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Jogue como uma garota

Brasília Pilots quebra barreira na capital não só por ser um time feminino de futebol americano, mas pela determinação e força de vontade das atletas

por: Matheus Ferraz

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O futebol americano é um esporte tradicional e popular dos Estados Unidos. Engana-se quem acha que ele é praticado apenas por lá. No Brasil, apesar de ser uma prática com menos de 20 anos, a modalidade conta com 83 equipes masculinas em 22 estados cadastrados no Brasil Futebol Americano (BFA), associação que organiza as competições nacionais. Por muitos é tido como um esporte violento e só para homens. Mas equipes femininas estão ganhando visibilidade e mudando essa realidade aos poucos.

Times de futebol americano formado por mulheres ainda são raros e acompanham as dificuldades de o esporte ser novo no país. Ao contrário das equipes masculinas, existem poucas equipes femininas espalhadas pelo Brasil, apenas 14 vão participar do campeonato este ano organizado pelo Brasil Futebol Americano (BFA). Falta de patrocínio, atletas e poucos times nas competições são os principais fatores que fazem as equipes desistirem.

Em Brasília, quem visita a Esplanada dos Ministérios nos fins de semana provavelmente já se deparou com uma cena incomum. Nas manhãs dos sábados as garotas do Brasilia Pilots fazem parte da paisagem da cidade, treinando no gramado em frente ao Congresso Nacional. As atletas chamam a atenção por seus capacetes, uniformes e a famosa bola oval, equipamentos do futebol americano.

O time Brasilia Pilots teve seu início em meados de 2016. Algumas das jogadoras já praticavam futebol americano, mas

em uma modalidade que requer menos contato entre os atletas, chamada full flag. No flag, o tackle, ato de parar o adversário fisicamente ou lutar com ele no chão, é substituído pela retirada de fitas presas no cinto dos jogadores. A equipe nasceu da necessidade das jogadoras em praticar o esporte da forma tradicional com contato, o full pad.

A desenvolvedora de software Raquel de Souza, 33 anos, está desde o início no projeto. Atualmente quarterback (posição que dá início as jogadas) do time, participa de uma equipe de flag em Brasília há oito anos. “A gente jogava flag, que é um esporte usado como base para futebol americano. Lá nos Estados Unidos eles

Quarterback do Pilots, Raquel Souza, está desde o início do time

“As mulheres acham que o esporte é violento e agressivo, mas na verdade o futebol americano tem muito mais a ver com xadrez do que com boxe...”

Raquel de Souza, jogadora

utilizam muito para as crianças pegarem a base do esporte”.

Na visão da atleta do time, as equipes femininas ainda são poucas no Brasil porque as pessoas taxam o esporte como violento. “As mulheres acham que o esporte é violento e agressivo, mas na verdade o futebol americano tem muito mais a ver com xadrez do que com um jogo de box, é muito mais lógica, raciocí nio e inteligência de jogar do que o contato e a força bruta em si”, completa Raquel.

Bióloga e coach do Brasília Pilots, Vera Maria Araújo, 40 anos, tenta conversar e consegue mudar a opinião de algumas pessoas que acreditam que o futebol americano seja violento: “Quem não conhece o esporte pensa que é bem agressivo, não que ele não seja, mas ele é um jogo extremamente tático principalmente no ataque que a gente tem as jogadas”.

A conquista de território é o prin cipal objetivo do esporte. Estratégia é essencial para os melhores resultados. O time que chegar mais vezes na endzone (fim do campo) do adversário conseguirá o maior número de pontos. Existe outras formas de pontuar, mas a principal é chegar na linha final do campo (endzone) e fazer o famoso touch down, pontuação que se dá ao atravessar a linha do gol e vale 6 pontos. Numa comparação com o nosso futebol, é como se fosse o gol.

Para participar dos campeonatos organizados pela BFA são necessários 25 atletas do feminino e no masculino 30. Com 22 jogadores dentro de campo ao mesmo tempo, 11 por equipe, as substituições são ilimitadas. No futebol dos Estados Unidos cada time pode contar com até 53 jogadores durante temporada regular, mas a liga organizadora molda o esporte de acordo com a realidade do país.

Paula Chiarotti, defense end do Brasília Pilots

“...no primeiro quarto eu tomei uma pancada e rompi meu LCA. Eu ainda fiquei jogando um pouco só que aí o fisioterapeuta falou que eu não ia voltar mais”

Paula Chiarotti, jogadora

Esporte de contato Como todo esporte a prática do futebol americano pode ocasionar algumas lesões. As equipes treinam e se aperfeiçoam para diminuir os impactos dos takles. Os treinos são cercados de táticas para diminuir o impacto de um ataque ou defesa que possa machucar o atleta, mas nem sempre dá certo. Apesar de possíveis lesões as jogadoras mostram que não estão de brincadeira e se esforçam ao máximo para continuar nas partidas, mesmo machucadas.

A defense end (linha defensiva) do Pilots e publicitária de 29 anos, Paula

Chiarotti, conta que rompeu o Ligamento Cruzado Anterior (LCA) durante jogo da primeira temporada do time. “O primeiro jogo oficial com Pilos FullPad, em Curitiba 2017, no primeiro quarto eu tomei uma pancada e rompi meu LCA. Eu ainda fiquei jogando um pouco só que aí o fisioterapeuta falou que eu não ia voltar mais e pegou meu capacete. Ele virou e falou para os coachs que eu não voltaria mais naquele jogo”.

Outra jogadora que sofreu lesão durante jogo foi Lara Rodrigues, 25 anos, assessora de investimentos. Wide Receiver (receptora dos passes do quaterback),

Equipamentos de futebol americano com Congresso Nacional no fundo

Os treinos acontecem às quintas-feiras e aos sábados

machucou uma costela no fim do ano passado em um jogo contra o Vasco (América Big Hidders). “Eu machuquei uma costela, joguei até o final mesmo lesionada e sai de ambulância. Mas deu pra ir até o final e isso que importa.”

Torcedora do Brasília Pilots, Marcela Araújo, 22 anos, afirma que o diferencial das atletas é a superação e o empenho em representar Brasília. “Quando vi o primeiro jogo delas, e vi o que elas conseguiam fazer me senti feliz em ver mulheres executando tão bem um esporte aparentemente masculino”, completa Marcela confirmando ser fã de carteirinha do time.

Lingerie Football League “Algumas pessoas perguntavam se eu jogava de lingerie”, comenta Raquel de Souza, quarterback. Esse tipo de comentário é uma realidade para algumas mulheres que praticam o esporte nos Estados Unidos.

A Lingerie Football League (LFL) é uma liga de futebol americano criada em 2009. O que a faz ser diferente das atletas do Brasilia Pilots e de qualquer outro time de futebol americano tradicional é que as mulheres que fazem parte dessas equipes utilizam calcinhas e sutiãs para jogarem as partidas.

As regras não são as mesmas do futebol tradicional e os uniformes também não, eles consistem além de sutiãs e calcinhas, cotoveleiras, joelheiras e ligas. O que mais remete a prática do esporte são os capacetes e as ombreiras. Vale ressaltar que as mulheres não utili zam roupa por cima das peças intimas, camisetas, shorts ou calças, deixando seus corpos expostos. Ainda, não há qualquer mulher acima do peso ou fora do padrão tipo modelo nesse tipo de campeonato.

“Eu falo para todo mundo porque é ridículo, aquilo ali é um esporte para homens ficar assistindo. Aquele sonho bizarro de homens verem duas mulheres

Fim do treino do Brasília Pilots: suor e dedicação pelo futebol americano em Brasília

“Eu machuquei uma costela, joguei até o final mesmo lesionada e saí de ambulância. Mas deu pra ir até o final e é isso que importa”

Lara Rodrigues, jogadora

brigando, é isso”, ressalta a wide e retornadora do time Lara Rodrigues sobre a LFL.

A quarterback Raquel de Souza comenta que existe a liga de futebol americano feminino nos Estados Unidos, mas elas não têm muita visibilidade lá. Ficando difícil a prática do esporte da maneira tradicional. “Eu nem culpo as

As atletas Thamera Soares e Catarina Corassa prontas para uma partida, com o uniforme completo do time

mulheres, porque foi a única forma que elas viram de conseguir jogar e atrair público. Elas fizeram isso, porque era o jeito mais fácil de viver do esporte”. Mas afirma sobre essa prática colocar mais preconceito e tabu nas jogadoras: “Eu não estou disposta a fazer isso então a gente está tentando quebrar esse estereótipo”.

Problemas com campo Uma das principais dificuldades das atletas do Brasilia Pilots é conseguir campo para treinar durante a semana. Por não ser o único trabalho das integrantes do time, os horários são fora do comercial. O gramado em frente ao Congresso Nacional é uma boa alternativa nas manhãs de

“Quando vi o primeiro jogo delas, e vi o que elas conseguiam fazer me senti feliz em ver mulheres executando tão bem um esporte aparentemente masculino”

Marcela Araujo, torcedora

sábado, acontece que nas noites disponíveis da semana a Esplanada não tem iluminação suficiente para garantir um bom treino.

Para suprir essa demanda o espaço em frente à Funarte é a única saída. “A gente treina na Esplanada aos sábados e em dia de semana na Funarte, porque não tem campo. Mas na Funarte tem buraco, às vezes e cacos de vidros por contas das festas que acontecem lá, então é compli cado”, ressalta Lara Rodrigues.

Existe um preconceito com relação ao esporte e donos de quadras de futebol tradicional dificultam não só a atividade do Brasília Pilots, mas dos outros times do esporte em Brasília. Por acharem que a prática do futebol americano pode prejudicar o gramado, proprietários desses gramados não permitem muitos jogos nesses espaços.

“Eles insistem em dizer que gasta mos de forma diferente”, completa Raquel de Souza. “Já teve problemas com o pessoal da equipe masculina no estádio Bezerrão, eu era da equipe dirigente. Cancelaram um jogo dois dias antes, porque a Federação de Futebol bate de frente com nossos times e deram um jeito de cancelar”.

Desafios O Aracaju Alfa, único time de futebol americano feminino do estado de Sergipe, escolheu não participar do campeonato nacional esse ano. De acordo com a head coach da equipe e assessora parlamentar, Ivana Santos, 29 anos, “são vários os fatores a serem avaliados para a participação como: quantidade de atletas, moldes do campeonato, e os custos também entram nessa conta”. A arrecadação do dinheiro para bancar as despesas é feita pelas atle tas com rifas e eventos e pela diretoria com incentivos pontuais de empresas parceiras.

O Brasília Pilots recebe alguns patrocínios como descontos em suplementos, academia e crossfit, mas a dificuldade maior são as viagens. Uma alternativa às passagens é com o financiamento do Distrito Federal a partir do Programa Compete, que tem como objetivo incentivar a participação de atletas e paratletas de alto rendimento concedendo transporte

aéreo e terrestre pelo governo do DF. No entanto, no ano passado, por problemas de liberação de licitação, o Pilots não conseguiu viajar pelo programa.

“A gente conseguiu para uma ou duas viagens e na última não tivemos a chance por conta da licitação. Tivemos que bancar essa última em cima de hora e era uma viagem muito longa. Veio o estresse de um dia inteiro de viagem com a gente estar bancando tudo e acaba saindo muito caro. A parte das viagens e equipamento”, afirma Lara Rodrigues.

As equipes femininas de todo o país ainda têm muitos obstáculos pela frente, mas a persistência, determinação e o amor pelo esporte são maiores do que qualquer barreira. O que elas podem ter como certo é que as atletas do Brasília Pilots querem chegar à final do campeonato e levar o título este ano. “Ano passado a gente quase foi para os playoffs e esse ano a gente está treinando para chegar na final”, afirma a quarterback do time, Raquel de Souza, que se diz motivada nas conquistas do time.

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