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Há 40 anos o Brasil enfrentava a desnutrição, hoje a obesidade

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Pode gozar, sim!

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Escolhas alimentares estão ligadas diretamente a problemas sociais, culturais e de saúde pública. Mudanças na renda, trabalho e estilo de vida tornaram a obesidade um dos maiores problemas de saúde do mundo

por: Gabriela Visconti

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Há 40 anos, o grande desafio do Brasil ligado à alimentação era a desnutrição. Hoje, é o combate a obesidade, principalmente nas crianças. Existem dois tipos de doenças relacionadas à alimentação: doenças da falta e doenças do excesso. Da falta são ligadas à dificuldade de acesso aos serviços públicos - como educação e saúde -, marginalização social, enfraquecimento da noção de cidadania, miséria e pobreza.

As do excesso são relacionadas às mudanças de estilo de vida, a falta de atividade física e má alimentação. Quando se fala em crianças, a estimativa é pessimista. Segundo dados da Federação Mundial de Obesidade, o número de crianças entre 5 e 17 anos que estão acima do peso deve pular de 220 para 268 milhões em menos de uma década.

Sobre o consumo alimentar, estudos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revelam que 56% dos bebês tomam refrigerante frequentemente antes do primeiro ano de vida. A Pesquisa Nacional de Saúde (2013) também apontou que 60,8% das crianças menores de 2 anos comem biscoitos ou bolachas recheadas.

Para a nutricionista da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição, Luciana Lancha, a alimentação em casa influencia muito para a criança. “Tem um estudo que mostra, por exemplo, que uma criança, para experimentar um alimento que não conhece, ela vai dizer que ela não gosta e na verdade ela está dizendo “não conheço”. E que para uma criança experimentar algo, o alimento deve ser oferecido pelo menos dez vezes para que ela tenha coragem de experimentar”.

A psicanalista Clarissa Silbiger Ollitta defende que atualmente quando uma criança leva uma fruta como lanche para a escola, ela se sente diferente. “Tem sempre

Um sanduíche Big Mac é responsável por 25% das calorias diárias que uma pessoa precisa

O número de crianças entre 5 e 17 anos que estão acima do peso deve pular de 220 para 268 milhões em menos de uma década

implícito uma hierarquia de valores. O suco de caixinha é uma moeda que vale mais do que uma fruta e ninguém quer se sentir menos. O que circula implicitamente é um código de poder aquisitivo onde a criança que não tem não compartilha esse poder aquisitivo. Ela se sente humilhada. ”

Segundo ela, muitos pais se sentem orgulhosos em poder propiciar bens de consumo que eles não tiveram na infância. “Eles têm a possibilidade de oferecer alguma coisa que eles não tiveram e não deixam seus filhos serem discriminados. E, de fato, o seu filho que leva fruta é visto como diferente. E você pode ampliar isso para roupa, para as férias, para as viagens, para a marca do tênis e para a marca da canetinha”.

Para mudar a alimentação e ser mais saudável, especialistas defendem que é necessário evitar alimentos industrializados, processados e embutidos. Substituir sucos de caixa e refrigerantes por água e sucos naturais e manter o prato diverso e colorido também são orientações dos profissionais.

A jornalista Ana Júlia Tolentino, que mudou totalmente sua alimentação por problemas de saúde, defende que a mudança começa por cada um. “Esses problemas [de saúde] são criados por nós, pela sociedade como um todo que envolve grandes cabeças, grandes empresas, grandes mídias e por aí vai. Então, é importante que, à princípio, tudo isso comece do indivíduo e parta para o geral, mesmo que seja um grupo pequeno de pessoas que aí acontece o efeito corrente”.

Atualmente, o excesso de peso acomete um a cada dois adultos e uma a cada três crianças brasileiras, de acordo com informações do Ministério da Saúde. Mudanças no estilo de vida da população são as principais causas dos números alarmantes divulgados por órgãos e associações ligados à saúde.

O avanço da tecnologia junto à mão-de-obra mais mecanizada faz com que as pessoas se exercitem menos. A locomoção também foi reduzida, pois a preferência é usar carros, motos ou transporte público. Juntando a falta de tempo, as alongas jornadas de trabalho e a falta de conhecimento sobre o assunto, a forma de se alimentar mudou na vida moderna.

Segundo dados da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico 2017 (Vigitel), do Ministério da Saúde, em dez anos, a obesidade aumentou 60%. O peso excessivo também cresceu de 42,6% para 53,8%.

“O que os dados da Vigitel apontam é que aumentou não só em quase 10 milhões os indivíduos obesos nas capitais brasileiras, como também aumentou em quase 3 milhões o número de diabéticos”, afirma a professora do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Patrícia Constante Jaime.

É o caso do jornalista Marcelo Souza, 51, que por causa da má alimentação e do sedentarismo, tinha obesidade e desenvolveu diabetes tipo 2. “Logo após a primeira crise, quando soube que tinha diabetes, tive que mudar todo o meu padrão de vida.”

De acordo com especialistas da área da nutrição, a principal causa do aumento é a substituição de alimentos considerados “comida de verdade” por industrializados e ultraprocessados, como por exemplo, lasanhas, sanduíches e massas congeladas.

Os maiores índices de excesso de peso entre homens estão em: Cuiabá (MT) com 66%, em Campo Grande (MS) com 65% e em Macapá (AP) com 64%. Entre mulheres: 56% no Rio de Janeiro (RJ), 55% em Maceió (AL) e 55% em Campo Grande.

As capitais brasileiras com o maior índice de obesidade entre homens são: Macapá com 28%, Campo Grande com 28% e Porto Velho (RO) com 25%. Já entre as mulheres: Manaus (AM) com 24%, Recife (PE) com 21% e Cuiabá com 21%.

O Distrito Federal é a unidade da federação onde a população consome regularmente frutas e hortaliças e se exercita mais. Em ambas categorias ficou em primeiro lugar com o melhor desempenho. Entretanto, também é o local onde o consumo de álcool entre homens e mulheres é o mais alto do país.

As informações apontadas na pesquisa trazem uma questão: Macapá, no Amapá, pertencente à região Norte, que é conhecida pela tradicional e saudável culinária, possui o maior número de obesos do país e está em terceiro lugar no ranking de excesso de peso.

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Historicamente, os ingredientes do Norte compõem uma mesa ideal, do ponto de vista nutricional dos brasileiros. Os mais conhecidos são: peixes de água doce, frutos do mar, mandioca, milho, mel, cacau, tapioca, pimentas, feijões, castanhas, tucupi, tacacá. Todos são heranças dos povos originários, os índios.

Mas aos poucos a cozinha tradicional que traz diversidade e que é um marco da cultura brasileira vem sendo substituída por produtos industrializados com excesso de calorias, baixo valor nutricional e com sabores inexistentes em alimentos comuns.

Um sanduíche Big Mac, por exem plo, é responsável por 25% das calorias diárias que uma pessoa precisa, segundo a média recomendada por nutricionistas. Se juntar à batata-frita, refrigerante e sobremesa, essa média é facilmente ultrapassada apenas no almoço ou no jantar.

Esse tipo de refeição contínua, junto à falta de exercício físico, causa diversos dos problemas mais recorrentes da atua lidade, que são as doenças crônicas não transmissíveis: obesidade, colesterol elevado, diabetes, doenças cardiovasculares, doenças pulmonares, hipertensão arterial, desnutrição, doenças degenerativas e anemia nutricional.

Todos esses fatores, somados à falta de conhecimento e à falta de ética das empresas, fazem com que a população continue se alimentando de forma inadequada e passe os maus costumes para os filhos, netos, bisnetos.

Para se ter uma ideia, na tabela nutricional de um restaurante fast food não consta a palavra açúcar. Ela é substi tuída pela palavra carboidrato. De acordo com dados do Journal Nature, o consumo de açúcar contribui para a morte de 35 milhões de pessoas por ano no mundo, o equivalente à população do Canadá.

As batatas fritas de saquinho possuem cerca de 42% de batata realmente em sua receita

A Organização Mundial da Saúde (OMS) projeta que, em 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso; e mais de 700 milhões, obesos.

O número de crianças com sobrepeso e obesi dade no mundo poderia chegar a 75 milhões, caso nada seja feito.

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