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E I
ra assim, meio sem jeito, com os olhos azuis perturbadores, pés descalços no assoalho do ônibus, que ele tentava explicar a ela que os sentimentos são fugidios e que, naquele momento, parecia-lhe que nenhum restara. Era difícil revelar essa ausência do sentir para aquela mulher que parecia possuir todos os sentimentos mais intensos e extremos. Para ele, era algo tentador a convivência com alguém assim. Sempre buscou aguçar os sentidos, pisava descalço a terra para sentir as energias fluírem pelo corpo; gastava horas a observar com atenção os astros e o derreter do gelo nas montanhas. O céu não escapava ao seu intento de percepção, mas fugiam-lhe ao sentido os extremos comportamentais, por isso, algo naquela mulher o atraía. Talvez a curiosidade... mas seria a curiosidade uma manifestação do sentir? Mesmo diante de todas as incertezas, ele prosseguia no seu intento de alertá-la sobre sua incapacidade de amar.
Talvez ele tivesse escolhido o cenário e o momento errados para conversar sobre o assunto. Depois de uma semana de céu azul na Escócia, mesmo em tempos de inverno intenso, naquele dia de despedidas a paisagem era gris. A viagem de Glasgow a Aberdeen foi feita de ônibus, pois havia hora marcada para o retorno e não poderiam novamente se entregar à imprevisibilidade das caronas. No ônibus, não havia lugar para os dois sentarem juntos. Sentaram-se com um corredor entre eles. A conversa em português rumou para um tom mais grave, no qual o choro (que ela de forma inútil tentava disfarçar olhando para a janela) destoava da sobriedade da ocasião.
Diante da explosão do sentimento mais doído, restou-lhe o gesto confortável de apertar a mão dela. As palavras ali cessaram e perderam o sentido. Não se arrependeu do que disse, nem tão pouco pesou-lhe a verdade.
A semana que passaram juntos e a certeza de que ela já estava com data marcada para partir poderiam ter evitado a conversa. Mas para que prolongar a ilusão? Era muito boa a verdade. Um breve encontro entre duas pessoas, completamente diferentes, que compartilharam bons momentos, belas paisagens, comidas, vinhos, leituras de Maupassant, fogo, caminhadas, carinhos. Dessa percepção da relação provém o medo.
t was just like this, a little awkward, with his disturbing blue eyes and barefoot on the bus floor, and he was trying to explain to her that his feelings are elusive and, now, there's nothing left. It was difficult to reveal this absence of feeling something for that woman and she seemed to have the most extreme and intense feelings. For him, it was tempting to live with someone like that. He always sought to sharpen the senses, walked barefoot the earth to feel the energies flow through the body; he spent the hours to watch attentively the stars and the melting of ice in the mountains. The sky couldn’t escape from his intention of perception, however, the behavioral extremes were on the run and that’s why he was attracted for that woman. Maybe, it was curiosity… but would it be curiosity a movement of felling? Even beyond of all doubts, would he continue the attempt to warn her about his inability to love.
Perhaps, he should’ve chosen the wrong scenery and moment to talk about the subject. After a week under the Scotland blue sky, even in times of intense winter, on that day of farewells the landscape was gray. The trip from Glasgow to Aberdeen was by bus, ‘cause the return was already scheduled and they couldn’t surrender once again to the unpredictable rides. On the bus, there was no possibility of them sitting together. There was an aisle between them. The talk in Portugueses went to a more serious tone, in which the crying (which she was uselessly trying to disguise by looking out the window) was at odds with the sobriety of the occasion.
Facing the explosion of the most hurtful feelling, he could only make the comfortable gesture of shaking her hands. The words stopped and lost their sense. He didn’t regret anything he said, nor did the truth matter to him.
The week they spent together and the certainty that she was already scheduled to leave could have avoided the conversation. But why to prolong the illusion? The truth was very good. A brief encounter between two people completely different, but people who share the good moments, the beautiful landscapes, the food, the wine and the reading of Maupassant, the fire, the wanderings, the lovely gestures. The fear comes from this perception of relation.
“- Permitam-me me explicar! O medo (e os homens mais ardilosos podem ter medo) é qualquer coisa de horrível, uma sensação atroz, como uma decomposição da alma, um espasmo do pensamento e do coração, cuja lembrança solitária oferece estremecimentos de angústia. Mas aquele não acontece nas situações comuns, quando se é corajoso, nem diante de um ataque, nem diante da morte inevitável, nem diante de todas as formas conhecidas de perigo: aquele tem lugar em certas circunstâncias anormais, sobre certas influências misteriosas, diante de riscos vagos. O verdadeiro medo é qualquer coisa como uma reminiscência de terrores fantásticos de outros tempos.”
Despediram-se amigavelmente e as indagações que ainda restaram foram caladas. A viagem de ônibus de Aberdeen a Londres pareceu demorar bem mais que as doze horas previstas. Um misto de tristeza e a certeza de que tudo havia terminado desembocara em reações entre pranto e vigília. As lembranças eram um alento sempre entrecortado por pontos de interrogação. De fato, o sono não veio. Londres estava estranhamente bela, com o céu vermelho como há tempos não se via. O anúncio de um novo dia com o brilho do sol tentou animá-la.
O avião de volta ao Brasil partiria dali a algumas horas e havia tempo suficiente para revelar as poucas fotos que havia feito na Escócia. Era verdade o que havia escrito no livro de visitas no Bothy. Era mesmo inesquecível tudo o que viveu e o medo deu lugar à paz.
Quando o comandante anunciou a pane na aeronave, lembrou-se das palavras de Maupassant e da sua coragem ao deixar-se chorar e sentir o verdadeiro medo. A primeira tragédia da grande companhia aérea anunciada na rede televisiva mundial selava o destino e a certeza de que a ela agora não restara medo algum.
Eliege Pepler é professora e pesquisadora formada em Licenciatura e Bacharelado em Letras. É Doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), instituição na qual também defendeu seu mestrado. Lecionou no Colégio
Medianeira e na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e, atualmente, é professora no Instituto Federal do Paraná (IFPR). Além disso, tem publicados livros didáticos de Língua Portuguesa e Literatura, além de e-books de formação continuada de professores pela Editora Positivo. Seu primeiro livro de contos “Histórias Esquecidas” ficou em segundo lugar no Prêmio Outras Palavras, da SEEC, e deve ser publicado em breve.
“- Let me explain myself to you! The fear (the most artful men can be fearful) is something horrible, an atrocious sensation, like a decomposition of the soul, a spasm of thought and heart, the solitary memory of which offers shudders of anguish. But this does not take place, when one is brave, neither in the face of attack, nor in the face of inevitable death, nor in the face of all known forms of peril: it takes place in certain abnormal circumstances, under certain mysterious influences, in the face of vague risks. Real fear is something like a reminiscence of fantastic terrors of yore.”
They said goodbye very politely and the questions were silenced. The bus ride from Aberdeen to London seemed to take a lot longer than the estimated twelve hours. A mixture of sadness and the certainty that everything was over had resulted in reactions between crying and waking. The memories were a breath always interrupted by question marks. Indeed, the sleep did not come. London was strangely beautiful with the sky red as it hadn't been seen in a long time. The announcement of a new day with sunshine tried to cheer her up.
The plane back to Brazil would leave in a few hours and there was enough time to print the few photos I had taken in Scotland. It was true what he had written in the guest book at Bothy. Everything he lived through was unforgettable and the fear gave way to peace.
When the captain announced the failure of the aircraft, she remembered Maupassant's words and his courage in letting himself cry and feel real fear. The first tragedy of the major airline announced on the world television network sealed the fate and the certainty that she now had no fear left.
Eliege Pepler is a teacher and researcher who graduated in Portuguese. She holds the master and doctoral degrees in Literary Studies from Universidade Federal do Paraná. She taught at Colégio Medianeira and at the Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) and is currently a teacher at Instituto Federal do Paraná (IFPR). Eliege Pepler is author of school books about Portuguese and literature, and she published severy continuing education e-books for teachers by Editora Positivo. Her first collection of short stories, “Histórias esquecidas”, took the second place in Outras Palavras prize, created by SEEC, and it must be published quite soon.