Cultura de Bancada - 7 º Número

Page 1

1


ÍNDICE 04 Editorial Direito a vestir a camisola 05 APDA

08

HISTÓRIA DO movimento organizado de adeptos na alemanha

14 era uma vez o azulão conversa com de bancada 16 àCultura

24 RECORTES da bancada da LUTA e da bancada 30 resumos

o céu e o inferno beira-mar 41 entre

2


51

HISTÓRIA DOS GRUPOS ORGANIZADOS BEIRA-MAR

COM HISTÓRIA Emanuel Lameira 54 Ultras

trevo de folhas 62 Oquatro

do Futebol em Inglaterra 64 Origens

adeptos: Associação de 68 Entre Adeptos Sportinguistas Europa fora Belgrado 70 Pela

72 cultura de adepto derby com do cartão 76 Uma pandemia

de tudo, falamos a mesma língua 80 Apesar

3


EDITORIAL Director J. Lobo Redacção L. Cruz G. Mata J. Sousa Design S. Frias M. Bondoso Revisão A. Pereira Convidados Martha Gens Luís Silva Nuno Q. Martins Emanuel Lameira Eupremio Scarpa Pedro Faleiro da Silva P. Alves

4

Há um ano atrás, precisamente a 12 de Outubro de 2020, lançavamos o primeiro número da Cultura de Bancada. Esse número ficou marcado pelo seu aspecto visual simples mas, ao mesmo tempo, uma série de conteúdos que, aos nossos olhos, compensavam fortemente a estética. Os números seguintes sofreram uma evolução muito positiva no visual e conseguimos assim equilibrar as duas principais componentes. No que diz respeito às nossas expectativas, achamos que só “falhamos” na questão de lançar a fanzine num formato físico, em papel. Mesmo assim, não é um assunto esquecido na nossa agenda. Ainda relativamente aos nossos objectivos temos uma sensação de satisfação pois achamos que conseguimos estruturar a fanzine dentro da perspectiva que idealizamos. Hoje temos um espaço de comunicação próprio, independente, multidisciplinar e assente na pluralidade humana. Queremos sublinhar que vemos, na construção dos nossos processos, a oportunidade para aprender ainda mais sobre os vários temas que dizem respeito aos adeptos. Para celebrar o aniversário, com os nossos leitores, fizemos uma “auto entrevista” que também conta com a participação de alguns dos nossos convidados mais recorrentes ao longo deste ano. Brindamos convosco, continuando a trazer um vasto leque de artigos relacionados com a nossa Cultura. Deixamos ainda uma palavra de agradecimento a todos que nos ajudaram até hoje, mas em particular ao nosso grande designer J. Leite que, nesta fase da sua vida, contra a sua vontade não consegue dedicar o tempo que é necessário para garantir a realização da sua parte. Jamais será esquecido o esforço em prol desta causa! Não perdendo tempo, porque todos queremos continuar a nossa caminhada, já colmatamos a vaga deixada em aberto, na estrutura da nossa equipa, e convidamos o M. Bondoso que conta já com várias participações neste projecto. Aproveitamos para apelar aos nossos leitores que comuniquem connosco. As vossas críticas, as sugestões e as vossas partilhas irão ajudar-nos a crescer e, certamente, a melhorar as nossas páginas. Pelos adeptos!


APDA Direito a vestir a camisola

Desde o início desta época, que algumas questões que já se viam acontecer, se empolaram ainda mais. Hoje, o tema deste texto é a entrada de acessórios (cachecóis, camisolas, panos pequenos, bandeiras pequenas) relativos a Grupos (registados ou não) em zonas que não sejam as zonas destinadas a cartão do adepto. Temos constatado que, de norte a sul do país, têm sido os adeptos surpreendidos à entrada dos vários estádios, em virtude destes adereços terem de ficar forçosamente à porta, porque, alegadamente… Não podem entrar. E porquê? À boa maneira portuguesa, ninguém sabe muito bem justificar nem porquê, nem quem deu a ordem. Tem sido habitual ouvir à porta dos estádios, por parte das autoridades “diz que é de lei!”. Mas será que é? É sabido, que nos termos do regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, existem regras sobre os materiais de apoio – sobre o seu conteúdo e formato. Mas o que nos diz este regime

jurídico, e que nos parece quase óbvio, é que é expressamente proibido o apoio a grupos organizados de adeptos que adotem sinais, símbolos e expressões que incitem à violência, ao racismo, à xenofobia, à intolerância nos espetáculos desportivos, ou a qualquer outra forma de discriminação, ou que traduzam manifestações de ideologia política – contudo, não tem sido este o caso. Todos os adereços apreendidos à porta destes sectores nada têm a ver com manifestações anti-desportivas. Por outro lado, estes adereços, ou se tratam de peças de vestuário ou são panos/ bandeiras de medidas inferiores a 1x1m, e por isso podem entrar em qualquer sector do estádio. Então, se a lei apenas limita o conteúdo destes adereços na medida do que dissemos atrás, será que haverá ainda alguma outra forma de o proibir? Há. Na verdade, estes são os limites que a lei estabelece. Mas esta mesma lei, dá a liberdade aos clubes de poderem, nos seus regulamentos internos, estabelecer normas neste sentido. Pior,

5


os clubes têm essa liberdade, jogo após jogo. Então, onde fica a minha liberdade de expressão em comprar um cachecol numa banca à porta de um estádio, referente a um grupo organizado de adeptos que por acaso, até tem marca registada? No limite, 5 metros à frente de onde comprei o cachecol, chego à entrada do sector e pode-me ser vedada a entrada com aquele adereço. Se houver falta de bom senso, isto pode acontecer – e tem de facto, vindo a acontecer. Não podemos olhar para este livre-arbítrio de outra forma senão como uma manifestação de total desprezo dos clubes para com os adeptos e pior – mais uma manifestação de despotismo no intuito de acabar com a liberdade de expressão daqueles que, a muito custo, continuam a alimentar as bancadas dos estádios dos clubes que amam. A APDA sempre se impôs contra este livre-arbítrio – porque se a lei não o proíbe, e não havendo fundamento normativo ou justificativo para esta proibição, ela só pode ser ilegal, ilegítima – anti desportiva. Mais – é lamentável que jornada atrás de jornada, os clubes decidam estas normas internamente e apenas no momento em que um adepto vai entrar no estádio é que é presenteado com estas surpresas – até em dias de chuva foi exigido a adeptos que deixassem à porta os seus impermeáveis, por terem alusão a símbolos ou lettering de grupos organizados de adeptos, o que não se compreende num estado de direito democrático. E é sabido, que à porta do estádio, são poucas as vezes em que o adepto ganha uma troca de argumentos, por mais razão que tenha. Talvez porque vivemos um momento mais tenso no panorama das bancadas – em virtude de vermos os sectores do cartão do adepto vazios e alguns adeptos a comprarem bilhetes para outras zonas – é que esta problemática tenha ganho outra tónica, mas na verdade não é nova. Louvamos a nota informativa lançada pela APCVD e publicada no seu site online, que veio esclarecer os que se crêem mais iluminados que os outros. Neste comunicado, resumidamente é referido que, lida e interpretada a lei, e não

6

existindo proibições ou condicionamentos que levem a que estes adereços fiquem de fora do espectáculo desportivo - “entende a APCVD que o mero envergamento de peças de vestuário, tais como bonés, t-shirts, camisolas ou cachecóis (com dimensão inferior a 1m por 1m) não deverá ser condicionante ao acesso e permanência dos seus portadores, privilegiando-se a facilitação de adequadas condições de hospitalidade e fruição do espetáculo desportivo”. Ademais, que “é ainda recomendada a adoção de políticas de comunicação dirigidas aos adeptos (visitados e visitantes)”. Para os mais desatentos ou pouco conhecedores no terreno da forma de estar e de viver dos adeptos, esta repressão que os adeptos têm vindo a ser alvo se trata de uma clara manobra de empurrar os adeptos para as ZCEAP – Esse bastião das liberdades! Para nós, é por demasiado óbvio- quanto mais apertarem, quanto mais reprimirem, pior será o efeito. Que nunca se considere que os fins justificam os meios, e que será com base nesta tese que se obtém bons resultados. Aliás, os resultados estão à vista. Por Martha Gens, Presidente da Associação Portuguesa de Defesa do Adepto


7


História do movimento organizado de adeptos na Alemanha

8


Hoje em dia o mundo olha para o Futebol alemão como um exemplo a seguir, em diversos aspectos. A maneira como os clubes e as entidades organizadoras cativam os adeptos e trabalham com eles várias questões sociais são alvo de atenção e até mesmo estudo. Falemos, então, um pouco de como os germânicos trilharam caminho até aqui. O “desporto-rei” chegou à Alemanha nos últimos 30 anos do século XVIII. Até à Primeira Guerra Mundial, o Futebol não era um desporto que movesse massas no território alemão, muito por culpa desta modalidade ser originária de um país rival, a Inglaterra. Desde que foi estipulado que o horário de trabalho teria 8 horas, o povo ganhou mais tempo para desfrutar de actividades de lazer. Mais pessoas puderam jogar ou assistir à bola e deu-se um crescimento exponencial de adeptos, entre as duas guerras mundiais. Os militares tornaram-se numa influência positiva na popularização do jogo. O povo considerava que o modelo comportamental ideal dos jogadores seria o mesmo ou idêntico ao dos militares. O contexto de guerra foi adaptado ao do Futebol no que à linguagem diz respeito, tendo recebido muitas expressões usadas pelos militares, que foram implementadas desde o relvado até às cabines dos jornalistas. Entre essas décadas, os clubes eram muito activos em questões sociais e culturais. Ajudaram a que os adeptos começassem a deslocar-se em número considerável até outras cidades para apoiarem o seu clube local. Desenvolveu-se o costume da família e amigos conviverem antes e depois do jogo, com pic-nics à mistura. Surgem os “fan-club”, os primeiros grupos organizados naquele país, no início da década de 30. Pelo menos até à década de 50, era habitual a convivência entre adeptos e jogadores/ treinadores. Era comum haver equipas ligadas a empresas, com muitos atletas a fazerem parte dos quadros das empresas, tal como eram os seus colegas de trabalho quem preenchia a maior parte das bancadas que lhes eram afectas. As sedes dos clubes eram espaços onde se estreitavam laços entre

9


quem jogava e quem apoiava, mesmo nos clubes que não estavam conotados a empresas, algo que se foi perdendo com o avançar da profissionalização dos atletas. O apoio evoluiu e os primeiros cânticos entoados em massas surgem nos anos 60, a par das palmas ritmadas. Facilmente o apoio era sentido, uma vez que a maioria dos estádios tinha bancadas próximas do relvado e umas boas centenas de adeptos até ficavam sentados junto às 4 linhas. Principalmente devido ao Mundial de 1974, as infraestruturas mudaram. Distanciaram-se as bancadas do relvado e formaram-se topos de dimensões maiores do que até aí, os quais foram sendo ocupados maioritariamente pela juventude. É aí que surgem mais e mais adeptos entusiastas a ostentar as cores dos seus clubes, com cachecóis, bandeiras e vestuário personalizado. Em solo germânico nasceu um estilo próprio no que toca a vestuário. Os adeptos vestiam coletes de ganga, aos quais cosiam bordados ou demais adereços alusivos ao clube, cidade e região que representavam, tal como de cervejas que apreciavam, entre outras coisas. Esta tendência é muito relevante no historial de adeptos alemães, sendo denominados “Kutten-fans” e, hoje em dia, é comum encontrar vários nas bancadas. Nos anos 70 começam a surgir os primeiros casos de confrontos graves. Já em 1982, um jovem de 16 anos, adepto do Werder Bremen foi morto por adeptos do Hamburger SV. Adrian Maleika foi morto pelos rivais, alegadamente pertencentes a grupo “Die Lowen”, enquanto se deslocava até ao estádio do adversário. A vertente inspirada nos Hooligans, misturada com política, o passado de guerra, a cerveja em abundância e os coletes de ganga, trouxe um grande crescimento da violência no contexto desportivo. Nos anos 80, deu-se um considerável aumento de grupos deste tipo. O movimento Hool foi muito activo entre 1985 e 1998, tanto nas ruas como nos estádios. Em 1986 surge o grupo “Fortuna Eagles”, o primeiro ligado à onda Ultra e afecto ao modesto Fortuna Koln. Três jovens fundaram este grupo, eles que encontraram inspiração nas curvas italianas,

10


tendo o nome surgido da admiração que nutriam pelos “Eagles Supporters” da Lazio. Tinham como objectivo transformar o apoio ao clube, algo que não entusiasmou os dirigentes do mesmo, que não quiseram apoiar o grupo. Incentivados por isso, fizeram-se à vida de modo autónomo na organização de coreografias e na compra de pirotecnia tendo, a partir daí, recusado a cooperação com o clube. Ali foi onde começou a criar-se um estilo de apoio novo na Alemanha. Queriam elevar o apoio constante e entusiástico, uma vez que também não se identificavam com os “Kutten-fans” e os “Hooligans”. No início dos anos 90 cativaram mais pessoas para o seu sector e o grupo deu um salto a nível qualitativo, com a produção de faixas, de bandeiras de grande dimensões, estandartes, a compra de pirotecnia variada, sendo produzido também vestuário próprio. O “Fortuna Eagles” foi uma referência para outras massas adeptas germânicas e, através da mítica fanzine “SuperTifo”, não só se informavam, como começaram a dar-se a conhecer. Daí surgiram amizades com os históricos “Ultras Tito Cucchiaroni” e os “Supras Auteil”. Em Leverkusen, pelo ano de 1989, foi fundado um grupo de seu nome “Soccer Boyz”. Com cerca de 20 membros, surgiram com o objectivo de mudar o movimento de apoio ao Bayer 04. Devido a divergências, um ano depois alguns membros saíram e criaram o grupo “Madness”, ainda mais virado para a cena Ultra. Já em 1994, ambos os lados se reunificaram e formaram os “Mad Boyz”. As fanzines estrangeiras voltaram a ter um papel preponderante para a evolução do grupo e de todos os adeptos em geral. Vários grupos foram sendo criados até que se formou os “Ultras Leverkusen”, grupo que resultou da unificação de todos os grupos na “nordkurve” do Estádio do Bayer. “Ultras Nürnberg 1994” foram o terceiro grupo deste género a ser fundado na Alemanha. Desde cedo fizeram da “nordkurve” a sua casa e daí apoiam o F. C. Nürnberg. De seguida apareceram: “Binding-Szene” (1995 - E. Frankfurt), “Blaue Bomber” (1995 Stuttgarter Kickers), Promillos Ultras (1995- Freiburg), Boys Bielefeld (1995- Arminia Bielefeld), Erfordia Ultras (1996- Rot-Weiss Erfurt), Wilde Horde (1996- F. C. Koln), Chaoten 1860 (1996- München 1860),

11


Commando Cannstatt (1997 - VfB Stuttgart), Red Kaos (1997 - Zwickau), Ultras Frankfurt (1997 - E. Frankfurt), Generation Luzifer (1998 - Kaiserlautern), Harlekins Berlin (1998 - Hertha Berlin). Até à viragem do milénio, os grupos Ultra não eram predominantes no apoio aos clubes e, curiosamente, os primeiros grupos foram sendo fundados em clubes modestos. Os Ultras conquistaram o seu espaço, difundiram o seu estilo e pensamento e, actualmente, pouquíssimos são os clubes que não têm um grupo deste género, mesmo que milite nas divisões secundárias. Hoje são o coração das bancadas, conseguindo cativar os demais adeptos em diversas ocasiões. Conseguem ser muito organizados e disciplinados, muito criativos na confecção de material e coreografias, muito activos na defesa dos seus direitos e na defesa dos clubes, além de terem grande capacidade de mobilização. É possível perceber que muitos topos são apoliticos, apesar de haver grandes tendências à direita e à esquerda. Como referimos, os adeptos e Ultras germânicos são muito activos na defesa dos seus direitos e na defesa dos clubes. A luta contra o “Futebol negócio” e a favor de um futebol mais popular está bem enraizada. São diversas as acções em favor da lei “50+1”, lei essa que protege os clubes de que os investidores tenham maioria nas sociedades desportivas. A mesma regulamenta que os clubes tenham, pelo menos, 51% das ações. No âmbito desta luta encontra-se o combate à Red Bull, empresa que alavanca o RB Leipzig apesar de não ter a maioria das ações deste clube. Os Ultras também têm mais um “ódio de estimação” de seu nome Dietmar Hopp, proprietário do Hoffenheim. Este milionário conseguiu ser excepção à regra e tem a maioria das ações da sociedade desportiva do clube da sua terra. É habitual os grupos marcarem presença nos jogos das equipas secundárias dos seus clubes, que jogam nas divisões regionais, valorizando muito este tipo de realidade mais popular. Lá encontram mais liberdade, por exemplo, no uso de pirotecnia. O uso de artefactos pirotécnicos tem também sido alvo de luta dos Ultras, protestanto inclusivé contra a federação que aplica grandes multas aos clubes. Outros exemplos das reivindicações feitas nas bancadas e ruas é a implementação do “safe-standing”

12


nos topos e também pelos preços dos bilhetes de jogo mais baixos, quer seja no seu país como em jogos das competições europeias. Apesar das autoridades terem conseguido afastar o Hooliganismo dos estádios, este fenómeno está bem enraizado e activo na Alemanha. Ainda assim, a maioria dos grupos violentos marca presença nas bancadas. Muitos colectivos treinam em ginásios e lutam em florestas, entre si, assiduamente. Por exemplo, na segunda e terceira divisões há grupos fortíssimos nesse âmbito. Por L. Cruz

13


ERA UMA VEZ... O AZULÃO Lançado pela primeira vez em 1992 o Azulão é um dos mais antigos Fanzines do mundo Ultra. Inicialmente editado trimestralmente para ser uma fonte de receita extra da Fúria Azul, nomeadamente para ajudar a pagar as deslocações do Grupo, rapidamente se concluiu que o sucesso alcançado tanto na curva como entre os Sócios do Belenenses nos obrigaram a repensar o projecto e a alterar a periocidade, primeiro para uma edição mensal e posteriormente para todos os jogos no Restelo. O Azulão apareceu quando as Zines passaram, não só a ser moda mas também uma forma de dar a conhecer o Grupo e o movimento Ultra nacional. Se hoje a tecnologia facilita o trabalho de recolha de informação e de montagem gráfica, no início usávamos um processador de texto e as fotos eram fotos reais que se colavam nos originais antes de os fotocopiar. Outros tempos… Ao longo dos 28 anos de existência muita coisa se alterou, inclusive nos conteúdos, mas há artigos que ainda hoje são existem como as histórias das deslocações, os artigos de opinião sobre o que se passa no Clube e claro as notícias do Grupo. O Azulão mais que uma forma de aproximar a Fúria Azul dos Sócios do Clube, pelo menos no início, sempre foi também uma voz ativa e crítica dentro do Belenenses. Sem medos ou pudores, ao longo dos anos muitos foram os artigos de opinião e editoriais incómodos para muitos dirigentes e atletas do Clube, tudo em nome de uma identidade e postura de Grupo que ainda hoje são respeitadas entre os Belenenses. As mais de 300 edições publicadas são um registo histórico da própria história do Clube, das suas conquistas e dos seus momentos baixos, das subidas e das descidas de divisão. O poder da palavra é algo que nenhum Grupo deve ignorar e as fanzines, honra a quem ainda as tem e faz, representam a voz do Grupo, algo que nunca nem ninguém poderá calar. Por Luís Silva (antigo Presidente da Fúria Azul e responsável durante 18 anos pela edição do Azulão)

14


15


À CONVERSA COM CULTURA DE BANCADA Para celebrar o 1º aniversário junto daqueles que nos seguem decidimos que, neste número da Cultura de Bancada, vamos dar espaço aos membros da nossa equipa para falar um pouco acerca deste primeiro ano de projecto e explicar, na primeira pessoa, o que cada um de nós pensa. Que nos podes contar sobre a tua experiência neste primeiro ano da Cultura de Bancada? J. Lobo: Um ano é tão pouco mas ao mesmo tempo deu para tanto, foi intenso! Certo dia um amigo pediu-me para auxiliar o L. Cruz numa ideia que tinha em mente, uma fanzine, e eu aceitei ajudar com mais umas ideias. A partir daí muito mudou e por força das muitas horas de reflexão e de trabalho, juntos com mais gente, começamos a tentar desenhar um conceito diferente do que existia em Portugal. De um momento para o outro, dei por mim dentro do projecto e já não era só a dar ideias. Foram tantos os contactos, foram tantos os processos mas, actualmente, a concretização deste projecto está sustentada numa teia de ligações, organizada, que nos permite ter um funcionamento quase automatizado. Não pensem que isto é um projecto que se faz com simplicidade. Na verdade exige muito e eu não exagero quando digo que se perdem muitas horas, como se de um part-time se tratasse. É um voluntariado que me deixa muito orgulhoso, pois tal como muitos outros, que também o fazem noutras áreas, acredito que estou a contribuir para algomelhor... o algo dos adeptos. Assim, torna-

16

se um privilégio trabalhar na Cultura de Bancada. J.Leite: Foi um projeto que nasceu do sonho do J. Lobo e que, através de vários contactos com diversas pessoas formou uma equipa e partimos para o sonho pessoal dele, que mais tarde se tornou o nosso. No começo nem nós sabíamos bem como isto ia ser. Fomo-nos melhorando número a número e acredito que hoje, a metodologia e processo da fanzine está bem estruturada, daí acreditar que o futuro da mesma será longo e risonho. Ainda recentemente, em conversa com o J. Lobo, falamos que o reflexo do que falei em cima é o primeiro número. Chegou tudo à última hora, sem cuidado, com erros ortográficos, sem paginação, sem alinhamentos de caixas de texto, tudo sem cor. O impensável para uma edição atual. Acredito que quando nós dissemos que isto tinha de ser mais e melhor

começamos a entrar noutro patamar. Tanto na quantidade como na qualidade. A minha função foi o design e redes sociais e acredito que o progresso não foi só da CDB, mas sim pessoal também. Fui querendo melhorar e isso espelhou-se na minha área profissional.


Termino, agradecendo a oportunidade que tive de fazer parte deste grupo de trabalho. Como sabem, a minha participação ativa na CDB findou na última edição (6) devido à minha parte profissional se tornar incompatível no sentido temporal com a fanzine. Contudo, desejo que a mesma se mantenha em progresso continuo e que a forma de crescimento seja maior do que foi no ano transato, pois acredito nas pessoas que se mantêm no ativo. L. Cruz: Esta tem sido uma experiência enriquecedora, da qual tenho o gosto de fazer parte desde o início. A Cultura de Bancada tem contribuído para a minha evolução pessoal e para um maior conhecimento do mundo, mesmo além daquilo que aos adeptos e ao desporto diz respeito. Reforçou em mim a ideia de que a união do povo é muito importante, independentemente das nossas diferenças, para que juntos passemos a palavra, lutemos e, consequentemente, consigamos atingir objectivos que visem garantir meios de comunicação independentes, e que os direitos das pessoas sejam salvaguardados. S. Frias: A experiencia na CDB tem sido bastante positiva, não só pelo o enriquecimento cultural na temática que trabalhamos mas também por poder ver de perto a dinâmica de todos os envolvidos e o crescimento, gratificante, que o projecto tem tido. Pessoalmente acho que este projecto cresceu imenso em apenas 1 ano e penso que o futuro será de consolidação do projecto como uma referência no movimento. A. Pereira: Tenho aprendido muito. Além dos conhecimentos sobre a história do futebol, hoje vejo nas dinâmicas de bancada uma energia contagiante de quem sente e pertence ao jogo e ao clube que apoia. Tem sido bonito descobrir isto. J. Sousa: Tem sido uma experiência enriquecedora a vários títulos. Aprendi bastante sobre a história da “bancada”, também sobre a legislação e matérias legais direccionados para os adeptos de espetáculos desportivos e, a troca de perspectivas com companheiros de bancada de diferentes clubes, também tem servido para alargar horizontes e ver o fenômeno duma perspectiva mais abrangente.

G. Mata: Para além de ajudar, contribuir e ter o prazer de escrever, tem servido também para, eu próprio, aprender bastante, como qualquer simples leitor desta fanzine. Temos tido uma diversidade de temas incrível, com uma equipa e convidados com conhecimentos bastante elevados, cada um especialista naquilo que vai escrevendo. O facto de ser um projecto “amador”, constituído por pessoas que têm as suas vidas como qualquer cidadão comum, ainda traz mais mérito, modéstia à parte. Houve uma evolução a todos os níveis desde o primeiro dia que idealizámos o que tínhamos em mente, fruto da responsabilidade individual, causada também pela própria dimensão e do bom feedback que fomos tendo. Se no início cada um de nós enviava os seus próprios textos e pouco passava disso, agora há uma atenção redobrada de cada elemento em ler e reler tudo, tendo medo de cada erro (seja gráfico, ortográfico ou narrativo) que possa ir para o “ar”. Temos a noção também que a CdB é o preenchimento de um vazio que havia em Portugal sobre este tipo de projectos.

17


O que achas que a Cultura de Bancada veio acrescentar? Trouxe algo de novo? M. Bondoso: A meu ver, a Cultura de Bancada veio ocupar um espaço que estava completamente vazio desde o final da Adeptos. Só isso, por si, já era excelente, mas penso que trouxe de volta muito do bichinho que vive dentro de quem gosta disto a sério. Um design e grafismo apelativos, mesmo para uma publicação digital que, seguramente, também irá resultar em papel assim que possível. Raul Rodrigues: Veio acrescentar informação mais alargada e pertinente sobre os problemas que assolam as bancadas e uma perspetiva histórica dos vários movimentos/acontecimentos que as bancadas viveram ou fizeram nascer. O que trouxe de “novo” foi o reavivar de algo que foi fundamental na evolução da “Cultura de Bancada” nos anos 90, as fanzines. Martha Gens: Numa altura em que o panorama relacionado com os adeptos em Portugal se vê com graves questões no que a eles diz respeito, a Cultura de Bancada trouxe o renascer, para a época moderna, das fanzines, famosas há uns anos atrás. Para quem é interessado e seguidor do movimento ligado não só aos adeptos mas também de outros temas satélites do futebol, a cultura de Bancada aparece como uma fonte de informação muito interessante e muito bem conseguida- quer pelo teor dos artigos quer pelo grafismo. E sobretudo porque é um projecto de adeptos para adeptos, feito com romantismo que nos fazia falta a todos, e que nos une - aos apaixonados, aos interessados. A quem não conhece e tem interesse em conhecer mais. De tal forma a Cultura de Bancada tem sido um marco na difusão de assuntos de interesse a nível nacional, que este interesse já foi transportado a nível internacional. Eupremio Scarpa: O que eu acho que a Cultura da Bancada trouxe de novo foi exactamente o que diz o seu nome, aquilo que é essencial e poucos acham importante divulgar. O adepto, a curva, a sua história e o seu presente... É a nossa CULTURA. Trouxe também a afirmação de uma consciência de que o adepto não é um cérebro não pensante e que vive apenas à espera do

18

domingo só para poder gritar e andar à porrada (trogloditas há em todas as “culturas”). Nós somos, sobretudo, um animal social que entende o jogo da bola numa maneira mais ampla e abrangente. É convívio, é festa, é empenho, é história, é representação social, identidade, etc. A Cultura de Bancada conseguiu divulgar todas estas facetas que tornam o futebol mais do que um jogo. O mundo moderno quer que, esta

nossa paixão, seja apenas show business numa relação estilo “eles e nós” mas, para a Cultura de Bancada, é o contrário. Existe só o NÓS porque, no fundo, o futebol é partilha e igualdade. Norberto Totobola: Numa retrospectiva histórica sobre a temática, o que nos motivava a procurar uma zine ou uma revista era a oportunidade de perceber o que outros grupos faziam, o que se fazia lá fora, ver umas fotos. Ora nesta altura, em que tudo se sabe ao minuto e a oferta da internet é tanta e de boa qualidade, parece não fazer sentido editar uma zine exclusiva sobre o


mundo ultra. O que me leva então a ler? A revista acrescenta algo? Claro que sim. Para quem tem interesse pelo movimento, a revista apresenta imensos artigos de opinião bastante interessantes, de qualidade e de boa leitura, sendo, muito mais do que fotos de jogos e crónicas. Assim, transforma a revista numa oferta única para os ultras e

portugueses.

restantes

adeptos

Porquê que ainda não lançaram a Cultura de Bancada em formato físico? J. Lobo: Três pontos que pesam para isso. O primeiro, a questão dos orçamentos; o segundo, a questão do “lucro”; e o terceiro, o aumento da carga de trabalho com a questão dos pagamentos e a distribuição. Quero explicar a questão do lucro pois é importante no mundo dos adeptos. A margem do lucro que desenhamos servia para as quebras nas vendas, quero dizer para podermos não vender algumas fanzines e não termos prejuizo.

E em adição a isso, o facto de termos de restituir o dinheiro que será investido e o prazo previsto era de dois anos! Em suma, precisamos de um bom orçamento que nos permita gerir as contas com alguma segurança e consciência. De certeza que os nossos leitores entendem que o nosso objectivo não é lucrar com isto, mas nós já damos muitas horas das nossas vidas e, ter que perder dinheiro não é uma situação justa para a nossa equipa. Mais transparente não posso ser. L. Cruz: Esta é uma questão que tem nos deixado um “amargo de boca” ao longo deste ano. Inicialmente, concordamos em consolidar o projecto a nível interno e conseguir cativar um bom número de leitores. Há duas razões para tal não se ter efectivado até hoje. Não quisemos “dar um passo maior do que a perna” a nível financeiro. À posteriori, procuramos orçamentos para imprimir a revista da maneira que pretendemos. Até hoje, não encontramos o “preço ideal”, face ao poder de compra nacional, que baixou ainda mais devido às consequências da pandemia. De qualquer forma, actualmente já temos uma ideia mais concreta dos custos de impressão e do que cada um poderá investir e pretendemos mudar o rumo da situação. Perante as várias expectativas, que foram criando, quais ficaram por atingir? Porquê? J. Sousa: Os grandes objectivos ainda por concretizar passam pela publicação da fanzine em formato físico e também por uma maior abrangência em termos de número de leitores. Creio que de certa forma, estas duas metas podem estar interligadas, até porque muitos leitores se queixam da dificuldade de ler um conteúdo desta dimensão em formato digital. A questão do lançamento em formato físico já foi explicada noutro ponto, mas em relação ao facto de atingirmos um número relativamente pequeno de leitores, acredito que haverá uma série de explicações, nomeadamente as já elencadas e, de certa forma, o facto de não haver uma cultura de adepto ainda fortemente cimentada no nosso país, poderá contribuir para explicar a situação. L. Cruz: A maior expectativa criada que ficou por

19


atingir foi a de passar o trabalho para o papel. Como já expliquei, é uma situação algo complexa e estamos a ponderar avançar em breve para a sua concretização. Quanto ao resto, considero que tenho pena deste modelo de publicação não ser o ideal, pois acho que poderíamos ter muitos mais leitores, dado o conteúdo de cada número. De resto, é com orgulho que vejo o trabalho que temos desenvolvido, pois a nível de conteúdo t e m o s conseguido manter a qualidade. Não esperava conteúdo tão bom, não esperava uma diversidade tão grande de temas. Os nossos convidados, principalmente os habituais, têm apresentado sempre bons trabalhos. Um agradecimento a eles pela colaboração! Quais as maiores dificuldades que encontram? J. Leite: Achar vontade de continuar a cada novo número. O nosso publico alvo é sem dúvida os adeptos. Contudo, os adeptos portugueses têm uma falta de identidade no seio da Cultura de Adepto. Olhemos para a quantidade de leis/regras que são impostas aos adeptos. Maioria descabidas e sem qualquer estudo de efetividade. O que vemos como resposta? Aceitação, pura aceitação. Lamentamos todos o estado atual do nosso futebol, mas a cada mudança (e poucas são para

20

melhor) nós não fazemos nada. Quanto à fanzine, sempre primamos em não ser mais do mesmo. Não somos a revista da fofoca nem a revista do panorama ultra do momento que relata apenas o que os outros fazem. Somos mais do que isso, somos o passado, o presente e o futuro. Somos parte da mudança que acreditamos ser necessária e transmitimos a nossa forma de estar através da fanzine. Contudo os adeptos portugueses são como os velhos do jardim. Abrem o jornal e vêm as imagens e as “letras gordas”. J. Sousa: Encontramos uma série de dificuldades próprias de uma equipa que desenvolve o projecto de forma inteiramente amadora e pro bono. As responsabilidades profissionais e familiares, juntamente com a actividade desenvolvida no seio das massas adeptas dos nossos clubes levamnos já uma fatia considerável do tempo disponível, pelo que, fazer uma fanzine com esta diversidade de conteúdos é uma tarefa bastante árdua. O facto de sermos provenientes de localidades diferentes e poucas vezes nos encontrarmos fisicamente complica o processo de organização e dificulta a criação do espírito de equipa que um projecto destes exige.


Que podem dizer sobre o feedback que recebem nacional e internacionalmente? S. Frias: O feedback que recebemos tem sido sempre bastante positivo, mesmo quando nos apontam alguma gralha acabam sempre por nos dar os parabéns. Penso que a nível nacional a CDB é já um projecto com reconhecimento dentro do meio e isso, em apenas 1 ano, fala por si. Internacionalmente temos recebido feedback igualmente positivo, já tivemos destaque em publicações estrangeiras e penso que, com o passar do tempo, a CDB será cada vez mais reconhecida e tida como uma referência também no estrangeiro. G. Mata: Acho que o facto de mais de 90% das mensagens que recebemos serem a perguntar se existe ou quando sai a versão em papel diz tudo. A verdade é que o número de pessoas interessadas pelo que é a bancada em Portugal não é imenso, como é sabido, mas os leitores que vão interagindo connosco dão-nos comentários positivos, tanto aqui como no estrangeiro. Não me recordo sequer de uma mensagem em tom negativo, de alguma crítica acerca de algo que não tivessem gostado. E a verdade é que sobre

um tema tão sensível como são os adeptos e a bancada, onde é fácil apontar o dedo de alguma suposta parcialidade em qualquer coisa que se escreve, tem certamente o seu valor. Importa destacar que as fanzines internacionais que já mencionaram a CdB foram importantes para esses elogios vindos do estrangeiro. Uma vez que estão dispersos geograficamente, como avaliam a vossa organização interna? S. Frias: Este projecto é possível ter gente tão dispersa geograficamente graças às “novas” tecnologias de comunicação. Ainda para mais tendo a CDB nascido em plena pandemia covid e com todas as restrições que foram impostas, foi graças às tecnologias de comunicação que conseguimos criar métodos e ter uma dinâmica que funciona quase como se estivéssemos todos juntos, mesmo estando tão longe uns dos outros. A. Pereira: Hoje é fácil fazer do longe perto. Apesar da distância geográfica, a coordenação do trabalho com a equipa da Cultura de Bancada tem sido bastante fluída e a comunicação muito clara. Há textos, há prazos, vamos a isso!

21


Qual o momento mais engraçado? A. Pereira: Existem vários. Inicialmente, ao rever os textos, confesso que houve termos que não dominava, o que toldou o meu entendimento. Felizmente, tenho um verdadeiro “ultra” em casa que me foi explicando (com algum gozo à mistura) muito desta linguagem específica que me tem fascinado. G. Mata: Não consigo dizer algum particular num determinado momento, mas o que me faz sempre esboçar um sorriso é quando o Director J. Lobo fica em pânico por falta de um ou de outro texto e recear que a fanzine vai ficar muito curta. A verdade é que, após a sua conclusão, a tendência acabava por ser praticamente sempre de crescimento, atingindo mesmo a centena de páginas. Qual o pior momento? J. Leite: Houve vários momentos bons e também menos bons. Mas prefiro reformular a questão e dizer “qual a pior sensação?”. E a essa questão a reposta é, sem dúvida alguma, tu entregares a um número dezenas de horas tuas, em que podias estar com a tua família, a ver um filme, a viajar e veres um enorme desinteresse por parte das pessoas. Tivemos números com mais de 100 páginas cheias de conteúdo e ver que poucos se importavam com aquilo. Isso é frustrante e só uma equipa forte como esta arranja força para continuar. Sempre trabalhamos para o grátis e, mesmo assim, nunca achamos que o nosso trabalho fosse devidamente reconhecido. S. Frias: Quando o L. Cruz lavava a louça nas calls ou quando o J. Lobo ao fim de 2 horas de reunião começava a divagar para o estado social em que vivemos e a filosofar sobre a sociedade em geral.

22

Olhando para trás não acho que tenha havido momentos maus, houve certamente momentos menos bons, inerentes a um projecto como este, atrasos em recebermos conteúdo, recebermos conteúdo completamente ao lado do que pretendíamos, o grupo nem sempre está na “mesma página”, mas no fim do dia tudo isto são processos de aprendizagem que, pessoalmente, vejo como sendo normais no dia a dia de uma revista/fanzine e penso que só nos fazem crescer.

Com que sensação ficam após este primeiro ano de existência? A. Pereira: Já? J.Lobo: Com a sensação de dever cumprido que, naturalmente, se traduz no orgulho que sentimos na Cultura de Bancada. Os vossos leitores procuram ajudar o projecto de alguma forma? J.Sousa: Durante este ano de fanzine, os leitores foram convidados a auxiliar-nos uma série de vezes, e recebemos algumas respostas, nomeadamente com a cedência de algumas


fotografias do passado. Ainda assim acredito que seria importante que, aqueles que nos seguem, tivessem um papel mais proactivo, que seria sem dúvida uma mais valia para a equipa, e que fortaleceria a riqueza dos conteúdos por nós publicados. G. Mata: Todas as pessoas são diferentes e os nossos leitores não são excepção. Acredito perfeitamente que a grande maioria sejam os mais discretos, aqueles que gostam deste tipo de temas, sem se exporem ou divulgarem algo. Depois existem os que, de facto vão, contribuindo de forma mais directa, seja através de partilha de imagens antigas (como já pedimos publicamente para o fazerem) ou simplesmente partilhando a própria fanzine nos seus grupos ou perfis pessoais. O que ganharam neste ano? L. Cruz: Ganhei muito. A nível da Língua Portuguesa dá sempre para praticar e tentar evoluir. A nível de conhecimento geral e em específico do desporto e dos adeptos, é uma constante! A nível das relações pessoais, tem sido bom! Deu para alargar horizontes, ganhar outras perspectivas. Reforçou em mim o espírito de coesão com outros adeptos e/ou Ultras, mesmo que rivais, pois é algo que necessitamos para levar avante a nossa luta contra o sistema e para conseguirmos criar conteúdo que seja “generalista”. Espero que venhamos todos a ganhar bons momentos de convívio, ao celebrarmos a actividade da Cultura de Bancada. J .Lobo: Certamente o conhecimento adquirido. É impossível dissociar a aprendizagem desta experiência. E acredito que todos nós, na equipa da fanzine, aprendemos bastante com o trabalho que realizamos. A vontade de querer oferecer mais e melhor também nos obriga a procurar mais e melhor. Julgo que seja aí que reside a

chave para o desenvolvimento do projecto que, na minha opinião, sem querer passar os limites da humildade, está num bom nível. E o que perderam? J. Leite: Muitas horas de trabalho, muitas promessas de artigos entregues a tempo e horas e à última da hora teres de arranjar uma alternativa. No entanto, nós sempre demos liberdade a todos. Tanto convidados como à equipa. Eu na parte do design, podia divagar e explorar o quanto quisesse, e sempre fui de ir mais além do que o número anterior. Isso depois claro, cobrava-me mais horas de trabalho. Mas a vida é assim, não ganhas nada sem perder alguma coisa. J. Lobo: Sem induzir em arrependimento, a dizer que perdemos algo, acho que só posso responder as muitas horas dedicadas. Não foram poucas as vezes em que após o jantar, um dos poucos momentos em que tenho a família reunida, o meu filho me perguntava se eu ia trabalhar para a revista ou ia fazer algo com ele. Como disse, não me arrependo pois acredito que também é por ele que faço isto. Uma mensagem final Nada ou muito pouco se consegue sozinho. Da mesma forma que este projecto se traduz na união dos esforços da nossa equipa de trabalho, e de dezenas de convidados, a mudança que os adeptos desejam nas suas bancadas só é possível com a reunião de esforços de adeptos de todas as cores. E não temos dúvidas que precisamos de valores comuns para formar a base que sustentará a mudança. Ninguém nasce ensinado mas, a verdade é que cada um de nós, de algum modo, tem um papel a desempenhar. Tu és importante para a mudança! Pelos adeptos!

23


24


25


26


27


28


29


30


31


Resumo da luta Um início de temporada que fica marcado pelo regresso do público aos estádios. Porém, sem o fundamental para qualquer adepto, ou seja, a liberdade! Para além das medidas restritivas, em que se limitou de um terço até metade da lotação máxima da totalidade de um recinto desportivo, sendo necessária a obrigatoriedade da apresentação do Certificado de COVID (neste caso, para eventos com lotação acima das 1.000 pessoas), ainda existiu o Cartão do Adepto, cujos malefícios provocados nas bancadas portuguesas não precisamos repetir. De qualquer maneira, teve o condão de unir a grandíssima maioria dos grupos portugueses numa luta que merece um destaque especial e diferente neste Resumo da Bancada! Apesar da época desportiva no nosso país ter começado oficialmente através da Taça da Liga, foi na primeira jornada das ligas profissionais que as acções ganharam maior proporção. Destacamos, então, vários desses desafios, sendo que importa já dizer que o boicote foi quase total a nível de grupos, com a maioria dos estádios sem um único adepto nas zonas destinadas ao cartão. A frase “Não ao Cartão do Adepto” foi prática comum em vários desses encontros. Deixamos alguns registos... Comunicado Grupos do SC Braga Os dois grupos do SC Braga, Red Boys e Bracara Legion, anunciaram, através de um comunicado conjunto, o boicote completo aos jogos fora de casa enquanto os clubes não garantirem condições para que todos os estádios consigam receber público forasteiro, nomeadamente quem não é detentor do Cartão do Adepto. Sporting CP x FC Vizela | 06-08-2021 Iniciou-se um cântico na bancada norte de Alvalade que se alastrou rapidamente a outros encontros: “Ninguém faz o cartão!”. Importa destacar que este estádio é um dos poucos que não alberga sector visitante para quem não tem CdA, mas a Força Azul marcou presença, com ingressos destinados ao público em geral.

32


Moreirense FC x SL Benfica | 07-08-2021 Diabos Vermelhos com a tal mensagem numa tarja e vários cânticos contra o cartão. Rio Ave FC x Académica de Coimbra | 08-08-2021 Os cânticos contra o cartão, por parte da Mancha Negra, foram audíveis na própria ‘flash-interview’, após o final do jogo. Vitória SC x Portimonense SC | 08-08-2021 Contestação ao cartão feita pelos diversos grupos do emblema vimaranense. Os White Angels improvisaram a sua faixa através da entrada e respectiva junção de pequenas letras. Também houve a iniciativa da distribuição de flyers aos restantes sócios por parte os Insane Guys e do Gruppo 1922. FC Porto x B-SAD | 08-08-2021 Apesar dos grupos da formação da casa, juntamente com a Nação Barcelense, terem sido os únicos na primeira ronda do campeonato com elementos a apoiarem em zonas do cartão, a verdade é que ainda houve pequenos grupos, espalhados do outro lado do Estádio do Dragão, que contestaram o cartão, tanto com cânticos como com mensagens. Na segunda jornada, a luta prosseguiu. Desta vez, o lema foi a frase “Cartão vermelho ao Cartão do Adepto”. Juntamente com essa mensagem, vários adeptos levantavam mesmo um cartão vermelho! Relatamos alguns acontecimentos dessa altura, mas não sem antes deixar de mencionar que a Nação Barcelense e o Colectivo 95 anunciaram também boicotar o ridículo Cartão do Adepto, passando de três para apenas um único grupo a apoiar nas zonas destinadas ao mesmo. Dessa mesma ronda, destacamos dois encontros: SC Braga x Sporting CP | 14-08-2021 Bilhetes para adeptos visitantes caríssimos (de forma a evitar a presença de sportinguistas), o que valeu um comunicado de repúdio por parte dos ultras da casa, que anunciaram o seu silenciamento durante a primeira parte, à excepção do minuto 12, em que fizeram o tal protesto da exibição do cartão vermelho!

33


FC Famalicão x FC Porto | 15-08-2021 Muitos portistas deslocaram-se até à cidade famalicense. Apesar do sector visitante ter estado composto pelos Super Dragões, também houve muitos ultras desse grupo que recusam a adesão e acabaram por incentivar e apoiar a equipa no exterior, juntamente com o C95. Logicamente que os protestos têm prosseguido. É raro o jogo em que os grupos não cantem, seja de forma mais simples ou original, contra o Cartão do Adepto. Acabamos por destacar o que se passou na quarta jornada, na primeira partida caseira do FC Porto, após a tal anulação do cartão por parte dos elementos do Colectivo 95, que inicialmente o tinham feito. FC Porto x FC Arouca | 28-08-2021 Os ultras do Colectivo estiveram em bom número no seu sector de eleição do estádio portista. Porém, a acompanhá-los estava um grande contingente policial que decidiu entrar em acção ao intervalo, tentando expulsar os elementos que pretendiam apenas ir ao bar ou ao WC. Numa positiva postura de união e resiliência, esses ultras conseguiram voltar aos seus lugares, mas a tensão foi permanente entre a segurança presente e a claque localizada no Topo Norte. Como já referimos, no meio de tanta repressão e com pouca tão liberdade de apoiar, protagonizouse a luta que acabámos de referir. Até muitos grupos de clubes que militam actualmente nos escalões inferiores demonstraram a sua reprovação ao cartão, mesmo que directamente nem sejam tão afectados pelo mesmo. De qualquer maneira, nem tudo se baseou nisso. Posto isto, deixamos alguns dos bons registos que ocorreram nestes últimos dois meses, como habitualmente fazemos.

34


CD Santa Clara x SC Braga | 26-09-2021 Tal como já referimos anteriormente, os grupos do Braga comunicaram o boicote aos jogos fora de casa, enquanto os clubes não arranjassem todos solução para disponibilizar bilhetes a adeptos visitantes, sem estes serem portadores do Cartão do Adepto. A visita ao arquipélago açoriano não foi excepção, mas a Bracara Legion fez questão de viajar e apoiar no exterior do estádio! Abriram uma tarja que exprimia toda essa luta: “Não há distância que nos separe, mas há um cartão que nos divide!” FC Famalicão x Vitória SC | 01-10-2021 Um dia antes deste encontro, o Governo anunciou a redução de restrições existentes, passando os recintos desportivos a poder ter a lotação máxima. De qualquer maneira, todos sabemos que, com a manutenção da existência do Cartão do Adepto, na prática, os estádios ficam com menos do que os anunciados 100%. Dada a proximidade entre Vila Nova de Famalicão e Guimarães, e também a sempre boa procura de ingressos por parte dos vitorianos, o facto de aquele estádio ser um dos que apenas permite a venda de bilhetes a portadores do CdA gerou mais indignação e revolta. A verdade é que, dadas as boas relações dos Fama Boys com ultras do emblema vimaranense, conseguiram fazer com que estes últimos acedessem para junto dos sócios da casa, com bilhetes ao custo unitário de cinco euros. Como resultado disso, a bancada nascente daquele reduto famalicense ficou muito bem composta, à excepção do sector visitante, que esteve completamente vazio! Como já referimos, no meio de tanta repressão e com tão pouca liberdade de apoiar, protagonizouse a luta que acabámos de referir. Até muitos grupos de clubes que militam actualmente nos escalões inferiores demonstraram a sua reprovação ao cartão, mesmo que directamente nem sejam tão afectados pelo mesmo.

35


Resumo da bancada De qualquer maneira, nem tudo se baseou nisso. Posto isto, deixamos alguns dos bons registos que ocorreram nestes últimos dois meses, como habitualmente o fazemos. Boa deslocação vitoriana em jogo da Taça da Liga: Casa Pia AC x Vitória SC | 01-08-2021 Perto de uma centena de elementos do clube vimaranense deslocou-se até ao Estádio Pina Manique, estando os vários grupos ultras e restantes adeptos. Uma daquelas coisas que, infelizmente, já mal nos lembrávamos de acontecer em Portugal. Muito apoio ao longo da partida, que culminou numa vitória que garantiu a passagem à fase de grupos da competição, criando uma boa atmosfera e de sintonia entre jogadores e simpatizantes, no final do encontro. Leixões SC x SC Farense | 10-08-2021 O sorteio fez com que Leixões e Farense se defrontassem logo na primeira jornada do segundo escalão. Os ultras de ambos os conjuntos, para além de serem dois dos mais conhecidos desta divisão, ainda têm uma amizade entre si. Porém, a transmissão televisiva do encontro fez com que o mesmo passasse para uma 3ª feira, evitando que os adeptos algarvios pudessem deslocar-se em bom número. Logo por aí, os ultras da casa fizeram questão de colocar uma mensagem de boas-vindas aos poucos elementos que chegaram a Matosinhos: “Bem-vindos, amigoSS ultras. A repressão e os horários da TV não acabam com militância e amizade”. Os farenses, ao chegarem, também afixaram uma mensagem de força para com Jorge Moreira, actual presidente do Leixões e que vai lutando contra um problema de saúde: “Estamos contigo Moreira”. Para além dessa tarja, ainda lhe ofereceram uma camisola do Farense com o nome e número da claque. Nota para o facto de ter contado com vários protestos contra o Cartão do Adepto. Do lado leixonense, com mensagens e cânticos (foram bem audíveis na ‘flash-interview’). Os South Side Boys abriram também uma mensagem, no exterior, junto à entrada do Estádio do Mar.

36


Pacenses em Londres: Tottenham Hotspur FC x FC Paços de Ferreira | 26-08-2021 O Paços de Ferreira venceu, de forma histórica, a equipa do Tottenham na primeira mão do play-off da nova Europa Conference League. Logicamente que ainda mais vontade deu para os adeptos “castores” de viajarem até à capital inglesa para o segundo encontro, o que seria na teoria bastante complicado, pois, para além das conhecidas restrições de viagem até ao Reino Unido, a UEFA proibia, naquele momento, venda de ingressos para os sectores visitantes nos desafios das competições europeias. A verdade é que houve presença amarela no New Tottenham Hotspur Football Stadium, superando esses obstáculos que lhes estavam impostos! Presença boavisteira em Paços de Ferreira: FC Vizela x Boavista FC | 28-08-2021 O Vizela disputou as suas primeiras partidas no Estádio Capital do Móvel, neste regresso ao primeiro escalão. A Força Azul marcou presença em todos eles, sendo que neste obviamente que não foi excepção. O destaque vai para a boa moldura humana axadrezada presente no sector visitante (da zona em que o cartão não é obrigatório, evidentemente), esgotando os bilhetes que lhe foram destinados. Já na primeira jornada, os boavisteiros tinham tido uma forte comparência em Barcelos. No final do encontro, nota negativa para uma lamentável e indiscriminada carga policial sobre os adeptos do Bessa, inclusive sobre mulheres. Dérbi do Minho: SC Braga x Vitória SC | 29-08-2021 Um dos jogos mais aguardados do calendário em Portugal e que finalmente voltou a contar com público, mas que teve um sabor agridoce, tendo em conta todas as restrições. Ainda assim, bom apoio de ambos os lados, com os visitantes a contarem com cerca de meio milhar de elementos. Abordamos este encontro em específico com uma reportagem especial neste número da fanzine!

37


Clássico: Sporting CP x FC Porto | 11-09-2021 Um clássico naturalmente marcado também pelas restrições que temos vindo a referir. Como já aqui dissemos, o estádio do Sporting é um dos que apenas tem sector visitante para os portadores do Cartão do Adepto. Por isso, o Colectivo e muitos outros adeptos portistas não puderam comparecer. De qualquer maneira, esse mesmo grupo portista fez questão de pintar uma bela coreografia, em que a mensagem presente foi “11 à moda do Porto”, que mostraram à equipa quando esta seguia para Lisboa, na véspera, abrindo simultaneamente várias tochas junto às portagens de Grijó, em Vila Nova de Gaia. Já no dia do jogo e dentro do recinto, presença dos Super Dragões no sector visitante, através dos seus elementos que são portadores do CdA. Do lado da casa, as suas claques ficaram na bancada superior da Sul de Alvalade, abriram pirotecnia e também uma mensagem provocatória à claque visitante. Infelizmente, um ultra sportinguista acabou por cair para a bancada inferior, depois de um vidro se ter estilhaçado, mas felizmente chegou ao hospital estável e sem lesões graves. Porém, este acontecimento deveria de fazer repensar os dirigentes e as nossas autoridades sobre este espectáculo degradante que obriga os Grupos Organizados de Adeptos a irem para sectores com menos condições do que os de origem, como frisou e bem o Directivo Ultras XXI num comunicado, grupo do elemento em questão. Dérbi do Mar: Leixões SC x Varzim SC | 12-09-2021 Encontro entre clubes rivais, cujas cidades têm uma conhecida tradição piscatória. O jogo foi apimentado horas antes, com a colocação de uma tarja na Póvoa de Varzim, por parte de ultras leixonenses, com a mensagem: “Para quando polacos a sério??”. Como o Estádio do Mar se encontra a ser remodelado, apenas uma bancada está aberta ao público, o que obriga a que o sector visitante esteja junto aos adeptos da casa. Logicamente que os bilhetes voaram rapidamente, até porque não eram muitos dadas as circunstâncias, e os cânticos foram constantes de parte a parte. No final, as picardias transformaram-se em incidentes, com a passagem de alguns ultras do Leixões pela zona dos

38


camarotes (que fica na zona superior da bancada), surgindo algumas agressões. Festa da Taça: UD Lamas x SC Espinho | 12-09-2021 Ditou a primeira ronda da Taça de Portugal que estes dois clubes históricos, vizinhos e naturalmente rivais se defrontassem na primeira eliminatória. Com um Estádio Comendador Henrique Amorim muito bem composto e com ambas as equipas a serem apoiadas pelos seus grupos. Do lado da casa, nota para a mensagem dos Papa Tintos: “Adepto sem cartão e de cerveja na mão”. Relativamente aos Desnorteados, foram impedidos de entrar com o seu material e com duas mensagens inofensivas que iam abrir durante o encontro: “Cartão, repressão, cifrão... Não rima com a nossa paixão!” e “Pulseira e certificado. Bem-vindos ao festival Desnorteado”. Acabaram por improvisar com 12 camisolas com uma letra, à frente do sector, para substituir a sua faixa. Presença encarnada na capital ucraniana: FK Dynamo Kyiv x SL Benfica | 14-09-2021 Primeiro jogo da fase de grupos, na longínqua e sempre hostil Ucrânia, com todas as condicionantes que é viajar neste período global de restrições. De qualquer maneira, os Diabos Vermelhos conseguiram estar representados nas bancadas! Acção no regresso leonino à Champions: Sporting CP x AFC Ajax | 15-09-2021 Este jogo em Lisboa mereceu muita atenção internacional da parte dos interessados por tudo o que é este fascinante mundo dos adeptos, muito devido à tensão e aos conflitos que se geraram entre ambas as partes, começando logo na véspera do encontro com alguma acção nas ruas. As expectativas e atenção policial foram, portanto, grandes para a hora do encontro. Boa presença neerlandesa, com um forte apoio que acabou também por crescer naturalmente com o resultado favorável para eles. Curiosamente (e também lamentavelmente), tais imagens que vimos dos apoiantes do Ajax são praticamente impensáveis, neste momento, caso fossem portugueses, dada a obrigatoriedade do Cartão do Adepto para se levar simples material e aceder a determinadas zonas, como é o caso daquele sector visitante de Alvalade. No nosso

39


país, os adeptos estrangeiros são livres (e bem) de apoiar as suas equipas, enquanto que os cidadãos nacionais são reprimidos (e mal) por quererem ir ao futebol... Presença portista em Madrid: Atlético de Madrid x FC Porto | 15-09-2021 De acordo com as regras que vigoravam na altura deste encontro na região da capital espanhola, os adeptos visitantes estavam proibidos de se deslocar para apoiar a sua equipa. Porém, houve presença de alguns apoiantes portistas, em diferentes sectores do estádio, levando mesmo pequenos panos para representar os seus grupos. 22- Bracara Legion em Belgrado: FK Crvena Zvezda x SC Braga | 16-09-2021 Para finalizar esta sequência de registos de adeptos portugueses, nessa semana de jogos das competições europeias, nada melhor que falar daquela que teve maior relevo. A presença da claque do conjunto bracarense no mítico Marakana merece, evidentemente, o respeito e a admiração pela dificuldade que é viajar em tempos como este, mas também pela coragem que é ir com poucos elementos a um dos terrenos mais hostis a nível mundial. Mereceu um artigo, escrito por um dos ultras que realizou essa viagem, neste número da fanzine! 23- Adeptos do Vitória SC em Arouca: FC Arouca x Vitória SC | 18-09-2021 Para além do bom número de adeptos do Vitória que se deslocou ao reduto do Arouca, fica a nota para uma boa atitude em resposta a uma atitude, no mínimo, caricata por parte da segurança local. Quem zelou pela organização da bancada visitante decidiu separar os próprios vitorianos, colocando um dos grupos na zona destinada aos portadores do Cartão do Adepto, quando estes últimos nem sequer o tinham. Através da união, os apoiantes do clube vimaranense decidiram saltar e abrir uma das portas que os separava, indo todos para o mesmo sector daquela bancada. 24- Força Avense na primeira jornada: CD Aves 1930 x CD Torrão | 19-09-2021 Primeiro encontro oficial da época do Aves e a sua

40


claque esteve em bom plano, apresentando uma coreografia e um sector bem composto. Já no jogo anterior, dias antes, num amigável contra o AC Milheirós, tinha dado bons indícios neste arranque de época, através de uma tochada. 25- Apoiante do Farense nos Açores: GD São Roque x SC Farense | 25-09-2021 Um único adepto farense viajou até à Ilha de São Miguel, nos Açores, para apoiar a sua equipa, fazendo representar o seu grupo, os South Side Boys. Mereceu o devido agradecimento e homenagem do seu clube pela forma como marcou presença! 26- Boa presença salgueirista no Estádio do Algarve: Louletano DC x SC Salgueiros | 25-09-2021 Um autocarro organizado pela Alma Salgueirista rumou desde o Porto até ao Sul de Portugal, para este encontro da segunda eliminatória da Taça de Portugal. Duelo entre duas equipas que militam no Campeonato de Portugal, o actual quarto escalão do futebol nacional, mas que fez demonstrar a fidelidade dos adeptos deste histórico. 27- Atmosfera em Guimarães: Vitória SC x SL Benfica | 25-09-2021 Um clássico das bancadas portuguesas e, pese embora a existência de restrições, houve um excelente ambiente nas várias zonas do estádio vimaranense, que estiveram bem compostas. Muitos cânticos, boa fumarada por parte dos grupos da Nascente e da Sul, pirotecnia também do lado encarnado, que se mostrou bastante empolgados por mais uma vitória da sua equipa, fazendo muita festa ao ritmo dos No Name Boys. 28- Vizelenses em Portimão: Portimonense SC x FC Vizela | 26-09-2021 Boa deslocação da Força Azul e restantes adeptos do Vizela até à região algarvia. A longa distância não fez demover os apoiantes da formação minhota, que compareceram num número de realçar, demonstrando estar bastante activos neste regresso do seu clube ao principal escalão português.

41


29- Apoio leonino: Borussia Dortmund x Sporting CP | 28-09-2021 Boa deslocação sportinguista até território alemão, comparecendo em bom número no mítico Signal Iduna Park, estádio conhecido pela sua grandiosidade e pelo bom ambiente proporcionado pela Südtribüne, local onde ficam os vários grupos ultras do BVB. No entanto, estes últimos estão a boicotar os encontros, dadas as restrições na Alemanha para se aceder actualmente aos recintos desportivos. Quem aproveitou para se fazer ouvir foram os adeptos leoninos no sector visitante! Houve também forte presença dos Deventer Hooligans, grupo dos neerlandeses dos Go Ahead Eaglees e que têm boas relações com os ultras do Sporting. Estes juntaram-se aos portugueses, causando algum impacto. Nota para os incidentes registados no próprio sector visitante com a segurança local... 30- Duelo entre rivais na distrital: CF União de Lamas x AD Ovarense | 03-10-2021 Mais um dérbi daquela região norte do distrito aveirense. Pese embora ter sido entre equipas que se encontram no quinto escalão português, a verdade é que o terreno esteve muito bem composto e, acima de tudo, com um grande ambiente de fazer inveja a muitas formações dos campeonatos nacionais. Nota para a boa deslocação do grupo forasteiro, os Fans 1921, que ainda se envolveram em momentos de maior tensão, quando tentaram ir, no interior do estádio, ao encontro da claque da casa, os Papa Tintos...

42

31- Deslocação dos South Side Boys: UD Vilafranquense x SC Farense | 03-10-2021 Partida em Rio Maior, no terreno que tem sido palco da formação de Vila Franca, mas mais parecia que era a equipa farense a jogar em casa, dado o apoio que se sentia na bancada. Um autocarro dos South Side Boys partiu desde cedo da capital algarvia até ao Ribatejo, chegando mais do que a tempo de conviver entre si nas imediações do Estádio Municipal de Rio Maior, servindo de aquecimento para os cânticos que se fizeram sentir no interior daquele reduto. Um bom registo numa partida, curiosamente, entre dois conjuntos que, nesta data, lutam para fugir aos últimos lugares do segundo escalão português...


Entre o Céu e o Inferno Beira-Mar O desporto em Aveiro

Como forma de contextualizar a fundação do Sport Clube Beira-Mar, importa clarificar que Aveiro sempre foi uma região propícia à prática de atividades desportivas, sendo possível encontrar em algumas obras históricas referências ao facto de os aveirenses aderirem “com facilidade à atividade física, à prática ativa de atividades desportivas e atléticas” (Homem, 2009, p. 369). Através de dados recolhidos por Homem (2009, pp. 369-371), coautor da obra “História de Aveiro – Sínteses e Perspetivas”, podemos afirmar que a primeira associação recreativa de Aveiro terá sido o Club Aveirense fundado no ano de 1861, seguindo-se a Assembleia Aveirense em 1875, o Grémio Moderno em 1881 e por último o Grémio Aveirense em 1883. No entanto, nenhuma destas associações representava uma forte vertente desportiva, mas sim cultural e recreativa. Estas associações foram servindo os aveirenses nos seus tempos de lazer e de fruição cultural e intelectual até aproximadamente ao ano de 1884, ano em que Mário Duarte funda o Ginásio Aveirense que leva, em 1902, à extinção do Grémio Aveirense devido à fusão deste com a associação então criada por Mário Duarte, surgindo desta fusão uma nova coletividade – o Grémio-Ginásio, constituindo-se assim “uma nova sociedade de educação física, instrução e recreio” (Homem, 2009, p. 372). Diversas coletividades surgiram ao longo da história de Aveiro, algumas foram-se extinguindo por não se adaptarem às exigências que as mudanças de hábitos e rotinas dos aveirenses exigiam. Já outras coletividades como a Sociedade Recreio Artístico, fundada em 1896, assim como o Clube Galitos de Aveiro, fundado em 1904, são ainda hoje coletividades de referência ao nível do desporto aveirense. Ainda em 1904, surge o Clube Mário Duarte, presidido pelo próprio e em 1908 surge o Club d’Aveiro, transformando

Aveiro numa “pequena cidade que procurava sair de uma prolongada estagnação” e colocando fim ao “período das sociedades de recreio, horas do chá, dos bailes, da dança, e dos jogos de salão” (Homem, 2009, p. 373). Aveiro entrava assim numa época de “entrega total às práticas desportivas” (Homem, 2009, p. 373), como reforçado por Sarabando que afirmou que, “na última década do séc. XIX (…), o futebol, a natação, o tiro, a esgrima, a luta greco romana e o remo começaram a ser largamente acarinhados” (como citado em Homem, 2009). Foi uma época fértil no surgimento de coletividades desportivas, que de forma mais ou menos formal, iam sendo constituídas.

A fundação do Sport Clube Beira-Mar

Com a instauração do Regime Republicano em outubro de 1910, a prática desportiva deixa de ser uma prioridade das pessoas. Como refere Gaspar (1986, pp. 10-11) a instabilidade política e social e o sentimento de insegurança, a nível nacional, mas também a nível mundial com o “eclodir da primeira guerra europeia e mundial, que martirizaria os países, as populações, e particularmente a juventude, durante longos e intermináveis anos” levaram a que a prática desportiva passasse para segundo plano. Com o fim do confronto mundial, a prática desportiva volta a ser um dos pilares centrais da sociedade aveirense. Em 1921, jovens aveirenses regressados dos Estados Unidos da América, começavam a reunir-se todas as noites no Rossio de Aveiro, na zona piscatória da Beira-Mar, para aí praticarem diversas atividades ligadas ao desporto. No entanto, não tardou a que dado o elevado e crescente número de praticantes, surgisse a ideia da criação de um clube naquela zona tradicional da cidade de

43


Aveiro. Era fundado informalmente o Sport Clube Beira-Mar. Apesar do propósito deste grupo de aveirenses ser a criação de um clube desportivo eclético, de forma a tentar abranger praticantes de uma grande variedade de modalidades, esta não foi uma tarefa simples, estando a atividade desta nova coletividade sempre indelevelmente associada ao futebol, como aponta Gaspar (1986, p.11). Este facto poderá estar associado ao elevado protagonismo que o futebol sempre teve em Portugal como fica claro se aludirmos, com o auxílio do site museuvirtualdofutebol. com, à emergência do fenómeno futebolístico em Portugal que, nos registos históricos, refere que um dos primeiros grandes encontros futebolísticos em Portugal que opôs uma seleção de jogadores de Lisboa contra uma seleção de jogadores do Porto, foi presenciada pelo poder régio que, à data (2 de Março de 1894), pertencia a D. Carlos I. Estando já o Sport Clube Beira-Mar a transmitir a todos quantos acompanhavam e participavam na vida da coletividade que a “tenacidade daqueles para quem o movimento desportivo e clubista não era fruto de leviandade própria dos verdes anos” e provando que a coletividade tinha vindo para marcar uma posição na sociedade aveirense, não temendo “o futuro nem as dificuldades – como as gentes de Aveiro… como os cagaréus da Beira-Mar” (Gaspar, 1986, p. 13), no dia 1 de Janeiro de 1922 procedeu-se à formalização da nova coletividade desportiva da cidade, que beneficiava à altura de grande simpatia por parte da sociedade aveirense. Nos primeiros anos de atividade da coletividade, a direção, como forma de fazer com que a coletividade estivesse em conformidade com a legislação das entidades desportivas e para que esta estabelecesse normas de funcionamento do clube, procedeu a estudos para a elaboração de estatutos. O resultado deste estudo foi apresentado aos associados para apreciação na primeira Assembleia Geral de sócios, que se realizou a 6 de Janeiro de 1924, tendo sido estabelecido que o Sport Clube Beira-Mar se definiria por ser “uma agremiação desportiva, cultural e recreativa, com o fim não só de promover o desenvolvimento da educação física do desporto, pela sua prática e

44

expansão, mas também de proporcionar meios de cultura e distração, visando uma maior preparação intelectual e cívica” (Gaspar, 1986, p. 14). O Sport Clube Beira-Mar foi uma de muitas coletividades fundadas à época na cidade de Aveiro. Enquanto muitas delas acabaram por desaparecer, o Sport Clube Beira-Mar, ainda que com diversos momentos difíceis e de instabilidade diretiva e financeira ao longo da sua existência, tem escrito a sua história sempre associada à cidade de Aveiro, ao longo de décadas, estando quase a completar o centenário da sua existência. Explica Gaspar (1986, p. 15) que este facto se deveu à circunstância de o clube ter tido a “sorte de, logo nos primeiros anos, ser acolhido pelo carinho do povo e ter dirigentes devotados e animosos, apoiados por uma massa associativa interessada”. Já em 11 de maio de 1935, noticiava o jornal “O Democrata” que seria construído o Estádio Municipal (o primeiro estádio da cidade), que só passados 5 anos, como noticiou a mesma publicação, em 21 de Setembro de 1940 recebe o nome de Estádio Municipal Mário Duarte, por sugestão do Sport Clube Beira-Mar, de quem Mário Duarte é presidente honorário, como forma de homenagear aquela que é até hoje uma das grandes personalidades do desporto aveirense e nacional.

Breve resenha histórica do clube

Desde a sua fundação até ao presente, o Sport Clube Beira-Mar tem-se pautado por ser uma instituição que apresenta constantes convulsões quer a nível interno, resultante de momentos de menor prosperidade económica ou de indefinição diretiva, quer a nível externo, devido ao facto de esta instituição ter tido outrora uma numerosa massa crítica, fator que nem sempre contribuiu de forma positiva e construtiva para o seu desenvolvimento. O Sport Clube Beira-Mar é uma associação de cultura, recreio e desporto sem fins lucrativos. Fundado em 1 de janeiro de 1922 na zona piscatória da Beira-Mar em Aveiro, os seus estatutos apontam o objetivo da sua atividade o “desenvolvimento da educação física e do desporto, promovendo a sua prática e expansão, sobretudo entre os seus


associados, proporcionando-lhe ainda meios de cultura e distração, visando uma maior preparação intelectual e cívica” (Estatutos do Sport Clube BeiraMar, 2014). Atualmente o número de associados da instituição ronda os 4500 e, apesar de ter o futebol como seu principal “core business”, é marcada pelo seu ecletismo, promovendo a prática de 15 modalidades, contando com um total aproximado de 1000 elementos, entre atletas, dirigentes e colaboradores. Imagem 1 -Logótipo utilizado comercialmente pelo Sport Clube Beira-Mar No entanto, apesar de este símbolo ser utilizado em todo o material de merchandising do clube, assim como nos equipamentos oficiais de todas as modalidades do clube, nunca foi aprovado pelos sócios em Assembleia Geral para ser o símbolo oficial do clube, permanecendo como oficial aquele que para muitos associados mais antigos é o “verdadeiro” símbolo do Sport Clube Beira-Mar (Imagem 2) e que, na realidade, é o que consta nos estatutos do clube. A controvérsia em torno do símbolo O logótipo ou símbolo a utilizar pelo Sport Clube Beira-Mar nunca foi uma questão unânime no seio de sucessivas direções e associados. Várias foram as direções que promoveram estudos no sentido de chegar ao logótipo original da instituição. No entanto, e dada a variedade de fontes consultadas, vários logótipos encontrados foram dados como oficiais em diferentes fases da vida do clube. Assim, o símbolo atual (Imagem 1) caracteriza-se pela predominância da cor amarela, sendo ainda possível destacar uma corda em redor do emblema, assim como uma âncora e as iniciais “B” e “M”, a que acresce o número 1922, o ano da fundação. Este símbolo vai ao encontro do símbolo presente em registos fotográficos mais antigos.

Imagem 2 - Símbolo oficial, segundo os estatutos do Sport Clube Beira-Mar Neste símbolo (Imagem 2), além das simbologias presentes no logótipo mais utilizado (Imagem 1), está representada uma ave (que sempre gerou discussão acerca da sua origem: se uma águia, uma gaivota ou outra qualquer

45


ave de rapina ou piscatória), sendo tomada esta por uma águia se for tido em conta o hino oficial da coletividade, cantado por Fernanda Batista (já falecida), com letra de Amadeu de Sousa e música de Ricardo e José Limas, que refere nas suas estrofes: “Ó águia do nosso emblema...” ou ainda “Ó águia sobe altaneira...”. Há assim no seio da coletividade um tema entre tantos outros que não é consensual.

As primeiras conquistas desportivas

Com a aprendizagem adquirida devido a encontros desportivos disputados contra diversas coletividades do concelho e de fora do mesmo, o Sport Clube Beira-Mar ia crescendo de forma sustentada, fosse ao nível da sua estrutura organizativa, fosse ao nível da competitividade desportiva. Foi nesta senda de crescimento e desenvolvimento que viria a sagrar-se campeão regional da I Divisão de futebol de Aveiro na época 1928/29, “quebrando a hegemonia que vinha patente de outro grande clube do distrito, qual era o Sporting Clube de Espinho” (Gaspar, 1986, p. 15), repetindo o feito nas épocas de 1937/38 e 1948/49.

46

Ao longo da sua história, vários nomes sonantes do futebol português representaram o SC Beira-Mar. Nesta imagem, reportada à década de 70, encontramos Eusébio e António Sousa na mesma equipa.

Ainda no futebol, o Sport Clube Beira-Mar estreia-se na primeira liga de futebol em Portugal na época 1961/62, mantendo uma presença assídua na principal competição da modalidade do país (atualmente o Sport Clube Beira-Mar é o 11.º clube em Portugal com mais presenças na primeira liga de futebol – 27 presenças) tendo conquistado a Taça Ribeiro do Reis, em 1965, e disputado duas


finais da Taça de Portugal, troféu que conquistou em 1998/99 a par da consequente participação na Taça UEFA (atual Liga Europa) na época seguinte.

O SC Beira-Mar disputou duas finais da Taça de Portugal, a primeira das quais em 1990/91, tendo sido derrotado por 3-1 pelo FC Porto após prolongamento (1-1 foi o resultado que se verificou no final do tempo regulamentar). Em 19-06-1999, cerca de 15 mil adeptos festejaram a conquista da Taça de Portugal, em pleno Estádio do Jamor, numa época em que a equipa de futebol desceu à segunda liga.

Apesar de ter descido à segunda liga, o SC Beira-Mar participou na Taça UEFA na época 1999/00.

47


O ecletismo Beiramarense Também noutras modalidades o clube foi crescendo, marcando a história da prática de outras atividades físicas e desportivas no concelho de Aveiro, como foi o caso do polo aquático, sendo em anos sucessivos campeão de Aveiro. Já no basquetebol, para além da marca deixada na modalidade no concelho ao longo dos anos, o Sport Clube Beira-Mar, juntamente com o Clube dos Galitos e o Internacional Atlético Clube foram os fundadores da Associação de Basquetebol de Aveiro em 1932. Quanto à natação, outra das modalidades que sempre foi muito acarinhada pelos aveirenses, o Sport Clube Beira-Mar foi, segundo Gaspar (1986, p. 18) “durante certo período de tempo, o segundo mais rico do país” ao nível do número de galardões, tendo inclusive participado em provas internacionais. Apesar da perda de diversos registos da história do clube ao longo dos anos, como por exemplo quando se deu um incêndio na sede social do clube, à data situado na Avenida Lourenço Peixinho, em 10 de Junho de 1965 (Gaspar, 1986, p. 17), foram diversas e quase incontáveis e imensuráveis as conquistas do clube para si, para os seus desportistas e para a cidade de Aveiro. Não querendo deixar cair no esquecimento todas as modalidades que engradeceram e engrandecem o Sport Clube Beira-Mar, não poderia deixar de mencionar modalidades que estiveram ligadas à história do clube como a natação, o atletismo, o andebol, o hóquei em patins, a ginástica, algumas ainda hoje praticadas, mas outras, seja pela falta de meios estruturais do clube e da cidade, pela falta de interessados na prática dessas atividades, ou apenas porque deixaram de “ser moda”, não fazem parte das modalidades atualmente praticadas pelo clube.

Do crescimento sustentado à queda abrupta

Dado o mérito e empenho da coletividade na promoção da prática desportiva junto dos mais jovens e da comunidade em geral, em 15 de abril de 1982, é atribuído ao Sport Clube Beira-Mar pelo conselho de ministros, o diploma que conferiu ao clube o estatuto de Pessoa Coletiva de Utilidade

48

Pública o que impulsionou a instituição a fazer da promoção do desporto e da ação social uma vertente importante da sua atividade diária. Após alguns anos de crescimento sustentado da coletividade, nomeadamente através das diversas conquistas desportivas nas distintas modalidades que foram contribuindo para o aumento da reputação do clube, bastante alavancados pelos sucessos desportivos da equipa de futebol sénior, o SC Beira-Mar entra num período no qual, apesar de não se conseguir manter muitos anos seguidos na principal divisão do futebol nacional, oscilando entre as principais divisões do futebol nacional, vai ganhando experiência e estruturando-se internamente para fazer face aos desafios que os campeonatos profissionais exigiam. O período mais longo de estabilidade no principal campeonato de futebol português deu-se depois de uma grave crise em meados da década de 90, tendo o clube iniciado um processo de recuperação pela mão do Eng.º Mano Nunes, conseguindo recuperar financeira e desportivamente a instituição. No entanto essa recuperação viria a ficar comprometida após a sua saída em 2005, sendo que as gestões que se seguiram revelaram-se manifestamente impreparadas com os resultados desastrosos que são do conhecimento público: perda do património do clube, diminuição acentuada das receitas, fim de algumas modalidades, afastamento dos sócios, desestruturação desportiva. Alternando o seu percurso desportivo entre a I e a II divisão nacional de futebol, o SC BeiraMar passou a jogar na época 2004/05 num novo recinto desportivo, o Estádio Municipal de Aveiro, construído para utilização durante o Europeu de Futebol de 2004 e com capacidade para cerca de 30 mil espectadores, da autoria do arquiteto português Tomás Taveira. O novo recinto foi inicialmente visto por sócios e adeptos da coletividade como tendo todas as características para preparar e desenvolver o futuro do clube que ali poderia estabelecer o seu centro de atividade.


Imagem 3 -Protótipo do novo Estádio Municipal de Aveiro – Mário Duarte No entanto, rapidamente o novo estádio perdeu apoiantes quando se começou a perceber que o mesmo era sobredimensionado para a realidade do clube. Os sócios (já em número decrescente), apesar de continuarem a ir aos jogos, não se identificavam com o estádio, uma vez que o mesmo era demasiado grande, proporcionando um ambiente “frio” nas bancadas, situação que foi agravada pelo facto do mesmo se situar afastado do centro urbano da cidade, entre outras razões que concorreram para o afastamento dos sócios e adeptos. Começaram a verificar-se, com alguma regularidade, crises e vazios diretivos, perda de património com a venda de piscinas do clube, em 2009, para fazer face a despesas correntes da atividade do clube (negócio muito polémico que envolveu investigações do Ministério Público), assim como a perda do pavilhão utilizado pelas modalidades não profissionais que se viram “despejadas” da sua casa. À data foram ainda estabelecidos acordos pontuais com grupos empresariais privados para a área do futebol profissional, que serviam de “bolha de oxigénio” para manter a normal atividade da coletividade com maior ou menor dificuldade. Num dos momentos de crise diretiva e financeira em 2011, foi constituída uma Sociedade Anónima Desportiva (SAD) que, de entre duas propostas, viu ser escolhida pelos associados do clube, em Assembleia Geral extraordinária realizada a 26 de Maio de 2011, a proposta apresentada por um grupo internacional, detido pelo iraniano Majid Pishyar, que pressupunha a entrega da gestão do

futebol profissional a esta Sociedade Anónima. As relações entre as partes (Clube e SAD) nunca foram pacíficas, mas é já sob a liderança de um novo proprietário, que adquiriu a participação na Sport Clube Beira-Mar, Futebol SAD, que a situação fica insustentável, sendo o bom nome da instituição colocado todos os dias em causa. Começa a ser noticiada a situação de existência de salários em atraso ao plantel de futebol profissional, assim como aos restantes funcionários do clube. Esta situação resultaria na incapacidade e impossibilidade de o clube na época 2015/16 inscrever a equipa de futebol profissional em competições organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol, caindo assim aos campeonatos de futebol distritais. Sem as receitas do futebol profissional, sem infraestruturas próprias e sem condições logísticas, perante o olhar apreensivo dos resistentes associados e simpatizantes, temeu-se durante dias ou mesmo semanas pela extinção de uma instituição quase centenária. No entanto, sob a resiliência da comunidade Aveirense, simpatizantes, adeptos e sócios decidiram trabalhar no sentido de não deixar uma coletividade com uma história tão rica, cair no esquecimento. Recomeçando a sua atividade desportiva, numa realidade completamente oposta àquela que era habitual há uns anos na coletividade, foi construída uma equipa de futebol a poucas semanas do início das competições, que treinou no parque da cidade dada a inexistência de campos de treino. Fruto do trabalho diário de muitos simpatizantes, foi aos poucos restaurado o antigo estádio da cidade que se encontrava ao abandono, conferindo-lhe condições mínimas para a prática desportiva. No entanto tiveram de ser procuradas alternativas de pavilhões e espaços para a prática desportiva das modalidades do clube mesmo fora da cidade. Depois de 93 anos marcados pela afirmação do clube no panorama desportivo nacional, mas com um percurso muito intermitente, sobretudo, nos últimos 30 anos, em que o futebol sénior oscilou entre a 1ª e a 2ª divisão, algumas modalidades desapareceram ou perderem influência e

49


sucederam-se crises financeiras e diretivas, em 2015, fruto dos problemas acumulados dos anos anteriores, o clube viveu um dos momentos mais dramáticos da sua história: - Perda de todo o património; - Passivo superior a 7 milhões de euros; - Futebol sénior na 2ª divisão distrital; - Clube descaracterizado e descredibilizado perante a comunidade.

auri-negro no século XX, mas desta vez, em pleno século XXI, no pior momento desportivo da equipa sénior e no momento existencial mais periclitante da vida do clube, temendo-se que os credores não permitissem a salvação da insolvência e liquidação da instituição.

O processo de “refundação”

Fruto duma SAD mal pensada e que apenas serviu os interesses pessoais de alguns dos seus intervenientes, no início da época 2015-2016, a candidatura da equipa sénior à 2ª Liga foi rejeitada por incumprimento de vários pressupostos de ordem financeira e administrativa. Não obstante o esforço do clube de tentar reverter para si os direitos desportivos da SAD no Campeonato Nacional de Seniores, apenas foi possível concretizar esse intento relativamente aos direitos das equipas de futebol 11 da formação, tendo sido possível manter a equipa de juvenis e de juniores nos respetivos campeonatos nacionais (os iniciados tinham descido desportivamente aos campeonatos distritais). A SAD encerrou a sua atividade e o clube teve que inscrever uma equipa sénior no Campeonato Distrital da 2ª Divisão.

A mobilização social

Mergulhado em problemas e dívidas, e sem qualquer património nem recursos humanos, o clube teve que se reerguer. A direção, em conjunto com uma comissão de sócios, assumiu o objetivo de recuperar a funcionalidade do antigo Estádio Mário Duarte, colocando aquele local de “culto Beiramarense” novamente ao dispor da comunidade. Com este ato, pretendeu-se passar uma mensagem muito forte de “regresso às origens”, reagrupando as “tropas” para que o “exército” voltasse a reestruturar-se para as “batalhas” futuras. Neste período, os sócios e a comunidade foram fortemente convidados a ajudar, fosse com materiais, fosse com mão-de-obra ou dinheiro. A comunidade disse “presente” e registou-se uma das maiores manifestações de Beiramarismo da história do clube com uma mobilização só comparável com os melhores momentos desportivos do futebol

50

Após a queda da equipa de futebol à 2ª divisão distrital, a comunidade mobilizou-se para recuperar o “velhinho” Estádio Mário Duarte e na época 2015-2016 o clube voltou a sentir o forte apoio das suas gentes.

As “ideias-fortes” da recuperação

A direção do clube conseguiu salvar todas modalidades do clube, não obstante a perda total do património, com especial enfoque no designado “Pavilhão do Alboi”. Com um esforço tremendo, foi possível realojar as equipas de formação e seniores do basquetebol, futsal e andebol por vários pavilhões da região, mantendo as outras modalidades em atividade em espaços dedicados. Nesta altura, devido às dívidas que tinha ao Fisco, o clube encontrava-se inibido de aceder a qualquer apoio público e não possuía qualquer recurso humano, instalando a sua “sede” num gabinete gentilmente cedido pela Junta de Freguesia da Glória-Vera-Cruz. Perante a enorme hecatombe deste “histórico” do desporto nacional e um dos símbolos maiores da região, sob o lema “O Beira-Mar é Nosso!”, a comunidade foi convocada a fazer parte do processo de recuperação do clube, tendo sido esta a ideia-forte da direção do clube de modo a reforçar o peso institucional e a influência social do clube, contexto absolutamente determinante para o restabelecimento das relações com a Câmara Municipal de Aveiro, para as negociações das dívidas com os principais credores e para a


obtenção de apoios e patrocínios por parte de pessoas e empresas. Mantendo uma matriz assente na formação e no ecletismo, o clube apresentou-se no futebol sénior com uma estrutura muito identificada com a região e com o clube. Desde dirigentes a jogadores, em comum um perfil de forte ligação histórica ao clube, o que contribuiu para a credibilização e aceitação do projeto de reabilitação, com os jogos da equipa sénior a constituírem autênticas romarias em todos os campos da distrital, tendo o antigo Estádio Mário Duarte como o epicentro do fervor Beiramarense.

Na época 2015-2016, os adeptos Beiramarenses promoviam autênticas romarias aos campos onde a equipa sénior atuava, enchendo os estádios da região.

Os anos seguintes à “hecatombe”

Após a subida da equipa sénior à principal divisão do campeonato distrital, o clube conseguiu regularizar a relação institucional com a Câmara Municipal de Aveiro (culminada pela celebração, em setembro de 2016, do protocolo que contribuiu para a aprovação do plano de recuperação judicial e estabeleceu o compromisso de construção dos campos de treino junto ao novo Estádio Municipal), chegou a acordo com os principais credores e conseguiu salvar a sua quase centenária entidade! Depois de superado o “cabo das tormentas”, seria de esperar uma linha de crescimento e desenvolvimento harmonioso do clube, assente nas linhas orientadoras que estiveram na base do processo de “refundação” e na forte mobilização da sua massa associativa. No entanto, fruto de visões diretivas antagónicas sobre o modelo de crescimento e sustentabilidade do clube, foram tomadas decisões e assumidas posições públicas por parte de dirigentes que passaram mensagens difusas e até contraditórias para a opinião pública. No plano desportivo, a falta de consistência duma política desportiva clara para a equipa sénior de futebol, acompanhada dum desempenho desportivo titubeante, contribuíram para uma gradual desmobilização dos sócios e adeptos, dissipandose quase por completo toda a alavancagem social conseguida em 2015-2016.

O momento atual e as perspetivas futuras

No final da época, a equipa celebrou com a cidade a subida ao Campeonato de Elite da Associação de Futebol de Aveiro. A comunidade sentia que, depois da SAD ter sido gerida por estrangeiros, o clube tinha sido “resgatado” e “devolvido” aos sócios e à cidade.

Apesar de o clube se encontrar novamente numa fase de “desligamento” da sua comunidade como consequência de vários fatores, em termos de projeto de crescimento e sustentabilidade existe atualmente uma visão mais clara e consensualizada na estrutura diretiva sobre a essencialidade da aposta na formação nas diferentes modalidades, na necessidade de recrutamento de recursos humanos qualificados para reforço da estrutura do clube e na implementação de uma política desportiva no futebol orientada para o sucesso no médio-longo prazo. Os atuais dirigentes do clube são, na sua maioria, ainda jovens e movem-se pelo desígnio de recuperar a influência social que o clube já teve na região noutras épocas.

51


O SC Beira-Mar é, inegavelmente, o clube mais representativo do distrito de Aveiro, possui um palmarés incomparável na região e ainda é credor do carinho das suas gentes pelo que, numa altura em que assinalará o seu centenário, acredita-se que com a implementação dum projeto desportivo e social consistente que tem vindo a ser desenvolvido, será de esperar o regresso, a seu tempo, deste “monstro” aos grandes palcos do futebol nacional, com uma identidade forte e com uma massa adepta que, em tempos, foi uma das maiores do país e que anseia por uma “nova vida” do seu SC Beira-Mar. Em 2022, o SC Beira-Mar completará 100 anos de vida. Depois dum século repleto de história, com altos e baixos, o clube arranca para os próximos 100 anos de vida com a sua situação diretiva estabilizada, com a equipa de futebol sénior no Campeonato SABSEG da Associação de Futebol de Aveiro e com um projeto forte na formação, o qual conta agora com um novo Complexo de Campos de Treino, junto ao Estádio Municipal de Aveiro – Mário Duarte, e terá, em breve, um pavilhãooficina, também junto ao estádio, que albergará as suas modalidades de pavilhão. Por Nuno Quintaneiro Martins

52


História dos Grupos Organizados Beira-Mar A grande ascensão desportiva do SC BeiraMar ocorreu a partir da década de 60, altura em que o clube chegou pela primeira vez à 1ª divisão do futebol português. Nessa altura, o SC BeiraMar arrastava muitos adeptos. O velhinho Estádio Mário Duarte enchia facilmente, numa altura em que a sua lotação rondava os 20.000 espetadores e o clube auri-negro conseguia mobilizar adeptos em toda a região. No entanto, os primeiros registos dum grupo organizado de adeptos remotam aos anos 80. Alguns jovens e menos jovens criaram as “Águias Douradas” que se dedicavam a apoiar o SC Beira-Mar tanto nos jogos em casa, como nos jogos fora.

Mais tarde, as «Águias Douradas» desapareceram e surgiram os «FAN», cujas iniciais indiciavam “Força Auri-Negra». Este grupo teve alguma presença no início da década de 90, mas desapareceu a meados dessa década, numa altura em que surgiu o primeiro grupo assumidamente ultra de apoio ao clube, os «Ultras Legião». Este grupo teve alguma preponderância durante algumas épocas desportivas, mas o seu apoio ao SC Beira-Mar pecava por não ser regular. Tanto juntava muitos elementos num jogo, como no jogo seguinte já apresentava poucos elementos. Em 1996, numa altura em que as aparições dos «Ultras Legião» já eram raras, surgem os «Komandos Duros», constituído por um grupo de

jovens de algumas freguesias e lugares da periferia de Aveiro.

Os «Komandos Duros« acabaram por ser o prelúdio dos «Ultras Auri-Negros». Foi nos «KD» que se juntou o núcleo fundamental dos elementos que, quatro anos mais tarde, em 2000, fundou os «UAN» que, há mais de 21 anos, apoiam ininterruptamente o clube.~

Os Ultras Auri-Negros Sob o lema “Ser Ultra não é uma Moda, Ser Ultra é um Modo de Ser”, nascem no dia 12 de julho de 2000 aquele que viria a ser o grupo organizado de adeptos mais estável, identificado e enraízado no clube, o qual subsiste ininterruptamente até aos dias de hoje, contando já com 21 anos de vida.

53


No início dos anos 2000, os «UAN» afirmaram-se no panorama ultra nacional como um dos grupos mais organizados e respeitados, marcando sempre uma forte presença nos jogos do SC Beira-Mar, tanto em casa, como fora.

Desde a sua fundação, os «UAN» primavam por afirmar uma mentalidade diferente, priveligiando as boas relações com grupos doutros clubes, sendo frequente organizarem convívios com os mesmos, destacando-se a Torcida Verde, Fúria Azul, Frente Leiria, Templários, Santa Canalha, Ultras Santa, Magia Tricolor, Mancha Negra, Red Boys, Bracara Legion, White Angels, Insane Guys, South Side Boys, Alma Salgueirista, entre outros.

Assente numa estrutura muito bem organizada, rapidamente os «UAN» conquistaram o seu espaço dentro do clube, alcançando em quatro anos de vida cerca de meio milhar de sócios.

54

Os «UAN» conseguiram ganhar uma forte implantação nas freguesias limítrofes da cidade de Aveiro, chegando a ter 13 núcleos ativos.

Para além do apoio vocal e da construção duma identidade muito própria bem patente em vários cânticos originais, os «UAN» apresentavam coreografias de bancada com regularidade, ligandose também dessa forma aos restantes adeptos beiramarenses presentes no estádio.


denominada «ANzine», em formato papel, que tinha periodicidade mensal e que era vendida na bancada e nos autocarros nas deslocações. Uma das principais lutas travadas pelos «UAN» localmente passava pela mobilização da população local para o apoio ao clube da sua terra - “Support Your Local Football Team” -, apelando à “reciclagem” da mentalidade disseminada pelo país de apoio aos ditos “três grandes”. As deslocações eram, indiscutivelmente, um dos pontos fortes dos «UAN» que, além de marcarem presença em todos os jogos do SC BeiraMar disputados fora de casa (ilhas inclídas numa época em que viajar de avião não era tão simples como é hoje), conseguiam mobilizar sempre um número muito interessante de elementos.

Numa altura em que a internet começou a ganhar preponderância, os «UAN» chegaram a ter um site que era considerado do melhores de grupos organizados de adeptos do país, o qual já nessa altura permitia aos seus elementos terem acesso a uma área reservada com um fórum e conteúdos exclusivos, algo que ainda era raro nessa época. Preservando os “velhos hábitos” da curva, os «UAN» desenvolveram a sua própria fanzine,

Apesar da queda desportiva da equipa principal de futebol, em 2015, da segunda liga para a segunda divisão distrital, os «UAN» nunca deixaram de apoiar o seu clube, tanto no futebol, como nas principais modalidades, contando já 21 anos de apoio ininterrupto ao SC Beira-Mar. Por Nuno Quintaneiro Martins

55


ULTRAS COM HISTÓRIA EMANUEL LAMEIRA Neste 7º número da Cultura da Bancada queremos iniciar uma série de entrevistas com alguns adeptos, principalmente Ultras, que aos olhos da nossa equipa merecem reconhecimento pelo papel que tiveram no movimento de apoio em Portugal. Acreditamos que, no campo da memória das nossas bancadas, é bastante importante criar e preservar estes registos. Como em tudo, o valor que se atribui é subjectivo mas para nós estas páginas serão algo muito importante, a conservar para a posterioridade. Afinal de contas conhecer o passado ajuda a compreender o presente e a preparar o futuro. Para esta primeira entrevista convidamos o Emanuel Lameira, antigo líder dos Diabos Vermelhos, a quem agradecemos a abertura para participar neste projecto. Pensamos que não seria difícil apresentar o Emanuel mas, para não cedermos à tentação de uma apresentação demasiado subjectiva, deixaremos que o que vem a seguir o faça por nós. Quem é o Emanuel Lameira? O Emanuel Lameira é uma pessoa como tantas outras. 45 anos, casado com uma mulher fantástica, pai de um rapaz maravilhoso e de uma menina linda, empresário ligado à produção musical e com um espaço aberto ao público desde 1994, a Clockwork Store em Lisboa. Um viciado em actividade que não aguenta o tédio de estar parado e alguém cheio de ideias e projectos para cumprir. Como começou a tua ligação com o Benfica e com os Diabos Vermelhos? Sou Benfiquista desde sempre, desde o berço, e não sei porque assim foi. Comecei a frequentar o Estádio da Luz a meio dos anos 80, acompanhado do meu Pai que, por sinal, nem era Benfiquista, mas vibrava como se fosse, por amigos da rua e da

56

escola, e muitas vezes sozinho. Quando o meu Pai me começou a levar ao Estádio sempre fascinavam-me os sectores do estádio que tivessem mais animação. Acho que nesses tempos passei mais minutos a olhar para as bandeiras e os cachecóis no ar, acompanhadas de tochas e potes de fumo, do que propriamente a olhar para o jogo. Algo me fascinou e me prendeu a atenção ao que se passava na bancada. Comprei na loja do Benfica a maior bandeira disponível na altura. Levava uns panos ou uma bandeira de Portugal que pendurava no varão do terceiro anel. Passava os dias antes dos jogos a cortar listas telefónicas, até ficar literalmente com bolhas nos dedos, para os lançar na entrada da equipa. Quando comecei a ir sozinho, ia para a bancada de sócios. Aquele clássico “Chefe, posso entrar consigo?” e lá entrava para a bancada de sócios para ter acesso ao sector dos Diabos. Esta era a forma que tinha de não pagar bilhete e de entrar para aquela bancada acompanhado de um sócio maior de idade. Isso aconteceu por volta de 1987. Fui crescendo ali e, com o passar do tempo, o jogo de entrar com um sócio mais velho deixou de funcionar, estava demasiado grande para isso. Fizme sócio do Benfica em 1989 e essa ligação dura até hoje. Sócio 16615, num clube com duzentos e tal mil sócios é um motivo de orgulho e de pertença para mim.


Nessa altura fui também sócio dos Diabos pela primeira vez. Tinha o numero 250, quando saí dos Diabos era o 6. Já frequentava o Grupo mas como não era sócio do Benfica não me podia associar aos Diabos. Foi então, a partir de 89, que tive o meu primeiro cartão apesar de já lá andar há 2 anos. Como viveste os anos que precederam a decisão de assumires um papel determinante à frente do grupo? Eu tinha um papel discreto no Grupo, até porque era muito novo. Entrei nos Diabos com 11 anos. Primeiro sozinho, depois com um amigo ou outro, depois com mais amigos da rua, depois alargou aos amigos da escola. Estávamos sempre juntos, éramos sempre os mesmos, olhava para os mais velhos dos Diabos com respeito e alguma admiração, mas ninguém olhava para nós sequer. Éramos putos. A partir de uma certa altura começamos a fazer umas fotocópias de uns cartazes que eu desenhava e a colar lá na escola. Anunciávamos assim uma concentração nos barcos em Cacilhas, onde atravessávamos o rio para Lisboa. A coisa foi crescendo, todas as semanas havia mais umas caras a juntar-se a nós. Entretanto o Benfica joga com o Arsenal para a Taça dos Clubes Campeões Europeus. Voltei a desenhar um cartaz, tirei umas 200 ou 300 fotocópias no trabalho do meu Pai e

fomos em grupo, na semana antes do jogo, colar em todas as escolas, salões de jogos, bares, cafés, paragens de autocarros. Basicamente em todo o lado onde se juntava ou onde poderia passar malta nova havia um cartaz a anunciar uma concentração em Cacilhas para o dia do jogo. Foi épico. Eramos mais de 200 gajos. Isto hoje em dia pode soar a pouco ou nada, mas há cerca de 30 anos atrás juntar 200 tipos no terminal dos barcos, atravessar o Tejo, percorrer a Rua Augusta na Baixa de Lisboa, entrar no Metro no Rossio e seguir até ao Estádio onde chegávamos em cortejo, era épico. Todo o tipo de peripécias aconteciam ou podiam acontecer. Acho que foi a partir dessa altura que começamos a ser vistos de outra forma. Foi a afirmação dos Almada Warriors como Núcleo dos Diabos Vermelhos. Foram anos e aventuras fantásticas vividos de uma forma muito inocente e pura. Só importava ir à bola e apoiar o Benfica, com brio e muita amizade. Acho que foi o facto de estar na frente do Núcleo de Almada, o maior Núcleo na altura e durante muitos anos, que fez com que tivesse ficado em 1992/93 à frente dos destinos dos Diabos. Isso de “decisão de assumires” não existiu. Eu não tomei decisão nenhuma, o Grupo caiu-me literalmente nas costas. Com o marasmo criado pela dissidência que levou à formação dos NN, as pessoas que se

57


mantiveram nos Diabos começaram, a pouco e pouco, a perguntar-me a mim as coisas que antes se perguntava a outros. A que horas é a concentração? Onde se compra os bilhetes? Como vamos viajar? Quem leva a faixa e a bandeira? Etc, etc. Eu costumava responder a estas questões ao pessoal de Almada e entretanto dei por mim a responder perante todos. Nota que, em 1992, eu tinha 16 anos e isso é outra coisa que pode soar normal mas não era. Por exemplo, nesse ano de 92 fiz a minha primeira deslocação ao estrangeiro, a Barcelona, e tive que levar uma folha azul de 25 linhas, com autorização dos meus pais para sair de Portugal. Com assinatura reconhecida no notário. Eu não tinha aspiração nenhuma, não queria ser líder de nada, vivia o futebol e o espirito de bancada de uma forma super apaixonada e inocente, ainda não havia cá nada de mentalidade Ultrà ou tifo organizado. Isso veio depois com as primeiras SuperTifo, DonBallon ou GuerinSportivo que eram revistas onde pudémos ter os primeiros contactos com esse mundo. Como disse os Diabos caíram-me nas costas e eu carreguei orgulhosamente o nome, o símbolo, os lemas, as bandeiras, as faixas e tudo o que tivesse que ser carregado em prol do Grupo, custasse o que custasse, com sentido de missão e com muito orgulho. Foi sempre assim, enquanto lá andei na frente, cerca de 12 anos de liderança que transformaram por completo o Grupo. Não só resultado do meu trabalho e das pessoas que comigo trabalhavam, sim porque eu nunca fiz nada sozinho, mas também pelas mudanças sociais e desportivas que foram aparecendo. Tudo mudou. Os Diabos dos anos 80 sofreram uma mutação brutal nos anos 90. Como vivias um derby nos teus primeiros tempos de Diabos? Os primeiros derbys eram apaixonantes. Jogar contra o o rival era jogar contra muitos conhecidos e alguns amigos da escola e isso tinha o peso do mundo, ahahah. Isso ia definir o teu estado de espírito e a forma como entravas na escola na segunda feira a seguir ao jogo. Marcar as concentrações, preparar as bandeiras, voltar a fazer bolhas nos dedos a cortar revistas e listas telefónicas, ou então quando tinhas um

58

dinheiro a mais íamos à loja do Carnaval na Travessa de São Domingos na Baixa de Lisboa comprar tochas e fumos. Tudo era magia. Quando fiquei à frente dos Diabos comecei a viver a coisa de outra forma, com outro peso, com outro empenho. Com o passar dos anos, o peso e a responsabilidade era tanto que me parece que não consegui disfrutar dessa magia do pré derby. Tanta coisa na cabeça, tanta coisa para fazer, tanta preocupação em que corra bem, acaba por te dar prazer em algumas coisas mas também te tira a magia de outras. Com o evoluir do Grupo, preparar milhares de pessoas, autocarros, bilhetes, pensar e planear a coreografia, fazer bandeiras e pintar frases e faixas, tudo isso era a prioridade para se ganhar o Derby na bancada. Querias que o teu Grupo fosse o melhor independentemente do resultado final. O apoio tinha que durar os 90 minutos, muitas vezes mais. Tinhas que apresentar a bandeira mais bonita e muitas vezes a maior. Tinhas que fazer a coreografia mais original. Tudo em prol do Grupo, Tudo em prol do Clube, Tudo em prol das tuas cores. Essa exigência comigo próprio, sei hoje em dia, mais que nunca, que me consumiu muito e me retirou alguns prazeres que podia ter tido. Mas valeu tudo a pena e fazia tudo outra vez.

Nos dias de hoje, ainda se vive da mesma maneira? O que mudou? Não sei. Não frequento nenhum Grupo e poucas vezes vou ao estádio. Portanto, para mim, mudou tudo. Quando deixei a liderança dos Diabos tive a oportunidade de ir a muitos jogos, fossem Derbys ou não e posso dizer que recuperei um certo


espírito de liberdade. Algo mais descomprometido, sem responsabilidade nenhuma, o que até me permitia ir almoçar próximo do estádio com amigos e entrar na bancada 20 minutos antes do jogo, algo completamente impensável uns anos antes. Nos dias de hoje, o que vejo à distancia e por fora, é que tudo mudou, nada é igual. Para muitos pode estar melhor, para outros pior. Para mim está diferente. Só isso. Valores invertidos, propósitos alterados, prioridades trocadas. Sinais dos tempos, sinais das regras actuais, regras impostas de forma errada e contestadas de forma errada ou inexistente.

com a melhor bandeira, com uma espectacular coreografia ou com cânticos coordenados, vaiste destacar em quê, frente aos teus rivais? O que te sobra? Sobram-te as ruas obviamente. Não me venham com o romantismo da não violência e do futebol para todos e para as Famílias. A violência fez parte, sempre fez parte, basta olhar e ler e assistir à história do futebol nas diversas sociedades do milénio passado. Quer na Europa, quer nas Ilhas Britânicas, quer nas Américas. E, ainda assim, durante todos estes anos as Famílias foram e continuam a ir ao futebol. Se eu faço apologia da violência no futebol? Não,

Os Grupos caminharam na direcção que eu sempre achei, e disse-o muitas vezes publicamente, que ia acontecer, fruto da repressão de quem legisla e fruto da apatia e comodismo dos Grupos no que toca a ter voz activa e crítica. As autoridades não podem exigir que os Grupos se foquem no seu verdadeiro ponto existencial, que é o apoio a um Clube, quando as autoridades lhes retiram a possibilidade de usar todo e qualquer material que se usa no apoio a um clube. Quando não te destacas no apoio à tua equipa

não faço. Mas não sejamos hipócritas uma vez que a repressão que se vive retira-te o espírito associativista e militante em torno de um apoio ao clube e cria uma mentalidade de gang reprimido e ilegalizado aos olhos da sociedade. Se é isso que acontece, que tipo de mentalidade se cria nos Grupos? Para onde te guia o caminho que as autoridades criaram? Isto aconteceu em todo o mundo, sempre que se tentou acabar ou fracionar os Grupos organizados, houve uma inversão de prioridades e a violência,

59


que era mais espontânea, passou a ser mais procurada e mais usual, fruto dos caminhos a que os pequenos Grupos que passaram a existir tiveram que percorrer. Isto é óbvio e é lógico. Não é preciso ser filósofo ou sociólogo para ver e entender isto. Ainda por cima, a grande maior parte dos incidentes que se registam tem um denominador comum que é: Adeptos contra a polícia e a polícia contra os adeptos. Não sejamos hipócritas. Basta analisar os números e perceber o porquê de tudo. Por outro lado vejo, salvo raras excepções, total inexistência de massa crítica nas lideranças dos Grupos. Muitos querem ser conhecidos, mas não querem dar a cara. Eu acho que faz falta esse sacrifício pessoal em prol dos Grupos que representam. Dar a cara por aquilo que se defende e acredita faz muita falta e tem resultados muito positivos para os Grupos. Quais as deslocações e episódios que te marcaram mais? Não te consigo responder a isto de forma simples sem te gastar 10 páginas ou 1000. Foram muitos anos de bola dos quais guardo muitas histórias. Ainda para mais quando eu venho de uma geração sem internet que não tinha low costs para viajar, nem GPS para se orientar numa carrinha rumo a qualquer ponto longínquo da Europa. Tudo era uma aventura. Dará para um livro, para contar aqui torna-se impossível. Quais são as coisas que mais valorizas dentro de um grupo? Identidade: Adoro Grupos que olhas para uma foto e, sem veres uma faixa que seja ou uma bandeira, consegues identificar quem são. Homogeneidade: Apesar de os Grupos serem focos de junção das mais diversas crenças ou opções, sejam elas políticas, sociais, sexuais, raciais, religiosas, etc, etc. tudo fica de lado num Grupo em prol do apoio ao Clube. Costumo dizer que os Grupos são, pelo menos os Diabos eram, o maior exemplo de democracia que pode existir no que se refere à sã convivência em prol de um objetivo. E esse objectivo era o apoio incondicional ao Sport Lisboa e Benfica e o enaltecer do nome Diabos Vermelhos. União: Sem união e sentido de pertença nenhum

60

Grupo funciona como Grupo. Pode até ser um bom grupo composto por vários grupos mas isso não faz um GRUPO. Camaradagem e Lealdade: Mesmo que não sejamos todos amigos e irmãos, se não sentires isto no teu Grupo nunca o vais viver na realidade. Se estás num Grupo e achas que isto que estou a dizer não faz qualquer sentido, saí daí, muda de bancada, não estás aí a fazer nada e ainda não percebeste. Organização: Nenhum Grupo Ultra funciona sem uma boa organização. Autonomia: Qualquer Grupo deverá ser totalmente autónomo das Direcções do seu Clube. Não deve aceitar patrocínios ou borlas. Não se deve deixar prender a interesses que, em caso de conflito de ideias, possam pôr o funcionamento do mesmo em causa. Os dirigentes desportivos, nas sua grande maioria, são como os políticos. Os Grupos devem manter a sua autonomia para que possam contestar o que achem errado e apoiar o que achem certo. Ser um cão amordaçado por interesses é habitual em


muitos Grupos mas não está na sua génese nem do movimento. Libertem-se. Comprometimento: O Núcleo central de um Grupo, a sua cúpula, tem que ser comprometida uns com os outros. Se não houver empenho ou o mesmo for corrompido, a coisa não funciona e acabar por se desmoronar. No geral, como avalias o movimento Ultra nos anos 80 e 90? A magia dos anos 80, sem qualquer tipo de organização muito avançada era muito inocente e espontânea. Viveram-se momentos brutais mas de total inocência. Salvo raras excepções muitos grupos estavam mais perto do estilo fanfarra do que propriamente de um verdadeiro Grupo de Ultra. Os anos 90 mudaram por completo o paradigma. As revistas que começaram a chegar cá, o colecionismo que levou à troca de correspondência, as primeiras trocas de cachecóis, fanzines e fotografias mudaram para melhor o que se viveu a partir

dos anos 90. A partir daá respirou-se movimento Ultra em muitos estádios de Portugal. Conseguiuse coisas fantásticas que ficaram registadas nas fanzines e revistas que apareceram, nas fotos que se colecionaram, no material dos Grupos etc. A história está escrita, havendo interesse, que por vezes me parece não existir, basta consultar, ler e entender. E nos dias de hoje, como avalias? Estamos novamente numa fase de transformação. Mas nesta altura as ferramentas de comunicação e organização dos Grupos só não funcionam a seu favor ou por incapacidade, incompetência ou falta de vontade. Toda a repressão pode ser combatida de forma inteligente e sóbria. Haja quem se chegue à frente. A dignidade dos Grupos e defesa dos seus ideais e o apoio aos clubes merecem-no. Como comparas a repressão policial que existia no passado com a que vai acontecendo no presente? Tempos diferentes, repressões iguais às suas medidas. Nunca foi fácil e também nunca o será. No entanto hoje tens ferramentas e conhecimentos que antes não tinhas. Nos 80, 90s tinhas um movimento juvenil em que a partir dos vinte e tal ou trinta anos poucos eram os que resistiam nos Grupos como membros activos. Hoje em dia tens pais de Família com boas profissões que são assíduos nos Grupos. Aliás, tens alguns que chegaram às Direcções dos seus Clubes. Usem a vossa sabedoria para a passar aos mais novos. Usem o vosso peso social para influenciar o movimento a manter um bom rumo. As futuras gerações, a Nova Guarda, serão o reflexo daquilo que os Velhas Guardas lhes passam. Quais são, para ti, os melhores grupos que existiram em Portugal? Em Portugal, as prestações dos Grupos estão directamente ligadas às prestações dos Clubes. Se o teu clube ganha ou precisa de ganhar para se manter no escalão, os Grupos unem-se mais e vão atrás. Sempre foi assim salvo raras e louváveis excepções onde os DIABOS se incluem. Eu não me considero

61


Camarote até em casa a ver na TV. Ser Ultra, Ultra nos Diabos só tinha um sítio onde acontecer que era quando existia o Sector Ultras da Luz. Hoje, ao recordares o teu passado, o que é que te deixa mais orgulhoso? Acho que respondi aí atrás que não entro em falsas modéstias, mas também não me ponho em bicos de pés. Sei bem onde me colocar e como estar, mas não renego a importância que tive, e que até eventualmente poderei ter, para algumas pessoas ligadas ao movimento Ultra, no geral, e até mesmo ligado ao Benfiquismo em particular. Considero-me uma pessoa humilde mas bastante orgulhosa de tudo o que fiz. Foi feito de coração.

arrogante ou vaidoso, mas sou muito orgulhoso da história que escrevi e ajudei a escrever ao lado de bravos homens e mulheres Benfiquistas. Fizemos a travessia do deserto, o Benfica foi campeão mais ou menos quando assumi a liderança dos Diabos e voltou a ser campeão com a minha saída da Direcção do Grupo. Nunca fui campeão nacional à frente dos DV e todos nós, que partilhámos aquela bancada, sabemos que o que ali tínhamos não havia igual. Volto a dizer: Vejam os vídeos, olhem para as fotos, leiam as revistas e zines, aprendam a história do Grupo que dizem defender e amar. É fácil, a história está escrita, basta procurar por ela. Nós estivemos na antiga Luz com 120 mil pessoas, mas também lá estivemos com 500... à chuva, com equipas formadas com alguns nomes que, se algum dia contarem aos netos que jogaram no Benfica, os putos não vão acreditar. Ao fim de tantos anos, o que significa para ti a palavra Ultra? Ultra será sempre uma forma de estar quer no estádio, quer na vida. Um mundo de magia que não vivo há anos que mas continuo a sentir. E como não o vivo não me afirmo como. Podes ser adepto do Benfica na Central, no

62

Se actualmente um pequeno jovem benfiquista fosse ter contigo, dizendo que pretende juntar-se a um grupo, davas-lhe algum conselho em especial? Cuidado com a polícia. Ahahahahah! Não lhe poderia dar conselho nenhum, baseado numa simples pergunta como essa, a não ser vai e sente. Onde te sentires inserido e feliz, fica. Quais foram as tuas maiores influências no contexto das bancadas? É difícil falar em referências nos anos 80. Ainda assim lembro-me de caras e formas de estar de pessoas que vi pela primeira vez na Central da Luz. Não se tornaram influências mas sim boas memórias. Creio que as minhas maiores influências, para fazer o que mais gostei e da forma que achava mais valioso e correcto, acabaram por vir dos ensinamentos que retirei de tudo o que li, ouvi e vivi vindo lá de fora. O que significam as fanzines para ti? São instrumentos contra cultura

que

são


fundamentais para conheceres a origem e o porquê das coisas. Coisas que não vais encontrar nos jornais. Instrução, aprendizagem e cultura geral nunca fez mal a ninguém. Qual a tua opinião sobre o nosso projecto? Acho de valor e creio que deveriam arriscar num formato físico. Abordam geralmente temas que me agradam e prendem bastante. Projectos como este são fundamentais para criar uma boa subcultura de bancada. Uma mensagem para os nossos leitores a pensar no futuro do movimento. Sejam livres, honestos, apaixonados e focados no que fazem. Aproveitem o melhor que este mundo vos pode dar, façam amigos e sejam leais. Não queiram ser os maiores do vosso quintal só porque sim. Há quintais maiores que os vossos cheios de quem queira ser o maior. Humildade e lealdade aos vossos e aos nossos princípios. As cores podem ser diferentes, mas na generalidade as lutas são e serão sempre quase iguais. Obrigado pelo vosso convite. Saúde e honra a todos.

63


Se falamos da relação entre futebol e cinema português, logo nos lembramos do Sr. Anastácio da Silva (o ator António Silva) a pontapear a mesa de casa empolgado com os 5 Violinos e o seu Sporting no filme “O Leão da Estrela”, um clássico da cinematografia portuguesa. O filme tinha também belas imagens de um jogo entre o Sporting e o Porto no saudoso estádio do Lima, hoje em dia tristemente reduzido a um descampado cheio de mato… Mas em outras ocasiões, o jogo da bola “contaminou” o mundo do celuloide luso: os anos 30 e 40 foram as décadas áureas da comédia portuguesa, um género de inspiração revisteira, com farsas, equívocos, e muitas vezes acompanhado com músicas. A comédia tinha temáticas, contextos e locais nos quais a pequena e média burguesia se podia identificar, reconhecerse. E o futebol entrava nesta tipologia. Um outro filme onde encontramos

64

referências boleiras é O TREVO DE 4 FOLHAS, do realizador Chianca de Garcia, que foi um êxito estrondoso na época (o filme é de 1936). Infelizmente a película original ardeu num incêndio na Tobis Portuguesa que nos privou da única cópia existente… salvaram-se só alguns fotogramas… O filme, na altura, foi o mais caro da história do cinema português (4000 contos!!!) e quem estava envolvida era uma verdadeira equipa de pesos-pesados do cinema e da cultura: o escritor José Gomes Ferreira envolvido na escrita do argumento (como também o Tomás Ribeiro Colaço), o Keil de Amaral, responsável pelos cenários, e depois Nascimento Fernandes, Beatriz Costa, o Procópio Ferreira, verdadeiras estrelas do cinema da época. Mas também contracena no filme, eis a primeira ligação com o futebol, o craque Waldemar Mota, ídolo do FC Porto e da Seleção. Vejamos brevemente, do que fala a sinopse: o Zé Maria (Nascimento Fernandes) um pobre diabo “que parece com toda a gente” trabalha numa fábrica de sabonete, e tem uma paixoneta pela gentil Manuela (Beatriz Costa), um dia é encarregado em ir buscar o filho de um milionário brasileiro, o Juca (Procópio Ferreira) que viajava na companhia da bailarina e sua amante Lola. Acontece que o Juca está a ser procurado pela Rosita (Beatriz Costa) uma ex amante, aventureira


guatemalteca (que, imaginem lá, é muito parecida com a Manuela) e pede ao Zé para substituí-lo. Assim, 2 homens pagos pela Rosita raptam-no pensando tratar-se do Juca. E ali continuam os trocadilhos. Zé Maria é parecido com um ex parceiro da Rosita, passando por outras aventuras, substitui o Salamanca, guarda-redes da Seleção Espanhola (e amante da Rosita) que vinha fazer um jogo contra Portugal. Amores e desamores, um turbilhão de aventuras que acaba com o regresso do Zé Maria à sua triste realidade de Zé Ninguém. A história contada é portanto uma clássica comédia portuguesa da época, uma sinopse feita de equívocos, de personagens e st e re o t i p a d a s , humor e paródia revisteiro e, naturalmente música. Agora, como se percebeu, o futebol é tocado pela tangente mas isto só reforça o que dissemos anteriormente, a bola é utilizada só para agradar e atrair o público da altura. Se não é o fado ou touradas, é o futebol. No filme, no jogo entre a Espanha e Portugal, os atletas (verdadeiros!) do Sporting interpretavam a seleção espanhola, enquanto os jogadores (verdadeiros) do Casa Pia Atlético Clube interpretavam a portuguesa e as cenas de jogo foram rodadas no antigo Campo do Restelo, na cerca do Casa Pia. Há um testemunho do Duartino Luís, que jogava na equipa do 1936 a lembrar que o Cândido de Oliveira, na altura treinador do CPAC

que indicava a Chianca de Garcia quais os jogadores a entrar nos vários planos da filmagem. Felizmente chegou até a nós a mítica música, cantada pelos interpretes do filme Beatriz Costa e Nascimento Fernandes: “A canção do Futebol” uma canção leve e divertida com um refrão que dizia “Se a selecção trabalha , É como eu quero, Agora é que não falha, Nove a Zero”. Esta passagem com o tempo veio a tornar-se enigmática, mas que era imediatamente entendida pelo público na época: a música brinca e goza com um dos momentos mais humilhantes da história da Seleção : a derrota em 1934 por 9 a 0 contra a seleção dos “nuestros hermanos”. A presença do futebol neste filme é muito peculiar e é uma pena não termos cópias da película, por vários motivos: seria um dos poucos vídeos onde poderíamos ver o “mítico” primeiro campo do Casa Pia, o Campo do Restelo (destruído para ceder espaço à Exposição do Mundo Português em 1940), ver alguns jogadores nas filmagens do desafio entre Portugal e Espanha e ver o Waldemar Mota, craque e lenda do FCP e da seleção a recitar. Por Vintage Football City Tours Eupremio Scarpa

65


ORIGENS DO FUTEBOL INGLATERRA veio a dar nome a todos os jogos realizados entre conjuntos da mesma localidade ou de localidades vizinhas, os afamados e apaixonantes dérbis. O Calcio Storico, nascido no século XVI em Florença e que se pressupõem derivar do Hasparthum Romano, é um outro dentre muitos exemplos que foram despontando pela Europa, mas em várias nações e momentos

Ao longo da história da humanidade vamos encontrando em diversas civilizações, das mais diversas localizações geográficas, referências à prática de jogos que envolviam a utilização de uma bola. Na antiguidade observam-se vários exemplos, desde o Tsu-Chu chinês, o Kemari no Japão, o Tlachtli no México e nas culturas Gregas e Romanas também se disputavam “jogos da bola”. No continente europeu, e apesar dos vestígios mais antigos de práticas desta natureza remontarem a 2000 a.c. pela mão de povos de origem Celta, os jogos da bola ganharam notoriedade durante o final da idade média e o início do período renascentista. Durante este período notabilizou-se o jogo que era disputado todas as terças-feiras de Carnaval, pelas populações dos povoados vizinhos da localidade de Derby, localizada no leste de Inglaterra. Neste jogo, os populares tentavam que a bola de couro em disputa fosse trazida para o seu território. Este ritual festivo

66

históricos estas práticas foram alvo de proibições e duramente reprimidas pelas autoridades religiosas, que viam nelas a perpetuação de rituais pagãos. A extrema violência que caracterizava estes jogos, as vítimas (muitas vezes mortais) que deles advinham, somado às desordens públicas que tantas vezes se registavam eram motivo para que as classes altas desprezassem a prática deste tipo de actividades. Certo é que, apesar de a muitas destas práticas se atribuir por vezes a “parentalidade” do desporto rei, o futebol da era moderna pouco herdou destes antigos ritos. Para percebermos as origens do futebol moderno é necessário recuar até algures entre o final do século XVIII e o início do século XIX, e “viajarmos” até à Inglaterra Vitoriana, época de onde provêm os registos da prática de uma actividade que era categorizada como ginástica e se desenvolvia nas “public schools” britânicas pelos jovens oriundos das classes dominantes. Até aos anos 1830 o jogo mantinha


alguns traços da sua raiz popular e as normas com que se disputavam as partidas variavam consoante a localidade em que as mesmas se realizavam. A utilização das mãos e as cargas violentas eram ainda aceites num futebol que evoluía ainda em paralelo com o Rugby, tendo a separação efectiva entre as duas modalidades acontecido bem mais tarde, já durante a década de 1870. O surgimento da “bola leve”, capaz de ressaltar e ser pontapeada com o pé sem o risco iminente de lesão data de 1840, era uma inovação que viria a moldar a prática do futebol, visto que só nesta altura o pé começou a ser a parte do corpo mais utilizada para fazer “circular a bola”. Para se entender o porquê do futebol e do desporto em geral se terem afirmado com tanta veemência em Inglaterra e não num qualquer outro local, precisamos de explorar o contexto económico e social do país nesta altura. Inglaterra foi o berço da “Revolução Industrial” e cotava-se à época como a o país mais industrializado do mundo. As fábricas multiplicavam-se e a economia prosperava, colhendo a aristocracia e a burguesia britânica as divisas de todo este processo. As classes dominantes mostravam um

especial interesse pelo desenvolvimento de actividades lúdicas, e a prática dos “sports” começava a ganhar o seu espaço. Foi então que em 1848 se realizou no Trinity College de Cambridge um encontro que contou com a presença de vários praticantes oriundos de várias localidades do país e onde foram definidas um conjunto de regras basilares do futebol, nomeadamente a penalização de cargas violentas e as dimensões do terreno, entre várias outras regras fixadas. Em paralelo iam surgindo um conjunto de outras normas em outros locais aonde se praticava o desporto, nomeadamente a regra do off-side (fora de jogo), que foi criada em Eton. Em 1857 surge o Sheffield Clube, o mais antigo clube de futebol do mundo, e nos anos vindouros, muitos outros clubes surgiriam. Aquele que se consagrou provavelmente como o evento mais importante de todo este processo do desenvolvimento do futebol moderno, aconteceu a 23 de Outubro de 1863, e resultou na criação da Football Association, depois duma reunião entre várias personalidades realizada num pub londrino. Tendo como base as regras definidas em Cambridge, desenvolveuse a regulamentação que se viria a cimentar como “espinhal dorsal” do desporto rei.

67


Apesar disto, só 10 anos mais tarde se introduziu a figura do Keeper (guarda-redes), depois de se fixar definitivamente a altura da baliza em 2,44 metros, depois de inicialmente não haver limite de altura e, entretanto, ser reduzida para os 5,50 metros. Apesar de inicialmente a prática do futebol ser exclusiva às classes dominantes, o jogo foi ganhando seguidores entre a imensa massa proletária britânica. A histórica campanha do Darwen FC na FA CUP em 1879 foi um marco importante para a massificação e difusão entre as camadas populares, que se orgulharam de ver uma equipa composta por operários, ser capaz de ombrear com os lordes aristocratas. No início da década de 1870, mais propriamente na época 1871/72, disputouse a 1ª edição da FA CUP, a competição de futebol mais antiga do mundo, que foi vencida pelo Wanderers. Foi também no ano de 1872 que se disputou o primeiro jogo internacional de futebol, entre as seleções da Escócia e de Inglaterra, partida que se realizou em Glasgow e que seria percursora da internacionalização que se viria a seguir. Uma expansão que seria fruto da dimensão intercontinental do Império Britânico e da acção dos marinheiros ingleses que transportaram o jogo até aos “quatro cantos do

68

mundo”, com especial enfoque para a América do Sul, onde rapidamente o jogo criou raízes. O número de novas equipas foi-se multiplicando e em 1888 realizou-se o primeiro campeonato, disputado a 2 voltas, onde participaram 12 equipas e o Preston North End se sagrou o primeiro campeão nacional do futebol inglês. Inglaterra é unanimemente reconhecida como a pátria do futebol e falar das origens do futebol inglês é falar das origens do futebol enquanto desporto. Foi na ilha britânica que o futebol moderno surgiu, aonde se cimentaram o


conjunto de regras que norteia a sua prática, e por lá se massificou tornando-se o desporto de massas que mobiliza e emociona milhões e milhões de pessoas por todo o globo e, como dizia Bill Shankly, o faz ser “muito mais importante do que uma questão de vida ou de morte”. Por J. Sousa

69


Nem sempre é de fácil compreensão a existência de associações de adeptos, e a sua necessidade, sobretudo em países onde os clubes têm forte matriz associativa. Na realidade, deveríamos considerar que os clubes devem proteger os seus associados e adeptos. Na prática, contudo, sabemos que os clubes são geridos sob diversos prismas e as suas relações com os seus stakeholders têm a sua relevância no futuro dos clubes. Tendo o futebol evoluído para uma importante indústria – veja-se os impactos que um torneio europeu pode ter numa cidade ou país, torna-se cada vez mais importante que os adeptos, ou os sócios quando existem, não se transformem em simples consumidores de um produto, mas parte interessada do processo de tomada de decisão. Serem ouvidos, de forma organizada, sobre temas que interessam aos adeptos. Esta é uma realidade em vários países da Europa, incluído os mais desenvolvidos – Alemanha ou Inglaterra, por exemplo. Foi sobretudo esse interesse e desafio que levou à criação da Associação de Adeptos Sportinguistas e ao desenvolvimento da sua actividade. A nível do Sporting Clube de Portugal, mas também a nível nacional, via entidades desportivas, governativas, ou a nível

70

internacional. É com satisfação que constato, hoje, uma maior actividade na organização dos adeptos com vista à defesa dos seus direitos. Mas se ainda não é concreto, para o leitor, que tipo de iniciativas pode uma associação de adeptos tomar, considere a seguinte lista não exaustiva: - Lutar pela matriz associativa dos clubes, impedindo que os clubes sejam adquiridos por investidores privados; - Identificar e propor melhorias nos horários dos jogos; - Identificar problemas nos estádios, reportá-los e influenciar maior transparência na melhoria das condições para os adeptos; - Promover maior transparência entre a qualidade das infraestruturas dos estádios e o preço dos bilhetes; - Garantir equidade entre todos os adeptos no acesso ao estádio e ao jogo; - Sensibilizar autoridades desportivas e governativas para os problemas maiores do desporto-rei e levar propostas de melhoria aos centros de decisão; - Ser um real parceiro das entidades desportivas em defesa da generalidade dos adeptos; Não poderia terminar sem focar a actualidade. Portugal, sabe-se, é um país que vive de modas. E normalmente importa as piores quando tem dados suficientes para analisar o mesmo problema por um prisma diferente. A “tessera del tifoso”, a iniciativa onde o “Cartão do adepto” se foi inspirar, foi implementada há dez anos atrás e é um verdadeiro fracasso – não só não atingiu o seu objectivo primordial de erradicar a violência do futebol, como viu as assistências dos clubes substancialmente reduzidas. Factos do conhecimento de todos! A APDA, representando outras associações de adeptos e demais organizações, alertou para o facto de se estar a importar uma medida que já tem uma década de implementação e com resultados desastrosos. Infelizmente, os adeptos tinham (e têm) razão e vamos agora assistir a mais um conjunto de factos, desta vez em território nacional, que confirmam o desastre de tal decisão.


Bem exemplificativo da necessidade dos adeptos serem ouvidos e as suas opiniões consideradas. Não para serem chamados a um determinado evento para alguns poderem fingir ouvi-los, mas para serem considerados parceiros de diálogo no desenvolvimento do futebol, não só ao nível dos grandes clubes, mas também (e sobretudo) daqueles que, fruto de menor visibilidade, lutam com muito maiores dificuldades. Para quando a presença formal da APDA nas Assembleias gerais da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e na Federação Portuguesa de Futebol (para o futebol não profissional)? Para quando uma verdadeira parceria entre os reais intervenientes do futebol? É que para aqueles que ainda não perceberam, “Football without fans is nothing”. Por Pedro Faleiro Silva

A Associação de Adeptos Sportinguistas (AAS) foi fundada a 9 de Abril de 2008, por um grupo de 23 sócios, com média de filiação ao clube de 25 anos

71


PELA EUROPA FORA BELGRADO

A semana que antecede o sorteio da uefa para a fase de grupos da Liga Europa é sempre acompanhada das habituais tertúlias sobre os adversários que se ambiciona visitar. O comum dos adeptos sonha com os estádios das maiores potências futebolísticas presentes na competição, mas os apaixonados pelo “jogo da bancada” têm sempre destinos mais exóticos em mente. A sempre apetecível Itália, a eterna pátria do tifo, Grécia,e o Leste são sempre destinos apetecíveis no imaginário de qualquer Ultra. No sorteio, viria a calhar em sorte o Midtjylland, o Ludogorets e o histórico Estrela Vermelha. Os olhos abrilhantaram-se ao ouvir o nome do campeão sérvio, e com a possibilidade de realizar um sonho de longa data, o de visitar o estádio Rajko Mitic, celebrizado no mundo do futebol como Marakana de Belgrado. Entre a incerteza sobre a permissão de visitantes nos jogos europeus, restava o desejo de que o calendário não ditasse que a visita a este templo de futebol dos Balcãs se realizasse na 1ª jornada da competição. Mas a sorte trocar-me-ia as voltas, e foi precisamente para a 1ª jornada que o jogo ficou calendarizado. Por motivos profissionais, a juntar aos custos acarretados pelo facto de se marcar uma viagem a curta distância da realização da mesma, tornou-se difícil a concretização deste sonho antigo. Com bastante esforço, uma maratona de horas extra para adiantar trabalho e muita “engenharia financeira” foi possível então marcar os voos. De Braga arrancamos na quarta-feira de madrugada 12 companheiros, rumo a Belgrado, com paragem em Genebra, escala que nos permitiu ter o tempo suficiente para dar um breve passeio pelo centro da cidade Suíça. Chegamos à capital Sérvia durante a tarde e, entre algumas peripécias, lá conseguimos encontrar o alojamento previamente reservado. Para além do aliciante da bancada, Belgrado é uma cidade com mais de 7000 anos

72

de uma história rica em acontecimentos, bastante actividade nocturna, e já com poucos traços dos escombros provocados pela guerra que dissolveu a antiga Jugoslávia. Nesse dia realizava-se pela 1ª vez o Dia da Bandeira, e as comemorações do mesmo deixaram bem claro o forte sentimento nacionalista que presente naquele país, e por toda a cidade se visualizavam demonstrações desse fervor. No dia de jogo aproveitamos para visitar pela manhã os estádios dos dois grandes rivais da cidade. O número de pinturas nas paredes do Marakana e na zona envolvente, bem como o tanque de guerra com o símbolo do Estrela Vermelha que se encontra “estacionado” junto à bancada dos Delije foram as visões mais impactantes da visita. O Estádio Partizan é menos imponente, mas sobressaem também vários murais, muitos deles de homenagem a Ultras falecidos, e nota também para a antiguidade das infraestruturas, sem os confortos oferecidos pelos estádios modernos, mas que, em contraponto, transbordam “charme” e mística. Já durante a tarde juntaram-se a nós 3 outros companheiros que aterraram em Belgrado poucas horas antes do jogo. Depois de um almoço prolongado lá arrancamos para o estádio, para ter a felicidade de presenciar uma realidade que se superioriza à portuguesa numa escala difícil de traduzir por palavras.


O percurso feito a pé entre o local onde fomos deixados pelos táxis e a porta do sector visitante foi de sensivelmente 500 metros. Nessa distância fomo-nos cruzando com muitos grupos de Ultras da casa, largas centenas de homens que, quer pela “pinta”, quer pelo porte, deixam no ar a ideia de que é uma tarefa sobre-humana chegar àquele estádio na condição de “alvo a abater”. No interior do estádio estavam aproximadamente 25 000 pessoas, sendo que uma parte significativa (10 000 aproximadamente) lotavam o topo onde se acomodam habitualmente os Delije. Antes do jogo fomos “presenteados” com um mosaico, levantado instantaneamente, sinal duma capacidade de organização e coordenação dignos de nota. Quanto ao apoio vocal não posso classificá-lo de extraordinário, mas revelou uma característica que me surpreendeu. Ao contrário do que se regista em muitos países de leste não se encontra ali um apoio “robotizado”, a curva entusiasma-se com o jogo, e quando se empolga, os cânticos tornam-se ensurdecedores, tornando impossível ouvir alguém a metro e meio de distância. No retomar do 2º tempo nova coreografia, desta feita foram lançados da bancada para a pista um grande número de rolos brancos, à semelhança do que se fazia em Portugal na década de 90, mas numa escala estratosférica, proporcionando assim um belíssimo espetáculo. Quanto aos 15 Bracarenses, fomos cantando durante toda a partida, tentando aproveitar todos os poucos segundos “mortos” para nos fazer ouvir, tarefa que não se revelou nada fácil. O jogo terminou, a saída efectuou-se de forma tranquila sempre sob o olhar vigilante da polícia Sérvia. Apesar da derrota, ficou um imenso sentimento de orgulho pela missão cumprida, num palco que figura entre os mais difíceis do futebol mundial. Ficam também as memórias de uma realidade apaixonante, que facilmente enche a alma de todos aqueles que fazem do tifo de bancada a sua vida! Por J. Sousa

73


CULTURA DE ADEPTO Por P. Alves e M. Bondoso

“A narração tem uma função essencial para os humanos, um acto social que demonstra a nossa identidade partilhada. Contamos histórias não só para entretenimento mas também para partilhar os nossos valores e a nossa história criando uma memória cultural ao fazê-lo.”

74


Mi Ricordo Quel Giorno Allo Stadio Internacional Autor: Lorenzo Campanale, Giovanni Proiettis Equipa: US Triestina Ano: 2014 Páginas: 230 Preço: 30eur O livro começa com uma breve história do clube e, logo de seguida, entra no final dos anos 60, início dos anos 70. O que nos é proposto aqui é a evolução natural do apoio organizado dos calcio clubs de cada bar até à difusão do que ia surgindo noutras cidades e a identificação com um modo de apoiar diferente, mais radical, no fundo, mais ultra. O texto decorre então nas várias décadas, contando episódios caricatos desde deslocações, roubos, etc. No final de cada década há uma fotogaleria com todos os jogos identificados. Termina com os capítulos extra habituais: relação com o clube, amizades, mas também dois capítulos que destacamos: a evolução para o grupo organizado nos dias de hoje (Curva Furlan) e o capítulo dedicado a Stefano Furlan vítima mortal da repressão policial e que dá nome à curva. Nel tuo nome. Ieri, oggi, domani.

75


Colectivo Ultras 95

Porto, 6 de Julho de 1995 Nacional

Autor: Helder Azevedo, Miguel Bondoso Equipa: FC Porto Ano: 2021 Páginas: 320 Preço: 35eur

No início de Julho, o espólio literário de Portugal ficou mais rico com a edição de um novo livro, no presente caso, dedicado aos 26 anos do grupo Ultra do FC Porto, o Colectivo Ultras 95. Com mais de 300 páginas, esta obra retrata a evolução da claque, desde a sua fundação até aos dias de hoje. O primeiro capítulo é inteiramente dedicado à cidade que os viu nascer.... O Porto, onde é feito um pequeno enquadramento histórico da cidade ao longo dos séculos, destacando eventos importantes que mudaram o rumo de Portugal. Posteriormente, são dedicadas algumas páginas à principal razão da existência deste grupo, o FC Porto. Recorda-se a fundação e as conquistas desportivas que tornaram este clube num dos grandes nomes europeus. Na terceira parte, o livro foca-se nas origens das claques do clube azul e branco. Recorda-se os Dragões Azuis, Super Dragões, Brigada Azul entre outros, grupos esses que, de uma forma ou outra, iriam ajudar a formar o que é hoje o Colectivo. Os capítulos finais são dedicados inteiramente ao grupo. Neles podemos recordar os melhores momentos, desde jogos memoráveis a deslocações impossíveis. São centenas de fotos coloridas, apoiadas por descrições detalhadas, que nos remetem a grandes momentos vividos por aqueles que fizeram parte do grupo. No final temos ainda direito a observar algum do material produzido, bem como um pequeno resumo das amizades mais importantes com algumas claques internacionais.

76


Mi Ricordo Quel Giorno Allo Stadio

Porto, 6 de Julho de 1995

77


78


O dérbi do Minho é um dos momentos mais emblemáticos do calendário futebolístico português, e quem presencia um destes embates percebe facilmente o porquê. A rivalidade entre as duas cidades estende-se muito para além do futebol, e é preciso recuar muitos séculos para perceber as suas motivações e os seus contornos. Este jogo é aguardado com grande ansiedade por todos os adeptos, e em especial pelos Ultras, que vivem como ninguém a atmosfera gerada por este embate. A ausência forçada dos adeptos nos últimos dérbis, fruto das contingências pandémicas e do desprezo a que foram votados os adeptos, pela constante discriminação levada a cabo pelas autoridades governamentais, fez crescer ainda mais a expectativa e o burburinho. Se, por um lado, a alegria e a excitação de voltar a encontrar os rivais motivava as hostes bracarenses, por outro turno, as dificuldades económicas de muitos associados devido à crise económica provocada pela situação vigente, somada à crescente repressão policial e política, têm destruído a magia deste desporto, que se quer do povo, e afastado muitos apaixonados da bancada. Ao contrário do que é costume, a semana que precedeu o dérbi foi estéril no que à habitual troca de “galhardetes” diz respeito, sem que se registassem investidas de nenhum dos rivais à localidade vizinha. Ainda assim, às primeiras horas da tarde era já possível vislumbrar muitos adeptos e Ultras do SC Braga nas imediações do estádio, com a firme intenção de, como costume, defender a sua terra e o seu clube. Porém, o cenário criado pelas forças da autoridade, transformou este emblemático jogo num ambiente que se assemelha a um cenário de

guerra. O gigante e desproporcional contingente policial mobilizado para a zona do estádio, o cada vez maior perímetro pelo qual se estendem gradeamentos, a ausência de qualquer espaço de consumo de comes e bebes aberto ao público faz com que o ambiente festivo se desvaneça. No interior da bancada, o apoio ao SC Braga foi-se fazendo sentir, com especial destaque para o sector dos Ultras de Braga, que contrastava com os sectores destinados aos portadores do cartão do adepto, que se encontrava novamente sem alma viva. Os grupos da casa tiveram uma prestação relativamente boa, e procuraram galvanizar o resto do estádio, a fim de conduzir a equipa a mais uma vitória sobre o rival, com o entusiasmo dos últimos minutos a fazer lembrar por momentos um dérbi de outros tempos. As expectativas dos arsenalistas saíram frustradas e, para que a alegria fosse maior, faltou um condimento essencial: o golo. Fica a alegria de ter voltado a viver o entusiasmo dum dérbi, e a firme vontade de continuar a batalhar para que este jogo volte a ser aquilo que já foi: um palco de emoções fortes, de euforia, êxtase, frustração, amor, ódio, e todas as restantes emoções que um jogo de futebol entre colectividades vizinhas deve despertar! Por J. Sousa

79


Tanto tempo depois, já cansados de esperar o fim da interrupção causada pelo COVID, conseguimos viver um derby da única forma que é possível viver, fisicamente, na bancada! Só que apesar do regresso, dos adeptos aos estádios, as condicionantes são várias e constituem um importante factor para que ainda não seja possível recuperar e viver tudo aquilo que perdemos neste já longo periodo de pandemia. A experiência dos últimos jogos, na condição de visitante (Casa Pia e Estoril), preparou-nos para o que podia acontecer nesta partida. Estávamos cientes que a oferta de bilhetes seria escassa, provocada pelos limites de lotação impostos pelo Governo e pela procura dos adeptos Vitorianos. Também sabíamos que a sua venda, em Guimarães, seria feita por etapas, favorecendo aqueles que cumpriram as suas obrigações associativas neste interregno de público nas bancadas. Os certificados ou os testes eram também um ponto a ser cumprido para possibilitar a entrada no recinto. Resumindo, para os grupos de apoio que actuam como um colectivo organizado, as dificuldades são imensas e, de alguma forma, constituem um cenário de incertezas que causam o natural atrito para a organização da deslocação. Inicialmente, a 25 de Agosto, foram disponibilizados 330 bilhetes para adeptos livres(do cartão) mas, a 27 de Agosto, devido ao aumento da lotação permitida pelo Governo para 50%, mais 170 bilhetes foram disponibilizados para venda. Eram boas notícias, embora ainda não seja como todos queremos, este foi um

80

pequeno sinal da evolução no sentido de serem levantadas, esperamos nós, todas as condicionantes que muito têm inibido a nossa vida. Quero salientar o facto do valor dos bilhetes ter aumentado 50% face aos últimos anos, tendo sido pedido 15€ por cada um. Podia ser pior, é certo, mas não vou normalizar a crescente vontade de sugar, tudo aquilo que podem, aos adeptos em geral. Há algo que não mencionei, nem tinha vontade de fazê-lo, mas talvez seja positivo o fazer para não deixar um espaço omisso nesse contexto. Existia a possibilidade de levarmos mais adeptos Vitorianos ao estádio do rival mas, para isso, era preciso termos o cartão do adepto, algo totalmente impensável para quem põe os seus valores acima dos seus interesses. Para nós deve haver coerência entre aquilo que pensamos, dizemos e fazemos! Sendo certo que ninguém é perfeito, devemos pelo menos tentar caminhar no melhor sentido para honrar e dignificar a nossa existência ao máximo. A complexidade provocada pelo momento que passámos originou uma quebra na organização desta curta viagem, habitualmente feita na sua maioria através de autocarros, forçando a totalidade dos adeptos Vitorianos a deslocarem-se em viaturas próprias. A PSP preparou por isso um local para que as viaturas, que partiram de Guimarães, ficassem estacionadas e controladas. Esta medida não teve grande aceitação e não é de estranhar, só quem não vai a jogos fora é que não tem noção da forma como as forças de autoridade desvalorizam os direitos e as necessidades mais básicas dos adeptos para porem em acção as suas “cowboyadas”. Isto merece uma reflexão. Tanta burocracia com os cartões que previnem e combatem a violência, blá blá blá, e afinal não havia prevenção nenhuma, pelo contrário! Dois grupos de adeptos do Vitória apareceram fora do local que as autoridades criaram para tentar minimizar as consequências provocadas pelos muitos pseudo entendidos e teóricos, que estão situados nos vários pelouros dos agentes políticos e desportivos nacionais. Não se registaram incidentes e os adeptos


acabariam por ser escoltados até à entrada do recinto. Nesse momento tivemos de passar pelo processo “burocrático”, consequência do COVID, que tantos adeptos jovens tem afastado e, enquanto isso, três adeptos acabam feridos. Entramos no estádio, subimos à bancada, estávamos de novo presentes na casa do rival e prontos para empurrar a nossa equipa para a frente, como de resto já é reconhecido por todos no futebol. Isto sem esquecer que tínhamos de lidar com as imposições do distanciamento e do uso de máscara. Alguns até seguiram essas indicações mas a grande maioria não. Torna-se difícil pedir para a família Vitoriana deixar de ser como é, vibrante e apaixonada. Não tão difícil, mas certamente patético, é estar de máscara num país em que é proibido, por lei, ocultar parcialmente ou totalmente o rosto... Vá-se lá entender, mas é mesmo assim que os legisladores portugueses, muito pouco responsáveis, trabalham. O jogo estava vivo e as bancadas também, os cânticos seguiam-se sem cessar, os braços erguiam-se no ar como se de bandeiras se tratassem. Afinal de contas o adepto é a cor, a alegria e o movimento da bancada e, tal como um dialeto, é a expressão popular do futebol. Não nos peçam para viver continuamente amordaçados e anestesiados, não é a nossa natureza! Aos 12 minutos lançamos, juntamente com os rivais, o cântico “Ninguém faz o cartão”. Mal sabíamos nós que uma expressão que não incita à violência, racismo, xenofobia, etc. ia ser usada para ATACAR, mais uma vez, os adeptos e os clubes. Uma tentativa desesperada das forças de autoridade, sem suporte legal para existir, talvez com a intenção de nos coagir a fazer o cartão ou pelo menos de CENSURAR os nossos protestos. O mesmo tem acontecido com os nossos cachecóis e restante material que tem sido proíbido à entrada dos estádios, algo que também acontece sem suporte legal que o justifique. Censurando e reprimindo, assim tratam os adeptos em pleno século XXI. Face aos actos ilegais, prepetuados pelas forças de autoridade com o apoio da APCVD e do Governo, a maioria de nós não arriscou levar o cachecol para não ficarmos sem ele à entrada. Esta situação serve para suportar narrativas

como a de que queremos passar despercebidos para criar confusão, quando muitas vezes a confusão é criada pelas próprias autoridades, quando excedem largamente a legitimidade das suas funções. Não é difícil de ler nas minhas palavras que considero que as forças de autoridade partilham da responsabilidade dos estádios viverem um ambiente hóstil e perigoso para os adeptos! E se alguém que esteja a ler não concorda, é certo que está no seu direito mas, é igualmente certo que, então desconhece a realidade que dura há décadas de norte a sul, sem esquecer as ilhas, de Portugal. O jogo terminou empatado, sem golos, e a haver um justo vencedor, seriam os adeptos, pela virtude demonstrada ao deixar as zonas, destinadas a portadores do cartão do adepto, totalmente vazias. Sem coreografias, sem frases, sem cachecóis, sem camisolas, mas com a voz, com o sentimento e com a identidade! Podem tentar condicionar-nos, podem tentar acabar connosco, podem até inventar situações para nos tirar dos estádios pela via judicial mas uma coisa não vão conseguir... nunca nos irão vergar a todos! Haverá sempre alguém que diz não, haverá sempre alguém que não aceitará a chantagem, haverá sempre alguém que lute pela justiça e a dignidade! Haverá cada vez mais gente a denunciar-vos! Ultras! Resistir é vencer! Por J. Lobo

81


Apesar de tudo, falamos a mesma língua

No futebol, nós, enquanto adeptos, vivemos divididos pelas cores dos nossos clubes. Talvez, em grande parte, isso se justifique por uma parcela significativa da vida de um clube ser sustentada numa realidade competitiva inerente à componente desportiva. Independentemente da narrativa que quisermos usar, esta segmentação faz parte e acompanha o futebol desde a sua génese, seja ela por factores de natureza social ou de outra ordem. Sem a necessidade de apontar uma lupa às nossas bancadas apercebemo-nos facilmente que, ao longo das últimas décadas, essa divisão tem se intensificado. Mais uma vez não há uma justificação de ordem única que a explique, mas também não quero centrar nisso o coração deste texto. A minha intenção é partilhar uma reflexão em torno de uma frase que uma vez um amigo, ligado ao movimento Ultra, me disse: “apesar de tudo, falamos a mesma língua.” Um idioma partilhado com base em pilares como os valores, os costumes e até uma visão de um futebol mais próximo dos adeptos, etc. Resumindo, uma língua com base em pontos elementares transversais, independentemente do que nos divide. A história ensina-nos que somos capazes do melhor e do pior. Não é incomum ver adeptos a aplaudir cargas policiais contra outros adeptos, ao mesmo tempo que já não surpreende ver grupos a fazer queixa de outros grupos no parlamento, a existência de um mau estar nas

82

bancadas entre grupos por interesses pessoais ou até a falta de solidariedade vivida nos tempos da legalização. Goste-se de ler a verdade ou não, a realidade não pode ser mudada e enquanto que não assumirmos os muitos actos, despidos de valores, que foram e são levados a cabo, não adianta pensar em evoluir o movimento pois não temos a base firme e limpa que todos precisamos. Custa-me aceitar o facto de que enquanto alguns países, como a Alemanha, têm os adeptos da casa a trabalhar para que as direcções dos clubes proporcionem melhores condições aos adeptos visitantes, em Portugal pedemse JAULAS. Infelizmente estamos demasiado atrasados e, como se não fosse mau o suficiente, parece que até gostamos de viver assim! Felizmente nem tudo é tão negativo. Um pouco por todo o Portugal vêem-se pequenas minorias de adeptos a tentar cultivar um novo caminho. Hoje já conseguimos ver, embora às vezes de uma forma tímida e discreta, grupos de adeptos a tomarem posições como aquelas que, há 10 ou 15 anos, chegavam de Itália ou de outros países referência na cena Ultra e nos seduziam! Merece destaque o protesto organizado entre os grupos do Vitória Sport Clube e do Sporting Clube de Braga contra a injustiça cometida contra o Jota, ou a presença de vários grupos em Braga para protestar durante um evento da Liga de clubes, sem esquecer o histórico protesto que reuniu 36 grupos nacionais e consistiu na exibição de uma frase contra o cartão do adepto. Também


foi nos últimos anos que tivemos a primeira manifestação nacional de adeptos e que se ouviram, por diversas vezes, cânticos entoados em conjunto por adeptos rivais a favor de causas comuns. Não serei presunçoso ao generalizar que é mais o que nos une do que o que nos separa mas serei frontal a afirmar que há assuntos que nos deviam unir pelo valor e influência que têm nas vidas de todos nós. Exige-se uma mudança de atitude se queremos continuar a ter espaço nos estádios e ver a ascenção dos nossos valores comuns e de uma forte cultura de adeptos e Ultras. Há poucos anos atrás li um livro em que, a certa altura ,o autor, Yuval Harari, dizia o seguinte: “sem cooperação global, a humanidade será extinta”. Sem querer entrar no campo do pessimismo faço um paralelismo para as bancadas em que nós, enquanto adeptos, se não estivermos à altura das dificuldades que se têm levantado, o mesmo poderá acontecer com as nossas formas de viver a bancada. Não vale a pena negar, o cartão do adepto e outros pontos da lei vieram pôr à prova a nossa capacidade de cooperação em prol de um conjunto de valores comuns. Não é a primeira vez que vemos um ataque às nossas bancadas mas, agora mais que nunca, temos de arregaçar as mangas e saber posicionar-nos junto dos palcos de decisões que afectam o nosso presente e futuro. E isso não acontece sem o compromisso de uma representação e acção adequada, transversal a todas as cores, caso contrário, a possibilidade de atingirmos as nossas pretensões será cada vez menor. Que todos tenham a capacidade de ver o que aconteceu no passado e perceber que os próximos passos são fundamentais para o futuro. Não há lutas sem sofrimento, não há vitórias sem sacrifícios. Assim será nesta guerra e devemos de estar preparados porque, afinal, isto ainda agora começou. A mudança começa por dentro! Por J. Lobo

83



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.