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e a formação integral das escolas da Rede Jesuíta no Brasil
Uma proposta que busca garantir os direitos de aprendizagem dos estudantes por meio da relação entre teoria e prática entre as áreas do conhecimento.
Por Claudia Furtado Miranda
É importante promover a aprendizagem de modo que capacite o estudante a perceber o valor do aprendizado ao longo da vida e possibilite o desenvolvimento dos talentos individuais e coletivos. Garantir a aprendizagem integral exige da escola, hoje, a compreensão de que o contexto mudou, os estudantes aprendem de formas e em tempos distintos, em espaços que não se limitam ao escolar, exigem respostas individualizadas, diversos modos de fazer e de mediar a construção do saber, oportunizando vivências que atendam a diferentes necessidades (PEC - Projeto Educativo Comum da Rede Jesuíta de Educação Básica – 2021. p.39. n. 41)
Está sendo implementado no Brasil (2022 a 2024) a proposta que estrutura o Novo Ensino Médio, bem como o significado da formação integral dos jovens que iniciam nesta fase da educação básica. Com base nos documentos sobre a Pedagogia Inaciana, será analisada a concepção da formação e da aprendizagem integral que fundamenta a proposta pedagógica dos Colégios da Companhia de Jesus, em especial, do Colégio Nossa Senhora Medianeira.
A lei 13.415/2017 alterou significativamente dispositivos da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) em relação ao Ensino Médio, a chamada Lei de Conversão da Medida Provisória nº 746/2016. Essa legislação incorpora legalmente os dispositivos referentes à Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCC). Nesse contexto, a BNCC, com as suas Diretrizes Curriculares (DCNEM), prevê uma flexibilização da oferta dos cursos e prepara arranjos curriculares que contemplem diferentes itinerários formativos, de acordo com as necessidades das instituições e a relevância para o contexto local.
A organização do Novo Ensino Médio estipula um total de 3000 horas distribuídas da seguinte forma: a Formação Geral Básica composta por, no máximo, 1800 horas, e os Itinerários Formativos compostos por, no mínimo, 1200 horas. Cada instituição de ensino determina a organização desta carga horária entre as três séries do Ensino Médio.
Na formação geral básica, o currículo e a proposta pedagógica buscam garantir os direitos de aprendizagem dos estudantes por meio da relação entre teoria e prática na articulação dos componentes dentro e entre as áreas do conhecimento, a saber: I. linguagens e suas tecnologias; II. Matemática e suas tecnologias; III. ciências da natureza e suas tecnologias; IV. Ciências humanas e sociais aplicadas.
O arranjo curricular por áreas do conhecimento respeita tanto a especificidade de cada ciência, quanto a relação interdisciplinar destes conhecimentos. Em outras palavras, “a organização por áreas do conhecimento implica o fortalecimento das relações entre os saberes e a sua contextualização para apreensão e intervenção na realidade, requerendo planejamento e execução conjugados e cooperativos dos seus professores” (Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, resolução nº 3, p. 196, de 21 de novembro de 2018).
De acordo com as DCNEM, os Itinerários Formativos compreendem um conjunto de unidades curriculares que os estudantes podem escolher, a partir do seu interesse, para aprofundar e ampliar aprendizagens em uma ou mais áreas de conhecimento, preparando-se, assim, para a continuidade dos estudos e para o mundo do trabalho. A organização dos Itinerários Formativos possibilita que os estudantes aprofundem as aprendizagens das áreas do conhecimento, garantindo a apropriação do protagonismo juvenil a partir dos seguintes eixos estruturantes: Iniciação Científica; Empreendedorismo; Processos Criativos; Mediação e Intervenção Sociocultural.
As mudanças legais propostas nos documentos oficiais visam o diálogo com as profundas transformações do contexto nacional e internacional nas diversas dimensões societárias - políticas, econômicas, tecnológicas e culturais – com os desafios da formação dos jovens que ingressam no Ensino Médio. A BNCCEAM (2018) coloca que, para acolher as necessidades e as expectativas dos estudantes, a escola precisa estar comprometida com a educação integral e com a construção do seu projeto de vida
No contexto da Pedagogia
Inaciana, a ideia de educação integral envolve a formação integral do ser humano em todas suas dimensões: cognitiva, corporal, afetiva, social, histórica, ética e espiritual, priorizando como tarefa central da educação a formação do ser humano em sua plenitude. Assim, busca-se uma formação humana e acadêmica que contemple os conhecimentos das ciências, que se integram em cada componente curricular; a relação entre cada ciência com as possíveis significações e diálogos entre as áreas do conhecimento; o estudo sistemático e crítico da realidade nacional e internacional, situando a cidadania nos tempos e espaços locais e globais. Em suma, a formação integral compreende as dimensões da ética, da cultura, da ciência e do trabalho no contexto da formação dos projetos de vida dos jovens brasileiros
A Educação Integral realiza a formação integral via planejamento, organização, práticas e experiências em todo o processo formativo dos educadores e dos educandos. Envolve políticas públicas, projetos políticos pedagógicos das escolas e práticas experienciadas em cada contexto educacional (além de qualquer prescrição legal).
O Projeto Educativo Comum (PEC, 2021-2025) da Rede Jesuíta de Educação do Brasil enfatiza a educação de excelência humana e acadêmica, baseada nos valores cristãos e inacianos. Neste caminho, os projetos educativos dos colégios inacianos priorizam o desenvolvimento dos estudantes a partir das dimensões cognitiva, socioemocional e espiritual-religiosa. O jovem se constitui como pessoa na relação que estabelece consigo e com os outros, ou seja, a formação da pessoa toda e de todas as pessoas.
O ser humano é um ser de relações no e com o mundo, com raízes espaço-temporais que também se transformam. Cabe à instituição esse tipo de reflexão como um processo de humanização, uma ética para a vida em uma sociedade mais igualitária e contra qualquer tipo de desumanização. Uma educação humana traz para si a experiência de vida de cada estudante e de cada educador como possibilidade de reflexão sobre o mundo mais próximo e mais distante, não de forma pragmática (aprenda a aprender e a fazer), mas de forma crítica, entendendo a realidade a partir das histórias pessoais, da cidade, do país e do mundo. Significa também aprender a dizer a palavra situada na experiência com o mundo, ouvindo e respeitando o outro.
O sentido de ser no mundo existe pela aprendizagem do humano na sua relação entre a sociedade e a natureza. O ser no mundo compreende o ser humano individualmente, o “eu”, a identidade pessoal em conjunto com a identidade coletiva do “nós”, da vida em comunidade mergulhada em uma história não linear entre passado, presente e futuro. A humanização é um processo integral vivenciado no interior das relações sociais, culturais, econômicas e ambientais.
A partir das determinações legais, a proposta do Ensino Médio das unidades educativas da RJE busca que os estudantes realizem ao longo deste período a compreensão e a capacidade de gerir a própria vida; de refletir sobre seus desejos e objetivos; de compreender o mundo de trabalho e seus impactos na sociedade, bem como das novas tendências e profissões (exames externos e transição para a universidade). O Ensino Médio compreende também a perspectiva vocacional que possibilita que o estudante estude sobre as profissões contemporâneas, reflita sobre as suas opções e caminhos profissionais.
Cidadania Global – sociedade e sustentabilidade: O tema da “Agricultura sustentável” foi desenvolvido o espaço Maker e na horta do colégio, oportunizando para os estudantes momentos de discussão teórica e prática sobre a destinação de resíduos, ciclo da compostagem, impactos ambientais e alimentação saudável. As composteiras construídas com materiais recicláveis serão utilizadas pela comunidade escolar para coleta de resíduos orgânicos e posterior geração de adubo. Conhecimentos envolvidos: ciclos biogeoquímicos, fluxo de matéria e energia e ecossistemas, transformações químicas do processo de compostagem; parâmetros físicos (evaporação, condensação e a relação massa x volume).
Pensando nisso, essa proposta se efetiva a partir de um currículo cujo conhecimento esteja situado no estudo do mundo contemporâneo e nos interesses dos estudantes. Por esse motivo, a importância de que a Formação Geral esteja integrada à proposta dos Itinerários Formativos de maneira que o estudo teórico-prático dos componentes e áreas do conhecimento construa focos de pesquisa interdisciplinar de relevância acadêmica e social, com temas voltados à cidadania global/local.
Os Colégios Jesuítas estão comprometidos com a educação voltada para a Cidadania Global como parte integrante ao currículo, pois:
[...} Isto acontece quando professores e estudantes incorporam exemplos globais e culturais ao longo de seus estudos; quando são ensinadas habilidades comunicativas que sejam inclusivas, efetivas e globalmente conscientes; quando todas as disciplinas são abordadas a partir do reconheci- mento da globalização e do seu impacto na aprendizagem no século XXI; e quando as experiencias globais e multiculturais são priorizadas nas realizações dos estudantes (...). (ICAJE - Colégios Jesuítas: uma tradição viva no século XXI. p.66. 2019.)
Universos Discursivos na Era Digital: Os alunos estudaram sobre as etapas da elaboração de um projeto de pesquisa, principalmente aprendendo a consultar plataformas ligadas a centros de pesquisa nacionais e internacionais.
Itinerários Formativos do Ensino Médio no Colégio Medianeira
No Colégio Medianeira, alguns exemplos de temas que fazem parte do currículo dos Itinerários Formativos do Ensino Médio abordam assuntos sobre o estudo da tecnologia, ambiente e sustentabilidade (energias limpas e viáveis ao sistema produtivo); a economia solidária; a relação entre ciência e a consciência planetária; os universos discursivos no mundo contemporâneo e as diferentes formas de comunicação em rede; a comunicação e a representação nos diferentes contextos políticos e sociais; o mundo do trabalho num contexto de constante muta- ção econômica, social e tecnológica; as mudanças físicas, sociais e econômicas dos territórios e fronteiras, dentre outras possibilidades de investigação.
Desta forma, o currículo dos Itinerários Formativos tem como foco o estudo da realidade em suas múltiplas dimensões, oportunizando ao estudante as reflexões necessárias para se posicionar no contexto vivido como sujeito histórico e social. No Colégio Medianeira, são exemplos de Itinerários Formativos da 1ª série os seguintes componentes1:
Cidadania Global – sociedade e sustentabilidade
Esse Itinerário pretende desenvolver o raciocínio lógico dedutivo por meio de projetos e práticas das Ciências Naturais e Sociais, com ênfase em estudos de Ecologia e Educação Ambiental, a fim de aprofundar sua consciência sobre seus impactos ambientais locais e globais em um mundo cada vez mais interconectado, bem como promover o cuidado com a Casa Comum, ou seja, referências ao planeta Terra como a casa em que habitamos e em que habitam todos os demais organismos. A partir disso, espera-se que o estudante construa e aplique um projeto de intervenção sobre os impactos da sociedade sobre a natureza, de forma a garantir a sustentabilidade social e ambiental.
Economia Solidária: Neste itinerário desenvolvemos as noções básicas de empreendedorismo, enfatizando o estudo dos diferentes tipos de negócios. Nesta fase, os estudantes exploraram os conceitos centrais da matemática financeira, relacionando com o entorno socioeconômico da empresa que gostariam de construir.
Universos Discursivos na Era Digital
A proposta do itinerário é desenvolver com os estudantes os estudos e pesquisas de linguagens por meio de práticas que envolvam leituras e produções variadas, empreendendo uma reflexão e intervenção nos contextos das mudanças apresentadas pela chamada era digital. Essas alterações implicam em um repensar do poder da palavra, do texto, dos signos, dos suportes e sentidos socialmente construídos e/ou resgatados. O repensar perpassa dimensões identitárias, éticas, culturais, científicas, econômicas, sociais, históricas, ambientais e tecnológicas, a partir do diálogo intrínseco entre texto e realidade, processos de curadoria, autor e autoria e responsabilidades locais e globais.
Economia Solidária
Com esse Itinerário, busca-se desenvolver conhecimentos relacionados à matemática financeira em conexão com os estudos sobre a sociedade de consumo e a busca de projetos sustentáveis e economicamente viáveis para o mundo em que vivemos. Envolve as competências relacionadas ao exercício da cidadania, do projeto de vida e do consumo responsável em sintonia com as habilidades de organização, planejamento, metas, sonhos e aspirações dos estudantes.
Projeto de Vida
Esse Itinerário deseja promover o protagonismo e a autoria dos estudantes, desenvolvendo habilidades não só relacionadas à pesquisa, como também auxiliando-os na construção e viabilização do projeto de vida, cuja importância reflete no próprio trajeto durante o Ensino Médio, como também para fora dos muros da escola, visando a orientação vocacional relacionada ao mundo do trabalho. Vale ressaltar que os desafios do século XXI remetem à necessidade de aprofundamento e de estudo sobre as novas formas de socialização, de trabalho, de interação e de exploração. A incursão do jovem no mundo contemporâneo decorre das influências intrínsecas e extrínsecas sociais e econômicas e do modo como ele se estabelece nesse meio.
A aprendizagem integral ocorre pela imersão do ser humano na história e na sociedade, e a escola é um desses espaços sociais. A formação integral é um processo que envolve as experiências pessoais e coletivas contextualizadas pelas:
[...] Ideias, reflexões, pesquisas, ciências, artes (pensamentos), afetos, vontades, paixões, sentimentos (emoções), bem como atividades, práticas, ações econômicas, políticas, cognitivas (realizações) no interior de determinadas relações sociais e de relações com o meio ambiente e cultural.
(MANFREDI, p. 793, 2018)
"SOMOS TODOS IGUAIS"
Mas
Em 2013 foram assassinadas 66,7% mais negras do que brancas.
Projeto de Vida:
- 1 - Atividade interdisciplinar, em parceria com Biologia, sobre a questão do racismo e do preconceito. O trabalho estava inserido em uma dinâmica de reflexão sobre os problemas sociais e os desafios do cotidiano.
- 2 - A atividade de produção de tirinha, foi a conversão de um texto do filósofo Byung-Chul Han em tirinha, refletindo sobre o cansaço e o excesso de demandas do nosso dia a dia, como uma faceta do sistema produtivo.
Cabe ao Ensino Médio ajudar os jovens a compreenderem os desafios do século XXI de forma crítica e aprofundada sobre as novas formas de socialização, de trabalho, de produção do conhecimento, de interação social e de relações de poder. Essa criticidade situa o estudante no mundo vivido, na sua história, mas também pode ajudá-lo a projetar e
Indicações
acreditar que um outro mundo é possível – com mais justiça social e ambiental.
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Claudia Furtado de Miranda é especialista em Currículo e Prática Educativa. É Mestre e Doutora em Educação na área de Formação de professores do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Atualmente, é Orientadora Pedagógica do Ensino Médio do Colégio Medianeira.
Educação integral no Brasil. Inovações em processo | Moacir Gadotti Editora Vozes
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O livro aborda questões complexas da contemporaneidade e traz à nossa reflexão experiências de educação integral que estão sendo vivenciadas hoje. O autor nos convida a acompanhar e analisar essas "inovações em processo". São iniciativas que vêm ao encontro de uma nova qualidade da educação, buscando criar novos espaços e tempos para o atendimento e desenvolvimento integral de crianças, adolescentes, jovens e adultos.
Educação, uma herança sem testamento: diálogos com o pensameno de Hannah Arendt
José Sergio Fonseca de Carvalho | Editora Perspectiva
Este livro procura entender como se pode garantir uma educação crítica e universal, sem os riscos de contaminação de interesses totalitários ou ideológicos. O estudo sobre a educação na obra de Hannah Arendt exige certos cuidados. Não só pela complexidade da obra da filósofa, mas pela delicadeza do tema e sua estrita relação com a organização da vida em comunidade.