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Envelhecimento saudável: Intervenções
from DIGNUS nº1
by cie
Envelhecimento VDXG£YHO
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Ana Monteiro Serviço de Neurologia e Grupo de Investigação Cerebrovascular na FMUP
© rawpixel.com
Um envelhecimento saudável pressupõe a manutenção de capacidades funcionais que permitam o bem-estar dos indivíduos na velhice, tal como definido pela Organização Mundial de Saúde[1]. Para isso, é fundamental a manutenção das capacidades cognitivas, de forma a preservar a autonomia necessária para uma vida plena.
O defeito cognitivo é muito comum com o avançar da idade e a demência (a sua expressão mais grave) representa a maior causa de incapacidade nos idosos, afetando atualmente cerca de 50 milhões de indivíduos em todo o mundo, um número que tende a aumentar exponencialmente[2].
A Doença de Alzheimer (DA) é a forma mais comum de demência no mundo, e é uma doença neurodegenerativa, isto é, há uma perda progressiva dos neurónios ao nível do córtex cerebral. Isto leva a uma perda lenta e inexorável das capacidades mentais da pessoa afetada, atingindo não
apenas a memória, mas também a atenção, a capacidade de reconhecer pessoas, de organizar tarefas, de reconhecer espaços antes familiares, podendo levar também a alterações do humor, do sono e até de personalidade[3]. A nível cerebral, observa-se uma acumulação de uma proteína, a amiloide, que vai levando à destruição progressiva dos neurónios.
Em Portugal, a par da doença de Alzheimer, a Demência Vascular tem também um enorme impacto, podendo mesmo ultrapassar a primeira em frequência, espelhando a prevalência de fatores de risco vasculares no nosso país, como a hipertensão e a diabetes[4].
Atualmente, não existe tratamento eficaz que permita travar ou reverter o processo degenerativo. Quando os sintomas surgem pela primeira vez, já a doença se encontra em evolução há cerca de 20 anos, a chamada fase pré-sintomática. Depois disso, os sintomas vão surgindo lentamente, passando pelas fases de defeito cognitivo ligeiro, demência ligeira, moderada e grave.
Muitos foram já os medicamentos testados para o tratamento da Doença de Alzheimer, mas até agora nenhum demonstrou eficácia em travar o curso da doença. Por este motivo, tem havido um interesse crescente em atuar nos adultos saudáveis em risco de desenvolver a doença. O ideal seria conseguir prevenir o seu aparecimento, isto é, impedir as alterações a nível cerebral que vão levar ao surgimento da doença. Depois dos sintomas
surgirem, procura-se adotar medidas que permitam atrasar a evolução nas várias fases da doença e manter a capacidade funcional por mais tempo. Existe cada vez mais evidência a ligar os estilos de vida e fatores de risco vasculares ao desenvolvimento de defeito cognitivo e demência. Cerca de um terço dos casos de DA e a maioria dos casos de defeito cognitivo vascular são potencialmente atribuíveis a fatores de risco modificáveis, sublinhando o potencial da redução dos fatores de risco na prevenção da doença[5].
De facto, alguns fatores parecem ser particularmente importantes para esse risco, tal como explicado no artigo da Madalena Pinto: a diabetes mellitus, a hipertensão arterial, a obesidade, a inatividade física, o tabagismo, uma dieta incorreta e uma baixa escolaridade[6, 7].
Adotar estilos de vida saudáveis que permitam evitar o aparecimento ou, pelo menos, manter um controlo apertado dos fatores de risco acima referidos, é fundamental para um envelhecimento cognitivo saudável. O estudo Finlandês FINGER (Finnish Geriatric Intervention Study to Prevent Cognitive Impairment and Disability) foi um dos primeiros a estudar o efeito de uma intervenção simultânea em diversos fatores de risco vasculares e estilos de vida. Durante dois anos, 1260 participantes entre os 60 e 77 anos foram separados em dois grupos: um grupo sem intervenção e um grupo com intervenção, incluindo: 1) orientação dietética, 2) atividade física, 3) treino cognitivo e atividade social e 4) monitorização intensiva dos fatores de risco vasculares. O grupo que recebeu a intervenção obteve benefícios significativos na melhoria e manutenção das capacidades cognitivas, quando comparados com o grupo sem intervenção. Para além dos benefícios cognitivos, houve também melhoria do índice de massa corporal e da qualidade de vida[8]. Existem, assim, diversas intervenções que se podem adotar de forma a potenciar o envelhecimento saudável.
Exercício físico A atividade física tem um efeito benéfico na saúde cerebral, atuando por diversos mecanismos: aumenta a vascularização cerebral (e assim melhora a oxigenação dos neurónios e a remoção de toxinas), reduz a inflamação, estimula a formação de novas ligações entre neurónios, aumenta o volume cerebral e diminui a acumulação da proteína amiloide acima mencionada[2, 9]. Pessoas que praticam exercício físico regular têm metade do risco de desenvolver demência em comparação com pessoas sedentárias. Além disso, participar em programas de exercício físico parece melhorar a função cognitiva de pessoas idosas saudáveis[9]. O recomendado é realizar atividade aeróbica de intensidade moderada pelo menos 150 minutos por semana[10], mas deve-se introduzir o exercício gradualmente na rotina. Moderado significa que acelera a respiração, mas ainda permitindo falar, aumenta o ritmo cardíaco e leva a uma ligeira transpiração. Pode incluir: caminhar depressa, andar de bicicleta, nadar, dançar, fazer hidroginástica, entre outros. Se for uma atividade de grupo, tanto melhor, pelo convívio social que facilita. Evitar estar muitas horas parado no trabalho, ficar muito tempo sentado a ver televisão, preferir usar as escadas ao elevador são outras medidas simples que podem ser adotadas no nosso dia a dia para evitar o sedentarismo.
Alimentação Uma dieta saudável é fundamental para evitar o surgimento de fatores de risco vasculares, mas também para a manutenção da saúde cerebral. A dieta mediterrânica, muito rica em legumes e vegetais, cereais não refinados, azeite e peixe, com consumo moderado de produtos lácteos (de preferência queijo e iogurte) e vinho, e baixo consumo de carne[11], parece proteger contra o declínio cognitivo e surgimento de demência[9, 12]. Comer de forma saudável inclui também limitar o consumo de bebidas açucaradas e com álcool (que é, no fundo, gordura) e ter atenção ao uso de sal, especialmente o “escondido” no pão, pizzas e comidas pré-feitas e enlatadas. Deve-se, ainda, manter uma boa hidratação, bebendo pelo menos 1,5 litros de água por dia. Está neste momento em curso um estudo Europeu, o projeto MIND-AD, que estuda o efeito de um produto que inclui ácidos gordos ómega 3 e vitaminas (B 6 , B 12 , C, E e ácido fólico) em pessoas em risco de DA e com fatores de risco vasculares[13]. No entanto, para já, nenhum suplemento
Figura 3
Figura 4
© Valeria Boltneva
alimentar provou reduzir eficazmente o declínio cognitivo[14]. Se está a pensar recorrer a suplementos vitamínicos ou minerais, deve consultar o seu médico para se informar.
Atividade cognitiva e social A escolaridade parece ser importante na redução do risco de vir a desenvolver demência. Quanto maior for a estimulação cerebral ao longo da vida, maior a reserva cognitiva da pessoa, ou seja, maior o número de neurónios e ligações entre neurónios, pelo que mais tempo leva a “esvaziar o armazém”. Estudos demonstram consistentemente que pessoas que mantêm atividades mentalmente estimulantes têm um menor risco de desenvolver demência. De facto, a baixa escolaridade é o fator de risco que mais contribui para o aparecimento da DA[15].
Assim, manter o cérebro ativo e ocupado com atividades de socialização, trabalho e desafios mentais aumenta a resistência do cérebro aos danos causados pela doença, podendo ajudar a atrasar os sintomas de demência por vários anos[9]. Por exemplo, falar, duas línguas ao longo da vida pode atrasar o inicio da doença em cerca de 4,5 anos, o que demonstra o poder da reserva cognitiva[16, 17]. Estudos mostraram que resolver palavras cruzadas melhora a atividade cognitiva, obrigando a aprendizagem de conceitos novos e treinando o raciocínio. No entanto, este treino deve ser feito várias vezes por semana para reduzir eficazmente o risco[18], sendo os benefícios do treino mental apenas modestos. Pode fazer com que nos tornemos melhores numa determinada tarefa específica, como na prática do jogo treinado, mas não foi ainda provado que aumente as nossas capacidades de forma generalizada. No entanto, existe muita investigação em curso sobre este tema para esclarecer melhor o papel destas atividades na prevenção.
É recomendável, por isso, fazer atividades diferentes regularmente, aprender novas competências (exemplo: tocar um instrumento ou falar uma língua nova), fazer puzzles ou outras atividades semelhantes (sopa de letras, Sudoku, entre outros), jogar cartas, ter passatempos (exemplo: jardinagem), ler jornais e livros, passear e conhecer outras localidades (de preferência dar passeios a pé, que ajuda também a combater o sedentarismo), entre outras. O ideal é encontrar tarefas das quais se gosta e que estimulem a mente, para ser mais fácil manter as atividades de modo continuado. No caso de pessoas reformadas, devem manter a estimulação cognitiva e social (mais fácil de perder, dado já não haver a obrigação do trabalho), por exemplo através de inscrição em Universidades Sénior ou Centros de Convívio, que oferecem uma panóplia de atividades lúdicas que permitem manter o cérebro ativo e saudável. Outra forma de o fazer é realizar voluntariado, prestando também um serviço importante à sociedade. São também excelentes formas de combater o isolamento e depressão, que são fatores também muito importantes na evolução para defeito cognitivo e demência. Informe-se na sua Junta de Freguesia, Câmara ou sociedades recreativas na sua zona.
Controlo de fatores de risco É de extrema importância o tratamento de fatores modificáveis que contribuem para a perda de capacidades cognitivas e surgimento de demência. Um bom controlo da hipertensão arterial, do colesterol e da glicemia na diabetes, bem como a cessação tabágica, redução do consumo de álcool e a perda de peso são fundamentais para a saúde em geral e podem prevenir o declínio cognitivo[2, 9].
Muitas das intervenções mencionadas permitem não apenas reduzir o risco de declínio cognitivo, mas também reduzir a prevalência de muitas das doenças que surgem com o avançar da idade, como o acidente vascular cerebral e as doenças cardiovasculares, que causam enorme incapacidade e têm muito impacto na qualidade de vida.
Nenhuma destas intervenções consegue, por si só, prevenir totalmente o desenvolvimento de alterações cognitivas. Muitos dos ensaios que estudaram o efeito de uma intervenção isoladamente tiveram resultados modestos ou negativos[2]. Isto porque os vários fatores concorrem e potenciam-se. Por outro lado, os estudos nesta área são financiados por pouco tempo, geralmente alguns meses ou até 2 anos, o que é insuficiente se pensarmos que modificar estilos de vida leva tempo e os seus benefícios são colhidos a longo prazo. Assim, a abordagem tem de ser holística, é necessário atuar o mais cedo possível e em todas as frentes, de forma a conseguir um cérebro saudável e jovem durante mais tempo.
Embora a prevenção do declínio cognitivo e da demência ainda seja um campo em desenvolvimento, já se estão a dar passos importantes no sentido de identificar os fatores que estão na base do seu desenvolvimento e que contribuem para a sua progressão. Cabe a todos lutar por uma vida longa e com qualidade, e os estilos de vida saudáveis podem ajudar a alcançar esse objetivo.
Referências bibliográficas 1. WHO. What is Healthy Ageing? [online]. Available at: www.who.int/ageing/healthy-ageing/en/. 2. Kivipelto M, Mangialasche F, Ngandu T. Lifestyle interventions to prevent cognitive impairment, dementia and Alzheimer disease. Nat Rev Neurol 2018;14:653-666. 3. Irwin K, Sexton C, Daniel T, Lawlor B, Naci L. Healthy Aging and Dementia: Two Roads Diverging in Midlife? Front Aging Neurosci 2018;10:275. 4. Nunes B, Silva RD, Cruz VT, Roriz JM, Pais J, Silva MC. Prevalence and pattern of cognitive impairment in rural and urban populations from Northern Portugal. BMC neurol 2010;10:42. 5. de Bruijn RF, Bos MJ, Portegies ML, et al. The potential for prevention of dementia across two decades: the prospective, population-based Rotterdam Study. BMC med 2015;13:132. 6. Norton S, Matthews FE, Barnes DE, Yaffe K, Brayne C. Potential for primary prevention of Alzheimer’s disease: an analysis of population -based data. Lancet Neurol 2014;13:788-794. 7. Daviglus ML, Bell CC, Berrettini W, et al. NIH state-of-the-science conference statement: Preventing Alzheimer’s disease and cognitive decline. NIH Consens State Sci Statements 2010;27:1-30. 8. Ngandu T, Lehtisalo J, Solomon A, et al. A 2 year multidomain intervention of diet, exercise, cognitive training, and vascular risk monitoring versus control to prevent cognitive decline in at-risk elderly people (FINGER): a randomised controlled trial. Lancet 2015;385:2255-2263. 9. Crous-Bou M, Minguillon C, Gramunt N, Molinuevo JL. Alzheimer’s disease prevention: from risk factors to early intervention. Alzheimers Res Ther2017;9:71. 10. WHO. WHO launches ACTIVE: a toolkit for countries to increase physical activity and reduce noncommunicable diseases [online]. Available at: www.who.int/dietphysicalactivity/ factsheet_adults/en/. 11. Davis C, Bryan J, Hodgson J, Murphy K. Definition of the Mediterranean Diet; a Literature Review. Nutrients 2015;7:9139-9153. 12. Klimova B, Valis M. Nutritional Interventions as Beneficial Strategies to Delay Cognitive Decline in Healthy Older Individuals. Nutrients 2018;10. 13. Thunborg C, Sindi S, Faxen G, et al. Multimodal lifestyle and nutritionalintervention in prodromal Alzheimer’s Disease: MIND-AD mini pilot trial. Alzheimers Dement 2017;13:1198. 14. Swaminathan A, Jicha GA. Nutrition and prevention of Alzheimer’s dementia. Front Aging Neurosci 2014;6:282. 15. Barnes DE, Yaffe K. The projected effect of risk factor reduction on Alzheimer’s disease prevalence. Lancet Neurol 2011;10:819-828. 16. Perani D, Farsad M, Ballarini T, et al. The impact of bilingualism on brain reserve and metabolic connectivity in Alzheimer’s dementia. Proc Natl Acad Sci U S A 2017;114:1690-1695. 17. Estanga A, Ecay-Torres M, Ibanez A, et al. Beneficial effect of bilingualism on Alzheimer’s disease CSF biomarkers and cognition. Neurobiol Aging 2017;50:144-151. 18. Klimova B, Valis M, Kuca K. Cognitive decline in normal aging and its prevention: a review on non-pharmacological lifestyle strategies. Clin Interv Aging 2017;12:903-910.
Memória & Animação Terapêutica Não deixar o cérebro “enferrujar”
1 Bruno Trindade, 2 Ricardo Pocinho
1 Phd Student Doutoramento, 2 Professor Investigador
A “ferrugem” é má seja qual for a situação, por isso é necessário prevenir e efetuar as devidas manutenções.
Com a preponderância que as tecnologias têm ganho, temos acesso a tudo de forma prática e imediata, o que está a diminuir a atividade do nosso cérebro. Da mesma forma que o corpo necessita de ser exercitado para não perder a mobilidade, o cérebro tem de ser estimulado para não corrermos o risco de perder as nossas memórias ou, até mesmo, de virmos a sofrer de doenças degenerativas do cérebro. Com as tecnologias de informação, o cérebro tem ganho estímulos visuais, mas tem perdido estímulos memoriais, já não sabemos números de telefone, matrículas de automóveis, moradas, datas de aniversários. Recorrendo constantemente às aplicações informáticas e às redes socias para fazer contas, visualizar eventos e datas importantes, isto é, para consultar informação necessária, alteramos a forma como o nosso cérebro lembra, recorda e pensa.
Deixamos de usar as nossas lembranças, perdemos a capacidade de nos recordarmos de eventos e/ou acontecimentos a longo e curto prazo. A tecnologia e as aplicações “pensam” por nós, o que vai, certamente, ter consequências no futuro se não for realizado um trabalho de prevenção. Não precisando o ser humano de memorizar, recordar ou pensar, o cérebro torna-se preguiçoso e a criatividade e a imaginação podem estar comprometidas no futuro dos seres humanos.
É preciso precaver a saúde mental do ser humano e é neste contexto que a Animação Sociocultural, na sua vertente terapêutica, tem relevância. Promovendo o prazer e o lazer através do lúdico, desenvolve as capacidades do ser humano, estimulando as suas várias vertentes sensoriais e cognitivas. Apesar de estarmos à distância de um “clique”, a tecnologia provoca o isolamento, o que tem consequências na socialização e na maneira de comunicarmos. Dialogar implica uma articulação de pensamento em termos linguísticos e auditivos. Se não socializarmos, não comunicamos e, se não comunicarmos, debilitamos algumas capacidades do cérebro. A promoção da socialização pela Animação Sociocultural contribui, assim, para a prevenção da nossa saúde mental. Não se pode deixar de exercitar o cérebro. Todas as atividades são essenciais: ler, escrever, falar, observar… tudo é necessário para a prevenção de doenças degenerativas do cérebro, as quais se agravam com o avançar da idade.
As instituições de âmbito social e as instituições da vertente da saúde deveriam ter programas adequados de Animação Sociocultural, nos quais seria trabalhada, especificamente, a prevenção de doenças do cérebro, com o objetivo de melhorar a autonomia e a qualidade de vida do ser humano. Ao continuar a não adotar políticas de prevenção, as doenças relacionadas com a demência aumentarão no Serviço Nacional de Saúde. Apostar em profissionais de Animação Sociocultural implementaria uma diversidade de ofertas de atividades lúdicas e terapêuticas de baixo custo, tornando o ser humano mais alegre e feliz, melhorando o seu bem-estar e, consequentemente, a sua saúde mental.
Prevenir com a Animação Sociocultural é contribuir para um futuro mais saudável.