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Envelhecer de forma ativa musicando

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O Cuidador, EU

O Cuidador, EU

Envelhecer de forma ativa musicando com arte

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Miguel Rivotti Professor e músico

Muito se tem escrito e discutido sobre a presença e o poder da música na vida humana. Desde a vida intrauterina até ao momento da nossa partida, a música está de algum modo sempre presente na vida das pessoas. Ora utilizada para acalmar, embalar e tranquilizar, ora utilizada para energizar, contagiar e animar momentos de maior euforia, a música tem o poder mágico de despertar, quer nos seres humanos quer nos animais, reações fortes e sensações únicas, despoletando emoções que marcam para sempre a memória de quem as vive.

É o poder da música! É a magia dos sons que se aglutinam, vibram e combinam ao jeito do fim a que se destinam, e que pertencem ao universo sensitivo, sem que para tal sejam necessárias palavras ou frases poeticamente construídas.

Muitos de nós já ouvimos relatos de grávidas que sentem o seu feto mais calmo ou mais agitado, consoante o tipo de música ou sons aleatórios, aos quais a futura mãe está sujeita no seu dia a dia. Muitos também são os relatos de mães, cujos filhos acalmam o seu choro quando ouvem “aquela música” ou sons que tantas vezes a mãe ouviu enquanto grávida. É o poder da música! São os sons em movimento, são as emoções que eles transportam.

E o porquê de vos escrever hoje sobre tudo isto? Já ouviram certamente falar de Musicoterapia. Uma palavra muito usada nos nossos dias, mas nem sempre bem entendida. Música + Terapia. Ora, será a música o “remédio”, a “cura”, a “pílula”, a terapia certa para muitas doenças? De que forma? Em que medida pode a música mediar na doença entre a dor e a cura? E entenda-se que nem sempre a dor é somente física, pois, tal como existe um universo de doenças, existe também um universo de dores cuja cura não assenta nos fármacos que se ingerem. Pois bem!

Sem qualquer posição fundamentalista, proponho uma reflexão aos profissionais e auxiliares de saúde, bem como aos cuidadores que acompanham os “nossos” familiares de idade madura que se encontram em contexto de internamento hospitalar, lares ou ambiente domiciliário, sobre qual o lugar que está a ser dado ao cultivo da arte na Terceira Idade, a importância que está a ser dada à presença da música na vida do idoso, tendo como finalidade não só o quebrar de uma possível solidão ou nostalgia, mas sim a cura e o alívio da mente. Mens sana in corpore sano (“mente sã num corpo são”). Esta famosa citação latina derivada da Sátira X do poeta romano Décimo Junio Juvenal, corrobora a ideia que o controlo dos pensamentos e manutenção dos mesmos são essenciais para uma boa ordem do corpo. Ora, a música e as restantes formas de expressão artística, podem “controlar” e ocupar a mente do idoso, curando ou amenizando a dor, contrariando, surpreendentemente, muitos prognósticos.

“Desde a vida intrauterina até ao momento da nossa partida, a música está de algum modo sempre presente na vida das pessoas.”

“Cuidar bem é uma arte e o musicoterapeuta cultiva-a, fomentando o envelhecimento ativo!”

© Bryan Schneider

Felizmente, nos dias de hoje, já conseguimos encontrar lares, centros de dia e residenciais para idosos, com bastante qualidade, estando estes altamente equipados não só em termos de infraestruturas, como em recursos humanos e dinâmica organizacional, cuja política de cuidados passa pela implementação de um conjunto de estratégias que promovam um envelhecimento ativo com programas estruturados e acompanhados por profissionais, como por exemplo a atividade física, as terapias, as artes, entre outras, existindo a preocupação de manter o idoso ativo e inserido de modo contínuo no meio, ao invés de o retirar ou isolar, como infelizmente ainda acontece em alguns casos que vêm a público.

Que lugar, então, deve ocupar a arte, em concreto a música, nestes locais, que cuidados há a ter e como os implementar junto do idoso? Bastará ligar o rádio ou a televisão numa sala de convívio e a missão da música que se fará ouvir está cumprida? Será a mesma coisa ligar o rádio ou colocar música gravada para o idoso ouvir, ou fará toda a diferença se este estiver em contacto direto com o músico que toca e canta diretamente no espaço onde se encontra com o utente, promovendo-se assim uma maior interação social, apropriando-se técnicas humanizadas? Nesta ação concreta, é mais importante a qualidade humana de quem toca, ou devemos ter mais em atenção as habilidades musicais do músico? O que é mais importante ter em conta? Que músicas devemos tocar ou cantar? Aquelas que são mais do agrado do músico e que revelam maior performance musical por parte do executante ou aquelas com as quais o idoso mais se identifica e que lhe traz à memória boas recordações que os fazem “viver”? Pois bem! Importa ter em conta o contexto onde será exercida a ação.

Se a intervenção do musicoterapeuta for dirigida para um grande grupo de idosos independentes, o musicoterapeuta não conseguirá personalizar tanto a sua ação. Poderá, no entanto, tendo conhecimento prévio das tradições do lugar e da origem das pessoas que se encontram no grupo, preparar uma sessão onde queira apresentar uma novidade, fazer uma surpresa, promover novas experiências musicais ao grupo face às anteriormente apresentadas, sempre com o objetivo de surpreender e envolver ativamente os utentes na atividade musical que se pretende lúdica e ao mesmo tempo terapêutica, valorizando sempre uma ação de proximidade mas com respeito pela individualidade, comunicando de algum modo com todos os elementos do grupo através do som do instrumento, da voz cantada, do olhar cativante, do sorriso aconchegante, o toque afagante.

Quando num grupo mais reduzido, na presença de pessoas com demência já em estado avançado, o musicoterapeuta poderá valorizar mais a não verbalidade optando por recorrer aos instrumentos e sons que possam despertar no utente uma maior reação positiva e permitir que estes, se possível, sintam per si, com o seu tato, o instrumento que os encanta, as vibrações que os despertam. Nesta altura, será uma mais valia para o musicoterapeuta, elaborar uma ficha com a identidade sonora e musical do utente, por forma a poder registar elementos que permitam uma melhor planificação de estratégias interventivas junto daquele utente, face aos resultados que se pretendem alcançar. Nestes casos, o mais importante é estar com as pessoas com qualidade, mediados pela música, criando-se deste modo um vínculo com o utente, permitindo deste modo que se abram canais alternativos de comunicação. Importa ter a capacidade de ler as reações no momento da atuação e agir de acordo com estas. Importa que o musicoterapeuta tenha uma grande capacidade de improviso, e que as suas estratégias de ação sejam moldáveis face às várias situações e casos com que se depara, estabelecendo com o utente uma relação de maior empatia possível.

Quando a sessão de trabalho do musicoterapeuta se destinar a uma pessoa acamada, a sua intervenção deverá assemelhar-se à do pequeno grupo, mas agora mais personalizada, íntima e empática. Importa não esquecer que aquela pessoa que é alvo da nossa atenção, passa muitas horas sozinha e em silêncio, e que o musicoterapeuta vai levar vida, outra vida, outra energia que é transportada pela sua presença e pelos sons que serão apresentados. É um momento delicado e de certa forma frágil, pelo que deverá ser “manipulado” com cuidado e sabedoria. O musicoterapeuta deverá parar, respirar e colocar-se no lugar do outro. Reduzir o volume, reduzir a intensidade e chegar devagarinho para perceber se o outro nos quer, se necessita de nós e do que necessita. Pretendendo acompanhar e estar com o outro, mostrando o que melhor sabe fazer, o musicoterapeuta usará, certamente, de forma sábia, o poder da música para chegar ao outro, revelando-se esta ação verdadeiramente transformadora e transcendente em muitos casos. O corpo do utente dará sinais vitais e compete ao musicoterapeuta, técnicos geriátricos, profissionais de saúde e cuidadores, saberem interpretar as reações e movimentos e agirem saudavelmente sobre os mesmos, visando o bem-estar daquele que precisa de nós.

Em suma, podemos concluir que a ação profissional de um musicoterapeuta em contexto geriátrico é de extrema importância quer para o idoso quer para os restantes profissionais que se ocupam destes utentes, pois para além dos resultados terapêuticos cientificamente comprovados, a atividade do musicoterapeuta ajudará a quebrar a rotina do ambiente de internamento, proporcionará maior animação e alegria ao espaço, e facilitará de forma mais fácil a relação cuidador – utente, utente-utente, e utente-meio envolvente, para além dos benéficos resultados psico-emocionais e psico-somáticos, num ambiente de trabalho que sabemos ser duro, de rotinas exigentes e desgastantes aos profissionais cuidadores.

Cuidar bem é uma arte e o musicoterapeuta cultiva-a, fomentando o envelhecimento ativo!

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