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Pode gozar, sim!

Orgasmo feminino: precisamos discutir e quebrar esse tabu

por: Nicole Angel

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“Cinquenta porcento das mulheres não conhecem o orgasmo e eu faço parte dessa estatística, infelizmente, porque eu não sei o que eu gosto e nem sei como que eu faço pra saber disso”. A declaração é de uma jovem publicitária de 24 anos que mostra a realidade de muitas mulheres brasileiras. Sexo e prazer nem sempre andam de mãos dadas no mundo feminino, e é necessário falar sobre isso porque as mulheres também precisam ter a chance de “relaxar e gozar”.

Que atire a primeira pedra a mulher que nunca sofreu com a frustrante experiência de depois do sexo deitar na cama ao lado do parceiro dorminhoco, satisfeito e pós-orgásmico, enquanto ela está totalmente ativa em um completo estado de excitação e sem esperanças de dormir porque não teve seu desejo saciado.

É preciso arrancar o band-aid e colocar o dedo nessa ferida da sexualidade e do prazer feminino. A questão tem que ser discutida sem medo por todas as pessoas, ou seja, homens e mulheres, porque mais que um processo biológico, o prazer é um direito de todos e de todas.

Assim como comer, o sexo também é um impulso biológico que é necessário aprender e sofre muitas influências, sejam elas culturais, sociais, econômicas, em resumo, de toda a realidade em que se está inserido. E se aprende muito sobre sexo e pouco sobre sexualidade.

Ainda assim, logo que aprendemos o que é sexo, entendemos que o orgasmo é o objetivo. No entanto, dependendo do seu gênero, você pode receber mensagens diferentes em relação a esse “objetivo”. Segundo a TV, os filmes e a indústria pornográfica, o orgasmo masculino é fácil. Ás vezes fácil até demais. Já o orgasmo feminino..., é complicado.

Antes de qualquer coisa, é preciso entender que as mulheres são orgasmicamente diferente dos homens e

compreender essa diferença é fundamental, porque as normas sexuais são construídas baseadas na anatomia e no prazer mascu lino. “Tinha aquela questão do homem, o falocentrismo, e que só ele faz, só ele pode, e aí acaba sendo bem complicado você querer buscar uma informação e ter as coisas sempre voltadas pro homem”, conta a assistente administrativa Laís Frizarini sobre sua busca por informação enquanto mais nova , por volta dos 14 anos. Quando se compreende essa diferença se torna mais fácil discutir sobre o orgasmo feminino. Ele pode ser sentido de muitas formas e tem muito mais possibilidades e potências que as do prazer masculino. Mesmo as mulheres tendo tantas possibilidades de prazer, uma pesquisa (The Journal of Sex Research, feita em 2010) nos Estados Unidos descobriu que 50% das mulheres já fingiram ter um orgasmo. Diferentes Orgasmicamente diferentes = anatomicamente diferentes. Se existe uma diferença aí, é preciso primeiro conhecê-la para que haja entendimento mais profundo sobre as possibilidades de prazer do órgão. “Tinha o costume de sentar sempre com algo entre as pernas, porque sentia um prazer, mas pela idade e pouco conhecimento, não sabia identificar o porquê desse prazer”, relata a publicitária Luana de Souza sobre o seu primeiro contato com o prazer e ser algo inexplicável. Mas como é possível conhecer e entender se nunca foi incentivada a isso? “A mulher está condicionada a não olhar pra isso, porque isso ainda é visto como algo pecaminoso, como algo ruim. Então, a mulher sofre uma repressão sexual muito grande. E se ela fosse levada a entender isso como algo natural e saudável, como é, seria diferente”, explica a psicóloga e terapeuta sexual Bruna Scafuto.

Muitas mulheres não conhecem sua própria geogra fia e por isso não fazem ideia do que significa vulva. A terapeuta e massagista tântrica Elenice Oliveira defende: “Sentir prazer é algo que é um direito. É o seu corpo e ele foi feito para o prazer”. Ela acrescenta que a mulher deve se explorar, se tocar e “se deixar ir por essa energia e não ter medo dela, porque ela é uma energia muito criativa, muito poderosa”. Mas as mulheres não são incentivadas a conhecerem o seu próprio órgão, estudarem, colocarem um espelho ali e ficar cara a cara com a própria vulva, porque diferente do órgão masculino não é possível ter uma vista plena da vulva apenas olhando de cima.

Vale o parêntese para fazer uma breve explicação da vulva: as mulheres têm funções separadas com o clitóris exclusivamente para o prazer, a uretra logo abaixo para a excreção, e o canal vaginal abaixo para a entrada de espermatozoides e reprodução. Válido lembrar que vagina é apenas o canal vaginal e que o externo é vulva. Até mesmo o nome do órgão feminino é chamado de forma errada. Fecha parêntese.

Se as mulheres não são incentivadas a conhecerem seu próprio genital, que dirá conhecer o corpo e entender sexualmente como funciona e como é bom para cada uma, tornando isso ativo e não mais passivo, como é imposto ao longo da histó ria. As mulheres são treinadas a vida toda para dar prazer, e não recebê-lo ou senti-lo.

O primeiro passo é enfrentar os tabus da sexualidade feminina que são resquícios da cultura patriarcal e machista que vivemos, com mais força no passado, mas, ainda assim, presente nos dias de hoje. “É muito importante que as pessoas entendam que não existe isso de ‘ah não, a pessoa tem um nível social “Eu gosto de pensar a autoestimulação como um grande laboratório sensorial do corpo” Mariana Stock, empresária

econômico melhor, então ela entende o que é a sexualidade’, não, isso é um tabu globalizado”, defende a psicóloga e terapeuta sexual Luísa Gama. E esse tabu é algo tão presente na vida das mulheres que acham que não ter um orgasmo é “normal”. Mas não é. É algo desesperador.

Prazer x orgasmo Muitas vezes as mulheres sentem prazer sem o orgasmo. “A gente transava, eu sentia uma sensação boa, mas não era nada como ‘meu deus, acho que vou ter um orgasmo’, não, era mais como ‘hum, que sensação gostosinha’”, relata a jovem publicitária de 24 anos, a mesma do início da reportagem, que prefere não ser identificada.

Prazer, substantivo masculino, pode ser definido, de acordo com o dicionário, como uma sensação agradável de contentamento ou alegria; divertimento, diversão. Todo mundo já sentiu algum prazer na vida, seja comendo, se divertindo ou até mesmo transando. Mas e o orgasmo?

O orgasmo, para muitas mulheres, é como se fosse um mito ou um prêmio da loteria. “O meu primeiro orgasmo foi com 18 anos, isso porque perdi a virgindade com 14”, recorda a suporte em ferramentas digitais Luanna Aléxia.

“Eu vivo uma vida sexual desde os 16 anos e eu já estou com 24, agora se

você me perguntar quantas vezes eu tive um orgasmo, eu vou fingir que você nem está falando comigo e vou embora”, relata, com humor, a jovem publicitária de 24 anos sobre sua vida e o tal do orgasmo que nunca nem sentiu.

Mas a possível razão para que tantas mulheres demorem ou nunca tenham tido um orgasmo é que elas não são ensinadas a fazer isso, não são estimuladas a se tocar, a se conhecer. Porque quando chegamos naquela fase e ainda estamos na escola, aprendemos nas aulas de biologia ou educação sexual coisas como menstruação, cólicas, doenças, anticoncepcional, gravidez e, claro, pelos.

Como se sentir estimulada a se conhecer, a se tocar se não se tem nenhuma associação de prazer com a própria vulva? Quem é que vai querer ficar mexendo e procurando o seu prazer numa “área desconhecida”?

Vaginal ou clitoriano Esses são os dois tipos de orgasmo que, atualmente, são conhecidos.

A história ganhou corpo quando Sigmund Freud escreveu em seu livro Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, de 1905, que durante a puberdade, o centro de prazer feminino deixaria de ser o clitóris e passaria a ser a vagina. Freud também defendia que certos distúrbios

PRAZER, CLITÓRIS

“Isso é só a ponta do iceberg” é o que define basicamente como as mulheres veem o seu clitóris. Apesar de parecer ser “apenas” uma ervilha enrustida na vulva, esse órgão é voltado apenas para o bel prazer da mulher e é muito mais complexo do que se pode ver e imaginar.

Crédito: Priscila Barbosa

A anatomia exata do clitóris só foi descoberta em 1998, pela médica Hellen O’Connell

Oito mil e 500 terminações nervosas é a quantidade concentrada apenas nessa “ponta do iceberg” e ainda há ligação com mais 15 mil. O homem possui em seu pênis de 4 a 6 mil terminações nele inteiro.

Fora as inúmeras terminações nervosas, o órgão também possui uma extensão de até 8 centímetros que abraça todo o canal vaginal. E o conhecimento sobre o tamanho do clitóris só veio em 1998, quando Hellen O’Connell, uma urologista australiana, resolveu fazer uma tomografia de um clitóris inchado e acabou conseguindo desvendar a estrutura desse pequeno iceberg.

Se o clitóris envolve todo o canal vaginal, então, todo orgasmo é clitoriano? A resposta é: não.

“Quase toda mulher passa pelo sentimento de culpa, e associa o prazer e gozar a algo errado e que deve ser contido”, diz Luanna Aléxia

psicológicos das mulheres, como a neurose e histeria, tinham como causa a preferência pelo clitóris na idade adulta. “É que a visão do feminino, da sexualidade, é em relação ao masculino ver a sexualidade feminina como algo que ele possui, que é dele, que ele tem direito a isso e ele que deve dizer de como e quando”, detalha a massagista tântrica Elenice Oliveira.

Aqui, é importante ressaltar que o formato e o funciona mento da complexa anatomia do prazer feminino variam de mulher para mulher. Não tem um botão mágico que funciona para todas.

O orgasmo da mulher é um mistério que não acaba, porque mesmo com a descoberta do clitóris e sua ligação direta com o prazer feminino, ainda há relatos de mulheres sentindo prazer apenas tocando os seios, como afirma Laís Frizarini: “Fui tomar banho, passei a mão no peito e senti um tesão. Oi? Pera aí, como assim? Como eu tô sentindo isso?” A terapeuta sexual Bruna Scafuto explica: “O nosso corpo é sexual, desde o nascimento as sensações geram prazer e esse prazer com desejo é psíquico, e o nosso corpo todo é. Mas a gente não é levado a entender isso e aí a gente fica preso só as zonas erógenas, estratégicas”.

Como a ciência ainda sabe tão pouco sobre as experiências femininas e o orgasmo, muitas mulheres e homens aprendem na TV, nos filmes e na pornografia, mesmo que aquilo não retrate exatamente o que elas gostassem. “Todo aquele conteúdo pornográfico não trazia prazer e eu não me enxergava naquilo ali”, relata Luanna Aléxia. Mas aprender o que é esperado durante o sexo e o que é tabu é o que os sociólogos chamam de “roteiro sociossexual”, que nem sempre é positivo para a mulher. “Tem as preliminares, um beijinho aqui e ali, ele penetra, goza e acabou, e eu fico ali no limbo da excitação e da frustração porque não gozei também”, relata a jovem publicitária de 24 anos sobre uma das suas experiências sexuais.

“Quando a gente fala de um prazer sexual dentro da sexu alidade global, a gente fala de um relacionamento sexual. E no geral não existe relacionamento, existe coito”, exemplifica Bruna Scafuto. Esses roteiros são comuns, mas eles não são nada bons para o orgasmo feminino.

Algo que parece bem eficaz e aumenta a frequência de orgasmos femininos, independente de idade ou orientação sexual, é a masturbação, que, assim como a sexualidade feminina, é tabu.

Sabe se dar prazer sozinha? “Tinha coisas que eu tinha vontade de fazer, mas tinha medo, não sabia como, não sabia como buscar informação pra fazer do jeito certo, por exemplo, a masturbação” relata Laís Frizarini sobre a falta de informação e a proibição em relação ao assunto.

A masturbação feminina só é tabu porque vivemos em uma sociedade machista. Se tiramos o fator cultural machista, a masturbação vira algo natural, porque estamos falando em tocar e descobrir o próprio corpo.

Mas nesse percurso de descobrir o próprio corpo, existem muitos entraves que dificultam o processo, como explica Luísa Miranda sobre seu trabalho como terapeuta sexual: “Quando uma pessoa me procura, eu trabalho com ela, basicamente, três pilares: o cultural, para mostrar o quanto nós somos influenciados pela sociedade, em relação aos nossos papeis, aos nossos valores, religião, como nós internalizamos as questões familiares, como nós carregamos pesos que não são nossos e que interferem nas nossas relações sexuais, por exemplo, para tentar minimizar aquele sentimento de culpa que muitas mulheres têm”.

No entanto, é possível ver a masturbação de outra forma, como defende a fundadora da Casa Prazerela, Mariana Stock. “Eu enxergo a masturbação, e eu gosto de chamar de autoestimulação, basicamente porque a masturbação é uma palavra que já tá muito ruidosa, contaminada, no sentido pejorativo da masturbação

“Se trata de conquistas, realizações pessoais, se pertencer, se libertar de regras e tabus” Luana de Souza, publicitária

masculina, eu gosto de pensar a autoes timulação como um grande laboratório sensorial do corpo” explica Mariana.

O trabalho de descoberta desse grande laboratório sensorial do corpo necessita de auxílio, como relata Elenice Oliveira. “Quando a mulher está buscando ajuda pra conseguir atingir o orgasmo, por exemplo, eu sempre começo e indico o mapeamento vulvo-vaginal, que é feito sempre com ela respirando profundamente para relaxar, e aí eu toco a área interna do canal vagina dela, faz uma verdadeira aula de anatomia pra ela entender e identificar os pontos que são sensíveis”, finaliza Elenice, sobre sua tera pia tântrica.

Além da massagem tântrica, que pode ser uma das formas de trabalhar com o prazer corporal sem perseguir alguma coisa ou alguém, terapias orgásticas

A Casa Prazerela, em São Paulo, se transformou em uma das principais referências em prazer e potência feminina no país

“A mulher está condicionada a não olhar pra isso, porque isso ainda é visto como algo pecaminoso, como algo ruim”

Bruna Scafuto, terapeuta sexual

também podem ajudar a mulher a trilhar o caminho do autoconhecimento e podem ser algo até difícil de explicar. Laís Frizarini destaca sua experiência: “Quando eu vivi isso de fato eu fiquei: caralho, isso é real mesmo, desculpa até o palavrão, mas é louco. E só vivendo pra entender, porque eu posso explicar de várias formas, tentar mostrar vários jeitos de como é sentir aquilo, só que você só vai ver, de fato, essa empolgação quando você passar por isso”.

A terapia orgástica é um dos trabalhos feitos pela Casa Prazerela, espaço de sexualidade positiva e bem-estar da mulher que se propõe a abordar o empoderamento do prazer como potência para nutrir a qualidade das relações, impactar o mundo de forma positiva, desconstruir paradigmas nocivos e redescobrir a própria natureza. A Casa, em São Paulo (SP), é um ambiente seguro em que as mulheres, apenas, compartilham experiências e informações sobre o tema.

Além dos cursos e eventos que são oferecidos pela Casa, a experiência mais procurada pelas “musas”, como Mariana Stock, fundadora da Casa, chamam as mulheres, é a terapia orgástica. “A terapia orgástica é um caminho de transforma ção da sexualidade da mulher, tornando-a mais liberta, autônoma e autoconfiante. Muito mais que uma massagem, é uma experiência individual de ampliação de consciência num espaço seguro. Não é massagem tântrica. A terapia orgástica não tem cunho religioso, nem espiritual, é um desenvolvimento terapêutico agnóstico que foca na potência do corpo feminino, independente de crenças ou dogmas”, detalha.

Não é só sobre gozar Com certeza não. Para a publicitária Luana de Souza, “se trata de conquistas, realizações pessoais, se pertencer, se libertar de regras e tabus.” E para a Luanna Aléxia, é “sobre uma eterna troca e o auto amor, que é uma chave muito importante para nos entender, transformar sentimentos, descobrir prazeres.”

A assistente da Casa Prazerela Laís Frizarini ainda aconselha todas as mulheres: “Não tenha vergonha de ser o que você é, de se conhecer, de se tocar sem ter nenhum medo, porque é um momento de você com você mesma, não tem nenhum olhar pra te julgar e falar que você tá errada ou que não pode mexer ali porque é feio ou é sujo, porque na verdade é lindo, maravilhoso, é um lugar que te dá prazer sim, é um lugar que um dia pode sair uma criança e trazer uma nova vida aí pro mundo, e é isso: se conheça”.

E como forma de cura, a massagista tântrica Elenice Oliveira afirma que o tantrismo é um ótimo caminho, porque “é uma excelente maneira de curar os nossos traumas, de nos libertarmos e nos abrirmos pra viver melhor e nos aceitar mos, nos amarmos e vivem melhor com o mundo a nossa volta”. A sexóloga Luísa Gama ainda pondera: “A nossa evolução sexual é constante”.

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