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E o nome do pai?
por: Weslei Almeida
5,5 milhões de brasileiros não têm o nome do pai no registro de nascimento; conheça histórias, motivos e consequências do reconhecimento ou não de paternidade
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Em grande parte das famílias brasileiras, a extremamente difícil tarefa de criar filhos não é compartilhada por mães e pais. Pelo menos é o que se vê nos registros de nascimento. Segundo pesquisa do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de 2015, o Brasil ganhou mais de 1 milhão de famílias compostas por mãe solo, em um período de dez anos. Só no Estado de São Paulo, há 750 mil pessoas, de 0 a 30 anos, sem o nome do pai no registro, de acordo com dados do governo estadual. Em todo o Brasil, 5,5 milhões de pessoas não têm a paternidade reconhecida em seus registros, segundo dados de pesquisa realizada pelo Data Popular, em 2018.
Muitos podem ser os motivos que levam uma criança a não ser registrada pelo pai: pressão familiar, medo, falta de condições financeiras, inexperiência, entre outros. Mas o fato é que ter o nome do pai no registro não é garantia de rece ber apoio e sustento.
São diversos os casos de crianças e jovens que não recebem nenhum auxílio ou amparo da parte do pai, o que é asse gurado pelo artigo 22 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que afirma que é dever dos pais dar aos filhos “sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”.
Segundo o advogado Vanderson Barros, a mãe que se sentir lesada pode entrar com um processo de execução, por meio de um advogado ou, caso não tenha condições, pela Defensoria Pública ou mesmo por algum núcleo de prática jurídica de faculdades. “Neste último caso, deve-se verificar se o referido núcleo atende no fórum em que será ajuizada a cobrança da pensão”, afirma.
Para Eliza, toda essa situação gerou ainda mais tristeza. “A partir do momento que ele me registrou, me magoou ainda mais, eu fiquei frustrada. Seria bem melhor continuar sem o nome do pai, só com o nome da mãe e, enfim, pai é quem cria”, analisou. Os dois lados da moeda O pedreiro Liberato Milhomem, 46 anos, foi criado pelos avós maternos. Sua mãe, que já tinha uma filha, alegou, à época, não ter condições de criar mais um filho e, por este motivo, entregou a responsabilidade aos pais. Na casa dos avós, Liberato cresceu em um ambiente amoroso e, ao mesmo tempo, rígido.
O jovem sempre alimentou o desejo de conhecer o pai. Até que, quando ele menos esperava, a oportunidade apareceu. “Meu pai me procurou quando estava no leito do hospital, e eu fui até lá e passamos um certo tempo juntos. Depois de “Ele só registrou no papel, mas pai presente ele não é”
Elizabeth Brito, recepcionista
O advogado explica, ainda, que a pensão geralmente é paga aos filhos menores de 18 anos e a filhos maiores de 18, se estes estiverem cursando ensino técnico, pré-vestibular ou ensino superior e não possuírem condições financeiras de arcar com os estudos até os 24 anos.
Elizabeth Brito, de 27 anos, até chegou a receber uma ajuda do pai, mas por pouco tempo. Eliza, como gosta de ser chamada, foi criada pela mãe, e apenas recebia uma ajuda mensal, que durou até os 14 anos de idade. Para ela, o problema maior não era o dinheiro, mas o afeto. A jovem não tinha nenhum contato com o pai. Eliza só foi procurada pelo pai para ser registrada aos 15 anos de idade. A atitude surpreendeu a todos, mas não deu o que ela mais queria. “Eu queria ter o contato do meu pai, tê-lo mais perto de mim, mas nada disso! Ele só registrou no papel, mas pai presente ele não é”, reclamou Eliza. Eliza Brito ao lado de sua filha Maria Eduarda, de 7 anos. A criança ainda não teve a oportunidade de conhecer o avô materno
três meses, ele faleceu”, relatou.
Após o ocorrido, a mãe de Liberato decidiu colocar o nome do verdadeiro pai no registro de Liberato. Com boas testemunhas e munidos do batistério (documento referente ao batismo na Igreja Católica) em que constava o nome do pai, o juiz deu causa ganha para Liberato, que teve o nome do pai inserido em seu registro. “Coincidência ou não, após o resultado, minha mãe disse que já havia cumprido sua missão e que já poderia morrer em paz. Três meses depois, ela também faleceu”, disse.
Muitos anos antes, quando estava solteiro, Liberato se envolveu com uma mulher por uma noite apenas. Depois de alguns dias, ele acabou voltando para a namorada. Passados seis meses, quando já estava noivo, o pedreiro teve uma surpresa: aquela moça com quem havia se relacionado apareceu afirmando estar grávida dele. “Eu fiquei um pouco em dúvida, porque tinha sido só uma vez”.
Depois de 10 anos, essa mulher voltou a procurá-lo, juntamente com criança e, desde então, Liberato não teve mais contato com a suposta filha. O desejo dele é realizar um exame de DNA para que se tenha a comprovação, pois a convicção de que ela não é sua filha não é mais tão grande. “Ela já é uma mulher, mãe de dois filhos, sendo que o mais velho é muito parecido comigo”.
A atual situação, segundo ele, muito o incomoda, pois sente- -se como se estivesse seguindo o exemplo do pai. “Sempre pedi a Deus para que não me deixasse fazer com alguém o que o meu pai fez comigo, mas eu vejo que estou dando continuidade na história do meu pai. Eu quero quebrar essa coisa na raiz, acabar com essa culpa de ter uma filha que eu não reconheci”. É sempre culpa do pai? Na maioria dos casos de paternidade não reconhecida, são os pais que se negam a registrar os filhos, mas há também casos como o relatado por Everton Santos, de 30 anos, que durante um bom tempo não pôde registrar seu filho por impedimento da mãe da criança. Após alguns meses do término do namoro, Everton foi procurado pela ex-namorada que estava grávida. A primeira reação não foi nada boa. “Perguntei se ela não queria tomar remédios para tirar a criança. Até hoje AÇÕES DO GOVERNO Para tentar reduzir o altíssimo número de pessoas que não têm o nome do pai no registro de nascimento, a Corregedoria Nacional de Justiça, por meio do Provimento nº 16, de 17 de fevereiro de 2012, busca, através de uma série de medidas, “Sempre pedi a Deus para que não me deixasse fazer com alguém o que o meu pai fez comigo, mas eu vejo que estou dando continuidade à história do meu pai” Liberato Milhomem
Liberato Milhomem foi criado e registrado pelos avós. Só conseguiu inserir os nomes de seus pais pouco antes do falecimento de ambos
me arrependo muito do que eu disse”. Como resultado, a mãe da criança ficou com muita raiva de Everton e, após voltar para o seu ex-marido, ela decidiu que não o deixaria registrar a criança, dando a responsabilidade ao marido e passou a alegar que Everton não era o pai.
A saída para Everton foi ir à justiça para tentar cancelar o registro da criança. “Foi uma burocracia muito grande, foi muito difícil. Tivemos várias audiências com os advogados e com a juíza”, contou. Em uma dessas audiências, a mãe afirmou
facilitar o reconhecimento da paternidade. No ano de 2012, quando o provimento entrou em vigor, foram realizados 1.322 reconhecimentos de paternidade. Seis anos depois, o número subiu para 21.547 reconhecimentos, o que mostra a efetividade da medida.
que a criança era mesmo de Everton, mas, mesmo assim, não queria cancelar o registro. “Eu tive que fazer dois exames de DNA e ficou comprovado que o filho era meu. Enfim, a juíza me concedeu o direito de registrar o meu filho”. Mesmo após a decisão, como “punição” por falta de pagamento de pensão, a mãe tem impedido Everton de ter contato com o filho há 14 meses.
Para a psicóloga Maria Dilma Reges da Silva, o problema em casos como este é a possível desconstrução da figura daquele que é o verdadeiro pai a partir da opinião da mãe, o que dificulta uma aproximação entre pai e filho. “Vemos muitas mães que desconstroem a figura do pai. Isso aumenta a curiosidade e a vontade de conhecer essa figura, para que o próprio filho possa fazer essa opção. Pois essa decisão de querer ou não o pai por perto deve ser do filho e não de outra pessoa”.
Everton Santos só pode incluir seu nome no registro do filho após uma longa batalha judicial
Maria Dilma, psicóloga comportamental
Adaptando-se e vivendo de forma plena Nem para todos a ausência paternal é um grande problema e há também quem se adapte e consiga absorver bem essa realidade. Nina Rosa, de 43 anos, é um bom exemplo. Criada pela mãe, Nina conta que a paternidade nunca foi assunto em sua casa até a idade adulta. Segundo ela, o “assunto era veladamente proibido”. Somente em 2015, em uma conversa franca e dolorosa com sua mãe, Nina procurou saber a história sobre aquele que ela chama de “meus 50% que ficaram no escuro”.
A professora de formação diz que não sentiu necessidade de ter o pai em sua vida. “Sobrevivi a tudo isso e optei por não procurá-lo. Entendi que a questão era com minha mãe. Atualmente, sinto essa história bem resolvida porque a minha formação teve muito amor. De
Nina Rosa, professora
certa forma, minha mãe realizou bem os dois papéis e isso me trouxe até aqui como uma boa pessoa”.
Apesar de lidar bem com a situação, Nina acredita que a experiência ajudou a construir a pessoa que é hoje. “Essa experiência me impactou, sim, mas nada pra mim foi ‘bandeira’ de revolta ou mágoa. Sou grata àquele espermatozoide descuidado. Penso que essas coisas se arredondam mais na maturidade. Já tem um tempo que me sinto plena...simples assim!”, exclamou.
Para a psicóloga comportamental Maria Dilma Reges da Silva, o caso de Nina mostra como uma conversa franca pode ajudar consideravelmente no processo de aceitação. Para a doutora, isso pode ser feito desde cedo, de modo a evitar traumas que podem surgir ainda na infância. “Um filho que não conhece o pai ou não foi reconhecido não necessariamente terá problemas. Ele pode passar por isso de uma forma mais tranquila, desde que a situação não se transforme em algo ainda mais traumático. Cabe à mãe ou a quem o cria mostrar a realidade, com clareza”.
PAI LEGAL NAS ESCOLAS
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) criou, no ano de 2002, o Projeto Pai Legal nas Escolas, que atende alunos menores matriculados na Rede Pública de ensino. A ideia é garantir a crianças e adolescentes o direito de ter o nome do pai em seus registros, conforme estabelece a Lei nº 8.560/92. Como resultado, mais de 5 mil brasileiros residentes no DF agora têm o nome em suas certidões de nascimento. Saiba mais sobre na página do MPDFT na internet, no endereço www.mpdft.mp.br .