8 minute read
Psicologia e Pós Geronto: A união que
from DIGNUS nº1
by cie
© ramzi hashisho
Psicologia e Pós Geronto A união que deu certo sob o olhar de quem faz
Advertisement
Psicólogo e especialista em envelhecimento e gerontologia
Francisco F. F. de Oliveira
O envelhecimento antes era visto apenas como um processo biológico, pois era analisado somente o declínio do corpo. No início do século XX passou a ser visto também sob um aspeto psicológico e com isso ficou claro que com as transformações ocorridas pelo processo do envelhecimento, as pessoas apresentavam mudanças de comportamento, papéis, valores e crenças.
Envelhecer tornou-se uma pretensão da sociedade e não é mais privilégio de poucos, mas sim uma realidade da população. Entretanto, este evento só pode ser considerado como conquista na medida em que se acrescente qualidade de vida aos anos adicionais. Neste sentido, as políticas públicas destinadas aos idosos necessitam fundamentalmente de incentivar e qualificar a prevenção, assistência, atenção de forma integral e humanizada à saúde desta população, considerando a capacidade funcional, necessidade de autonomia, de participação e de cuidado (Veras, 2009). Embora o envelhecimento populacional seja uma conquista da humanidade, é um fenómeno que tem consequências socioculturais e político-económicas, sendo um desafio elaborar e, principalmente, implantar políticas públicas que promovam a qualidade, equidade e a longevidade da pessoa idosa.
Nesta perspetiva, a Política Nacional do Idoso (PNI) por meio da Lei n.º 8842/94 estabeleceu direitos sociais, garantia de autonomia, integração e participação dos idosos na sociedade, que contribuem para a qualidade de vida, autoestima e bem-estar, fatores importantes para que o idoso mantenha uma boa saúde física e mental, hábitos saudáveis e principalmente manutenção da sua capacidade funcional (Brasil, 1994). Os estudos apontam que o envelhecimento pode variar de indivíduo para indivíduo, sendo gradativo para uns e mais rápido para outros. Essas variações dependem de fatores como estilo de vida, condições socio-económicas e doenças crónicas. Já o conceito “biológico” relaciona-se com aspetos nos planos molecular, celular, tecidular e orgânico do indivíduo, enquanto o conceito “psíquico” é a relação das dimensões cognitivas e psicoafetivas, interferindo na personalidade e afeto. Assim falar de envelhecimento é abrir o leque de interpretações que se entrelaçam ao quotidiano e a perspetivas culturais diferentes.
A definição do envelhecimento pode ser compreendida a partir de três subdivisões: envelhecimento primário; envelhecimento secundário; e envelhecimento terciário. O envelhecimento primário, também conhecido como envelhecimento normal ou senescência, atinge todos os humanos pós-reprodutivos, pois esta é uma caraterística genética típica da espécie. Este tipo de envelhecimento atinge de forma gradual e progressiva o organismo, possuindo um efeito cumulativo. O indivíduo nesse estágio está sujeito à concorrente influência de vários fatores determinantes para o envelhecimento como exercícios, dieta, estilo de vida, educação e posição social. O envelhecimento secundário ou patológico refere-se a doenças que não se confundem com o processo normal de envelhecimento. Estas enfermidades variam desde lesões cardiovasculares, cerebrais, até alguns tipos de cancro (este último podendo ser oriundo do estilo de vida do sujeito, dos fatores ambientais que o rodeiam, como também de mecanismos genéticos). Portanto o secundário é referente a sintomas clínicos, onde estão incluídos os efeitos das doenças e do ambiente. Já o envelhecimento terciário ou terminal é o período caraterizado por profundas perdas físicas e cognitivas, ocasionadas pelo acumular dos efeitos do envelhecimento, como também por patologias dependentes da idade.
Contudo, não é somente importante acrescentar anos à vida, mas também acrescentar vida aos anos. Há muitos anos, Hans Schaefer, especialista de
renome em medicina social e Professor da Universidade de Heidelberg, afirmou: “A nossa expetativa de vida depende do nosso estilo de vida. Expetativa de vida não significa somente tempo de vida, mas também qualidade de vida; não leva em consideração somente a idade que um indivíduo terá, mas como ele envelhecerá” (Schaefer, 1975). Dentro deste contexto, a Psicologia é vista como uma prática técnica, isto é, uma prática que contém um saber (métodos, técnicas e teorias) que auxilia o desenvolvimento do homem, a retomada de um “caminho desviado”, a redução do sofrimento, o autoconhecimento necessário para o equilíbrio e a adaptação ao meio social.
O psicólogo parece ter nas suas mãos a possibilidade de fazer do outro um homem feliz, colocá-lo em movimento, estimulá-lo, acompanhar o seu destino, converter perceções em consciência, estruturar, transformar, humanizar, enfim, acredita que muito pode ser feito e muitas mudanças podem ser operadas com a ajuda do psicólogo, enquanto portador de um conhecimento e enquanto ser humano dotado de intuição. No entanto, o psicólogo não muda o homem, apenas contribui para que ele próprio se modifique. Essa deve ser a sua meta. Este deve ser um aliado da transformação social, do movimento da sociedade e dos interesses da maioria da população. Ser inquieto, conspirador, que saiba estranhar aquilo que na realidade se torna tão familiar que chega a ser pensado como natural. Estar em permanente metamorfose. Aliado a essa inquietação, muitos profissionais que saíram ou estão ainda a sair das suas graduações e visam entrar no mercado de trabalho, ainda se deparam com qual divisão da Psicologia procurar? Qual o seu potencial naquele momento? Com qual área melhor se identificou, dentre as de psicologia escolar, clínica, jurídica, e outras tantas. Dentre estas que são as mais sugeridas, existe uma ainda no Brasil pouco explorada, a psicologia do envelhecimento, que carece de profissionais direcionados exclusivamente a esta demanda.
O público idoso necessita de um atendimento que seja voltado para as suas especificidades e particularidades, o que faz com que o profissional que atua com este grupo se capacite no que respeita à área do envelhecimento. Portanto dentro dessa necessidade, surge a figura do Psicólogo exclusivo de idosos, que alia os seus conhecimentos de Psicologia e os adquiridos através da especialização Gerontológica. A gerontologia é um vasto campo profissional e disciplinar, do qual faz parte a educação que forma profissionais para desempenharem essas funções. No Brasil, a construção da educação gerontológica avança principalmente a partir da atuação de cursos de pós-graduação em gerontologia; é fortalecida pela criação de universidades da Terceira Idade, importante locus de programas para idosos, de pesquisa e de formação de recursos humanos, embora nelas ainda predominem ações pedagógicas não especializadas.
A gerontologia ocupa um lugar de destaque entre as várias disciplinas científicas, beneficiando-se e sendo beneficiada pelo intercâmbio de ideias e dados, num amplo campo de natureza multi e interdisciplinar, ancorado pela biologia e pela medicina, pelas ciências sociais e pela psicologia. Comporta numerosas interfaces com áreas de aplicação e de prestação de serviços, principalmente a geriatria, a fisioterapia, a enfermagem, o serviço social, o direito, a psicologia clínica e a psicologia educacional, o que permite classificá-la também como campo multiprofissional.
A pós-graduação de Gerontologia alinha-se com a necessidade de um conhecimento mais profundo do processo do envelhecimento, e capacita o profissional como um gerontologista para atuar na área sem nenhuma restrição, fortalecendo mais ainda a junção profissional e a atuação, unindo a psicologia com a gerontologia e enriquecendo mais ainda de conhecimentos e bases teóricas e práticas para a sua atuação com o público idoso.
No início tudo é novo, desde uma simples indisponibilidade do idoso em não colaborar com os procedimentos de trabalho, a uma alta complexidade que o idoso esteja a sentir no momento, exigindo cuidados redobrados na nossa atuação profissional. O suporte que a psicologia nos dá entra em ação quando nos deparamos com idosos fragilizados, em situações de vulnerabilidade, perdas de parentes ou cônjugues. Nesse momento é fundamental usar as ferramentas da psicologia para passar uma segurança ao idoso e acolhé-lo de uma forma profissional (um processo emocional). Portanto a especialização em Gerontologia agrega ao profissional mais ferramentas para essa prática, visando trabalhar o idoso em atividades variadas, estimulando corpo e mente para lhe proporcionar uma melhor qualidade de vida. Podemos citar a especialização em estimu
lação cognitiva e motora que completa as três fortes teorias para se trabalhar com o público idoso de uma forma lúdica. Temos assim a psicologia a trabalhar as suas emoções, a gerontologia a sua longevidade, e a ECM o seu corpo, memória e as suas limitações. Este é um processo longo que não tem resultados imediatos, porque esses são construídos ao longo das atividades propostas.
Trabalhar com idosos torna-se uma atividade gratificante. Profissionais que atuam na área relatam que este contacto preenche aquele espaço afetivo de quem não conheceu os seus avós em vida. Os idosos sentem-se mais acolhidos o que possibilita o profissional a entender as suas queixas, as suas angústias, as suas emoções e as suas limitações, visando proporcionar-lhe resultados positivos de melhoras e bem estar.
Podemos encontrar idosos difíceis, resistentes ao processo e desconfiados, e aí a psicologia entra em ação. O que será que o deixa assim? Como foi o seu passado? Como são as relações familiares? O que podemos fazer desde o início é tentar ganhar a confiança dele, afinal pode ser difícil, pois ele já perdeu a confiança em muitos outros profissionais antes da nossa abordagem. Temos que estar preparados para inúmeras coisas, como por exemplo: ciúmes (quando o idoso começa a ter afinidades pelo profissional e não quer dividir com outro idoso); segredos de família (podemos ser guardiões de segredos que o idoso nos confia em contar); mexer com o seu emocional (o idoso usa-o emocionalmente para conseguir algo que no momento ele não pode ter ou fazer); guerra financeira familiar (podemos em algum momento ser plateia de conflitos financeiros entre idosos e os seus familiares); e em algum momento vestir o idoso no leito da morte (a família tem medo do defunto, mesmo que seja o parente). Diante de tamanhas barreiras para uns e desafios para outros, prefiro ficar com os desafios, eles fortalecem-nos de conhecimentos práticos para o nosso dia a dia. Como profissional exclusivo de idosos, atuando nesta área há cerca de 5 anos, relato o quanto é gratificante quando o idoso, que há meses atrás se encontrava com início de depressão, angústias, mágoas, dificuldades de locomoção e de realizar as suas atividades de vida diária (AVD´s), através dos estímulos, motivação e supervisão, conseguiu uma grande melhoria da sua autonomia, tornando-se protagonista da sua própria vida.
Contudo, o profissional não é completo numa só capacitação, são vários conhecimentos unidos que preenchem a sua vida profissional. O conhecimento teórico é fundamental no amadurecimento intelectual da nossa profissão. A prática de trabalho no decorrer dos dias alimenta a nossa capacidade fazendo com que os nossos resultados sejam realizados com sucesso. Um trabalho delicado e feito com dignidade, respeito ao próximo, ética e principalmente humanismo com o outro. Portanto os conhecimentos adquiridos na psicologia aliado à prática gerontologica tornamse importantes ferramentas para o profissional especialista, mostrando que esta união deu certo.