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A SALGA NA EXPOSIÇÃO FAINA MAIOR
De 1992
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ANA MARIA LOPES
A salga é a última operação que o bacalhau sofre, a bordo, indispensável à sua conservação e que é efectuada no porão
Este é o espaço do navio destinado à carga, limitado pela antepara da proa contígua ao paiol de mantimentos e ao rancho, e pela antepara da ré, que, nos antigos veleiros, era contígua aos aposentos dos oficiais (câmara ou salão). Neste porão, aparecem prumos de madeira no sentido longitudinal e transversal, que sustentam a estrutura do convés (os pés de carneiro) e ainda os vimes, que, no sentido transversal, ajudam à travação da ossada do navio É entre estes prumos, que, por colocação de madeira, se fazem as divisórias do porão – as panas Estas ainda são subdivididas em três partes chamadas hinos, dois à amurada (de bombordo e estibordo) e o hino do meio
Na impossibilidade de expor um porão inteiro, limitámo-nos a apresentar meia secção de um porão de um antigo veleiro, desde a sobrequilha até meia altura
Quando o navio se dirigia para os pesqueiros, o porão ia carregado de sal, só com uma das divisórias, a pana de proa vazia; esta levava, por vezes, barricas de farinha, amarras, apetrechos de pesca, remos, madeiras dos dóris, varas de eucalipto, isto é, material que, em viagem, era distribuído para estrafego e aliviava a pana
Iniciado o processo da salga, o peixe era passado do escorredouro do convés para o porão, através de uma mangueira de lona, caindo na dala, onde era garfado pelo passador de peixe para um dos hinos vazios, pronto a recebê-lo Aí, dois salgadores, vestidos de rou-pa oleada e botas de borracha, com os joelhos protegidos da humidade por joelheiras, ajoelhavam-se sobre um encerado, ligeiramente virados um para o outro, com o alfabuche entre os joelhos
O passador de sal (sempre sobre um hino com sal), gritava: “Sal! Sal! Sal!” e o salgador instintivamente puxava o balde de sal e despejava-o no alfabuche
O garfeiro ou passador de peixe, junto à dala, gritava: “Peixe! Peixe! Peixe!” e ia atirando o bacalhau para o meio dos dois salgadores. Estes gritos de aviso facilitavam a mecanização do serviço e faziam com que os salgadores quase instintivamente pegassem no balde do sal, sem olharem para ele e se acautelassem no sentido de não apanharem com algum peixe sobre as mãos, o que iria redundar por possível ferimento, em prejuízo do seu próprio trabalho. Os salgadores, consoante a posição em que se encontravam, agarravam no peixe com a mão direita ou esquerda e estendiam-no com os cachaços para as anteparas de vante ou de ré do hino e começavam a salgar o peixe á mão (só mais tarde as luvas de lã de cinco dedos, protegidas por luvas de borracha foram introduzidas), com mãozadas de sal, do cachaço para o rabo Seguidamente, a meio da canja (primeira corrida da salga de peixe com cerca de meio metro de altura por meio metro de largura), punham o peixe quer de cachaço quer de rabo para a amurada, ficando todos os espaços; o peixe, ligeiramente mais alto a meio, fazia com que a salmoura escorresse para os extremos da canja Acabada esta primeira canja, os salgadores limpavam o sal caído no encerado e recuavam para fazer a mesma operação. Geralmente, faziam três canjas por hino do meio (estamos a exemplificar com meio hino) e para efectuar a terceira canja, passavam por cima do peixe salgado, viravam-se na posição contrária à que estavam, tapavam o último terço do hino e elevavam-se como se efectuassem, de novo, a primeira canja Este hino ia subindo, subindo, subindo, até cerca de dois metros de distância do tecto do porão. Safavam-se os hinos da amurada, indo o sal destes hinos para as panas contíguas (serviço feito com o auxílio de pás) e passavam a salgar os hinos da amurada…. E assim se ia repetindo sucessivamente a operação O peixe ia abatendo bastante devido à dissolução do sal, por força do balanço e sobrecarga de sal que levava em cima. Daí que, em anos de carregamento, houvesse duas operações finais: o abarrote e o empanque O abarrote consistia em salgar o peixe até ao cimo da pana desde que houvesse possibilidade do salgador trabalhar, muitas vezes já com a cabeça encostada ao tecto do porão: o empanque consistia em encher uma pana já abatida com peixe curado com bastantes dias de salga), de uma pana contígua
Os salgadores eram pescadores com mais vocação para a salga e que se iam mantendo de uns anos para os outros Formação especial ou técnica, não tinham; iam aprendendo com a prática e essa escola ia-se aperfeiçoando durante a descarga, a que os pescadores assistiam, e ao verem a qualidade da salga, contrariavam a tendência de mais ou menos sal, no ano seguinte. Por mais arriscado que fosse o trabalho da pesca, por mais custoso e árduo que fosse o dos escaladores, o pior ainda era o dos salgadores Em algumas povoações de pescadores, mulheres havia que diziam aos filhos pequenos, quando faziam maldades: “Se não tens juízo, mando-te embarcar de salgador num navio de bacalhau” A posição incómoda, a frouxa claridade vinda da escotilha, umas pobres velas, os efeitos da humidade, as consequentes feridas nas mãos, a responsabilidade do trabalho controlado sistematicamente pelo capitão, faziam do cargo uma tarefa extremamente penosa
De recordar os utensílios: mangueira, dala (que não se veem na imagem), vertedouro, garfo de meio cabo, touco de vassoura, balde, pá, galão, joelheiras, encerado, alfabuche, tabuinhas e cachimbos, suportes de velas de estearina, com que se fazia a iluminação do porão
Ílhavo, 01 de Abril de 2023
CIMA: Secção de porão de antigo veleiro.
BAIXO: Imagem de Alan Villiers 1950
Como ia dizendo, estávamos em Kobe, um dos principais portos do País do Sol Nascente, no dia 25 de agosto do ano de 1979, dia em que se iniciou o 1. º campeonato do mundo de futebol, versão sub-20 (na época era esta a designação, alguns anos mais tarde a designação etária foi alterada para sub-21) num país asiático. Grande surpresa para todos nós tripulantes acabadinhos de chegar a esta grande cidade, a série onde Portugal estava inserido iria decorrer precisamente na cidade de Kobe De imediato iniciou-se a preparação para uma excursão até ao estádio (pequeno campo de futebol local, relvado, com bancadas apenas num dos lados e com capacidade para 13 000 espetadores)