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Produzindo suínos em tempos de coronavírus na Itália

Telma Tucci

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Médica-veterinária ttucci@333corporate.com

Apandemia de Covid-19 está transformando todo o mundo, todo tipo de produção, todas as pessoas, todas as fábricas, tudo e todos, decididamente. Infelizmente, ninguém ficou livre dessas consequências, nem mesmo o setor agroalimentar, que, por vários aspectos, pode se sentir privilegiado porque não pode deixar de cuidar dos animais e tem a obrigação de continuar a produzir alimentos. As leis de bem-estar animal também ajudam muito neste difícil momento. Vamos segmentar todos os contornos desta crise para quem produz suínos, trabalha com suínos, cuida dos suínos e fornece matérias-primas, rações e medicamentos e também como a produção está caminhando neste ano de 2020. A análise da situação da Covid-19 na Itália, em 2020, deve ser feita avaliando-se três períodos distintos: 1ª fase do lockdown (março-junho 2020), 2ª fase da liberdade gradual (julho-outubro) e a 3ª fase que se iniciou em novembro, associada ao retorno de aumento de mortalidade, aumento de positividade ao vírus e aumento da ocupação dos hospitais.

Pessoal que trabalha com os animais

A) No primeiro período, a locomoção ao local de trabalho estava garantida, mas com limitações: para chegar à granja (local de trabalho) era preciso utilizar veículos próprios, o trabalhador tinha que apresentar uma justificativa por escrito já preenchida com data, hora, destino, local de partida e motivo, que, no caso, era o trabalho de atividade essencial (o que nos distingue de outros tipos de trabalhadores). Neste controle frequente, esta justificativa era recolhida por um policial (agente de controle de trânsito e de pessoas). Sem a devida apresentação desse documento, o trabalhador poderia ser multado. Devido a essas limitações, a maioria das pessoas optava por não voltar para casa na hora do almoço (prática comum na Itália) e permanecer na granja até o final do horário de trabalho. Esta situação perdurou por cerca de dois meses, terminando em meados de junho. Mas, agora, com a entrada do inverno, é provável que se retome a limitação de movimentos que foi suspensa de junho ao final de outubro.

B) Horário de entrada e saída: muitas granjas passaram a adotar horários diferenciados de entrada e saída dos funcionários para evitar aglomerações e maiores contatos entre os companheiros de trabalho; em algumas situações, as pessoas nem mesmo usam uniformes da granja, apenas trocam de roupas ou tomam banho apenas na própria casa. Outras granjas adotam a subdivisão dos funcionários em dois grupos: Grupo I, que trabalha pela manhã, e Grupo II, que trabalha à tarde, com “downtime” de 1 hora, sem ninguém (sem pessoas) nos vestiários ou na granja, contornando muitos problemas de gestão em atividades que requerem grupos de pessoas trabalhando juntos para determinadas tarefas. Estas foram mudanças que, em muitas realidades, tornaram-se rotina, mudando, assim, o modo temporal de trabalho em granjas na Itália, que sempre se caracterizou por dois horários separados e bem distintos, com intervalo para pausa de almoço bem longo, até mesmo de três horas no período de verão. Este aspecto cultural pode se interpretar como uma adaptação de trabalho nos horários menos quentes, mas esta mudança é uma daquelas que veio pra ficar.

C) Todos os funcionários trabalham com dispositivos de segurança: máscara e luvas, com as dificuldades resultantes do mal-estar em trabalhar, suar e comunicar por meio das máscaras por horas a fio. Hoje estão disponíveis em vários pontos das granjas desinfetantes para mãos e também há constante lavagem das mãos com água e sabão. Estas medidas de higiene também vieram para ficar.

D) Distância entre pessoas: o decreto ministerial obriga ou apenas permite que atividades de trabalho tenham uma distância mínima de 1 metro entre as pessoas. No entanto, existem várias atividades de manejo que requerem uma aproximação mais estreita, como, por exemplo, no caso da tatuagem dos leitões na maternidade. Assim sendo, esta exigência dificilmente poderá ser respeitada, o que levou os produtores a solicitar um pedido de exceção ao Ministério por meio da associação da UNAITALIA (União de Produtores de Alimentos de Origem Animal).

E) Veterinários: na primeira fase, foram tutelados e puderam servir seus clientes, mas as visitas foram limitadas aos casos de maiores necessidades. Veterinários que antes visitavam várias granjas, como profissionais da área de nutrição, indústria farmacêuticas, etc., passaram a trabalhar em casa e não mais visitavam granjas. Nestes casos, foram as empresas que diretamente obrigavam seus profissionais a ficarem em casa. Os profissionais que têm a função de prescrição de receita médica, também não estavam visitando as granjas, e sim emitindo a prescrição por meio da receita eletrônica, em vigor na Itália desde 2019. Ainda hoje, muitas empresas, laboratórios e fábricas de ração estão com política de smartworking até o final de 2020. As atividades de campo continuam, por ora, sem restrições. Existe, ainda, uma preocupação maior, que é o “medo” de acontecer positividade de uma pessoa ou mais na granja. Neste caso, além do isolamento delas, teríamos a quarentena em casa de todas as pessoas que tiveram contato com ela. O que seria uma situação desastrosa, pois faltariam pessoas para cuidar e assistir aos animais, já que no momento contamos com a falta de mão de obra constantemente no setor. Esta preocupação voltou nesta 3ª fase a atormentar os produtores.

Matérias-primas

Na primeira fase, mesmo com a liberdade de movimento e entrega de medicamentos, matérias-primas, rações, materiais de consumo de rotina e instrumentos necessários, existia um grande problema de fornecimento. A Itália é um grande importador de matérias-primas, como milho e soja, que provêm, principalmente, de outros países europeus. Hungria e Eslovênia fecharam temporariamente as fronteiras com a Itália, e estes países são fornecedores de matérias-primas, mas, mesmo que não fossem, fazem parte de rotas de caminhões transportadores que se viam bloqueados, não podendo atravessar as fronteiras, além da falta de motoristas por motivos óbvios de saúde. Consequentemente, vem ocorrendo aumento vertiginoso dos preços das matérias-primas e do custo de produção. Outros países impuseram quarentena aos motoristas que entregam matérias-primas na Itália na volta ao país de origem, com deserções de trajetos em direção ou que atravessam a Itália. Além disso, houve aumento de aspectos burocráticos ao passarem nas fronteiras. Desde junho, não houve mais limitações ou problemas com as matérias-primas. Mas, de agora até o final do ano, não sabemos o que pode ocorrer, já que vários países estão aplicando o lockdown das fronteiras.

Transporte de suínos vivos

A Itália é um grande importador de carne suína e de suínos vivos para abate ou engorda. Os principais fornecedores são Espanha, Holanda e Dinamarca. Outros países também são importadores de leitões, como a Polônia. A Holanda já impôs restrições aos motoristas e caminhões com destino à Itália e a outros países, obrigando, também neste caso, a quarentena de pessoas, repetindo-se o problema do aumento de entraves administrativos (justificativas, etc.), mesmo que a Comissão Europeia já tenha afirmado que o trânsito de animais é livre na UE. A Dinamarca, grande exportadora de leitões, habilitou uma página na web a serviço de produtores na qual se identificam áreas, galpões e estruturas disponíveis de aluguel para suínos que, normalmente, vão para fora do país e que, devido a esta situação, tendem a aumentar a população local, seja pela diminuição do comércio ou por motivos logísticos. Hoje os produtores de leitões para engorda (cerca de 50% dos leitões na Dinamarca são exportados para Alemanha, Itália e países do Leste Europeu) estão em sérias dificuldades, pois a presença de PSA na Alemanha limitou a entrada e até mesmo a simples passagem de leitões pelo território alemão para atingir os países do Sul ou do Leste Europeu.

Abate

Na primeira fase, para garantir o respeito às regras, os abatedouros tiveram que limitar a velocidade de abate, que em média são de 400 a 500 suínos/hora (suínos de 180 kg de peso vivo), para

Mapa dinamarquês de estruturas disponíveis para aluguel no território Fonte: SEGES

300 suínos/hora. Além disso, houve falta de pessoas que não se apresentavam ao trabalho, ou por medo ou porque estavam doentes. Esta situação estava pesando no preço comercial, já que os abatedouros não retiravam os suínos das granjas ou o faziam com atraso. Apesar de algumas positividades em vários abatedouros italianos, não houve repercussão importante nos abates (um percentual elevado de trabalhadores não é composto por funcionários dos abatedouros, e sim terceirizado, isso facilita o isolamento e substituição das pessoas) e, hoje, eles operam normalmente.

Mercado da carne

Primeira fase: a crise de consumo, mesmo com menor abastecimento devido ao menor abate, foi grave. A Itália produz suínos para produção de embutidos: presunto de Parma, presunto de San Daniele, salames, copas e outros produtos maturados. Estes produtos são, principalmente, comprados por restaurantes e pizzarias (ou seja, todo o setor HORECA: hotéis, restaurantes e catering), que estavam 100% fechados. Os únicos produtos que tinham um pouco de saída eram os presuntos já fatiados e confeccionados. A venda da carne “fresca” deveria ser mantida, pois, sem ela, não se sustenta todo o custo de abate e fabricação de embutidos. Muitas fábricas de presunto não retiravam produtos dos abatedouros. O preço de venda do presunto cru pronto para a maturação era um dos mais baixos da história. Além disso, com o confinamento em casa, as famílias estavam preparando comida, pão, macarrão (o preço do farelo de trigo já estava chegando a valores recordes) e se notava uma diminuição de consumo de carne em geral (normalmente consumimos embutidos quando há falta de comida caseira pronta), além do aumento de delivery e do e-commerce, mais voltados a produtos não frescos. Segunda fase: de junho a outubro, observou-se um retorno à normalidade, apesar de muitas atividades terem ficado fechadas (restaurantes, bares, hotéis), e uma visível retomada do setor, mas que durou muito pouco. Na terceira fase: novamente, o setor HORECA foi castigado neste mesmo momento que estamos em um lockdown restrito, com cobre-fogo depois das 23h ou das 21h (depende das regiões, menos ou mais afetadas). Então, com isso, já chegou a nova crise das carnes e, de consequência, do preço dos suínos. Temos só que esperar.

Javalis

Não menos importante é a questão da caça e contenção da população de javalis. Sabemos que estamos em um período de risco para a peste suína africana e estima-se que a população de javalis tenha chegado a dois milhões de cabeças desde o início do período do coronavírus, causando grave risco ao equilíbrio ambiental e danos à agricultura e colocando as granjas de suínos em risco sanitário. Hoje, não raramente se observam javalis passeando pelos parques de Roma e de outras cidades italianas. A chegada da peste suína africana na Javalis em zona residencial em Genova Fonte: Corriere della Sera

Javalis revirando o lixo Fonte: Corriere della Sera

O logotipo exposto em muitas casas italianas

Alemanha veio complicar ainda mais a situação de incerteza. Medidas mais rigorosas de controle dos javalis já estão sendo aplicadas com aumento da incerteza em um momento de queda de preços de suínos em toda a Europa. O logotipo exposto em muitas casas italianas na primeira fase desapareceu e, infelizmente, o que se vê hoje, com a terceira fase, é uma manifestação popular de revolta contra o fechamento em vista de mais desempregos e fechamentos de atividades comerciais, fábricas, etc. E como acontece em situações instáveis e de grande dificuldade, a política se intromete e movimentos antialguma coisa se infiltram.

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