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Depressão e autismo

Devido às pressões sociais e ao sentimento de inadequação ao mundo, autistas desenvolvem maior propensão à depressão

por: Marco Delgado

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Desde pequenos eles são taxados como ovelhas negras, desconexos a realidade e sem autonomia. São indivíduos que fogem do padrão de normalidade estipulado pela sociedade. Os autistas são vistos pela grande maioria como seres sem potencialidades e que não contribuem para a evolução da humanidade no aspecto intelectual. Em decorrência desses julgamentos, o autista se sente pressionado a se encaixar no comportamento padrão o que desenvolve neles quadros depressivos e até tendências suicidas.

Segundo uma nova pesquisa divulgada pelo Journal of Abnormal Child Psychology, uma publicação oficial da Comunidade Internacional de Pesquisa em Psicopatologia da Criança e do Adolescente, quase metade dos autistas sofre com depressão ao longo da vida. A pesquisa reuniu uma grande quantidade de estudos que avaliaram a prevalência atual de depressão em crianças, adolescentes e adultos que façam parte do transtorno do espectro autista (TEA).

Os resultados indicaram que a prevalência ao longo da vida foi de 48,6% quando utilizada uma entrevista padronizada para avaliar transtornos depressivos e que exigiam que os participantes relatassem por conta própria sintomas depressivos. As taxas também foram maiores em estudos que incluíram participantes com maior inteligência (QI). A pesquisa concluiu que as taxas de transtornos depressivos são altas entre os indivíduos com TEA.

A depressão em autistas pode ser extremamente prejudicial quando o assunto é conduta social, agravando assim até as práticas de autoextermínio e isolamento. É o caso de Juliano Trindade, de 29 anos, jornalista de Charqueadas - Rio Grande do Sul, diagnosticado dentro do Transtorno do Espectro Autista no ano de 2017 após algumas constatações sobre alguns de seus comportamentos avaliados desde a infância.

Ele afirma que sempre foi diferente das demais crianças, apresentando gosto

por assuntos peculiares. O prejuízo de adequação que a sociedade impõe sobre o autista é tão grande que eles se sentem praticamente como estranhos no ninho vivendo em um ambiente desfavorável.

“Vivi sempre preso a um sistema completamente desfavorável, tendo que me adequar ao estilo de vida dos outros, sem buscar minha própria identidade. A depressão é porque não tive uma vida favorável durante minha adolescência. Vivi sempre preso e forçado dentro de um sistema religioso, onde se impõe regras e mais regras. Foi aí que se agravou uma depressão profunda e até mesmo parei de acreditar na vida e em mim”, afirma o jornalista. Fatores que contribuem para a depressão Autistas podem ter maior propensão a apresentarem quadros depressivos dependendo do meio no qual estão inseridos, e além disso, a depressão em autistas pode ser vista e analisada como uma comor bidade. Uma série de fatores pode servir de combustível para o agravamento do quadro, como o sentimento de inadequação ao mundo, às regras sociais.

Outro aspecto importante é a dificuldade de demonstrar emoções, fazendo o autista esconder o que sente de verdade. Além disso, pessoas que possuem a neurodiversidade atípica em sua maioria apresentam dificuldade de socialização, outro fator que pode desenvolver o isolamento social e assim contribuir para um quadro depressivo.

Érica Matos de 36 anos, diagnosticada com depressão desde os 18 anos, conta que seu quadro depressivo altamente sintomáticas. Esse tipo de paciente vai desenvolver, necessariamente, depressão na adolescência”.

Os índices de depressão em autis tas são maiores quando analisados casos em adultos e adolescentes que possuem a neurodiversidade de forma branda ou leve, também conhecida como a Síndrome de Asperger. É importante estar atento, desde o princípio, aos sentimentos de infelicidade ou inadequação das pessoas com TEA, por causa da tendência dessas pessoas de apresentarem pensamentos obsessivos. Avaliação e diagnóstico Dada a alta carga de depressão entre os indivíduos com TEA, um foco maior na identificação e tratamento oportunos da depressão é importante, considerando que é uma causa potencialmente tratável de sofrimento, incapacidade e que pode, em muitos casos, gerar comportamentos suicidas. Publicado em 2016, um estudo feito pela Universidade de se agrava quando ela compara o seu comportamento com as demais pessoas. Érica foi diagnosticada com autismo aos 35 anos de idade. “A vida toda me senti uma pessoa extremamente burra, lerda e lenta. Eu nunca compreendi muito as outras pessoas e os comportamentos que elas tinham”, diz.

Comungando da corrente de pensamento da psicanálise, Maria Izabel Tafuri, psicanalista, ex-professora de psicologia clínica da Universidade de Brasília e pós-doutora pela USP (Universidade de São Paulo) afirma que, sozinho, o autismo não é causa e nem tendência para apresentar quadro depressivo, tudo depende do meio onde o autista está inserido e do tipo de vivência desenvolvida.

Além disso, a depressão em pessoas que se enquadram dentro do TEA pode ser classificada como uma condição comórbida (existência de duas ou mais doença em simultâneo na mesma pessoa).

“Tudo depende da qualidade de vida que o autista teve ao longo de sua vida. Pessoas que tiveram qualidade de vida inferior ou com um desenvolvimento psicológico por causa de determinado sofrimento não satisfatório com relação às necessidades básicas podem desenvolver a depressão. Assim funciona também com os pacientes autistas que não possuem famílias organizadas, que sofrem de abusos familiares ou que possuem famílias Sozinho, o autismo não é causa e nem tendência para apresentar quadro depressivo, tudo depende do meio onde o autista está inserido e do tipo de vivência desenvolvida Maria Izabel Tafuri, psicanalista Diagnosticada tardiamente dentro do TEA, Érica

Matos diz que se sente fora de adequação em relação à sociedade

Swenden mostra que pessoas caracterizadas no Transtorno do Espectro Autista morrem, em média, 16 anos mais cedo que a população geral.

A avaliação e o diagnóstico de depressão relacionados aos indivíduos que se enquadram dentro do espectro é definida pelos mesmos critérios, mas diagnosticar e detectar a manifestação da doença é um trabalho árduo. Os próprios autistas têm problemas em identificar e externar esses sintomas. O profissional que acompanha a pessoa autista deve se atentar às mudanças de comportamento ou comparar o quadro com outro indivíduo com o nível de autismo semelhante. Outro problema que os profissionais encontram é confundir os sintomas de depressão com o autismo porque algumas manifestações são parecidas, por exemplo, dificuldades nas interações sociais.

Joanicele Brito é psicóloga formada pela Universidade Paulista (Unip) especialista em autismo em várias idades, dá palestras e cursos sobre autismo e é coordenadora do MOAB (Movimento Orgulho Autista Brasil) e do projeto Autismo e Família. A profissional afirma que casos de depressão em autistas são mais comuns em adultos ou jovens, sendo mais comuns nos casos de autismo brando ou leve. “Nós temos que entender primeiro que essa questão de depressão e autismo é mais comum em autistas de alto funcionamento, os mais leves, geralmente abrindo para os Síndrome de Asperger. Isso acontece porque eles são extremamente inteligentes, têm um entendimento de que são diferentes. À medida em que eles vão crescendo, o que acontece? O bullying. Então, as pessoas não os respeitam, não os entendem, os taxam como doidos e pregam que os autistas têm que se encaixar. Absorvendo tudo isso, não conseguindo lidar, sabendo que são diferentes, entram em depressão.”

Fernanda Queiroz tem 20 anos e atualmente estuda Arquitetura e Urbanismo em Portugal. Foi diagnosticada dentro do espectro autista aos 16 anos, após muitas dúvidas e contestações por parte de seu psiquiatra. Ela conta que a depressão surgiu devido a problemas relacionados à falta de habilidades sociais (característica comum do autismo) criados no início da adolescência e que se agravaram por diversos motivos.

Joanicele Brito é psicóloga especialista em autismo e coordenadora da organização MOAB

Casos de depressão em autistas são mais comuns em adultos ou jovens, sendo mais comuns nos casos de autismo brando ou leve

Joanicele Brito, psicóloga

“Devido ao sentimento de inadequação ao mundo, às regras sociais, nos sentimos como estranhos no ninho, como “patinhos feios”. Sem diagnóstico, então, a tendência é achar que temos algum defeito, por não suprir as exigências sociais que nos são impostas. Outro aspecto importante é o cansaço psicológico que nossas tentativas de esconder nossas dificuldades trazem. O mascaramento de minhas dificuldades passou a ser algo inevitável com a chegada da adolescência, e com ela, a necessidade de fazer amigos. O que não levei em consideração é que, ao fazer isso, estava colocando os julga mentos das pessoas à frente de minha própria saúde mental, pois o esforço que me é requerido para “atuar” gera cansaço mental extremo e baixa autoestima. Com o tempo percebi que a matriz de minhas tristezas era sempre a mesma: o sentimento de inadequação perante os meus pares”, afirma a jovem.

Em alguns casos, a depressão em neuroatípicos pode acarretar outros tipos de transtornos, como é o caso de Nígela Quintana dos Santos, de 32 anos, mora dora de Charqueadas - Rio Grande do Sul, diagnosticada com depressão desde os 14 anos e consciente do diagnóstico de TEA desde o início de 2019. Nígela se tornou compulsiva por comida em decorrência do bullying constante exercido pelos colegas no período de escola e também pelas pressões de enquadramento social. “Isso tudo me despertou vícios alimentares que momentaneamente aliviam a ansiedade que tenho por não saber prever o que as pessoas pensam sobre mim. Isso piorou bastante meu psicológico porque me tornei uma criança/adolescente obesa, o que me fez conviver com bullyings terrí veis, pois eu nunca me percebi diferente dos outros, entretanto, sempre havia alguém pra me lembrar o quão horrenda eu parecia sendo obesa. Era como se eu fosse um animal”, afirma.

Autistas na internet Marcos Petry, de 26 anos, é formado em Comunicação Institucional e pós-graduado em Design Gráfico pela Unidavi (Centro Universitário para o Desenvol vimento do Alto Vale do Itajaí). Marcos é escritor, músico, youtuber e palestrante, tendo já publicado dois livros: o primeiro, em 2016, pela editora Chiado, “Contos de Meninos e Meninas, Contos de Homens e Mulheres”; e o segundo, publicado em 2018, pela Editora 3 de Maio, “Memórias de um autista por ele mesmo”.

Além de escritor e músico, é produtor de conteúdo do canal “Diário de um Autista”, que recentemente alcançou a marca de 100 mil inscritos. Diariamente, Marcos abastece o canal com vídeos sobre vivências do autismo. Marcos Petry dá palestras sobre o tema no Brasil inteiro. Aos 7 anos de idade, descobriu o TEA de forma tardia, e desde então, se presta a vencer desafios e passar informações sobre o transtorno.

Em meio a complicações de parto Marcos passou por problemas graves. O primeiro foi uma ruptura de uma membrana do coração que ocasionou uma Comunicação Interventricular (CIV). Atrelado a isso, foi necessária uma cirurgia de emergência, pois o sangue vazava do coração para o pulmão, ocasionando uma complicação pulmonar. O outro problema identificado aos três meses de idade foi a lesão de três pontos do cérebro. Neurologistas constataram que Marcos não viria a falar, nem caminhar, e que iria praticamente vegetar. A expectativa era de que ele falecesse com 1 ano de idade em decorrência de morte cerebral.

Tendo passado por esse processo, os pais de Marcos conhecem um método de estimulação, desenvolvido pela escola

Charlotte, na cidade de Brusque, em Santa Catarina, que se chama Véras. Marcos conta que foi a partir desse momento que a sua fala e as habilidades de caminhar foram finalmente desenvolvidas. “Minha mãe conta que foi como se tivessem ligado um rádio. Porque eu não falava absolutamente nada e depois eu comecei, não passei pela fase de ‘babutia’ dos bebês e desenvolvi uma comunicação efetiva”, afirma.

A partir dos 7 anos de idade, foi constatada a neurodiversidade atípica que Marcos Petry possuía. “Toda a falta de contato visual e a sensibilidade ao barulho foi explicada, quando aos meus 7 anos e meio, uma psicopedagoga que estava fazendo uma especialização sobre autismo veio até nós e comparou o meu comportamento a todas as características e traços de autista. Até então, nós atribuímos que o meu comportamento era fruto da lesão cerebral.”

Aos 13 anos, Marcos começou a refletir sobre o que era autismo. Com isso, ele se dedicou a pesquisar sobre o tema para se informar e conhecer melhor a própria essência pessoal.

Somente aos 17 anos ele resolveu entrar de fato na internet como produtor de conteúdo do Youtube. No primeiro momento, Marcos criou um canal para postar vídeos cantando e tocando violão, mas em decorrência de algumas necessidades, ele acabou encerrando as atividades da antiga conta. Em 2015, ele passou a produzir conteúdo para um novo canal chamado Diário de Autista.

Marcos define o autismo como uma outra maneira de vivenciar e sentir o mundo. “É uma outra forma de processar as informações que estão no teu meio. Os estímulos, como cheiros, cores, toque ou até mesmo a fala dos outros. Tudo é processado de uma forma diferente e é processado muito aos poucos. Eu definiria assim o autismo: basicamente é um grupo

“Eu definiria assim o autismo: é um grupo de desordens complexas que afetam três processos no cérebro - de comunicação, de reciprocidade e caráter gestual”

Marcos Petry, 26, autista, palestrante e criador de conteúdo do canal Diário de um Autista Jovens enquadrados dentro do espectro autista levam inclusão por meio da música

de desordens complexas que afetam três processos no cérebro -- de comunicação, de reciprocidade e caráter gestual. O autista geralmente não lê sutilezas e acaba sendo literal”.

Tratamento alternativo De músicas autorais a covers de grandes clássicos, do punk rock ao heavy metal, de sucessos nacionais a internacionais. A banda Timeout Rock Band é composta pelos vocalistas Ivan Madeira (15), João Daniel Simões (13) e João Gabriel Mello (13), o baterista João Henrique Lopes (18), o baixista Marcelo Guimarães (18), o tecladista Matheus Winkler (14) e o guitarrista Thiago Carneiro (22), jovens e adultos que se enquadram dentro do espectro autista.

O projeto nasceu através da parceria de três psicólogos, em 2017. Paolo Rietveld, João Guilherme Videira e Carolina Passos pretendiam criar uma alternativa complementar às terapias habituais em que pudessem trabalhar com os integrantes do projeto as relações interpessoais.

O surgimento do projeto musical remete muito ao nome dado à banda. O nome “timeout” vem de uma interjeição do inglês que significa intervalo, interrupção ou pausa de alguma atividade. De acordo com um dos psicólogos e orientador da banda, João Guilherme, a origem do nome veio de uma técnica da psicologia comportamental, assim como o grupo, chamada de “Timeout” (Tempo Fora, em português), que consiste em tirar o paciente de algum ambiente que estimule o comportamento disfuncional.

Em decorrência da rotina desgastante de terapias a que os integrantes da banda são expostos, a Timeout surge como um ponto de equilíbrio e desconexão com a realidade, a fim de encontrar novas possibilidades e potencialidades nos meninos, que primassem pela espontaneidade e integração social. “É o tempo que você tem pra fazer as coisas que você gosta no seu tempo livre, fora da rotina ou da vida cotidiana”, afirma João Henrique Lopes, baterista da banda.

Segundo João Guilherme, o foco da Timeout nunca foi o sucesso que estão alcançando e, sim, o projeto que os coordenadores mantêm com os garotos, em que trabalham as potencialidades dos integrantes, que recentemente estrelaram o terceiro episódio de “Os Originais”, uma série de mini documentários produzida pela Netflix e exibida pelo YouTube. “É um espaço lúdico, para eles serem o que são sem muita restrição. A ideia principal da banda é essa”, afirma o psicólogo.

Políticas públicas O Movimento Orgulho Autista Brasil (MOAB) é uma Organização Não-Governamental sem finalidades lucrativas que trabalha pela melhoria da qualidade de vida das pessoas autistas e de suas famílias. A iniciativa possui organizações em todas as capitais do Brasil. Em Ceilândia, a coordenação é feita por Andréia Barros e a presidência é de Fernando Cotta.

Além de coordenadora do movimento, Andréia é psicopedagoga especialista em ensino especial e mãe do Gabriel Barros de 18 anos. Presente na organização desde 2015, o MOAB foi ponto chave na sua vida para obter informações sobre o diagnóstico tardio (13 anos) de seu filho. Ela diz que a iniciativa serve como amparo às famílias que tive ram seus filhos recém enquadrados no espectro autista, além de ser uma organização que mantém a solidariedade em primeiro plano. “O MOAB serve como apoio à família. Nosso foco maior é na família, pois quem vive, observa o autista integralmente são eles. Através desse trabalho, nós unimos o conhecimento e a experiência em favor da luta”.

A organização desenvolve políticas públicas relacionadas ao autismo, como

a proposta da Lei 12.764/12 que assegura aos autistas os benefícios legais de todos os portadores de deficiência, que incluem desde a reserva de vagas em empresas com mais de cem funcionários, até o atendimento preferencial em bancos e repartições públicas. A lei está em vigor desde 2013.

Um dos programas atrelados ao Movimento Orgulho Autista Brasil é o Desabafo Autista Asperger. O programa funciona como grupo de ajuda para autistas e famílias e tem como objetivo ouvir e ceder fala aos neuroatípicos. Andréia Barros e seu filho Gabriel, que é autista

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