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Projeto de vida: a vida como um projeto de um futuro melhor
Um Itinerário para conhecer-se, experimentar-se, sonhar-se e pensar-se nas escolhas humanas e profissionais
Por Alexandre Martins magine um barco à deriva em alto mar. Sem qualquer meio para guiá-lo, os ventos e as marés o levarão para os mais distantes lugares, sem rumo, objetivo ou qualquer meta, em algum lugar certamente ele chegará, mas não se sabe onde. Parece difícil imaginar-se seguro e tranquilo dentro desta embarcação, afinal alguém que não sabe para onde ir deve se contentar em chegar a qualquer lugar, não é mesmo? Na obra de Lewis Carrol, Alice no país das maravilhas, há um diálogo que retoma essa reflexão, vejamos:
“Gatinho de Cheshire” começou um pouco tímida, pois não sabia se ele gostaria do nome, mas ele abriu ainda mais o sorriso. “Vamos, parece ter gostado até agora”, pensou Alice, e continuou: “Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para sair daqui?”
“Isso depende bastante de onde você quer chegar”, disse o Gato.
“O lugar não importa muito…”, disse Alice.
“Então não importa o caminho que você vai tomar”, disse o Gato. (CARROL, L. 2010, p. 84).
O gatinho de Cheshire foi direto ao ponto, se não sabemos para onde ir, não importa muito aonde chegaremos. Podemos dizer que, em nossas vidas isto reflete o refrão de uma música de Eri do Cais e Serginho Meriti, imortalizada pela voz do Zeca Pagodinho, “deixa a vida me levar, vida leva eu”.
Muitas pessoas levam suas vidas do jeito que a vida os leva, ou seja, não fazem projetos para si mesmas e se entregam à ordem do acaso. Tanto a metáfora do barco, inspirada em uma reflexão de Platão, quanto o diálogo de Alice com o gatinho e o refrão da música nos alertam sobre a importância de criarmos um projeto para nossas vidas, se queremos chegar a algum lugar, orientando nossos esforços para alguma direção.
O pensador sul coreano Byung-Chul Han, na obra A sociedade do cansaço (Editora Vozes, 2015), reflete sobre uma realidade não muito distante da nossa, marcadamente caracterizada pelo esgotamento físico e mental, sem necessariamente ser mais produtiva ou feliz. Sem direção, de um modo geral, corremos atrás de muitas coisas, vivemos esgotados, mas se questionados sobre o porquê disso tudo, muitos não têm clareza sobre os reais motivos que os levam a essa vida tão agitada. Chegamos ao ponto de explorar o próprio corpo para sermos mais produtivos. Falta-nos um objetivo comum? Um projeto? Uma direção?
Na história do pensamento Ocidental, tivemos grandes filósofos que apontaram para a importância de construirmos um projeto para nossas vidas, no sentido de organizá-la e orientá-la para um determinado rumo individual e coletivo. Dentre eles, Platão foi um dos primeiros a nos dizer sobre como devemos priorizar nossos projetos e planos, em detrimentos aos nossos impulsos e ao acaso. A ideia de Platão é simples: sem esforço, planejamento e dedicação, provavelmente não chegaremos a qualquer ponto que realmente desejamos.
Também Nietzsche, em meados do século XIX, já nos alertava para importância de contemplarmos a própria vida, de pararmos e pensarmos sobre nós mesmos, afinal:
[...] Por falta de repouso nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos valeram tanto. Assim pertence às correções necessárias a serem tomadas quanto ao caráter da humanidade fortalecer em grande medida o elemento contemplativo (NIETZSCHE, F. Humano, demasiado humano, p. 77).
Contemplar e projetar-se não fazem parte de um movimento egoísta que ignora e se isola dos demais, na verdade representam um ato de olhar para dentro de si e de se compreender como parte de um todo. Esta viagem interior nos leva ao cuidado com nossos afetos e sentimentos, com as pessoas que convivemos e, principalmente, com quem nos diferenciamos, e também com a aceitação e a gestão das coisas que escapam do nosso planejamento.
Um projeto de vida que pense a vida em sua totalidade também deve levar em consideração além da ordem, a desordem, os medos, as inseguranças e os sentimentos que nem sempre seguem o que nossa razão nos esclarece. Se Buyng-Chul Han nos alertou para o esgotamento e o cansaço da sociedade contemporânea, planejar nossa vida também é reservar um tempo para nossa vida afetiva, para nossa saúde mental, enfim, para sermos felizes.
Indicação
Com a Reforma do Ensino Médio, um dos componentes que passaram a fazer parte da rotina dos estudantes foi justamente o Itinerário de Projeto de Vida. Nele, há de modo inédito no currículo a possibilidade de dedicarmo-nos exclusivamente ao conhecimento de si e do mundo em que vivemos, para pensarmos em nossas escolhas profissionais e, sobretudo, humanas de quem queremos ser e de qual marca desejamos deixar na história.
Das pesquisas sobre o contexto e o mercado de trabalho à escuta das experiências de vida de vários profissionais que compartilharam conosco suas histórias e trajetórias, desafios e sucessos, o objetivo deste componente é conhecer-se, experimentar-se, sonhar-se e, claro, projetar-se para um futuro melhor. O Itinerário não se restringe, portanto, a elaboração de um projeto de vida individual fundado unicamente em aspectos pragmáticos que visam o acompanhamento do próprio Ensino Médio, da escolha de curso no Ensino Superior ou de qual profissão eu quero seguir, embora isto também seja importante e faça parte de nossa rotina. O Projeto de vida é um momento de contemplação.
Contemplar a vida não significa olhar para si isolando-se dos demais, projetando a si mesmo e esquecendo-se do meio ao qual fazemos parte. Enxergamo-nos olhando também para o rosto do outro, incluindo os mais necessitados e excluídos. Um projeto de vida que compreende a vida em sua relação com o meio se realizada como um projeto de sociedade e de mundo, que só é possível a partir do exercício de cidadania local e global, da utopia e da esperança de que outro mundo é possível comente este artigo: comunicacao@colegiomedianeira.g12.br
Alexandre Martins Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), professor de Filosofia e Sociologia do Ensino Médio e do Itinerário de Projeto de Vida da 1ª Série.
Sociedade do cansaço | Byung-Chul Han
Editora Vozes
O autor mostra neste livro que a sociedade disciplinar e repressora do século XX descrita por Michel Foucault perde espaço para uma nova forma de organização coercitiva: a violência neuronal. As pessoas se cobram cada vez mais para apresentar resultados - tornando elas mesmas vigilantes e carrascas de suas ações. Em uma época onde poderíamos trabalhar menos e ganhar mais, a ideologia da positividade opera uma inversão perversa: nos submetemos a trabalhar mais e a receber menos. Este livro transcende o campo filosófico e pode ajudar educadores, psicólogos e gestores a entender os novos problemas do século XXI.