivo de minimizar prejuízos aos filhos
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Muitas vezes, as dificuldades dos pais ocorrem por questões práticas, como locomoção ou roupas, por exemplo. O controle pode ficar difícil se alguma das partes não tiver uma organização mais rígida. Às vezes, por exemplo, um dos lados está sem um tênis da criança e outro sem o uniforme da escola. “É como se eles arrumassem as malas para mudar de casa a cada 15 dias”, avalia Carla.
Para Sergio, tudo é uma questão de tempo até que também os filhos assumam determinadas responsabilidades. O espírito entre ele e a mãe da menina, no entanto, é Apesar de estar em vigor há 11 anos, a guarda compartilhada no Brasil passou a ser obrigatória há apenas cinco anos. Com isso, se os pais não entrarem em acordo sobre a melhor situação a ser adotada, o juiz é quem definirá. Antes, a previsão era que a guarda seria aplicada “sempre que possível”. De lá para cá, no entanto, muita coisa mudou. É cada vez mais comum encontrar famílias totalmente ajustadas à nova realidade e com menos interferências do Judiciário. “A gente tenta sempre que possível ajudar o outro”, afirma o dentista Sérgio Braga, pai de Isadora, 6 anos. A ex-companheira dele, a funcionária pública Andrea Zaban, 42, concorda. “A relação que a Isa tem com o pai independe de mim. É uma relação de amor”.
Andrea e Sérgio se divorciaram há três anos e a guarda se deu sem intervenção judicial. No acordo entre os pais, ficou decidido que cada um ficaria com a filha em dias alternados, para que assim mantivessem uma rotina diária de cuidar da pequena. “A divisão da guarda no dia a dia vai depender das rotinas em particular. O importante é tentar dividir de forma equilibrada o tempo de convívio com o pai e com a mãe,” explica a advogada e professora de direito de família e sucessões, Gleyce Belarmino.
Pode ser, por exemplo, no meio de semana, um dia com o pai e outro com a mãe, alternando os finais de semana; dois dias com cada um, variando a sexta, o sábado e o domingo... Cada família encontra a forma que melhor atende à realidade dela. A guarda compartilhada pode ser aplicada também quando as pessoas moram em cidades diferentes. Nesse caso, em período de férias do filho, há uma compensação maior em relação Isa mostra árvore genealógica que fez da família a quem conviveu por menos tempo. “Na guarda compartilhada as pessoas estarão partilhando o dia a dia, mesmo que estejam em cidades diferentes, mesmo que seja pelo skype ou whatsapp, a parte estará ali dividindo o dia a dia desse filho,” observa a advogada.
A professora Carla Georgio, mãe de três filhos, decidiu se separar após 15 anos casada. Ela lembra que no início tudo foi muito difícil, apesar do divórcio consensual. A maior resistência era dos filhos, então com 14, 13 e 10 anos. “Foram dois anos de adaptação até eles realmente aceitarem de fato que eu e o pai tínhamos nos separado”, lembra. Apesar da opção pela guarda compartilhada, inicialmente a juíza sugeriu que os filhos ficassem com a mãe e, depois, alternassem as semanas. Os filhos, no entanto, acharam tudo muito corrido. Pediram que a guarda com cada um fosse quinzenal. Facilitou o fato de ela e o ex-marido residirem próximos. Na época, os dois moravam no Gama.
Em outros casos, a falta de adaptação dos filhos é pela necessidade de estar com o pai e a mãe todos os dias. O químico Breno Cunha, pais de Maria, 8, e Miguel, 6, adotou esta modalidade. Ele e a ex-mulher alternam diariamente o local em que as crianças dormem, assim como o transporte para a escola e atividades extracurriculares. “Quando é preciso, eu e a mãe conversamos os assuntos relacionados às crianças. Acredito que está cada dia melhor a questão de pai presente, que é crucial. Falo com alguns colegas: é uma fita dupla de DNA, não é um favor, é uma obrigação que o pai faz de estar junto.” “É gratificante e um direito da criança ter um convívio com os dois lados” Andrea Zaban
de total colaboração. A premissa é que, se o dois estão felizes, a filha estará feliz. “A gente tenta resolver problemas e não criá-los.”
A psicóloga infantil Mariana Malheiros Pontes acredita que a guarda compartilhada é uma ótima opção por buscar manter os vínculos parentais com os filhos menores de 18 anos após o rompimento conjugal. Em consultório, segundo ela, quando a separação é conflituosa, os sintomas aparecem nas crianças. Os relatos mais comuns, afirma, são de sintomas de depressão, agressividade em casa ou na escola, baixa acentuada no rendimento escolar, choros excessivos e enurese. “Hoje, também tenho recebido algumas famílias que têm procurado ajuda para preparar os filhos para o processo de separação e buscam encontrar a melhor maneira de sustentar um ambiente favorável para o seu desenvolvimento, apesar das mudanças que irão acontecer”, relata a especialista.
A pedagoga especializada em orientação educacional Adriana Resende concorda que a modalidade não funciona quando o casal se separa e um dos lados desaparece. “A criança costuma ficar desestimulada, não consegue parar de pensar e leva isso para a sala de aula, atrapalhando no processo de aprendizagem.” Um outro problema que pode aparecer durante a separação é a alienação parental, na qual um dos genitores coloca o filho contra o outro, o que é muito comum. Na escola, o aluno transfere tudo o que vivencia. Às vezes, chega a ser reprovado pela dificul dade no processo de sofrimento. “Eu, como profissional no ambiente escolar, acolho essa criança ou adolescente e converso.”
Antes de a legislação da guarda compartilhada existir, a tradição era de que os filhos automaticamente ficariam com a mãe, restando ao pai a necessidade de comprovar, em juízo, estar apto para o convívio e responsabilidades para com os filhos. Em geral, a definição só ocorria após extensa batalha judicial. No caso da autônoma Márcia, que pediu para não ter o sobrenome divulgado, a separação não foi litigiosa, mas toda a rotina e guarda dos filhos coube a ela. O pai fica com os filhos quinzenalmente aos finais de semana e paga pensão. “Não vejo a separação como um problema, as pessoas mudam, cada um segue o seu rumo e escolhe o que quer viver. É direito de cada um.”
Atualmente, no entanto, a ideia é que a guarda compartilhada é uma solução que precisa ser abraçada com tranquilidade. Tem a ver com a ideia de que o desenvolvimento de uma criança precisa ser saudável mesmo após a sepa ração dos pais e que ambos devem ter as mesmas responsabilidades. Segundo o IBGE, há um crescimento considerável nos pedidos de guarda compartilhada nos últimos anos no Brasil: de 7,5% em 2014 para 20,9 % em 2017, o que equivale a 20 mil pedidos a mais aceitos pelo Judiciário.
Tradição A professora de direito de família e sucessões Gleyce Belarmino explica que a guarda compartilhada surgiu muito da questão das mudanças que ocorreram da família tradicional para a moderna. No primeiro caso, quem ficava responsável pelo cuidado dos filhos era unicamente a mãe, e o pai era o provedor financeiro. Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, ela começou a contribuir financeiramente para o sustento do lar e o homem passou a atuar mais nas tarefas domésticas e ser mais participativo na criação dos filhos.
Márcia lembra das dificuldades que passou. Entre elas, tirar o filho do colégio particular e fazer cortes no orçamento. “Como estou desempregada, é difícil começar de novo, porque quando eu era casada, o pai dele não me deixava traba lhar. Mas nada que não se resolva. Uma separação amigável é bem mais tranquila”, diz.
Conflitos e acordos A pensão alimentícia é quase sempre um ponto de conflito entre as partes. Gleyce esclarece que o fato de ter a guarda compartilhada não anula a necessidade do pagamento da pensão alimentícia. São coisas diferentes. Uma se refere à
convivência, à responsabilidade conjunta dos pais no que se refere às necessidades cotidianas dos filhos; a outra, decorre das necessidades materiais. Muitas vezes, um dos genitores tem uma renda menor e, para evitar que o filho tenha um padrão de vida alto em uma residência e, em outra, mais baixo, o equilíbrio é conquistado pelo pagamento de pensão. Até 2014, prevalecia a regra da guarda unilate ral. Quando havia divergência entre o casal após a dissolução do casamento, a responsabilidade era atribuída àquele que obtinha melhores condições em exercê-la.
A partir da Lei 13.508/2014, o tempo de convívio dos filhos com cada responsável passou a ser dividido de forma equilibrada. O objetivo desde então é que a guarda compartilhada seja a regra, e não a exceção. Inclusive a prio ridade é que seja aplicada ainda que os pais estejam em litígio, ou seja, em conflito de interesses. Isso significa que não é necessário que os responsáveis estejam em perfeita harmonia. Na verdade, a ideia é justamente a oposta: gerar entendimento de que a criança não pode ter seu desenvolvimento afetado em função das questões de relacionamento do casal. Por isso, o lei só não será aplicada nos casos em que se entender que a situação poderá ser prejudicial para a própria criança.
Apesar da nomenclatura oficial, nem sempre os requisitos para a guarda compartilhada são vistos na prática. De acordo com a advogada, em alguns acordos os juízes decidem pela modalidade, mas na regulamentação do dia a dia não é o que se percebe. “De compartilhada não tem nada. É uma situação que têm acontecido muito no Judiciário.”
Há situações em que um dos geni tores não tem condições de ficar com o filho. Por exemplo: se o pai estiver morando em um albergue ou a mãe de favor, sem qualquer estrutura; um deles cumprindo pena ou cometido crime de violência física ou sexual contra o próprio filho. “Uma temática muito delicada é a da violência doméstica, porque nem sempre o homem, que é o agressor contra a mulher, é um pai ruim. Por outro lado, esse homem utiliza do contato com as crianças para agredir a mulher”, aponta Gleyce.
De acordo com a última modificação no Código Civil, se o juiz verificar que um dos lados não aceita a guarda, pode-se fazer um processo de revisão, de forma unilateral e com revisão da pensão alimentícia. A ideia é que se a criança vai passar mais tempo com um dos genitores, e não em períodos equilibrados, tem que ter uma pensão alimentícia um pouco maior. O outro genitor pode ajuizar uma ação de revisão da guarda. Se nenhum dos dois quiser ou não puder obter a guarda do filho, será deferida a um terceiro, o que acontece em casos excepcionais. Onde buscar ajuda? A Associação de Pais e Mães Separados (Apsde) completou 21 anos este ano. A ong foi a primeira entidade no Brasil a trabalhar com a problemática de filhos de pais separados e chegou, inclusive, a propor a primeira lei da guarda compartilhada em 2000. O então deputado federal por Minas Gerais, Tilden Santiago, apresentou a proposta, sancionada em 2008 após seis anos de tramitação no
Congresso. “A gente ficou surpreendido com a dificuldade do Judiciário de assimilar as novas legislações e colocar em prática as leis que foram criadas para proteção dos filhos de pais separados”, afirma o presidente nacional da entidade, Analdino Rodrigues, também especialista em alienação parental.
Ele explica que o trabalho voluntá rio visa dar suporte às famílias. Não são disponibilizados profissionais para atuar nos processos ou no atendimento, mas para fornecer orientações. Em média, são 12 profissionais na equipe. A partir dessa orientação, a pessoa procura os direitos dela, contratando advogados e, quem não pode, recorre à defensoria pública.
O suporte, atualmente, é apenas virtual, pelo telefone (11) 99629-8369, via ligação ou whatsApp, além dos perfis no Instagram e Facebook, @ongapase, e do e-mail ong.apase@gmail.com. Analdino foi ao Senado defender aprovação da proposta que trata sobre a guarda compartilhada “O importante é tentar dividir de forma equilibrada o tempo de convívio com o pai e com a mãe” Gleyce Belarmino Crédito: Arquivo Senado Federal