Cultura de Bancada - 5º Número

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Editorial Ficha técnica

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Cartão do Adepto e Privacidade

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História do movimento organizado de adeptos em Espanha

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Era uma vez a Ultra um Modo de Vida

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Casuais

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À conversa com Detrás de la Portería

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issuu.com/culturadebancada

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culturadebancada@gmail.com


Memórias da bancada

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O Futuro das Competições Europeias

Resumo da bancada

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Reacções à Superliga

Entre o céu e o inferno Estrela da Amadora

87

Futebol de rua

A Esparta de Alcantâra

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Visto de fora, cá dentro!

A história do FC United

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Cultura de Adepto

Coimbra e os estudantes

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Bandeiras que ficam na história

facebook.com/culturadebancada

culturadebancada

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editorial Director J. Lobo Redacção L. Cruz G. Mata J. Sousa Design J. Leite S. Frias Revisão A. Pereira Convidados Francisco Furtado Miguel Saial Manuel Soares Detrás de la Portería Marco Fernandes Eupremio Scarpa João R. Ronan Evain Lorena Stella P. Alves M. Bondoso

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Dois meses passaram e as principais competições acabaram mas, para os adeptos portugueses, pouco mudou. Referimo-nos, como é óbvio, ao facto de continuarmos a ser postos de lado por todas as instituições com responsabilidade desportiva e governamental. Como se não fosse mau o suficiente ainda tivemos que assistir àquela encenação que supostamente iria permitir, na última jornada, uma ocupação de 10% dos recintos desportivos e que depois veio a traduzir-se, como todos esperavam, em nada! Aos nossos olhos foi uma fraca tentativa de desviar a atenção sobre a medida que autorizou uma ocupação de 33%, no Estádio do Dragão, para o jogo da final da Liga dos Campeões. Para os mais distraídos, este é o mesmo estádio onde queriam autorizar uns míseros 10% de adeptos portugueses! Infelizmente é como alguns grupos expressaram: “Futebol em Portugal é para Inglês ver”. Por consciência não precisávamos mas, para evitar outras interpretações especulativas, afirmamos que a nossa intenção não é julgar os adeptos Ingleses, mas os autores objectivos desta discriminação, desta vergonha! Neste novo número, da Cultura de Bancada, queremos destacar, por curiosidade e pelo forte significado, a presença de quatro convidados, de algum modo internacionais. Começamos pela Lorena, uma adepta do Lecce a viver em Portugal; Em seguida o Ronan Evain, um Francês, director executivo da Football Supporters Europe; Trouxemos também uma fanzine espanhola, a Detrás de la Portaría; Por último, mas não menos importante, o nosso convidado residente Eupremio Scarpa, do Vintage Football City Tour. Queremos também registar que, ao longo dos nossos números, tentamos mostrar através de fotografias como era a bancada nos anos que antecederam o ano 2000. Deixamos uma palavra de agradecimento ao Norberto e ao Raul pela ajuda que nos dão neste capítulo. Aproveitamos este reconhecimento para pedir aos nossos leitores, que possuam registos fotográficos desses anos, que nos enviem mais material, via e-mail, de modo a podermos continuar a trabalhar este tema, com alguma qualidade e diversidade. Aproveitem o 5º número da Cultura de Bancada.


CARTÃO DO ADEPTO E PRIVACIDADE O Cartão do Adepto surgiu nas nossas vidas como uma imposição dogmática e quase que por geração espontânea. Com excepção de alguns grupos de adeptos e da APDA, não existiu uma discussão séria e sã sobre os efeitos desta medida ou sequer se é apta e adequada a salvaguardar e combater o racismo, a xenofobia e a intolerância nos espectáculos desportivos. Mas o que é o “cartão do adepto”? É, acima de tudo, um atentado às liberdades individuais, perspectiva que aqui queremos abordar. O “cartão do adepto” é, reduzido à sua essência, a face visível de uma lista de pessoas que são especialmente identificadas, apenas, porque gostam de assistir a um espectáculo desportivo de forma activa. É, apenas, um acto de discriminação e intimidação. Como é óbvio, não está em causa qualquer combate à violência ou ao racismo, porque tais realidades são insusceptíveis de serem evitadas pela simples emissão de um cartão. Se assim, fosse não existiria bulliyng nas escolas, porque os alunos têm um cartão de aluno, e ao que parece o cartão é a panaceia para todos os males da sociedade. Como é historicamente constante, os ataques às liberdades individuais começam nas “franjas” da sociedade. E não tenhamos dúvidas que enquanto Adeptos (propositadamente com maiúscula) somos uma franja da sociedade. Mas também não existem dúvidas que o combate à violação das liberdades individuais também se inicia nas ditas franjas.

Desabafo à parte, a análise da violação do direito à intimidade da vida privada comporta duas perspectivas: (i) o cartão e informação contida na lista que lhe está na base; e, (ii) o conteúdo essencial do direito à intimidade da vida privada. Se analisarmos a legislação aplicável, verificamos que o “Cartão do Adepto” encontra a sua justificação no combate ao racismo, xenofobia e violência no desporto. Ou seja, é na susceptibilidade e adequação para evitar comportamentos racistas, xenófobos ou violentos que deve ser analisado e confrontado com os direitos fundamentais que (julgávamos) garantidos pela Constituição. Para esse combate o legislador considerou essencial que quem queria permanecer nas “zonas especiais” deve transmitir os seguintes elementos:

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Nome completo; Morada de residência; Tipo de documento de identificação e respectivo número; Data de nascimento; Fotografia do cartão de cidadão; Número de identificação fiscal; Endereço electrónico; Número de telefone; Promotores de espectáculos que apoia (máximo de três); Grupos Organizados de Adeptos em que se encontre filiado; Filiação no caso dos menores. Da análise do elenco de dados a transmitir, quer isoladamente, quer em conjunto, dificilmente se percebe em como os mesmos se relacionam com qualquer combate à violência ou prevenção do racismo. Está em causa, pura e simplesmente, a identificação de cidadãos, porque à priori são considerados como praticantes de actos racistas e/ou violentos. No outro prato da balança temos o direito à intimidade da vida privada. O artigo 26.º da Constituição prevê que: 1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputaçãov, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação. 2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias. Daqui resultam, dois sub-direitos: o direito de impedir o acesso de terceiros a informações sobre a vida privada e familiar; e o direito a ver impedida a transmissão e divulgação dessa informação. Mas será esta proibição de ingerência na vida privada absoluta? Todos (melhor dizer quase todos) concordamos que não. Todos os direitos podem 6


ceder em alguma medida perante outros que, nas circunstâncias concretas, se revelem mais importantes. Se essencial para salvar a vida de alguém, o direito à intimidade e vida privada deve ceder perante o direito à vida, por exemplo. E cada direito manifesta-se com a mesma intensidade em todas as pessoas? Com excepção do direito à vida, também não. É neste campo que entre a teoria dos círculos desenvolvida pela doutrina penalista alemã. Os direitos devem ser vistos como círculos à volta de cada pessoa sendo que tudo o que estiver mais perto do centro é mais “sagrado”. O direito à vida é o centro. A posição relativa do direito à reserva de intimidade da vida privada dependerá, não só da informação, como das características da pessoa em causa. Se um político se apresenta a eleições tendo como grande “bandeira” o combate ao trabalho ilegal terá interesse para o público saber se o mesmo tem trabalhadores ilegais ao seu serviço. Já a mesma pessoa, enquanto mero empresário, o público não terá o mesmo interesse na informação (com excepção das entidades reguladoras competentes), sendo mero voyerismo. Poderá ser razoável exigir a um árbitro de futebol que comunique às entidades competentes a sua filiação clubística de forma a garantir que inexistam situações de fragilidade do árbitro que, mesmo inadvertidamente, possa beneficiar o seu clube. Já a um cidadão comum, não se justifica ter que divulgar o Clube que apoia sendo uma questão do seu foro privado. É nesta tensão entre direitos que deve ser analisada a conformidade constitucional do “Cartão do Adepto”. Isto porque o artigo 18.º da Constituição determina que: A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Ou seja, mesmo que se admitisse que o “Cartão do Adepto” é apto aos fins a que se destina – que não é e, portanto, inconstitucional -, a 7


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informação que tem que ser transmitida em muito extravasa o necessário para salvaguarda dos outros direitos em confronto. Número de contribuinte? Com que finalidade? Número de telefone? Oi? Clubes que apoia? E três? Eu tenho um Clube e já quase morro do coração! Grupos Organizados em que se encontre filiado? Em que medida combate o racismo ou a violência? E se analisarmos todos em conjunto a conclusão é a mesma: esta limitação da reserva de intimidade da vida privada em nada salvaguarda outros direitos constitucionalmente protegidos. É apenas uma lista de pessoas que o Estado entende dever controlar só porque assistem a um espectáculo desportivo de forma activa e apaixonada. E listas de pessoas são próprias de regimes ditatoriais e não de democracia e países civilizados. Mas o mais interessante é ver como a classe política em geral percepciona estes mesmos direitos quando estão em causa as suas pessoas. Num passado muito recente temos presenciado várias situações em que os políticos se assumem como verdadeiros guardiões dos direitos que querem negar aos Adeptos. Desde logo, no discurso inserido nas comemorações do 25 de Abril, o Presidente da Assembleia da República afirmou que “não há donos da transparência, nem é aceitável nenhuma lógica que ponha os eleitos, os magistrados judiciais, os procuradores, como suspeitos à partida” Ora, os Adeptos revêm-se nesta frase, não somos donos da transparência mas não é aceitável que sejamos considerados suspeitos à partida! É isso mesmo que o “Cartão do Adepto” significa, uma presunção de culpa, somos suspeitos à partida por vivermos a bancada de forma apaixonada. Mas os exemplos não acabam aqui. Em determinado momento, colocou-se a hipótese de os titulares de cargos públicos terem de divulgar a sua filiação em associações que exigem tidas como secretas e que exigem lealdade

absoluta entre membros Segundo notícia publicada no Diário de Notícias de 18 de Março, o PS, através de Isabel Moreira, manifestou as reservas dos socialistas tanto às propostas do PAN como dos sociais-democratas, afirmando que são propostas “desproporcionadas” e “excessivas”. Neste âmbito a classe política declarou estarem em causa questões relacionadas com a consciência e a liberdade de cada um. Ora muito bem, mas para ir para a bancada há que comunicar todos os elementos de identificação, como se de criminoso sujeito a medida de coacção ou a cumprir pena se tratasse. Como vimos, o direito à reserva de intimidade da vida privada manifesta-se com diversas intensidades em função do titular e das concretas circunstâncias do caso concreto. Então um político titular de cargo público (que toma decisões com impacto significativo para a vida de todos nós) pode omitir as associações e agremiações a que pertence. E assim, pode tomar decisões em benefício de interesses a que está relacionado sem que ninguém o saiba. Um Adepto, comum cidadão a desfrutar de um espectáculo de forma apaixonada, tem que se registar e fazer parte de uma lista de potenciais malfeitores. Nada disto faz sentido, a proporcionalidade não pode ser uma cláusula de salvaguarda para a classe política e letra morta para os demais. Os direitos são transversais à sociedade e a todos os seus elementos, e não uma prerrogativa de alguns. É nesta franja da sociedade, na bancada, que tem que começar o combate a este atropelo aos mais elementares direitos fundamentais. Se tivermos que ficar de fora, que assim seja: um jogo sem adeptos é um treino, um estádio sem adeptos é um campo. Futebol sem cor, sem paixão, não é nada, são apenas 11 contra 11 e o Cartão do Adepto é o catalisador para que se chegue a essa situação e imagens de bandeiras e cor na bancada só sejam possíveis na RTP Memória. Por Francisco Furtado, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da APDA

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História do movimento organizado de adeptos

em Espanha

Nos números anteriores retratamos a história de diversos movimentos de apoio organizado, desde o movimento Ultra, passando pelas torcidas, até à subcultura Hooligan. Desta feita, trazemos a história de como o movimento organizado de “aficionados” se desenvolveu em Espanha. “Nuestros hermanos” criaram o movimento “peñístico”, algo que é próprio, tradicional e que de certa forma abriu alas para a introdução do estilo Ultra nas suas bancadas. Em 1919, pela primeira vez, registou-se algo em relação ao apoio organizado, neste caso sobre adeptos afectos ao Barcelona, referindo-se ao grupo como “Penya Barcelonista”. Um ano depois, cerca de 100 “aficionados” do Real Madrid, fundaram a primeira “peña” de madridistas. Durante uma de muitas tertúlias que num bar se realizavam, muitos dos seus participantes resolveram organizarem-se de outra maneira. Uma “peña” é um grupo de amigos, conhecidos ou simplesmente pessoas oriundas de uma zona, cidade, região ou país, que se juntam para melhor apoiar ou participar na vida do seus clube. Estes grupos costumam estar agrupados sob associações legais e inscritos nos clubes. O primeiro grupo oficial do Barcelona foi a “Peña Solera”, isto no ano de 1944. Em relação à “peña” madridista supracitada, em 1956 viajaram pela primeira vez para o estrangeiro, por ocasião da final da primeira edição da Taça dos Campeões Europeus. Foi entre a década de 50 e a de 70, que a cultura “peñística” se desenvolveu imenso e pela maioria do território espanhol. 10


Prova de que as “peñas” ajudaram a abrir caminho para o aparecimento de grupos influenciados pelos Ultras italianos é que a “Peña Biri-Biri” esteve na origem dos actuais “Biris Norte”( 1975). O mesmo aconteceu com os jovens que compunham os “Las Banderas” (que se localizavam no “fondo sur” do Estádio Chamartín) e que contribuíram para a fundação dos “Ultras Sur” (1980). No Sporting Gijón, a “Hinchada Fondo Sur” foi o embrião dos “Ultra Boys” (1981). Já a “Frente Atlético” (1982) continua localizada a sul, fruto da influência que a “Peña Fondo Sur” teve no seu aparecimento. Outro exemplo vem de Sevilha, onde a “Peña El Chupe” que apoiava o Bétis, originou os “Supporters Gol Sur” (1986). A peña “Brigada Azul Universitaria” contribuíu para em 1988 surgir a “Brigada Azul”, afecta ao Real Oviedo. No Camp Nou, alguns jovens que se agrupavam sob o nome “Los Morenos” inspiraram a criação dos “Boixos Bois” em 1991. Consideram-se os Biris Norte o grupo organizado de apoio mais antigo em actividade, sendo os “Ultras Torre” (Castellón) possivelmente o primeiro grupo espanhol a associar-se ao movimento Ultra, isto em 1978. Após o Mundial de 1982, que foi realizado em solo espanhol, o estilo Ultra ganhou mais admiradores e seguidores, por culpa do entusiástico e colorido apoio da “tifoseria” italiana. Por essa altura, os grupos de apoio espanhóis usavam fundamentalmente bandeiras e cachecóis artesanais, feitos em casa por familiares. Pelo menos numa primeira fase, foram também importantes grupos como: Las Banderas (1977-Hércules); Peña Mujika (1981-Real Sociedad); Herri Norte (1981-Athletic Bilbao); Abertzale Sur (1982-Athletic Bilbao); Jove Elx (1982-Elche); Brigadas Amarillas (1982-Cádiz); Gaunas Sur (1982-Logroñes); Ultra Yomus (1983-Valencia); Ultra Violetas (1983-Valladolid); Frente Onuba (1983-R. Huelva); Granas Sur (1984-R. Murcia); Frente Bokerón (1984-Málaga); Brigadas Blanquiazules (1985-Espanyol); Ultras Levante (1985-Levante); Ligallo Fondo Sur (1986-Zaragoza); Juventudes Verdiblancas (1986-R. Santander); Indar Gorri (1987-Osasuna); Celtarras (1987-Celta Vigo); Riazor Blues (1987-D. Coruña); Frente Orellut (1987-Castellón). 11


Inicialmente, entre os grupos, reinava a espontaneidade, sendo os mesmos pouco organizados e hierarquizados, e maioritariamente constituídos por jovens. A postura nas bancadas era algo anárquica e intuitiva. Em diversos clubes foram sendo criados um ou dois grupos. Nos casos em que havia mais de um grupo em actividade simultânea, tal devia-se às diferenças em relação às maneiras de coligarem as bancadas à política. Em muitos grupos era possível notar a presença de várias tendências, como os mods, heavies, rockers ou skinheads. Os “fondos” começaram a ser politizados, tendo as Brigadas Amarillas (extrema-esquerda) e as Brigadas Blanquiazules (extrema-direita) sido grupos que desde as suas fundações, se assumiram como defensores de uma ideologia política. A esquerda e a direita enraizaram-se de tal forma que muitas amizades ou rivalidades surgiram mediante conotações políticas. Desde que alguns grupos começaram a ser politizados, a direita era maioritária entre os grupos organizados de apoio. A nível estético, diversos elementos de grupos começaram a usar casacos “bombers” e “alphas”, muitas vezes do avesso. Dessa forma, parecia que tinham casacos de cor laranja, que se destacavam e coloriam as bancadas, algo que fez moda por toda a Europa, mas que foi influenciada pelos italianos e gregos. Em 1988, o Senado (assembleia da República espanhola) nomeou uma comissão para resolver a questão da violência nos estádios. Passados dois anos, é aprovada a “Ley del Deporte”. Esta lei contribuiu imenso para a mercantilização do Futebol, estando contemplada na mesma a criação da SAD’s. É então, na última década do século XX, que se dá o “boom” dos grupos organizados de apoio, com os “fondos” frequentemente à pinha. Nessa época, as deslocações aos estádios adversários passaram a ser habituais, apesar das distâncias. Desde cedo que os autocarros eram o meio de transporte preferido deste movimento. Os “aficionados” regularmente tifavam com coreografias compostas por plásticos, cartolinas, lençóis de grandes dimensões, balões, bandeiras 12


ou pirotecnia. Algo que fazia parte do “quotidiano” dos Ultras eram as cachecoladas, onde podiam ver-se os tradicionais cachecóis de lã (feitos em casa), como cachecóis de clubes ingleses ou italianos, uma vez que nesses países já eram produzidos em massa há vários anos. Os grupos de apoio atraíram ainda mais jovens e foram evoluindo organizacionalmente. Em alguns casos, começaram a definir-se hierarquias estruturais. Por essa altura, surgiu a venda de artigos próprios, como cachecóis, camisolas, autocolantes e fotomontagens. É também nos anos 90 que os skinheads passam a ser a tribo Urbana maioritária entre os grupos, trazendo com eles uma maior politização às bancadas. Uns eram apoiantes pro-Espanha e franquismo, outros eram “independistas” em defesa das suas regiões. Boixos Nois, Ultras Sur, Frente Atlético, Ultra Yomus, Supporters Gol Sur eram grupos que se aproximavam do estilo Ultra e também eram dos maiores defensores e influenciadores da extrema-direita. Entre os defensores de esquerda, a Herri Norte foi a maior inspiração. Inicialmente, aproximavam-se do estilo italiano, mas mais tarde assumiram-se como “antiultra” e seguiram um estilo mais próximo ao Hooligan. Após o crescimento da subcultura Hooligan, a tendência “Casual” também ganhou o seu espaço. Em 1991/92, dentro dos Boixos Nois surgem os Casuals FCB. De seguida, aparecem os Casuals SFC ( Biris Norte), La Crew ( Brigadas Blanquiazules), Solfans ( Ligallo Fondo Norte), Real Oviedo Casual Firm, entre outros. Nos últimos anos do século XX, fruto de uma maior expansão comunicacional dos motivos, características e modus operandi dos grupos Casuals e também da repressão que se fazia sentir em Espanha, surgem cada vez mais grupos conotados a esta tendência. Na época 1992/93, efectiva-se a criação da Comísion Antiviolencia e aplicam-se medidas de segurança nos estádios, medidas essas ratificadas por vários países europeus após as tragédias de Heysel e de Hillsborough. A partir daí, os degraus das bancadas tinham de ter cadeiras. Era obrigatória também a remoção das grades que delimitavam as bancadas. Associado a isto está 13


também o aumento do controlo policial e do ne- 90, a comunicação social começa a mudar a sua gócio desportivo, com o adepto a sustentar tudo postura em relação aos grupos organizados de isto. apoio. Se nos anos 80 e até meados dos 90, os No ano de 1993, media valorizavam elementos dos Ultras Sur No ano de 1993, elementos dos e, em certa parte, e da Frente Atlético unemincentivavam o espeUltras Sur e da Frente Atlético -se e criam a histórica fantáculo nas bancadas, zine “Super Hincha”. Para unem-se e criam a histórica fan- depois começaram a zine “Super Hincha”. se ter alguma noção da imdestacar os aconteciportância que a mesma gamentos negativos na nhou no movimento Ultra espanhol e internacio- envolvente dos jogos associando- os aos ultras, nal, a tiragem desta fanzine chegou a ser de 25 mesmo quando tal não fazia sentido. Esta postu000 unidades por número. Isto foi parte de uma ra contribuiu para uma mudança de opinião da evolução que começou com a criação da revista sociedade, em especial dos dirigentes do fute“Ultras”, em 1985. Mais tarde, surgiu a revista/ bol, em relação aos grupos organizados de adepfanzine “Hinchas y Supporters” e também a fan- tos. zine “12° jugador”. Nos anos 90, foram também Em alguns casos, presidentes de clubes lançadas fanzines próprias de alguns grupos. contribuíram para impulsão de grupos organi A partir da segunda metade dos anos zados nas décadas que antecederam o milénio.

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Acontece que a partir do começo do século XXI, concretamente em 2003, um presidente tenta vetar o acesso aos jogos a um grupo. O caso foi entre Joan Laporta e os Boixos Nois, algo que chegou a consumar-se em 2005. Os radicais blaugrana não podiam entrar em Camp Nou enquanto grupo. Em 2009, o mesmo acontece aos rivais da sua cidade sendo as Brigadas Blanquiazules proibidas de apoiar em casa o Espanyol, uma vez que a direção do clube assim decretou. Os ultras Sur também não tiveram melhor sorte, pois foram alvo da mesma medida em 2013/2014, por ordem do presidente do clube. Por esta altura, os grupos conotados com a política de esquerda já tinham mais peso no movimento, fruto do seu trabalho nas bancadas e ruas. Entretanto nota-se também uma menor visibilidade de símbolos políticos nas bancadas. O material de apoio focava-se muito mais nos no-

mes, símbolos e cores dos clubes, grupos, cidades ou regiões . Esta mudança estética deveu-se também ao aumento da repressão aos grupos o que aproximou ainda mais “aficionados” do movimento casual. Nos últimos anos, diversos clubes têm-se inspirado nas bancadas alemãs, com a “centralização” de diversos grupos de apoio numa só bancada. Grupos ultra têm-se agrupado ao lado de várias “peñas” em topos dos estádios, algo que tem contribuído para a revitalização dos ambientes fervorosos. Por outro lado, este tipo de medidas tem ajudado a combater o ataque aos adeptos levado a cabo pela Real Federación Española de Fútbol, pela Liga de Fútbol Profesional e pelos políticos. Por L. Cruz

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Era uma vez a..

Ultra um Modo de Vida A primeira metade da década de 90 pode ser definida como a época dourada do movimento ultra português. Seria neste período que os grupos ultras se afirmariam quer pelo número de elementos, quer pela qualidade dos espetáculos realizados jogo após jogo. Em plena época de ultra-mania, surge a necessidade de registar e comunicar toda esta intensa dinâmica nas bancadas portuguesas e, neste contexto, foram nascendo inúmeros projectos de publicações pelo país relacionadas com o movimento ultra português, à boleia do que se fazia no estrangeiro, nomeadamente a Supertifo. Relembramos que nesta altura, a internet ainda era uma miragem pelo que era necessária uma extensa rede de contactos com membros de vários grupos nacionais e a ativa colaboração por parte dos leitores, condições obrigatórias à aceitação e sucesso deste género de publicações. O espaço mediático das claques era reduzido e limitado. Alguns jornais começaram a dedicar uma página semanal a assuntos relacionados com claques, espaço que veio a revelar-se insuficiente para todos os acontecimentos que estavam a ocorrer pelos estádios de Portugal, da 1ª divisão às distritais. É no meio de todo este fervor e agitação que nasce, em Olhão, o projecto “Ultra… Um Modo de Vida”, com origem nas trocas de material, por correio, realizadas entre ultras de diversos grupos de norte a sul do país, sem o imedia16

tismo e a facilidade de obter informação que a internet hoje nos proporciona. Tudo começou em Outubro de 93. Iniciou como fanzine, com algumas páginas fotocopiadas e a oferta de uma fotomontagem, tudo meio a brincar. O objectivo era simples: registar, informar e dar voz aos intervenientes do movimento ultra em Portugal. No nº 2 as coisas começam a ficar sérias, capa a cores e aumento de páginas, artigos com maior qualidade e começava a ganhar notoriedade. Na época seguinte (1994/95), um início fulgurante, mas a época acabaria por se concluir e só publicámos dois números. Enquanto fanzine, adoptou-se uma estética “Do It Yourself” com recurso corta e cola, inspiração clara nas fanzines relacionadas com movimentos musicais, nomeadamente punk e heavy metal. Desde o início, o elemento distintivo para com as demais publicações foi a rúbrica de banda desenhada intitulada Komandos Áquila. Este espaço desenhado pelas mãos do então Director Miguel Saial relatava, com muita sátira e ironia, as aventuras e desventuras de uma pseudo-claque, com óbvia relação a alguns acontecimentos reais das curvas portuguesas. Outras rúbricas presentes na revista eram o Fanzinário, Hora dos Núcleos, Vandôma e a sempre escaldante rúbrica de Cartas, espaço para ataques e respostas por parte dos ultras portugueses. Havia também sempre espaço para entrevistas, temas da atualidade e


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temas de fundo, espaços que registavam e discutiam diversos assuntos relacionados com a atividade do mundo ultra português e estrangeiro. Com o aumento de páginas e crescente qualidade, nomeadamente na introdução de cores, a publicação de fotos ganha destaque e surgem os concursos de desenhos e fotomontagens. A afirmação da publicação no seio do movimento “obriga-nos” a assumir o formato revista e faz aumentar a tiragem para 1500 exemplares por número o que, por vezes, se revelava insuficiente para a elevada procura. Naqueles tempos, não comprar a revista no momento do lançamento, implicava ficar de mãos a abanar, e ter de pedir emprestada para poder ficar a par das novidades do mundo ultra português. Num projecto destes, realizado de forma amadora e dependente de colaboradores, deparamo-nos sempre com algumas dificuldades, nomeadamente a distribuição e venda das revistas. Depois de impressa, havia que fazer chegar a revista a todos os “pontos de venda” a tempo e horas, acertar contas e partir para uma aventura que era a realização do próximo número. Depois da edição de 5 números como revista e após alguma reflexão, a “Ultra… Um Modo de Vida” muda para “Ultra - A Voz dos Adeptos”. Nesta nova vida, a revista visava ter uma abordagem mais abrangente sobre adeptos, em torno do próprio futebol e de toda a cultura envolvente. Com uma linha editorial renovada e um design mais “arrumado”, mas sempre com os mesmos valores, fizemos questão que o projeto mantivesse o objetivo de promover e divulgar a festa do futebol. Esta mudança acabava por refletir o que se estava a passar no mundo do futebol e no próprio movimento ultra português, ainda abalado pelo episódio do very-light. O cinema, a música e os livros passam a ter presença obrigatória nas páginas da revista e até houve um número especial dedicado ao filme Laranja Mecânica abordando, obviamente, a influência deste filme no mundo ultra. Foi também um tempo para experimentar e arriscar, nomeadamente no formato. Aumentámos para A4, publicámos em jornal e saíram alguns números extra relacionados com eventos específicos (final da taça de Portugal entre Beira-Mar 18

e Campomaiorense, Euro 2004). Sinal dos tempos, os espaços online relacionados com ultras e adeptos passaram a ter destaque e a revista avançaria para este conceito de edição. Como noutros projectos, a falta de disponibilidade dos integrantes e os elevados custos associados à sua produção ditariam o fim da sua existência. O sucesso da publicação fica fortemente associado a inúmeros colaboradores, tais como João Campos, Manuel Soares, Rodrigo Saraiva, Carlos Alberto Silva, António Querido, João Fonseca, Luís Macedo, Jorge Paulo, Pedro Eça, Paulo Costa, João Marcelino, Miguel Florindo, Paulo Cartaxo, Nuno Eugénio e muitos outros. Nos dias de hoje, acreditamos que seria impensável reunir a colaboração de tantos intervenientes de grupos rivais. Para os que criaram e participaram neste projecto fica o privilégio de poder vivenciar e reportar alguns dos momentos mais marcantes vividos nas bancadas portuguesas e poder deixar esse registo no arquivo da história dos adeptos e da cultura de bancada em Portugal. Por Miguel Saial e Manuel Soares


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casuais Nos últimos anos começou a ser normal ouvir falar, de uma forma crescente, acerca do fenómeno Casual, muito por culpa da comunicação social. Talvez por isso, não seja de estranhar o interesse paralelo das autoridades e de outros agentes desportivos sobre o aumento desta subcultura de adepto, os “Casuals”. Mas afinal o que são e de onde vieram os casuais? Um monte de disparates tem servido de apresentação, numa fraca tentativa para conseguir explicar um movimento que nasceu no final da década de 70 e, ao longo dos anos, conseguiu espalhar-se um pouco por todo o globo. Portugal não é excepção. Nas próximas linhas tentarei abordar este tema, e trazer um pouco mais de informação, para que possam conhecer, contextualizar e perceber melhor a história e o que são os casuais.

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Antes do aparecimento dos casuais, os jovens adeptos ingleses, na sua maioria pertencentes à classe trabalhadora, foram moldados pela influência de outras culturas comuns à época em que viveram. Foram seduzidos a copiar essas culturas em aspectos como a atitude, política, a música ou o visual. Não estarei totalmente errado ao dizer que, entre os jovens da classe operária, existia uma certa vontade de se destacarem e reivindicarem que são “alguém”. Talvez aqui fique justificada a importância da componente estética que será focada, ao longo dos tempos, através das várias culturas. Mais do que por uma questão de tribalismo, às vezes parecer é tão importante quanto ser! Com o tempo, cada uma das subculturas urbanas ia ficando para trás e dava espaço a novas filosofias e formas de estar entre os jovens. Na esfera cronológica é importante


começar por apontar a década de 1950, uma época de recuperação após a Segunda Guerra Mundial, pelo aumento da violência em jogos de futebol. É também nesses anos que, entre os jovens hooligans, se começa a adoptar a influência e moda dos Teddy Boys, um movimento assumido como antissistema assim como os que virão adiante. Na década seguinte, nos anos 60, numa fase em que as estradas e infraestruturas de transporte melhoravam, o número de adeptos que viajava aumentou, o que certamente não ajudou a diminuir o fenómeno da violência no futebol. Estes anos foram ainda marcados pela influência dos elegantes Mods e dos Rockers. É também por esta altura que surge o movimento Skinhead, embora o período em que estes tiveram uma maior influência entre os adeptos e na própria sociedade, tenha sido nos 70’s, anos em que também aparecem os punks. Devo sublinhar

que os adeptos que, de alguma forma, aderiam ao estilo Skinhead tornavam-se um alvo fácil para as autoridades e era comum ver o Old Bill à procura dos cabeças rapadas com as suas Dr. Martens. Ainda na década de 1970, importa referir que os confrontos em estádios e o vandalismo eram regulares no cenário desportivo Inglês, mas também no exterior do país onde ganhavam uma má reputação da qual se orgulhavam. No final desta década o hooliganismo é visto e tratado como um grave problema nacional pelo meio político e pelas autoridades ao mesmo tempo que, no noroeste britânico, segundo informações que me parecem reunir consenso, têm origem os casuais. Estes viriam a ocupar um lugar de maior relevo entre os jovens adeptos a partir dos anos 80. Sobre o aparecimento desta Cultura existem dois pontos de partida principais ,que

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convém termos em consideração e, aos quais irei dedicar as próximas linhas. Contudo, atribuirei um maior destaque ao segundo, devido à sua importância. O primeiro diz respeito aos Perry Boys, um movimento que aparece em Manchester e Salford. O outro tem a ver com os “Scallies”, de Merseyside, mais concretamente de Liverpool. Os Perry Boys, apareceram em meados da década de 70 em Manchester, uma cidade marcada pela presença operária, e tinham como principais rivais os Scallies de Liverpool, algo interessante e que mais para a frente irá potenciar a tentativa de ambas as partes se superiorizarem, em particular no que diz respeito à forma de vestir. O seu nome vem da preferência, dos seus integrantes, por usar artigos da marca Fred Perry. Para além de uma forma de vestir comum também usavam cortes de cabelo próprios e partilhavam o mesmo gosto musical. Antes, aqueles cujas origens pertenciam à classe trabalhadora, estavam habituados a usar roupas baratas e de fraca qualidade, o que de alguma forma os caracterizava mas, de repente, com o aparecimento do fenómeno Perry boys, mudaram a sua forma

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de estar e de vestir. Este novo estilo também servia de camuflagem, dificultando a discriminação pela estética destes jovens. Importa acrescentar que, inicialmente, o seu foco, mais que o futebol, era a música e as suas saídas noturnas, onde marcavam o seu espaço pela elegância e agressividade. Só pouco mais tarde o futebol iria ganhar maior importância para este movimento. Uma das primeiras vezes, senão mesmo a primeira, em que este novo estilo de vestir foi notado na bancada, ocorreu num jogo entre Manchester United x Liverpool, em 1977. Os Perry Boys e os Scallies tinham algumas semelhanças estéticas mas, no final dos anos 70, fruto das viagens europeias, os de Liverpool marcaram uma clara distinção. Liverpool era uma cidade operária com uma dualidade muito presente. Ricos e pobres viviam lado a lado, e as suas vidas dependiam bastante da relação com o seu porto. Apesar de existirem algumas oportunidades para os seus habitantes, a vida económica não era fácil. A natureza da sua condição potenciava um ambiente propício a moldar o carácter de grande parte da


população, que era assim obrigada a crescer forte para aguentar as adversidades que surgiam. Certamente que não era só ali que isto acontecia, mas esta era uma comunidade que vivia de um modo diferente do resto do país e os seus habitantes sentiam-se à parte, como se fossem superiores aos demais cidadãos de outras localidades. Havia um tipo de elitismo, fruto dos efeitos da forte identidade local, admirado por uns e desprezado por outros. De lá saíram várias formas estéticas que seriam adoptadas um pouco por todo o território insular. Foi o caso dos cortes de cabelo típicos ou até da influência no modo de vestir como no caso das Trimm Trab da Adidas que eram importadas da Alemanha para o Reino Unido, mais concretamente para Liverpool. Esta é uma cidade com uma força cultural enorme que acabaria por influenciar o aparecimento da subcultura Casual. Dizem que tudo começou no final da década de 70, numa época em que Liverpool era uma das equipas que tinha presença constante nas competições europeias e, por isso, realizava viagens por vários países. Os adeptos que os se-

guiam, para além de assistirem ao jogo, tinham a oportunidade de conhecer outras culturas e, importante para este tema, outras modas. Houve uma que se destacou, nomeadamente, as roupas desportivas, de novas marcas que nunca tinham sido vistas à venda no seu país. Então, seduzidos pela novidades, os Scallies não resistiram à tentação e enquanto que uns poucos compravam os seus artigos de marcas europeias, procurando satisfazer aquele impulso fruto da novidade, uma outra parte saqueava as lojas por onde passava. No final, regressavam a casa vaidosos com as suas peças raras de marcas como a Lacoste, Sergio Tacchini ou Adidas. Aquelas marcas continentais desconhecidas, ou de de difícil acesso, desafiavam o padrão Inglês pelo que tiveram um enorme impacto entre a comunidade local, que posteriormente se espalharia por toda a Inglaterra. Peter Hooton, ex-vocalista do grupo independente The Farm, que editava uma influente fanzine de futebol, a The End, em Liverpool, no início dos anos 1980, comentou o seguinte sobre o seu primeiro contacto com a casualidade: “Esse rapaz entrou

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num pub em Liverpool, deve ter sido em 1978 ou 1979, e tinha calçado um par de sapatilhas. Todos ficaram encantados. Eles disseram: ‘Onde é que os compraste?’ e ele simplesmente disse, ‘Suíça’. E foi assim.” Imaginem, naqueles tempos, os adeptos a deslocarem-se aos recintos vestidos com as tradicionais camisolas de clube e cachecóis, salvo as excepções que já mencionei atrás, quando de repente começam a ver os adeptos do Liverpool vestidos com roupas diferentes, completamente fora do normal. Foi assim que a faísca se transformou em fogo e levaria muitos adeptos de toda a parte a procurar roupas difíceis de encontrar ou simplesmente caras. A partir dos anos 80 muitas outras marcas foram associadas aos casuais como é o caso das seguintes: Ellesse, Pringle, Burberry, Fila, Stone Island, Fiorucci, Pepe, Benetton, Ralph Lauren, Henri Lloyd, Ben Sherman, Fred Perry, Kappa e Slazenger. Ainda desta altura, chega-nos um relato de Robert Elms, um adepto do Queens Park Rangers FC, sobre uma partida de fute-

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bol onde a sua equipa defrontou o Conventry City. Nesse jogo, os adeptos do Rangers ao verem que os adeptos adversários ainda usavam a marca Fila, algo que já havia caído em desuso em Londres, começaram a cantar “o meu cão dorme em FILA, o meu cão dorme em FILA lalalala”. Nesse momento, esses rapazes, baixaram a cabeça e seguiram o seu caminho, “... tinham perdido a batalha, sem necessidade. Nas linhas anteriores deixamos presente que, esta Cultura, teve o seu boom sustentado na elegância, um dos pilares principais que sobrevive até aos dias de hoje. A violência, típica do hooliganismo, é outro dos pilares. Em defesa da verdade devo ser claro e dizer que o hooliganismo sempre esteve presente entre os casuais só que, esse fenómeno, não é exclusivo e muito menos um produto desta Cultura. É importante assumir que a violência no futebol vem desde a sua génese e evoluiu acompanhando a própria evolução do futebol, para além de que é algo que está, e esteve, sempre presente no seio da juventude. A força da moda imperou em território


Britânico e os casuais espalharam-se por toda a parte. Com o passar do tempo as lojas locais passaram a vender os artigos que antes não estavam acessíveis e eram destinados aos hooligans, mais concretamente aos casuais. Parece estranho mas é um exemplo demonstrativo da força social e económica que esta Cultura tem. Esta disseminação da Cultura foi feita ao ritmo de cada região. Enquanto na zona de Liverpool eram habitualmente vistas marcas desportivas do continente e o cabelo cumprido, ao estilo “wedgie”, na zona Sul de Inglaterra, especialmente em Londres, prevaleciam marcas mais clássicas como Aquascutum, Burberry’s ou Armani e um corte de cabelo mais curto. Já nas Midlands era um mix, procurando o melhor de cada um dos estilos anteriormente referidos. A denominação desta subcultura de adeptos, “Os Casuais”, aparece pela primeira vez em 1983 num artigo escrito para a revista, londrina, “The Face”. Até este momento, o nome daqueles a quem hoje chamamos casuais variava consoante o local, ou até nem possuíam uma denominação atribuída.

Como já foi dito, o aparecimento dos casuais apanhou os polícias de surpresa, uma vez que o “old bill” apenas estava formatado para procurar pelo padrão estético comum dos skinheads. Assim os casuais aproveitaram largamente esta vantagem presente nos primeiros tempos, criando ondas de violência que ainda hoje fazem parte da memória colectiva dos adeptos e de todos os que rodeiam o futebol. Na última metade dos anos 80, após os desastres nas bancadas onde se incluem os episódio de Heysel Park e de Hillsborough, foi realizada uma reforma estrutural conduzida pela famosa Margaret Thatcher, que incidiu na forma como se lidava com os problemas afectos aos adeptos, em particular dos casuais/hooligans. Novas medidas foram implementadas como foi o caso dos estádios apenas passarem a possuir lugares sentados ou a obrigatoriedade do sistema CCTV. Ao contrário do que se tem considerado como certo, o afastamento e o declínio dos casuais não se deve exclusivamente à forte repressão. Será que devo arriscar a dizer “pelo contrá-

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rio”? Talvez! Por volta de 1990, uma nova adição levou os jovens a afastarem-se dos estádios e a reposicionarem-se. Desta vez estavam a ser atraídos pelas raves e discotecas, onde a house music estava a conquistar um lugar de destaque e o consumo de ectasy era uma constante. Entre os casuais havia aqueles que costumavam estar associados a pequenos crimes, como a venda de bilhetes e o tráfico de drogas, e foi nessa clandestinidade que encontraram vantagem na cena “Acid House”, que tanto marcou aquele período. Mas como em tudo, a vida é feita de fases e, logo a partir de meados da década de 1990, os casuais ressurgem. É neste período que se aproximam de marcas, que ainda hoje são comuns entre os casuais, como a Stone Island e a C.P. Company. De novo, a procura pelas marcas

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prendia-se com uma questão primordial e essencial, a procura de status. Foi também essa obsessão por rótulos que ajudou o movimento Casual a ganhar as suas raízes. Partilho, por curiosidade, uma particularidade sobre a marca Stone Island. Todos aqueles que conhecem, minimamente a marca, já se devem ter questionado sobre o porquê do seu distintivo ser removível? Pois bem, é uma forma de evitar os olhares daqueles que tão bem sabem “ler nas entrelinhas”. Por outras palavras, visto que as marcas funcionavam como uma linguagem de comunicação entre os casuais, quem não quer problemas pode sempre remover o símbolo e evita ser associado a um hooligan. No final dos anos 90, muitos adeptos começaram a afastar-se das marcas que eram


associadas ao movimento casual, por causa da atenção policial que elas atraíam. Outro ponto interessante sobre marcas, tais como a Burberry, Aquascutum, Armani, Prada e muitas outras, é que sofreram com este fenómeno ao verem a sua imagem conectada com o fenómenos da violência no desporto. Sem deixar de mencionar que, ao mesmo tempo, também ganharam muitos milhões com isso, ainda assim houve casos em que as marcas excluíram determinados artigos das suas linhas. A partir do ano 2000 a moda dos casuais teve um aumento da popularidade. Se no passado havia sido vista como um assunto tabu, muito por culpa da violência a ela associada, neste período várias bandas musicais adoptaram a estética Casual. Também foram realizados vários

filmes como Green Street Hooligans (2005), The Football Factory (2004), Cass (2008), The Firm (2009), Awaydays (2009), assim como foram escritos vários livros sobre o tema. Actualmente novas marcas continuam a aparecer para complementar ou substituir as já existentes. Este estilo continua a ser muito notado nas bancadas e mesmo fora delas onde várias pessoas, que nem simpatizam com futebol, apenas se sentem encantadas com a identidade que estes “uniformes” parecem trazer. Afinal de contas o que são os Casuais? Parece ter tudo a ver com estilo, cerveja, música, violência e fugir às garras do “old bill”, mas será que é possível resumir assim? Por J. Lobo

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À conversa com.. Detrás de la Portería Neste quinto número escolhemos, para estar presente nas nossas páginas, um colectivo de adeptos, um projecto dentro do nosso espectro, uma fanzine! Convidamos então, a fanzine Detrás De La Portería, para partilhar connosco um bocado do seu trabalho e da sua história. Localizados em terras vizinhas de Espanha, vamos tentar explorar a realidade deste projecto assim como da comunidade que o rodeia. Desde já o nosso obrigado à Detrás de la Portería por ter aceite o nosso convite. Como nasceu e se desenvolveu o projecto Detrás De La Portería? A Detrás de la Portería, ou algo do género, foi uma ideia que esteve por algum tempo nas nossas cabeças já que, estivemos por vários anos, envolvidos na redação da fanzine do nosso grupo e, às vezes, tínhamos a sensação de que seria interessante ir um po uco mais adiante, e não escrever apenas sobre e para o nosso grupo. Alguns de nós já tinham experiência a fazer fanzines fora do nosso grupo, pelo que, isso também serviu para lançar as bases da Detrás de la Portería. Por fim, no inverno de 2018/2019 juntamo-nos para decidir que forma queríamos dar ao projeto e partilhar as nossas ideias sobre uma fanzine. Fomos devagar mas, no verão de 2019, anunciamos publicamente o projeto e já não havia como voltar atrás. Passamos por alguns problemas antes da primeira edição mas, no outono de 2019, o 28


nosso primeiro número foi lançado, um ano após a nossa primeira “reunião”. Desde então temos falado continuamente sobre como melhorá-lo, o que pensamos que podemos acrescentar, etc ... está a ser uma aprendizagem contínua e muito agradável. A chegada da Covid19 foi um grande contratempo por diversos motivos, mas sobretudo pela falta de adeptos nos jogos, o que tira algum sentido ao que fazemos, já que não podemos visitar os grupos nas suas bancadas, além do que, ficamos sem a principal via de distribuição, que são os ultras nas bancadas. Ainda assim, embora tenhamos abrandado o ritmo, continuamos em frente e foi um sucesso. O nosso nº 4 saiu recentemente e estamos muito satisfeitos com o trabalho e a sua aceitação. Quantos elementos compõem a vossa equipa? Como estão organizados? Somos três pessoas, três amigos que cresceram, como ultras e como pessoas, dentro dos Bukaneros, o nosso grupo, onde trabalhamos ombro com ombro e de onde surgiu a ideia da Detrás de la Portería. O facto de sermos amigos e colegas e de estarmos em contacto quase diário, independentemente da nossa fanzine, torna a organização tão simples quanto informal. Falamos constantemente sobre o projeto e aí surgem ideias, opiniões e decisões. Dois de nós escrevem e o outro faz todo o layout e design, e acompanhamo-nos.

O que idealizam para a fanzine? Quais

os vossos principais objetivos? Bem, não temos grandes planos, a não ser continuar a trabalhar e tentar fazer cada vez melhor. Obviamente, assim que a situação o permitir, estamos ansiosos para voltar a visitar uma bancada. Temos uma lista interminável de cidades, estádios e grupos que queremos visitar, e muitas histórias que consideramos interessantes para contar a quem nos lê, mas acima de tudo, para nós. Achamos importante deixar claro que, para nós que fazemos a Detrás de la Portería, há uma ideia muito principal. Queremos conhecer e dar a conhecer. Não fazemos esta fanzine com a ideia de que somos ou sabemos mais do que ninguém. Temos a nossa trajetória e conhecimento do mundo ultra mas já há muita gente assim. Os primeiros a aprender, e a disfrutar com isso, somos nós. Qual o significado e a importância que uma fanzine tem para vocês? Costumamos dizer, porque acreditamos que é assim, que fazemos parte de um dos grupos que mais valoriza a cultura das fanzines no nosso país. É um elemento essencial na nossa bancada e na nossa mentalidade. Despendemos muito trabalho e dedicação e é um motivo de orgulho para o grupo. Dito isso, provavelmente não é necessário explicar o quão importante é para nós um projeto como a Detrás de la Portería, embora acreditemos que são coisas diferentes. No caso da Al Abordaje!!, a fanzine do 29


nosso grupo, acreditamos que o seu principal objetivo é alargar à bancada, tanto a jovens como a velhos, ativos ou não, uma mentalidade comum e própria. Ter toda a gente que está por trás da nossa faixa, qualquer que seja o seu envolvimento no grupo, a partilhar ideias e opiniões semelhantes sobre o grupo, o clube e a cultura ultra. A Detrás de la Portería é algo diferente. Por um lado, ajuda os nossos leitores a conhecer e a entender, um pouco melhor, o que acontece nas bancadas que nunca pisaram, a perceber que a cultura ultra tem algumas bases comuns a qualquer país, mas também algumas particularidades de cada grupo ou bancada. Que imitarmo-nos uns aos outros não é bom e que fazer é melhor do que falar. Também acreditamos que uma fanzine como a nossa serve para contextualizar o complexo que os ultras em Espanha parecem ter, por vezes, quando se comparam com os ultras de outros lugares. Se olharmos apenas para uma foto espetacular e pensarmos que ela não existe aqui, nunca entenderemos como a realidade espanhola difere, por exemplo, da dinamarquesa. Sem entender o contexto, as diferenças parecem exageradas e acreditamos que devemos ser justos connosco. Consideram que as fanzines podem ter importância na formação ou reforço da cultura de adepto? Consideramo-las ESSENCIAIS. Os ultras existem enquanto exceção, como um lugar onde criamos e defendemos as nossas próprias posições e regras, um espaço autónomo que deve ser defendido e, para isso, é necessário que tenhamos os nossos próprios meios de expressão e discussão. Estes são, principalmente, as fanzines. Não precisamos que ninguém fale por nós, isso não seria positivo para uma cultura como a nossa. Então a melhor maneira de evitar isto é sermos nós a expressarmo-nos. A forma como abordamos os ultras pode estender-se aos adeptos de futebol (pelo menos aos não se contentam em ser clientes), assim como o punk ou qualquer das inúmeras culturas se apoiou na criação e divulgação de fanzines. Temos uma expressão / ideia que consi30

deramos importante: De nós e para nós. Que nos podem contar sobre o historial das fanzines em Espanha? No nosso terceiro número fizemos uma breve retrospetiva da história das fanzines ultra em Espanha, tanto em termos de grupos como de projetos semelhantes ao nosso. Acreditamos que esse artigo não é mais do que uma abordagem fugaz e superficial, pelo que, uma resposta nesta entrevista seria insuficiente. Na última década, a fanzine ultra tem vindo a perder terreno e importância por motivos muito diversos. Mas, de vez em quando, chega a notícia de que algum grupo está a recuperar a sua fanzine, o que é motivo de alegria. Além disso, embora poucos, alguns grupos nunca pararam de editar a sua fanzine. Pelo que sabemos, a primeira fanzine sobre ultras em Espanha saiu em 1986 em Barcelona, denominada “Ultras”. Um ano depois, os Ultra Boys (Gijón) começou a editar a sua fanzine que ainda sai ocasionalmente. Ao longo do caminho são de destacar nomes como Superhincha ou Jugador nº 12 e, recentemente, vimos a CVH (Vigo) lançar o seu primeiro número. 35 anos de fanzines ultra que, embora não estejam no seu melhor momento, e isso é inegável, nunca faltaram nas bancadas espanholas. Como descrevem o feedback que sentiram desde o lançamento do primeiro número? Respondemos sempre o mesmo, mas não há outra forma de o dizer: estamos a dar em loucos. O nosso primeiro número esgotou em menos de uma semana, ainda que os pontos de distribuição fossem poucos e sem que a nossa loja online estivesse a funcionar. Todos nos disseram que gostaram do resultado e nós, felizes e orgulhosos, continuámos a trabalhar. No segundo número fizemos quase o dobro das cópias, que também não demoraram a esgotar. Perante isto, e com a chegada da Covid19, tínhamos dúvidas sobre quantas fanzines poderiam ser vendidas, mas constatámos que a atenção sobre a Detrás de la Portería não parou de crescer e o nosso terceiro número também esgotou.


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Há poucos dias saiu o nosso quarto número e, apesar de ser quase verão e do contexto pandémico, teve uma receção igualmente boa, o que é bastante positivo. As pessoas escrevem-nos a solicitar números anteriores, inclusive a pedir a reedição do primeiro número. Como dissemos: estamos a dar em loucos. Costumam ter convidados a escrever para a fanzine? Porquê? Sim, temos artigos de colaboradores, mas tentamos sejam poucos, um por número. A razão é que a Detrás de la Portería é um projeto de três amigos com a mesma visão e opiniões sobre o movimento ultra. Embora muitos nos leiam, escrevemos principalmente para nós próprios. Temos definida a mensagem sobre o movimento ultra que queremos passar, e os colaboradores, embora lhe confiram visões interessantes e um pouco de frescura e variedade, ao fim ao cabo, costumam ter outras visões ou experiências sobre a cultura ultra. Além disso, em todas as nossas edições contamos com a colaboração de Marko, o cartonista de “El Puto Jeri”, que aparece no final de cada uma das nossas fanzines. Podem contar-nos uma história que vos tenha marcado desde o ínicio do vosso projecto? Com o passar do tempo, e dos números, as histórias acumulam-se. Logo após a saída do nosso primeiro número, os Bukaneros sofreram uma campanha repressiva, com cobertura nas TV’s nacionais, que incluiu uma visita ao estádio acompanhada pela segurança do clube, onde as câmaras mostraram o interior das bancadas (vazias, não havia jogo) e das instalações. Acreditamos que o nosso projeto atingiu o auge no momento em que a câmera focou alguns autocolantes na parede do wc, destacando um da Detrás de la Portería, enquanto o narrador falava da existência de “autocolantes violentos”. Para nós, que fazemos esta fanzine, a visita ao derby de Copenhaga foi provavelmente a mais especial, porque foi a primeira que fizemos 32

os três juntos. É difícil mentalizares-te que estás a “trabalhar” (sem esquecer que isto é um hobby) enquanto estás com os amigos com quem, em qualquer outro fim de semana, estarias a desfalcar uma arca de um posto de gasolina numa deslocação com o teu grupo. Talvez valha a pena mencionar também a visita a Pisa. A nossa viagem a Itália foi organizada dentro da normalidade, mas coincidiu com a expansão e o agravamento de algo que naquela época não parecia tão grave: o Covid19. O jogo decorreu à porta fechada e só pudemos dedicar-nos a beber pelas ruas da cidade. Como descrevem o movimento de adeptos espanhol em geral? E o movimento dos grupos de apoio? Bem, isso é muito complexo ... sobre a cultura do futebol em Espanha, “em geral”, não há muito a dizer, apenas que em comparação com outros países é bastante desinteressante e muito marcada pelo modelo de futebol que temos, baseado no Barça - Madrid , e pouco mais. Poucas deslocações, pouco trabalho de e para a massa social dos clubes, e estádios cada vez mais vazios. Um ambiente muito hostil para os adeptos que desejam trabalhar no contexto do futebol. Quanto aos grupos de apoio, limitar-nos-emos a falar dos ultras, porque em Espanha existe um grande número de peñas, umas mais ativas do que outras, e esse é um tipo de organização que sabemos quase não existir em Portugal. Sobre os ultras, temos as nossas opiniões mas não somos uma autoridade, assim não se pense que falamos julgando que detemos a verdade absoluta. Acreditamos que o movimento ultra em Espanha está claramente afetado por uma das piores repressões da Europa, o que torna os “anos dourados”, ou seja, os anos 90, muito distantes. Os grupos são cada vez menores, as deslocações mais escassas e a atividade mais complicada. Esta é a realidade, mas se ficarmos a pensar que os nossos grupos e as nossas bancadas são piores do que as de outros lugares, como foi referido, será não olhar o problema com seriedade. Apesar de uma regulamentação cada vez


mais sufocante, uma indústria do futebol que dificulta que as crianças apoiem os seus clubes locais, bilhetes com preços exorbitantes, horários impossíveis de conciliar com a vida e, como dissemos, uma das piores repressões que conhecemos em todos os países que visitámos, os ultras em Espanha continuam a lutar para colocar as suas faixas, tifar, viajar com a sua equipa... mas agora fazemos isto assumindo que exige um esforço e dedicação que há duas décadas não exigia. Isso faz com que aqueles que dedicam a sua vida ao seu grupo o façam com verdadeira paixão e dedicação, mas também faz com que haja quem queira canalizar essa dedicação e entrega por caminhos mais fáceis: fotos, internet e imitar o que veem. Chama mais a atenção, mas é menos interessante, na verdade. O movimento ultra em Espanha encontra-se num momento em que alguns trabalham em silêncio e outros esforçam-se para serem vistos o mais rapidamente possível. Provavelmente as redes sociais, e muitos outros fatores, estão relacionados e fazem isto acontecer de uma

forma que não acontecia antes, mas também é provável que sempre tenham existido os que se dedicam ao seu grupo por pura paixão e aqueles que o fazem procurando ser aplaudidos. Poderíamos estar melhor, mas também poderíamos estar pior. Dentro de uns anos, a nossa maturidade, dedicação e organização dirão onde estaremos. A maioria dos grupos espanhóis tem vincada uma posição política. Vocês abordam situações que envolvam esta temática? De que forma? Pois bem, como já dissemos, os membros desta fanzine pertencem aos Bukaneros, portanto, para quem conhece um pouco das bancadas espanholas, imaginamos que pouco há a acrescentar sobre o nosso carácter político. Estamos cientes dessa polarização do movimento ultra em Espanha e, honestamente, estamos muito confortáveis com isso. Houve alturas em que nos questionámos sobre como abordar este tema na fanzine e acreditamos que

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alcançámos um equilíbrio justo e, ao mesmo tempo, interessante: tratamos a política nas bancadas como mais um fator, sem diminuir a sua importância mas sem a focar mais do que o necessário. Costumamos referir a posição política dos grupos de que falamos, mas não nos parece que julguemos injustamente os grupos que não coincidem com o nosso. No que diz respeito a trabalhar com grupos de direita, decidimos que o mais adequado era não os visitar. Também não os vamos ignorar. Se num artigo, entrevista ou reportagem há um grupo de direita, vamos falar com respeito e de forma justa, mas nem eles nem nós ficaríamos muito confortáveis se nos sentássemos a beber uma cerveja antes de um jogo. A nossa postura é esta: não falamos com grupos de direita, mas não temos problema em falar sobre eles. Existem inúmeros grupos de direita muito bons que foram ou são muito interessantes, e acreditamos que isso se reflete nas nossas páginas. Qual ou quais as revistas/fanzines de eleição? Existem muitas fanzines históricas, de vários países, que podemos destacar quando nos fazem uma pergunta como esta, mas talvez seja mais honesto falar daquelas que chamam a nossa atenção e que chegam às nossas mãos atualmente. Se visitarem o nosso site podem verificar que distribuímos em Espanha a Gazzetta Ultra’(França), a Erlebniss Fussball (Alemanha) e a 45º (Alemanha), que acreditamos serem três fanzines que valem a pena, apesar de poder ser difícil compreender o idioma em que estão escritas. Além destas, de vez em quando, e sempre que podemos, vemos a To My Kibice (Polónia) ou a Fan’s Magazine (Itália), mas também nos agrada a Blickfang Ultra (Alemanha), que ultimamente parecem estar trabalhar noutros projetos e formatos, igualmente interessantes. Veremos como estão estas fanzines depois do Covid. Além destas, lemos quase todas as fanzines que nos passam pelas mãos, sejam de grupos ou não, e até em línguas que não compreendemos. Também damos uma vista de olhos ao 34

que está na internet, sejam páginas, blogs ou uma fanzine online como esta (lemos todas as edições, mas vão deixar-nos mais felizes no dia em que sair em papel). Isso sobre Ultras... mas nunca rejeitamos fanzines com temas musicais, políticos, subculturais, etc. O que acham do movimento de adeptos em Portugal? Conseguem estabelecer comparações com o movimento espanhol? Bem, se falamos de ultras, em todos os países há uma série de elementos comuns e fáceis de reconhecer, mesmo quando entras numa bancada de um país que nunca visitaste. Dito isto, se cada estádio tem uma realidade diferente, isso também acontece se atravessarmos fronteiras. A realidade portuguesa, na nossa opinião, diferencia-se pelo facto de não existir a figura das peñas, pelo que é nas claques ou nos grupos ultra que muitas pessoas se encontram e se organizam. Para um ultra espanhol é surpreendente ver como se entra num grupo. Não é bom nem mau, é simplesmente diferente, e chamou-nos a atenção quando fomos a estádios em Portugal, seja a seguir a nossa equipa ou seja a fazer esta fanzine, como aconteceu no nosso terceiro número. Notória e equiparada é a repressão que, com a entrevista que fizemos à APDA para o nosso quarto número, pudemos verificar que funciona de forma muito semelhante, embora para nós o problema da Cartão do Adepto seja, por enquanto, algo desconhecido. Com tudo isto acreditamos que, os elementos que diferenciam as culturas ultra dos dois lados da fronteira, são basicamente a agressividade e a politização. Ou pelo menos são os mais evidentes. Que podem acrescentar ao que foi escrito no artigo “História do movimento organizado de adeptos em Espanha”? É muito difícil resumir em algumas páginas a história de uma subcultura que existe no nosso país há mais de 40 anos. Com toda sua evolução e a sua lista interminável de nomes e detalhes, é natural que tenham deixado de fora


alguns que consideramos interessantes e até importantes. Mas é verdade que fizeram um bom trabalho na recolha dos nomes que foram aparecendo na primeira década das bancadas de Espanha. Posto isto, há alguns detalhes que consideramos imprecisos, embora não estivéssemos lá. Possivelmente, focaram-se demasiado no movimento casual que, em Espanha, retirando o nome mais conhecido, não acreditamos que tenha tido uma importância real relativamente a grupos. Outra coisa foi o impacto que teve enquanto moda, assim como os metaleiros ou os skinheads tiveram, mas sobre os mesmos factos, cada um de nós escreveria um artigo diferente. Querem deixar uma palavra aos nossos leitores? Saudações aos leitores que temos em

comum, que sabemos serem alguns, e esperamos que sejam cada vez mais. Valorizem o trabalho que é necessário para realizar um projeto como a Cultura de Bancada, e apoiem-no. Sem fanzines, sem dar voz a quem coloca as faixas do nosso grupo e sem querer desenvolver e defender os nossos próprios espaços e formas de estar, a cultura ultra permanece como um mero jogo de imagens e egos, e isso é uma merda, seja num estádio ou numa boate. P.S. Editem em papel! A equipa da Cultura de Bancada deseja à Detrás de la Portaria muito sucesso nesta caminhada e que continuem com forças para se manterem de pé muitos anos!

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MEMÓRIAS Da BANCADA

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Ultras Fantasmas

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resumo de bancada Recta final do campeonato que coincidiu também com um alívio gradual das medidas restritivas em vigor nesta altura. Porém, ainda não o suficiente para se anunciar a possibilidade de se entrar nos estádios. De qualquer maneira, as deslocações e incentivos aumentaram ainda mais, a “sede” da bola dos adeptos fez com que se assistisse a imagens impressionantes e as molduras humanas no exterior dos estádios foram uma constante. Os festejos por títulos, subidas ou alcance de objectivos, para além dos apoios antes dos jogos naturalmente, são o destaque destes dois meses de resumo da bancada! Festa trofense após conseguir vencer a sua série: USC Paredes x CD Trofense | 11-04-2021 As hipóteses para o Trofense garantir o primeiro lugar, que dava acesso à fase de subida, eram escassas, até porque partia para a última jornada em terceiro lugar. Ainda assim, através de uma conjugação de resultados favorável, conseguiu essa tarefa difícil e a sua equipa foi recebida na Trofa em apoteose pelos Ultras Trofa, que festejaram bastante à chegada do autocarro. Iniciativas dos ultras do Torrense: FC Alverca x SC União Torreense | 11-04-2021 Desafio decisivo, na última jornada, entre os dois primeiros classificados da sua série para decidir quem passava à fase de acesso à subida. O Topo SCUT, grupo do emblema de Torres Vedras, fez várias iniciativas como seria de esperar, tendo em conta o nível que foi apresentando ao longo da época. A formação do Torreense estava a estagiar em Vila Franca de Xira e logo aí teve uma surpresa por parte dos seus ultras, de modo a incentivar a mesma para o encontro. Na tarde do encontro, várias dezenas de elementos deslocaram-se até Alverca, percorrendo a cidade até ao estádio. Depois do final do jogo, em que ga44


rantiram o primeiro lugar, acompanharam o autocarro da equipa pela autoestrada, com tochas e fumo. Chegados à sua terra natal, a festa foi naturalmente grande, com mais pirotecnia aberta! Incentivo portista antes da partida para os quartos-de-final: Chelsea FC x FC Porto | 13-04-2021 O Porto partia em desvantagem por dois golos para a segunda mão, mas isso não impediu um incentivo por parte das suas claques. Já uma semana antes, no pré-encontro da primeira mão, os ultras portistas tinham ido ao Olival com uma mensagem: “A história diz-nos que no F.C. Porto não há impossíveis”. Desta vez, e também no centro de estágios, ainda com o sonho de uma possível reviravolta na eliminatória, colocaram um claro: “90 minutos à Porto!”. A formação portista ficou a um golo de levar o encontro, pelo menos, a prolongamento, mas nem por isso os adeptos ficaram desiludidos. Antes pelo contrário, pois receberam a sua equipa, durante a madrugada, na chegada do autocarro ao Estádio do Dragão, com uma tochada, em que mostravam estar orgulhosos com a atitude e o esforço dos seus jogadores. Jogo quente em Faro: SC Farense x Sporting CP | 16-04-2021 Um dos jogos mais aguardados fora do campo. De um lado, os orgulhosos adeptos farenses, que têm tomado diversas acções de apoio à sua formação, numa cidade que transpira bairrismo. Do outro, os eufóricos sportinguistas, que fazem questão de acompanhar a sua equipa a todo o lado, completamente em êxtase pelo momento que vivem. Ou seja, o foco daquele dia estava completamente virado para a capital do distrito algarvio. Todas as expectativas foram correspondidas, com mais um grande incentivo da parte dos locais, em que não faltaram mensagens, cânticos, pirotecnia... Do lado dos visitantes, uma invasão esperada, com muitos “leões” naturalmente empolgados pela campanha desportiva. Este choque de “climas” levou mesmo a alguma tensão natural, com incidentes entre adeptos de ambas as equipas e intervenções policiais. 45


22 anos dos White Angels | 17-04-2021 Os White Angels cumpriram o seu 22º aniversário, realizando logo uma tochada de madrugada, no Campo de São Mamede, para simbolizar mais um ano de vida. Nesse mesmo dia, jogava com o Santa Clara e expôs no seu sector, na bancada sul do estádio, uma coreografia que coloriu essa parte do recinto durante o encontro. Recepção dos adeptos barcelenses às suas equipas | 17-04-2021 Foi no final da noite (do dia 17) e início da madrugada (do dia 18) que o povo barcelense se juntou, nomeadamente através da Nação Barcelense (grupo do Gil Vicente), Kaos Barcelense (grupo do Óquei de Barcelos) e restantes simpatizantes. Ambas as equipas defrontaram na tarde anterior o Benfica, nas suas respectivas modalidades, em Lisboa, tendo saído com impressionantes vitórias. Num sinal de união pelos emblemas do concelho, os adeptos reuniram-se e esperaram os autocarros, que chegaram com curto intervalo de diferença, num grande clima de festa, onde não faltou pirotecnia! Reacções dos adeptos contra a Superliga Europeia Um assunto internacional e que ganhou contornos que, provavelmente, muitos líderes nem sonhariam. Algo que praticamente foi anulado após ser anunciado, mas que teve o condão de enervar os adeptos de diversos clubes, principalmente dos que supostamente faziam parte de tal competição. Se os maiores clubes ingleses tiveram anos em que pouca acção houve entre os seus seguidores, a verdade é que, logo esses, organizaram variadíssimas manifestações que juntaram milhares de pessoas e algumas radicalizaram-se ao ponto de se ter de anular o clássico inglês entre o Manchester United e o Liverpool, por exemplo. Noutros países, os grupos ultras e simpatizantes em geral colocaram também várias mensagens contra essa ideia, mostrando que os valores têm de estar sempre acima da vertente financeira. Por cá, a opinião generalizada também foi contra tal aberração. Exemplificamos com uma mensagem dos Red Boys junto ao Estádio 1º de Maio: 46


“A vossa ganância pelo dinheiro destrói sonhos de gerações!”. O desequilíbrio entre os maiores clubes e os mais pequenos no nosso país também serviu de alerta por parte de vários adeptos, entre eles os do Belenenses que aproveitaram o assunto para colocar uma tarja: “Superliga Europeia? Aqui é a superliga dos estarolas!”. Recepção dos South Side Boys após importante vitória: FC Paços de Ferreira x SC Farense | 2004-2021 O relógio marcava as 5h15 da manhã de 3ª para 4ª feira, mas a claque do Farense fez questão de receber a equipa, de maneira original, depois de uma vitória contra muitas das probabilidades no terreno do Paços de Ferreira. De forma individual, em vários pontos das estradas por onde o autocarro passava, cada ultra ia abrindo uma tocha. Iniciativas vizelenses: Varzim SC x FC Vizela | 2404-2021 Acção dupla da Força Azul e restantes adeptos vizelenses. Antes do jogo, deslocaram-se até Leça da Palmeira, onde a equipa estava a estagiar para dar um incentivo à mesma antes da partida para a Póvoa de Varzim. Depois de alcançada a vitória por três bolas a zero, o autocarro foi recebido em Vizela num clima de festa e com o sonho da subida cada vez mais vivo! Mensagens em pleno dia 25 de Abril | 25-042021 Festejou-se mais um intitulado “Dia da Liberdade”, agora o 47º desde a Revolução dos Cravos. No entanto, um dia com uma palavra que para os adeptos em Portugal parece ter um significado menos levado à letra, pois de liberdade existe cada vez menos, seja com a criação de um Cartão do Adepto persecutório, de uma repressão maior por parte da polícia e até da impossibilidade de se poder ver um simples jogo de futebol. Aproveitando a repugnante lei que introduziu o tal Cartão, ultras do Vitória SC (nomeadamente dos Insane Guys) e do Leixões decidiram afixar mensagens sobre o assunto. Em Guimarães: “Cartão do Adepto? Há muito 47


Abril por cumprir!” e “No campo a desigualdade, na bancada a censura. Superliga à portuguesa no país da ditadura!” Em Matosinhos: “Festejam a revolução enquanto implementam uma lei que promove o estigma e segregação...” e “Para os adeptos, uma lei ditatorial que ofende os valores de Abril. Não ao Cartão do Adepto” Acções para jogo importante: SC Braga x Sporting CP | 25-04-2021 Tal como referimos anteriormente sobre a deslocação do Sporting a Faro, esta também não ficava atrás no que toca a expectativas, sendo que aqui estamos a falar, ainda por cima, de duas equipas que lutam por lugares cimeiros na tabela classificativa. Mais uma invasão leonina, que pintou parte de uma das avenidas centrais de Braga de verde e branco. Entre a festa na passagem do autocarro e problemas com a polícia, muitos desses adeptos viveram um pouco de tudo. Relativamente ao lado dos da casa, fica a nota para uma grande repressão policial, que impediu, infelizmente, uma recepção aceitável ao seu conjunto. Também na cidade minhota, houve incidentes entre ultras de ambos os clubes, com os locais a atacarem os do Sporting. Depois de uma importantíssima vitória do emblema leonino, os seus apoiantes fizeram uma recepção apoteótica à sua equipa em Alvalade, já durante a madrugada, que culminou com mais incidentes com a polícia.

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Iniciativas dos adeptos da casa para o dérbi: SC Farense x Portimonense SC | 27-04-2021 O São Luís finalmente recebeu no primeiro escalão um dérbi algarvio. A mobilização do povo farense foi então incrível para este grande jogo, que até se realizou numa 3ª feira. Uma moldura humana magnífica incentivou a sua equipa, que seguia no autocarro em direcção ao estádio. Os South Side Boys protagonizaram logo aí um espectáculo pirotécnico, que se estendeu também na própria primeira parte do encontro, em que a claque ficou atrás da bancada sul, aquela em que se situa o seu sector, com um festival de tochas e fogo de artifício, em que também não faltaram cânticos que eram bem audíveis no interior do terreno!


Incentivo e protesto portista: FC Porto x FC Famalicão | 30-04-2021 Super Dragões e Colectivo 95 decidiram organizar uma manifestação conjunta, simultaneamente de apoio à equipa e de protesto para com as arbitragens. Muitos adeptos esperaram pela saída da sua formação do hotel em que habitualmente fica instalada, em São Félix da Marinha, para a incentivarem, ao mesmo tempo que expunham uma mensagem, assinada pelas duas claques portistas: “Contra tudo e todos na defesa do F.C. Porto!”. Deslocação solitária: CD Santa Clara x Boavista FC | 01-05-2021 Um adepto boavisteiro viajou sozinho até aos Açores e apoiou a sua equipa a partir do exterior do encontro. Um momento de assinalar, em que fica claro o amor do mesmo pelo seu clube, sendo também um exemplo em que a força de vontade supera as desculpas quando se quer mesmo acompanhar o seu emblema! Acções de adeptos sportinguistas: Sporting CP x CD Nacional | 01-05-2021 O Sporting recebia o último classificado, mas, dado o momento da época e a ânsia do título, este jogo tinha uma especial importância para os seus adeptos, que corresponderam ao que deles era esperado com uma magnífica recepção à sua equipa, na chegada da mesma a Alvalade, antes do encontro. Um grande festival de pirotecnia, uma grande moldura humana, que deram origem a imagens pouco habituais para a realidade portuguesa. Para além disto, a claque Directivo Ultras XXI ainda teve a capacidade de improviso de conseguir chegar até às garagens do estádio e apoiar de lá durante a partida, a uma distância muito curta do relvado, sendo perfeitamente audível na própria transmissão televisiva. Infelizmente e de forma repetitiva, já depois do desafio, novos incidentes com a polícia, que reprimiu quem lá se encontrava. Jogo grande no terceiro escalão: UD Leiria x Vitória FC | 02-05-2021 Um encontro entre dois clubes históricos que facilmente nos fazem lembrar os seus tempos da primeira divisão, mas que neste momento

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lutam pela subida ao segundo escalão nacional. De qualquer maneira, os seus adeptos continuam activos e também no plano fora das quatro linhas, houve incentivos para um nível muito acima da divisão em questão. Começando pelos visitantes, o Grupo 1910 decidiu viajar até Leiria e apoiou a sua equipa, na chegada do autocarro àquela cidade. Relativamente aos da casa, a Armata, grupo ultra da União de Leiria, realizou também um incentivo pré-encontro. Porém, o destaque vai sobretudo para a festa final com os seus jogadores, após o encontro. Um autêntico festival de pirotecnia iluminou o exterior do Estádio Municipal de Leiria! Iniciativas da claque do Varzim: UD Vilafranquense x Varzim SC | 03-05-2021 O grupo varzinista Os De 1915 fez questão de se deslocar desde a Póvoa até Rio Maior para apoiar a sua equipa, numa fase complicada, e num jogo entre dois conjuntos que lutam pela manutenção na segunda divisão. Primeiramente, receberam o autocarro que transportava os jogadores e staff, aquando da sua chegada ao estádio. Depois, os 20 elementos, que realizaram esta longa viagem numa 2ª feira, apoiaram desde o exterior do estádio, enquanto a partida se realizava! Por fim, e já durante a noite, na sua terra natal, felicitaram a sua formação pela grande vitória por três bolas a zero, com muita pirotecnia aberta. Um dia em cheio para os ultras do Varzim! Apoio dos adeptos antes do encontro: Académica de Coimbra x FC Arouca | 03-05-2021 Fica a nota de um bom incentivo academista (principalmente da Mancha Negra) à sua equipa, quando esta chegou ao estádio, num encontro importante entre dois candidatos à subida ao primeiro escalão nacional. Subida do Estoril Praia | 03-05-2021 Precisamente por causa do encontro do último registo, em Coimbra, em que o Arouca saiu vencedor, o Estoril beneficiou de tal resultado e garantiu matematicamente a subida à primeira divisão. Tal resultado obrigou a festejos repentinos na Amoreira, mas que foram de muito bom nível. Com a equipa no interior do relvado e os seus 50


adeptos no exterior, não faltou sintonia na hora da festa, com um festival de pirotecnia, inclusivamente com fogo de artifício que era bem visível de fora para dentro! 27º aniversário dos South Side Boys | 04-052021 O histórico grupo do Farense cumpriu o seu 27º aniversário e os seus ultras decidiram comemorar, quando o relógio marcou a meia-noite em ponto, com uma tochada no interior do seu sector. Loucura sportinguista: Rio Ave FC x Sporting CP | 05-05-2021 O Sporting estava cada vez mais perto do título e a moral naturalmente aumentava entre os seus simpatizantes. Mais uma invasão a um terreno onde a sua formação ia jogar, com um grande incentivo junto ao Estádio dos Arcos. Depois dos três pontos importantíssimos que colocavam a equipa a apenas uma vitória da conquista do campeonato, a recepção em Alvalade, já a largas horas da manhã, foi soberba, com um autêntico festival de pirotecnia que correu mundo. Fica de lamentar, novamente, incidentes entre a polícia e os adeptos que lá se encontravam. Acções antes do clássico: SL Benfica x FC Porto | 06-05-2021 Destaque para o apoio portista na saída do autocarro, na véspera do encontro entre os dois rivais. Em bom número, juntaram-se junto ao Estádio do Dragão e deram a sua força aos jogadores. O Colectivo 95 afixou mesmo uma coreografia que realizou, com a imagem do seu treinador Sérgio Conceição, nos tempos de jogador do Porto, em que era pedido que a equipa seguisse o seu exemplo . No dia seguinte, antes do jogo, o maior incentivo encarnado de toda a época antes de um desafio seu. Muitos adeptos concentraram-se, tanto na saída da formação do seu centro de estágios como nas imediações da Luz, e apoiaram para uma partida importantíssima na luta pelo acesso directo à Liga dos Campeões. Nota para o facto de ter sido realizada uma manifestação contra o presidente Luís Filipe Vieira, exigindo a sua demissão.

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Apoio dos South Side Boys: SC Farense x Vitória SC | 06-05-2021 Para além dos habituais incentivos dos adeptos do clube de Faro antes da partida, o ponto alto foi sem dúvida a ida dos South Side Boys para o topo de um prédio nas proximidades do estádio. Lá, colocaram a sua faixa e os seus elementos apoiaram a sua equipa durante praticamente todo o encontro, com os cânticos a serem perfeitamente audíveis por parte de quem assistia ao encontro pela televisão. Incentivo boavisteiro: Boavista FC x CD Tondela | 07-05-2021 Ainda na véspera do encontro, já os ultras do clube axadrezado marcavam presença no treino, a fim de a incentivarem para um jogo importantíssimo na luta pela manutenção. No dia da partida, muitos adeptos concentraram-se nas imediações do hotel onde a equipa estava a estagiar, com cânticos, pirotecnia e um forte apoio à sua formação, que partia para o estádio. Adeptos belenenses nos Açores: SC Horta x CF “Os Belenenses” | 08-05-2021 Talvez o melhor momento da época no que respeita a modalidades. Vários adeptos do emblema de Belém viajaram até à Ilha do Faial para apoiar a sua equipa de andebol, tendo beneficiado das medidas mais flexíveis que vão vigorando no Arquipélago dos Açores para assistirem ao encontro no interior do pavilhão! Fúria Azul e Grupo da Grade deram o seu contributo para mais uma importante vitória da formação belenense. Uma realidade completamente atípica para o que nos habituámos a ver há mais de um ano... Deslocação e festa vizelense: CD Cova da Piedade x FC Vizela | 09-05-2021 A Força Azul voltou a deslocar-se até ao sítio onde a equipa estava a estagiar, com a particularidade de agora ter viajado desde a sua cidade até Almada! Vários elementos fizeram essas centenas de quilómetros até ao hotel em questão, criando um ambiente de comunhão entre adeptos e jogadores. Desta vez empataram, mas a recepção em Vizela à sua formação não ficou atrás das anteriores, antes pelo contrário! Muitas pessoas 52


concentraram-se junto ao seu estádio e mostraram estar em sintonia e com a plena esperança da subida ao principal escalão nacional. Congratulação pelo acesso à Europa: FC Paços de Ferreira x CS Marítimo | 09-05-2021 O Paços teve uma temporada muito acima de quaisquer expectativas, andando grande parte da época no quinto lugar da tabela. Foi com naturalidade que, ainda a várias jornadas do fim, conseguiu o apuramento europeu. Os adeptos pacenses reuniram-se junto ao seu estádio e congratularam a sua equipa por esse feito, que até foi matematicamente conseguido dois dias antes, num jogo em que não participou! Acção de protesto portista contra os estádios continuarem fechados: FC Porto x SC Farense | 10-05-2021 Destaque para uma manifestação dos Super Dragões e Colectivo 95, pouco antes do encontro, inspirada por uma acção dos suecos do AIK no início do mês. Aproveitando a incoerência das medidas restritivas, em que facilmente se pode entrar num centro comercial, enquanto que assistir desporto continua a ser proibido, as duas claques portistas foram para o Alameda Shop & Spot, que fica junto ao Estádio do Dragão, entoar cânticos e colocar o seu material, num protesto pacífico pela abertura dos recintos. De realçar também os habituais incentivos dos ultras do FC Porto na saída da equipa para o estádio. Sporting campeão: Sporting CP x Boavista FC | 11-05-2021 O jogo do título para o Sporting e os seus muitos adeptos que se encontravam nas imediações de Alvalade não ficaram aquém das expectativas. Muita pirotecnia durante todo o dia e noite, era raro o momento em que não se via uma tocha aberta. Houve momentos que proporcionaram imagens incríveis e o assunto foi tema de destaque pelos mais diversos órgãos de comunicação. O ponto negativo foi, sem qualquer dúvida, a actuação das autoridades policiais que entraram muitas vezes em confrontos com quem lá se encontrava. Ocorreram muitos confrontos entre 53


adeptos e agentes, muitas balas de borracha foram disparadas, tendo havido as mais diversas denúncias de abusos policiais e ferimentos causados por isso... Um apoiante sportinguista ficou mesmo cego de um olho, tendo as imagens sido expostas pelo mesmo dias mais tarde. Dérbi lisboeta: SL Benfica x Sporting CP | 15-052021 Um dérbi é um dérbi, mesmo com o título já decidido. Os adeptos de ambos os clubes, pese embora as restrições, fizeram questão de incentivar as suas respectivas equipas. Houve mais uma manifestação organizada pelos encarnados em que pediram a demissão do seu treinador, que contou com várias mensagens, cânticos e ainda um número considerável de pessoas. Nota para, pelo menos, mais um episódio de carga policial para dispersar os apoiantes do clube da casa que se encontravam nas imediações do seu estádio. Mais acções de adeptos do Vizela: FC Penafiel x FC Vizela | 16-05-2021 Penúltimo jogo do campeonato e a euforia dos vizelense foi natural. A Força Azul voltou a acompanhar a sua equipa numa deslocação fora, embora desta vez mais curta. Incentivou-a antes do encontro e o Vizela somou mais uma vitória, o que significou um passo gigante para a pretendida subida de divisão. Uma multidão aguardou a sua formação junto ao seu estádio, depois do autocarro regressar de Penafiel. Mais uma vez o sonho, que se foi transformando num desejo cada vez mais real, foi entoado pelos muitos presentes, através do cântico: “Vizela, leva-me à primeira”. CD Santa Clara x SC Farense | 19-05-2021 Cerca de duas dezenas de adeptos farenses rumaram até aos Açores para incentivarem a sua equipa na difícil tarefa de evitar a descida de divisão. O jogo decorreu sem público e o apoio aconteceu naturalmente no exterior. No final, quem sorriu até foram os simpatizantes do Santa Clara, que conseguiu um histórico acesso às competições europeias da próxima época. Relativamente ao emblema algarvio, desceu para o segundo 54


escalão, tendo apenas durado uma época o regresso à primeira liga, neste último ano atípico e praticamente sem adeptos nas bancadas. Porém, fica a nota para mais um registo de fidelidade dos seus apoiantes e, principalmente, dos South Side Boys. Recepção dos Fama Boys à sua equipa: Moreirense FC x FC Famalicão | 19-05-2021 O Famalicão teve uma época atribulada, estando grande parte do campeonato a lutar para evitar os lugares de descida. Porém, na recta final da época, depois da entrada de Ivo Vieira para o comando técnico, somaram várias vitórias importantes que até os aproximaram do acesso às competições europeias. Na última jornada, e ainda com hipóteses (bastante reduzidas, mas matematicamente possíveis) de conseguirem o sexto lugar, acabaram por perder por 3-0 em Moreira de Cónegos. Porém, isso não demoveu os adeptos famalicenses, principalmente os Fama Boys, de receberem a sua equipa em muito bom nível! Depois do autocarro chegar à sua cidade, os jogadores saíram do mesmo e viram de perto a sua claque a criar um bonito espectáculo pirotécnico com tochas e fogo de artifício. Festa da manutenção boavisteira: Gil Vicente FC x Boavista FC | 19-05-2021 O Boavista fez um campeonato abaixo das expectativas iniciais, tendo em conta os reforços sonantes que foram anunciados no início da temporada, e levou a decisão da sua permanência na primeira divisão até à última jornada, que se realizou em Barcelos. A verdade é que os apoiantes do clube do Bessa mobilizaram-se e deslocaram-se em bom número até às imediações da casa do Gil Vicente, onde lá apoiaram a sua equipa por trás de uma das bancadas. Conseguiram uma vitória sofrida, com uma reviravolta e o último golo a acontecer perto dos instantes finais, que levou à loucura de quem lá estava presente, criando um cenário de festa com imensa pirotecnia, bem visível também pela transmissão televisiva. À chegada ao Estádio do Bessa, a formação axadrezada teve uma recepção apoteótica, com fogo de artifício, muitas tochas, contando com largas centenas de adeptos. A festa final foi feita 55


no próprio relvado do seu estádio entre eles e os jogadores. Uma última comemoração estorilista: GD Estoril Praia x CD Mafra | 20-05-2021 O Estoril já tinha subida há algumas jornadas atrás e também já tinha o título garantido. De qualquer maneira, os seus adeptos não quiseram perder a oportunidade de apoiar e festejar, uma última vez na despedida da equipa no campeonato, através de um bonito espectáculo pirotécnico, com fogo de artifício, tochas e fumo, nas imediações do Estádio António Coimbra da Mota, após o término da partida. Vizela na primeira divisão: FC Vizela x UD Vilafranquense | 22-05-2021 O Vizela confirmou o regresso ao principal escalão, 36 anos depois da última presença! Acabou por ser um desfecho quase natural, tendo em conta o desempenho dentro de campo. Relativamente aos adeptos vizelenses, o aumento gradual dos mesmos no apoio à sua equipa, à medida que o campeonato estava mais perto do fim, também facilmente fazia prever festejos extraordinários, o que de facto aconteceram. A cidade de Vizela saiu à rua, o incentivo que aconteceu ao encontro foi de grande nível e as comemorações prolongaram-se pela noite dentro, com muita pirotecnia, cânticos e uma multidão em êxtase. No dia seguinte, houve também grande euforia junto à Câmara Municipal do concelho, onde decorreu a homenagem local pela promoção à primeira liga. Final da Taça de Portugal: SL Benfica x SC Braga | 23-05-2021 Pela segunda época consecutiva, a final voltou a ser disputada em Coimbra. Logo por aí, mereceu a reprovação dos Diabos Vermelhos, que foram até ao Estádio do Jamor abrir uma tarja com a mensagem “Jamor é tradição!”, criticando o distanciamento que a Federação Portuguesa de Futebol vai fazendo daquele local, que já recebia o encontro decisivo da Taça há largos anos, querendo fazer perder-se mais uma tradição neste novo futebol moderno. Foi mais uma final à porta fechada. Ainda assim, vários grupos de adep56


tos benfiquistas rumaram até Coimbra, havendo registos de várias detenções das forças policiais, que fizeram um controlo apertado naquela cidade. Várias armas brancas também foram apreendidas. Relativamente ao lado arsenalista, a equipa conseguiu vencer pela terceira vez na sua história aquele troféu e a festa foi enorme na chegada a Braga. Muitos cânticos e muita pirotecnia aberta pelos seus ultras, que já tinham registado um bom incentivo na partida do autocarro. No dia seguinte, muitos apoiantes foram também até junto da Câmara Municipal, onde os jogadores e staff foram recebidos e expuseram a taça. Fica a nota, ainda sobre o lado encarnado, que a derrota fez aumentar a contestação ao seu presidente. No dia seguinte, de Norte a Sul do país, muitas mensagens foram espalhadas com o lema “Vieira sem futuro”, um movimento organizado com esse mesmo nome. Campanha desenvolvida pelos adeptos belenenses O movimento “O Belenenses é dos sócios” organizou uma campanha publicitária para espalhar pelo país a sua mensagem. Em mais uma iniciativa a declarar a sua independência e a demarcar-se de qualquer outra sociedade que teima em utilizar o seu nome, os apoiantes belenenses fizeram questão de espalhar cartazes, posters e até anúncios em jornais desportivos com a frase: “O Belenenses é livre, é dos sócios e joga no Restelo”. Tudo isto financiando pelos próprios adeptos. Memorial “Apenas Diferentes”, organizado por ultras leixonenses | 29-05-2021 Uma semana após a Máfia Vermelha, claque leixonense que se encontra actualmente suspensa, ter cumprido 18 anos de nascimento, alguns ultras do Leixões decidiram organizar uma homenagem, no seu estádio, aos vários grupos organizados que existiram nas últimas décadas na vida do clube. Replicaram as várias faixas oficiais dessas mesmas claques e expuseram-nas no Estádio do Mar. Contou com a presença de vários adeptos, de gerações diferentes, que se reuniram no relvado. Após isso, ainda fizeram uma despedida 57


à fachada e portas principais, que vão ser demolidas, fruto do seu reduto se encontrar em obras. Trofense na Segunda Liga: SC Braga “B” x CD Trofense | 29-05-2021 Seis anos depois, o Trofense regressa ao segundo escalão português. Tal como na fase regular do campeonato, também esta fase final de subida teve um emocionante primeiro lugar conseguido e disputado até à última jornada. Um empate bastou para isso no jogo contra a formação secundária bracarense, tendo a Trofa ficado em festa logo após o apito final. Muitos adeptos concentraram-se ao longo da sua cidade para receber o autocarro da sua equipa e fica também o registo para a muita pirotecnia e fumo abertos pelos Ultras Trofa. Final da Liga dos Campeões no Porto: Chelsea FC x Manchester City FC | 29-05-2021 Pelo segundo ano consecutivo, Portugal voltou a receber uma final da Champions, tendo acontecido novamente de forma improvisada, depois da cidade que estava originalmente programada a ter descartado, resultado da pandemia que vai assolando o mundo. Porém, desta vez foi mesmo permitido público, mais concretamente um terço da lotação do Estádio do Dragão, o que por si só é algo caricato e contraditório, tendo em conta as constantes proibições e privações de liberdades que fizeram e continuam a fazer aos portugueses e aos seus adeptos em especial. Vários grupos portugueses voltaram a unir-se, através de uma mensagem genérica exposta com o lema: “Futebol em Portugal... Só para inglês ver!”. Naturalmente que uma final entre duas equipas inglesas trouxe uma grande invasão britânica à Cidade Invicta, mesmo com muitos sem sequer terem bilhete para a partida. Divertiram-se ao seu estilo, com muita cerveja, cânticos, alguns momentos de tensão entre si, etc. Nada de surpreendente, mas que deveria de fazer reflectir as nossas autoridades governamentais sobre o porquê dos cidadãos portugueses também não o poderem fazer e, acima de tudo, sobre a questão da repressão policial que continua a assolar os apoiantes em Portugal e que, felizmente, não aconteceu sobre os ingleses (talvez para não pas58


sar uma má imagem para o exterior...). Turmas do Boavista FC e do FC Porto também se organizaram durante as noites antecedentes à final e aproveitaram para conseguir algum material inglês, com vários panos dos adeptos do Manchester City. Os ‘citizens’ estavam, a bem dizer, em grande maioria na cidade portuense em relação aos ‘blues’ de Londres. Violência policial e presença de adeptos dos dois lados em Torres Vedras: SC União Torreense x Vitória FC | 30-05-2021 Jogo da última jornada da sua fase de acesso ao segundo escalão e ambas as equipas ainda tinham hipóteses de subir. O encontro foi precedido de um comunicado em tom ameaçador da Polícia de Segurança Pública de Torres Vedras, que fez questão de avisar que não iria querer admitir aglomerações nas imediações do estádio e que o desafio em questão era considerado de “risco elevado”. Para além disto, importa dizer que houve alguns incidentes entre adeptos vitorianos (ligados à claque do Grupo 1910) e os poucos torreenses (do Topo SCUT) que se deslocaram a Setúbal, umas semanas antes. Todos estes factores proporcionavam alguma expectativa sobre o que se passava no exterior. A verdade é que infelizmente a grande protagonista, e pela negativa, foi mesmo a polícia local. Várias cargas policiais desproporcionais e injustificadas sobre os adeptos da casa durante a tarde. Foi visível, em vários vídeos partilhados publicamente, uma violência que pouco dignifica quem tem o papel de lesar pela autoridade pública, chegando mesmo a ser filmado um dos agentes a lançar uma pedra (!) que atingiu uma carrinha que se encontrava estacionada naquela zona. Pese embora tudo isto, os simpatizantes e grupos em geral dos dois lados ainda tentaram fazer o seu papel de apoio possível. De Setúbal, o Grupo 1910 organizou um autocarro até àquela cidade. Força Avense em bom nível em mais um jogo na distrital: AC Croca x CD Aves 1930 | 30-05-2021 Novo registo interessante da claque avense num jogo fora de casa, desta vez em Croca, uma freguesia do concelho de Penafiel. Por cima de um pequeno muro, várias dezenas de ultras do clube 59


apoiaram a sua equipa e ainda festejaram com a mesma depois de mais uma vitória. Rio Ave na segunda divisão e acções à volta do acontecimento: Rio Ave FC x FC Arouca | 30-052021 13 anos depois, o Rio Ave voltou a descer ao segundo escalão português. Mais do que isso, fica a surpresa para um clube que estava cada vez mais consolidado como aspirante a lugares europeus (esta época, por exemplo, foi eliminado pelo AC Milan) ter feito uma época muito abaixo das expectativas que culminou numa despromoção neste novo play-off entre o antepenúltimo da primeira divisão contra o terceiro da segunda divisão, com um total de 5-0 no agregado das duas mãos. A primeira mão foi realizada em Arouca e contou com a presença dos simpatizantes de ambos os conjuntos no exterior do estádio, com cânticos audíveis na própria transmissão televisiva. No jogo em Vila do Conde seria preciso quase um milagre para os rio-avistas recuperarem a desvantagem de três golos que trazia. Não o conseguiram e ainda somaram nova derrota. Vários adeptos insatisfeitos estavam concentrados juntos ao Estádio dos Arcos, sendo que o capitão Tarantini dirigiu-se até eles para “dar a cara”, merecendo aplausos por quem lá estava. A noite após esse encontro foi animada, muito por causa da grande rivalidade existente entre Rio Ave e Varzim. Os apoiantes mais fervorosos do clube poveiro decidiram festejar e fazer um “funeral” pela tal descida, levando um caixão até à cidade de Vila do Conde, mantendo uma tradição que já acontecia no passado. Durante a madrugada, alguns adeptos do Rio Ave retribuíram, no Estádio do Varzim, queimando lá um caixão. Uma eterna rivalidade entre dois conjuntos que promete animar a segunda divisão portuguesa no próximo ano! Deslocação da Força Avense: Ventura SC x CD Aves | 02-06-2021 Num encontro nocturno realizado, a meio da semana, em Perafita contra o Ventura, um clube matosinhense cuja fundação aconteceu há sensivelmente quatro anos, a equipa avense contou 60


mais uma vez com o apoio dos seus ultras. A Força Avense esteve posicionada por cima de um muro do estádio, onde juntos com vários adeptos do Aves, assistiram e deram o seu apoio em mais uma goleada favorável à sua formação. No final, uma bonita festa entre eles e os jogadores, marcada pela pirotecnia que deu um belo efeito aos cânticos que iam sendo entoados! Maneira improvisada para apoiar e assistir a jogo decisivo: Forjães SC x AFC Martim | 0606-2021 Os Ultras Forjães 01, claque de apoio ao emblema daquele clube do concelho de Esposende, conseguiram apoiar a sua equipa com a ajuda de dois camiões colocados, de forma estratégica, nas traseiras do seu reduto. De lá, várias dezenas de adeptos do Forjães incentivaram os seus jogadores ao longo do encontro e festejaram com eles a vitória que garantiu o primeiro lugar da sua série, da Pro-Nacional da Distrital de Braga. Com esse resultado, a sua formação, vai disputar dois jogos contra o Joane, o vencedor da outra série, para verificar quem é o campeão do maior escalão das distritais bracarenses e, assim, alcançar uma histórica subida ao Campeonato de Portugal!

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Entre o céu e o inferno

Estrela da Amadora

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“Veio ao mundo em 32, no mês de janeiro a 22…” Começa assim o hino do Clube de Futebol Estrela da Amadora, remetendo para o dia em que sete jovens amadorenses fundavam aquele que seria o principal embaixador desportivo da sua cidade. Reza a lenda que foi Júlio da Conceição (um dos fundadores) quem, ao apontar para o céu estrelado nessa noite, sugeriu que o clube devesse chamar-se Estrela. Como o leitor certamente já se apercebeu, a sugestão foi aceite e nascia, assim, o Estrela da Amadora Foot-ball Club. As primeiras décadas após a fundação correspondem a uma fase em que o clube era muito bairrista (muito pelo facto de, à época, a Amadora pertencer ao concelho de Oeiras) e não ambicionava os grandes patamares do futebol português. Estes fatores, aliados a um conjunto de adversidades que se impuseram no caminho do clube (por exemplo, a expulsão do seu primeiro campo, situado no local onde se encontra atualmente a Igreja Matriz da Amadora), fizeram com que o clube permanecesse durante imenso tempo nas divisões distritais. Uma visita que marcou a história Até 1951 as cores usadas pelo Clube de Futebol Estrela da Amadora não eram aquelas que hoje automaticamente se associam à instituição. O equipamento era constituído por uma camisola azul com uma risca verde; calções brancos e meias pretas. O símbolo, também ele, era nestes tons cromáticos. Todavia, no ano supramencionado, tudo mudou. O clube foi visitado por duas pessoas ligadas ao Fluminense, sediado no Rio de Janeiro. Estes dois indivíduos ficaram fascinados com o que viram e pelo modo como foram recebidos na Amadora pelo que, chegados ao Brasil, prontamente enviaram para Portugal três equipamentos do seu clube. Sensibilizados pelo gesto e por tal oferta, o clube passava a adotara o tricolor fluminense como as suas cores tanto na indumentária desportiva, como no emblema. Estes correspondem aos padrões que hoje são conhecidos. Um “louco” no poder. Em 1976 chegava à presidência do clube aquele que, até hoje, é tido como o “Eterno Presidente” pelas gentes da Amadora: José Gomes. Este momento marca o início de uma nova fase da história do clube: mais ambiciosa e com mais conquistas. Nos primeiros anos de presidência, José Gomes era apelidado de “louco” porque… prometeu que o campo haveria de ter relvado e iluminação elétrica! Mas o plano traçado pelo presidente foi muito além do objetivo traçado relativamente ao estádio (à data denominado Campo de jogos J. Pimenta). Em 1988 o clube garantia a subida à Primeira Liga, onde permaneceu na época seguinte, correspondente à última época sob a presidência de José Gomes. Mas foi logo na época seguinte (1989/90), 63


que o clube conquistou aquele que é, até hoje, o seu principal troféu: a Taça de Portugal, derrotando na finalíssima o SC Farense por 2-0. Do céu ao inferno O período em que se atentou até agora respeita aos anos dourados do Clube de Futebol Estrela da Amadora. A partir da época 1990/91, o clube teve algumas oscilações entre primeira e segunda divisão. Todavia destaca-se a época 1992/93, com o clube a sagrar-se campeão da II liga de futebol. Foram mais os anos em que o clube esteve na primeira divisão do que na segunda. No entanto, enquanto que o panorama desportivo estava minimamente estável, o panorama diretivo estava longe disso. Os anos que se seguiram à presidência de José Gomes foram marcados por sucessivas gestões danosas, com o clube a ser sempre o principal lesado. Até que em 2011 aconteceu o inevitável… a descida administrativa à então Segunda divisão B, em 2009, dois anos depois o clube era declarado insolvente. Assim, acabava o Clube de Futebol Estrela da Amadora. O reinício Ainda em 2011, um conjunto de sócios inconformados com o fim do clube decidiram fundar o CDE – Clube Desportivo Estrela, assumindo-se enquanto projeto de refundação do Clube de Futebol Estrela da Amadora. Os primeiros anos foram muito conturbados, mas de entre muitas conquistas é de salientar o regresso ao Estádio José Gomes e aquela que, em 2018, fez renascer o espírito tricolor na cidade da Amadora: sete anos depois, o clube voltaria a ter uma equipa sénior de futebol masculino. Com a equipa sénior, regressava também a Magia Tricolor – a única claque do clube à data da sua extinção. Fundada em 2005 por um grupo de jovens amadorenses, inicialmente era um núcleo da Brigada Tricolor. Viveu o pior período da história do clube, todavia insuficiente para acabar com o grupo que, mesmo sem clube, se reunia pelo menos uma vez por ano (assinalando o aniversário do CFEA, a 22 de janeiro). E fez-se Magia Tricolor A equipa sénior do Estrela da Amadora começava a competir na última divisão distrital da A.F. Lisboa. Mas os jogadores rapidamente se aperceberam que estavam acompanhados por adeptos de primeira, não fosse este clube um histórico do futebol português. Os resultados desportivos estavam longe de ser os melhores. No entanto, o prazer de voltar a apoiar o Estrela da Amadora fazia com que,

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domingo após domingo, o Estádio José Gomes estivesse bem composto. E no caso da Magia Tricolor, o apoio foi (e vai) muito além dos 90 minutos. Os adeptos pertencentes a este grupo prontamente puseram mãos à obra e procuraram recuperar todo o património do CFEA e, particularmente, o Estádio José Gomes. Dado o seu elevado estado de degradação eram necessárias obras urgentes, muitas delas levadas a cabo pela Magia Tricolor: pinturas, colocação de cadeiras, etc. Rumo ao seu lugar! Em 2020 o clube fundia-se com o Sintra Football. Por isso, passaria a disputar o Campeonato de Portugal dando assim um passo importante no seu regresso ao principal escalão do futebol português. Houve uma divisão evidente entre muitos tricolores, sobretudo devido à criação de uma SAD e chegada de um investidor. Mas esta fusão era necessária, se atenderemos aos múltiplos obstáculos que o clube teria de enfrentar e que, possivelmente, não lhes conseguiria fazer frente. Todavia os adeptos colocaram estas divergências de parte e, no caso concreto da Magia Tricolor, fazem de tudo para apoiar aquela que é a sua equipa (apesar da impossibilidade de o fazerem na bancada devido à pandemia). A Magia Tricolor, por tudo isto, continua a ser uma peça fundamental no percurso do Estrela da Amadora, procurando salvaguardar todos os valores e princípios que marcaram o Clube de Futebol Estrela da Amadora. Além de ser uma claque, o grupo dedica-se a fazer melhorias no seu estádio e, ainda, à conservação e recuperação do património daquele que é o seu clube (destaque para o mais recente projeto “Museu Tricolor”, da autoria do grupo). Por Marco Fernandes, Magia Tricolor

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O Sparta de Alcantâra O futebol português foi sempre caracterizado pela hegemonia avassaladora dos “3 grandes”, sendo lembrado que só o Belenenses (em 1946) e o Boavista (em 2001) quebraram este domínio. Infelizmente muita gente esquece que, antes da 1ª Liga e desde 1922, se realizou um Campeonato de Portugal (com os moldes da atual Taça de Portugal: eliminatórias a 1 ou 2 mãos), que decretava a equipa campeã nacional. Não querendo entrar na polémica sobre o valor destes campeonatos, se são ou não para contabilizar (na minha opinião devem ser considerados campeonatos nacionais), o que importa é divulgar e valorizar os “outros” Campeões, nunca nomeados, que merecem eterna recordação: falamos do Olhanense (campeão em 1924), do Marítimo (campeão em 1926) e do Carcavelinhos (campeão em 1928). Relativamente ao Carcavelinhos queremos relembrar a epopeia: clube modesto fundado na Alcântara operária em 14 fevereiro 1912, o Carcavelinhos FC escolheu este nome para homenagear os “mestres” ingleses do Carcavelos FC, equipa invencível em Portugal e que dominou o panorama português até 1910. Os nossos rapazes começaram a dar nas vistas nos torneios organizados na cidade e na Liga Alcantarense, torneio entre as equipas deste bairro tão rico em clubes e agremiações. Também no Campeonato 66


de Lisboa, as 4 categorias batiam-se com as grandes equipas da capital, dando a conhecer o clube fora das fronteiras do bairro. Estamos em 1927, os “putos” da 4ª categoria repartiam grande futebol nos jogos e nos torneios nos quais participavam; nunca se tinha visto tanta magia nos campos de jogo! A equipa adotou o estilo do Sparta de Praga, grupo checoslovaco, que realizou - alguns anos antes umas exibições em terra lusa, trazendo um jogo rápido, fulminante, de passes curtos, um jogo de facto efervescente desconhecido em Portugal. Na primeira visita a Lisboa do clube checo de Praga, AC Sparta, deu um recital de futebol: 5-0 (uma selecção de Lisboa), 9-0 (Império LC), 6-0 (SL Benfica) e 2-2 (Sporting CP). O Conselho Técnico do Carcavelinhos pensou, e muito bem, em fazer subir de categoria - até à 1ª - muitos dos seus jogadores da 4ª e foi um retumbante sucesso! Em setembro – outubro de 1927, o “SPARTA DE ALCÂNTARA” (assim eram apelidados os nossos heróis) ganhou a Taça Preparação, num torneio com o Benfica, o Sporting e o Belenenses. Porém a vitória no Campeonato de Portugal desta época foi o momento mais alto: um percurso imaculado, com 4 vitórias estrondosas: nos oitavos contra o Beira-Mar (30), nos quartos esmagando o Salgueiros (8-1), na meia-final e na final “ridicularizando” o Benfica (3-0) e o Sporting (3-1)! O Carcavelinhos, o Sparta de Alcântara, era o campeão de Portugal. Lembramos um a um os nomes desses heróis: sob a direcção técnica do jogador-treinador Carlos Canuto, eis os outros 10 campeões: Gabriel Santos, Carlos Alves, Abreu, Artur Pereira, Daniel Vicente, Carlos Domingues, Manuel Abrantes, Armando Silva, José Domingos e Manuel Rodrigues. O Carcavelinhos, como clube, desapareceu em 1942 quando, fundindo-se com o União de Lisboa, deu origem ao Atlético Clube de Portugal, outro histórico do futebol português. CARLOS ALVES: O “LUVAS PRETAS” ORIGINAL. Uma das figuras mais conheci67


das desta equipa era o defesa Carlos Alves: para além de ter sido campeão com o Carcavelinhos, no mesmo ano, 1928, fez parte da mítica seleção que, nos Jogos Olímpicos de Amsterdão, chegou aos quartos de finais, sendo este o maior feito internacional de Portugal até aos Mundiais de 1966. Carlos Alves era famoso sobretudo por uma caraterística: jogava sempre com luvas pretas. Durante muitos anos ficou como um dos maiores enigmas do futebol português. Alguns diziam que era o hábito, pois trabalhava com produtos químicos, não sendo capaz de retirá-las em jogo. Outros diziam que era para evitar que as unhas se estragassem porque também era tocador de guitarra. Mas é o próprio Carlos Alves, numa entrevista à Bola do dia 15 de Novembro 68

de 1950, que conta a verdadeira história: ”Eu era do Carcavelinhos e, antes de um jogo com o Benfica, uma menina aproximou-se e pediu-me que jogasse com as suas luvas pretas calçadas. Disse-lhe que não, que o jogo em questão era assunto demasiado sério para estas brincadeiras. A menina calou-se mas não desistiu. Ao intervalo, com o Benfica em vantagem, descobri dentro dos bolsos dos meus calções o pequeno par de luvas pretas que ela ali colocara sem autorização. Calcei-as para a segunda parte e... ganhei. Nunca mais as tirei.” A tradição será continuada pelo craque dos anos 70-80, João Alves, seu neto que, para homenagear o avô, jogava também com luvas pretas. Por Eupremio Scarpa


FC United of Manchester O FC United foi fundado no ano de 2005, por um grupo de adeptos “dissidentes” do colosso Manchester United, após o clube ter sido adquirido pelo multimilionário americano Malcolm Glazer. Esta aquisição gerou uma forte oposição por parte da massa adepta do United, levando inclusive milhares de adeptos a empunhar cachecóis verdes e amarelos em Old Traford, símbolo do Newton Heath LYR, clube de futebol fundado em 1878 e que viria a dar origem aos Red Devil’s em 1902. Contudo, a ideia de fundar um clube “alternativo” vem de 1998, aquando da tentativa de Rupert Murdoch de adquirir o Manchester United, tentativa frustrada fruto da oposição dos aficionados, que tinham sugerido a criação de um novo clube, caso não sobrasse alternativa. O FC United trata-se de uma agremiação voltada para a comunidade, gerida democraticamente por todos os membros, que têm a possibilidade de votar todas as decisões importantes da vida do clube, nomeadamente o preço dos bilhetes, o design dos equipamentos e a definição da estratégia para o emblema. Sediado em Moston, no norte de Manchester, o clube tem desde 2015 casa própria, o Broadhurst Park, com capacidade para 4700 pessoas e inaugurado num jogo disputado entre os locais e equipa B do Benfica. O recinto que custou 5,3 Milhões de libras, foi construído em grande parte devido ao esforço dos adeptos. Numa campanha de recolha de fundos, o clube recolheu a verba de 1,7 Milhões de libras, doadas num período de 17 semanas por 7 mil adeptos. Umas das características mais vincadas deste clube é a sua forte vertente social e a pro-

moção de vários projectos de solidariedade e de apoio à comunidade, sendo um dos mais importantes o apoio a idosos com problemas do foro psíquico (demência, depressão e outras doenças) e de isolamento social. Para além disso tem uma série de outros programas desenvolvidos em escolas locais, a celebração do dia mundial da mulher, uma semana dedicada aos refugiados, entre muitos outras actividades. À data da sua fundação, foi delineado o regulamento que prima objectivamente por uma “blindagem” por forma a garantir que o clube nunca fuja ao controlo dos seus membros, estando expresso nesse mesmo regulamento que o clube não pode ser adquirido por um individuo ou corporação. No início da temporada o FC United contava com perto de 2900 membros que, para o serem, pagam uma módica quantia de 15 libras, sendo que para os menores de 16 anos a quantia baixa para as 3 libras. A actividade desportiva arrancou aquando da criação em 2005, e aconteceu na North 69


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West Counties Divison 2, 9 divisões abaixo da Premier League, e seguiram-se 3 promoções consecutivas até à Northern Premier League. Apesar deste sucesso desportivo, o clube define o respeito pelos adeptos, e os valores de luta contra o futebol negócio como clara prioridade, recusando exibir publicidade nas camisolas, e tendo inclusive recusado um pedido da BBC, que no ano de 2015 tentou a alteração do horário dum jogo da FA CUP (Taça de Inglaterra), que estava agendado para um sábado às 15 horas, pedido a que o FC United respondeu com um rotundo não, deixando bem vincado que nunca prejudicaria os interesses dos seus apaixonados, a pretexto de encaixar mais dinheiro. Em 2013, a Punk Football realizou um documentário sobre este clube de futebol, em que deram voz a vários adeptos, inclusive alguns fundadores do FC United. Os seus testemunhos fazem-nos perceber que a aquisição do Manchester United por Malcolm Glazer foi só a gota de água, num copo que já estava prestes a transbordar. O preço dos bilhetes, a primazia dada à TV e os maus horários de jogos que daí advém, os “ambientes frios” que despem de emoção os estádios da Premier League na actualidade, e os pornográficos salários pagos aos jogadores, são algumas das razões apontadas para o “corte” com o futebol de/a elite. A dedicação dos voluntários que garantem a actividade do clube, o orgulho dos jogadores amadores (que trabalham durante o dia) em representar uma instituição com estes valores, e o ambiente vibrante digno do futebol inglês de outros tempos vivido nas partidas do FC United, estão bem patentes nesta produção, que merece ser visionada por todos os partidários do futebol do povo! Actualmente a equipa milita na Northern Premier League e, durante a recente crise pandémica, o clube não se coibiu de continuar a desenvolver um trabalho de apoio aos mais vulneráveis e expostos às contingências da situação, tendo o Broadhurst Park servido de base logística para a recolha de géneros e distribuição de cestas básicas entregues às famílias carenciadas da comunidade local. Por J. Sousa 71


coimbra,

os estudantes e o futebol

Coimbra, cidade de estudantes, de doutores e da Académica. Nesta rubrica, “Da Escola para a Bancada”, trago-vos um dos melhores exemplos do país no que toca à influência dos jovens nas bancadas do seu clube. Em Coimbra desde novo se sente o que é ser da Académica, fruto da ligação secular que liga o clube à instituição mais influente da cidade, a Universidade de Coimbra. Por cá, a maioria dos jovens sonha entrar numa das Universidades mais cobiçadas da Europa e, consequentemente, viver a vida académica e a Briosa de forma especial. Embora nos últimos anos haja um certo afastamento entre a cidade e o clube, consequência de uma gestão desportiva de mais de uma década que rompeu com alguns laços criados, tanto com a cidade e as suas empresas, como com a própria “casa mãe”: a Associação Académica de Coimbra. Politicas desportivas recentes à parte, há quase um século que a Académica é apoiada por jovens universitários. 72


Desde o início do século XX que os jovens estudantes da Universidade de Coimbra acompanham de perto a vida da Associação Académica de Coimbra, no que ao futebol diz respeito. Na época de 1928-1929 foi criada a sua primeira claque “Baralha Teórica“, constituída por estudantes da UC que possuíam um cartão com um estudante de capa e batina a pontapear uma bola de futebol e se regiam por 10 mandamentos. Durante a década de 30, e após a dissolução da “Baralha Teórica”, surgem novos grupos de apoio. Na época de 1934-1935 surge o “Frascary Clube”, cujo o principal objectivo era dar moral aos jogadores que envergavam a camisola preta. Em 1936 nasceram os “Cowboys” que se distinguiam por se organizarem em banda musical e por utilizarem sempre um lenço vermelho ao pescoço. Passado um ano, em 1937, vieram os “FANS”. Este último foi o grupo integralmente constituído por estudantes que durou até mais tarde, podendo ser vista a sua faixa no estádio até há bem pouco tempo atrás. Em 1938, e muito por culpa destes grupos organizados, a Académica conseguiu levar 2 mil adeptos às Salésias num jogo contra o Belenenses. 73


A ligação entre os estudantes afectos à Académica e a bancada tem como apogeu a famosa final da taça de Portugal de 1969. Abril de 1969, foi o mês em que tudo começou. Durante a inauguração do departamento de Matemática, o presidente da Associação Académica de Coimbra, Alberto Martins, ousou pedir a palavra a meio do discurso de Marcelo Caetano, para reivindicar direitos dos estudantes. Depois de detenções e proibições a alunos de assistirem a aulas foi decretado, em Assembleia Magna, o luto académico. No dia 22 de Junho de 1969 jogava-se a final da Taça de Portugal entre a Académica e o Benfica, mas o resultado desse jogo, para muitos, era o menos importante. Vários milhares de estudantes deslocaram-se ao Jamor naquele dia para, através de cartazes, protestar. “Melhor ensino menos polícias“, “Estão 36 estudantes presos“, “Estudantes unidos por Coimbra“, são alguns exemplos dos protestos. A equipa da Académica, umbilicalmente ligada a esta luta, entrou nessa final da taça com a capa aberta sobre os ombros, com um adesivo a tapar o símbolo e deslocou-se a passo até ao centro do relvado, demonstrando que os jogadores estavam ao lado dos seus adeptos nesta luta. Na década de 80, após vários anos em que apareciam e desapareciam alguns grupos, os Cowboys e os FANS, ressurgiriam. Enquanto estes absorviam grande parte dos estudantes universitários, outros grupos aproveitavam os estudantes mais novos das escolas secundárias para apoiar a Académica, que não é só Universidade, 74

é Coimbra. O maior agregador de estudantes, doutores, empregados, desempregados e até reformados foi sem dúvida a Mancha Negra, que dispensa apresentações. Criada em 1985 e com um respeito ímpar no panorama nacional, sempre esteve mais focada no apoio e rege-se pela mentalidade Ultra. Desde o início que a “MN” impulsionou a ida “Da escola para a Bancada“, desde colar cartazes, fazer grafittis nos muros das escolas até à venda de bilhetes para os jogos através das associações de estudantes. Podemos encontrar crianças das escolinhas da Briosa no seu sector e vemos os estudantes do secundário que, futuramente irão frequentar a UC, a representar a maior faixa etária da sua bancada em alguns jogos. Actualmente, a Académica, fruto da mentalidade centralista que invadiu a nossa sociedade e do chamado, pelos entusiastas do apoio ao clube da sua cidade, “estarolismo”, tem tido alguma dificuldade em criar laços com muitos dos estudantes que por cá passam e até com quem já cresce em Coimbra. No entanto, com as fracas assistências do Estádio Cidade de Coimbra conseguimos a olho nu, comprovar que a maior parte dos seus adeptos são jovens e estudantes. Esperemos que, com o passar do tempo, esse pensamento de seguir um clube pelos seus títulos acabe e que se dê mais valor ao que nos é próximo e que nos representa enquanto povo de uma cidade, neste caso, da primeira capital de Portugal. Por João R.


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O FUTURO DAS COMPETIÇÕES EUROPEIAS O futuro das competições europeias: o verdadeiro combate começa agora. A Super Liga durou apenas 72 horas. Criada por um punhado de proprietários e executivos de clubes ricos, só conseguiu provocar uma onda de protestos sem precedentes de adeptos, jogadores, treinadores e políticos. Como foi possível os seus arquitectos acreditarem que poderiam impor uma liga fechada sem envolver os “stakeholders” do desporto mais popular da Europa? Que cegueira os levou a acreditar que poderiam romper com 150 anos da história do futebol europeu e ameaçar um ecossistema baseado no emprego, associações voluntárias, e redes de solidariedade? A reforma: Mas uma Reforma para Melhor “O futebol é para os adeptos”, escreveram os jogadores do Leeds United nas suas camisolas, com jeito de lembrança de que são apenas guardiões temporários do destino do clube - e, mais precisamente, para recordar ao resto da Europa que a tentativa de cisão era, de facto, um assunto de todos, incluindo os adeptos. Em Lens, Kaiserslautern ou Leeds vimos adeptos de clubes que nada tinham a ver com a Superliga a lutar contra o projecto. Embora houvesse um sentimento generalizado de que as nossas ligas poderiam estar melhor sem o PSG, a Juve ou o Bayern, os adeptos demonstraram a solidariedade que os proprietários dos clubes fo76


ram incapazes de demonstrar, e ergueram-se na defesa do futebol tal como o conhecemos. Esta crise exige um repensar da gestão do futebol na Europa, e o reposicionamento dos adeptos no diálogo e nas estruturas de decisão. As competições de futebol europeias devem ser alvo de uma reforma. Mas uma reforma para melhor! O novo formato das competições europeias apresentado pela UEFA levanta mais questões do que aquelas a que responde. E por uma boa razão: evoluiu sob pressão dos proprietários dos chamados clubes “grandes”. Alguns dias mais tarde, doze deles decidiram trair a sua palavra criando uma Superliga privada, inspirada por aqueles que atravessam o Atlântico. Fizeram-no com um objectivo em mente: assegurar os seus interesses financeiros à custa do mérito desportivo.

Quem poderá beneficiar deste formato?

Mas quem é que pode beneficiar com este formato? Certamente que os adeptos não. Porquê? Porque não resolve nenhum dos problemas com que nos preocupamos. Pelo contrário, tem o potencial de os agravar, aumentando o fosso entre os que têm e os que não têm, minando ainda mais as ligas e taças domésticas, e exigindo mais do nosso tempo e dinheiro, que já são limitados. A maioria dos adeptos não quer, nem pode permitir, mais futebol. Em vez disso, queremos melhor futebol. Só alguém a tentar, desesperadamente, alimentar um vício de transferências, salários e honorários de agentes dispendiosos poderia confundir os dois. Na realidade, não há provas suficientes para dizer se o chamado “modelo suíço” será um bom ou um mau formato. Sabemos, contudo, que o formato de uma competição é meramente um meio para atingir um fim. A verdadeira beleza do futebol reside na sua simplicidade e imprevisibilidade. O que importa é o que acontece em campo. Quando os adeptos apresentam o seu bilhete no torniquete ou escolhem um canto num bar lotado, normalmente fazem-no na crença de que a sua equipa tem hipóteses de vencer. 77


A crescente disparidade entre e dentro das ligas Para muitos, a crescente disparidade financeira entre e dentro das ligas tem vindo, gradualmenente a minar a crença. Mesmo os defensores de competições europeias maiores admitem tacitamente a falta de mérito desportivo e de equilíbrio competitivo, na escalada da pirâmide, quando falam do modelo suíço que produz menos “jogos mortos”. É irónico que, os planos para alargar a Liga dos Campeões da UEFA sejam frequentemente enquadrados como uma forma de melhorar a diversidade do jogo e aproveitar o seu apelo universal - um argumento estranho, dado o risco muito real de concentrarem ainda mais riqueza e poder nas mãos de uma dúzia de clubes de elite, de cerca de quatro ou cinco nações da Europa Ocidental. Tudo isto não significa que os apoiantes do futebol na Europa se oponham às tentativas de reformulação do futebol europeu - longe disso. Temos apelado repetidamente a uma reforma significativa para tornar o jogo mais sustentável de cima para baixo, e para que os adeptos e outros interessados sejam envolvidos em discussões com esse fim. Queremos que o jogo seja mais europeu, mais diversificado e mais aberto, não dominado por um punhado de clubes ou países. Mas não há necessidade de reinventar a roda. Uma mudança positiva implicaria simplesmente uma vontade de reconhecer o que torna o futebol europeu tão divertido, popular e bem sucedido - o mérito desportivo, o equilíbrio competitivo, a solidez- e o compromisso de o reforçar através do acesso aberto e de uma distribuição mais equitativa das receitas. Isto, e só isto, garantirá que os clubes e comunidades de todo o continente desfrutem de uma parte justa dos benefícios económicos e sociais do jogo. Este projecto tem sido liderado por proprietários e executivos que sobrecarregaram os seus clubes com dívidas e prejudicaram a economia do futebol na Europa. Incapazes de repensar um modelo de negócio que sabem ser insustentável, estão desesperados para assegurar a sua 78

sobrevivência. Esta corrida desenfreada por mais dinheiro ameaça catastroficamente o futebol europeu. Chegou o momento de lhe pôr fim.

Regulamentação e Reguladores

Perante o apetite insaciável de certos proprietários de clubes, a UEFA, ao cabo de anos e anos a ceder cada vez mais terreno às exigências dos clubes “grandes”, recuperou o seu papel de advogado dos interesses dos intervenientes do futebol. Mas será que pode desempenhar o papel que pretende? Será julgada pela sua capacidade de dar uma resposta sustentável à crise. Ao sugerir que está aberta a mudanças nas suas reformas pós2024, a UEFA agiu de boa fé. A FSE (Football Supporters Europe) instou a UEFA a lançar uma ampla consulta sobre o futuro das competições de clubes, envolvendo todas as partes interessadas em pé de igualdade- incluindo os representantes dos adeptos e dos jogadores. A disponibilidade imediata da UEFA na adesão ao movimento de protesto contra a Superliga não a exonera dos seus próprios fracassos nesta área. Terá de remediar esta situação e afirmar-se, garantindo a importância das competições domésticas e assegurando que a riqueza do jogo é distribuída de forma mais equitativa. E finalmente, deverá desempenhar o seu papel de contrapeso ao poder e influência dos grandes clubes. Para ser eficaz, as associações e ligas nacionais de futebol devem apoiar plenamente uma regulação mais robusta do futebol europeu. Para avançar, o futebol tem de se livrar da ameaça de cisão que o tem paralisado nos últimos vinte anos. O futebol não está à venda; é a herança comum de todos os europeus. A Europa reconhece o valor social e as responsabilidades do futebol. As questões em jogo no futebol não podem ser tratadas como se se tratasse de uma simples disputa comercial. Os nossos clubes, as nossas comunidades, a nossa cultura não estão à venda e devem ser protegidos. Por Ronan Evain, Director Executivo da Football Supporters Europe


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Reações à Superliga

Gary Neville “Estão motivados pela ganância. Retirem-lhes pontos, coloquem-lhes no fundo da tabela e tirem-lhes o dinheiro. Sinceramente, há que travar isto. É um acto criminoso contra os adeptos de futebol neste país. Tirem-lhes pontos, dinheiro e punam os clubes. Que vão para uma Superliga Europeia, mas que sejam punidos. Entreguem o título ao Burnley, mantenham o Fulham. Despromovam o United, o Arsenal e o Liverpool.” 18/04/2021 - Comentário na Sky Sports

Alex Ferguson “Falar de uma Superliga Europeia é afastarmo-nos de 70 anos de futebol europeu. Tanto para jogador de uma equipa provinciana de Dunfermline nos anos 60, como para um treinador do Aberdeen que venceu a Taça das Taças. Para um pequeno clube de província na Escócia foi como escalar o Monte Evereste. Na minha altura no Manchester United, jogámos quatro finais da Champions e foram sempre as noites mais especiais. Não tenho certeza se o Manchester United está envolvido nisso, pois não faço parte do processo de tomada de decisão.” 18/04/2021 - Declarações à Reuters 82


Arsène Wenger “Diria que a Superliga Europeia é uma má ideia. O futebol deve continuar unido. Isso é a coisa mais importante. Não acredito que esta ideia vá longe. Não sei quem está por de trás disso, mas acho que é um enorme perigo para a Premier League. Sempre existiu a ideia por parte de outros países para diminuírem o domínio da Premier League e um projeto como este iria acelerar isso.” 18/04/2021 -Declarações à talkSport

Éric Cantona “Gostaria de dizer uma coisa sobre a Superliga Europeia. Há um ano que assistimos aos jogos na televisão entre as melhores equipas e entre os melhores jogadores. Tem sido aborrecido e continua a ser porque os adeptos não estão lá. Os adeptos a cantar, a saltar e a apoiar as equipas... Os adeptos são a coisa mais importante do futebol. Temos que respeitá-los. Estes clubes quiseram saber a opinião dos adeptos Infelizmente, não. Isso é vergonhoso.” 19/04/2021 -Vídeo nas redes sociais

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Jurgen Klopp “A minha opinião não mudou. A primeira vez que ouvi falar nisto foi ontem à noite. Estava a tentar preparar um jogo difícil. Temos alguma informação, mas nada de mais. A maior parte das coisas que sabemos é pelos jornais. É algo complicado. As pessoas não estão contentes, entendo isso. Não posso dizer muito, pois não estivemos envolvidos no processo, nem eu nem os jogadores, não sabemos de nada. Vamos ter de esperar para ver como evolui. Tenho 53 anos. Desde que estou no futebol profissional a Liga dos Campeões está sempre lá. O meu objetivo sempre foi orientar uma equipa lá. Não tenho qualquer problema com a Liga dos Campeões. Gosto do aspeto competitivo do jogo. Gosto da ideia do West Ham jogar lá. Não quero isso, porque nós também queremos, mas gosto do facto de eles terem uma chance. O que posso dizer Não é fácil.” 19/04/2021 - Antes do jogo Leeds vs Liverpool

James Milner “Há muitas questões. Eu apenas posso dizer a minha versão. Não gosto e espero que não aconteça. Consigo imaginar o que se está a dizer e provavelmente vou concordar em grande parte.” 19/04/2021 - Flash-interview após jogo Leeds vs Liverpool

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Toni Kroos “Não são os jogadores que decidem. Não participaríamos se tivéssemos essa escolha. Somos fantoches da FIFA e da UEFA. Se houvesse um sindicato de jogadores não estaríamos a jogar uma Liga das Nações ou uma Supertaça de Espanha na Arábia Saudita, por exemplo. Estas competições servem apenas para aglomerar dinheiro. Sou um grande fã de deixar as coisas no mesmo sítio quando estas estão bem. Além do Mundial, da Liga dos Campeões, dos Europeus, as Ligas são um produto de primeira categoria o ‘fosso’ existente entre clubes grandes e pequenos está a aumentar cada vez mais.” 20/04/2021 - Num podcast alemão

Carlos Carvalhal “Quando queremos estudar a sociedade, temos de olhar para o futebol. Este é um sinal, infelizmente, que tem sido dado, de um crescimento dos grandes grupos. Isso acontece também em Portugal. Querem abafar os mais pequenos, como as grandes superfícies a acabar com as mercearias. Em Portugal, a distribuição financeira está em três equipas, não podemos fugir disso, e há uma justiça para os mais fortes e outra para os mais fracos. Este é um sinal da sociedade que vamos ter no futuro. Se o futebol permitir isto, vai ser muito mau para a sociedade. Daqui a 10 anos vai haver grandes desequilíbrios na sociedade. Temos de dar o exemplo no futebol, na justiça. E, a acontecer esta Superliga, é a negação do futebol. O futebol é do povo, é um exemplo para a sociedade.” 20/04/2021 - Conferência de imprensa na véspera de jogo SC Braga vs Boavista FC

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Pep Guardiola “A Superliga é um embrião que ainda não respira, essa é a realidade. A semana que vem vamos jogar na Champions e vamos tentar chegar à final. Na próxima temporada também vamos jogar na Europa. O desporto não é desporto quando não existe relação entre esforço e êxito. Não é desporto quando perder não importa. Não é justo se uma equipa luta e luta e não pode qualificar-se porque o êxito só está garantido para poucos clubes.” 2004/20/21 - Conferência de imprensa na véspera do jogo Aston Villa vs Manchester City

Jorge Jesus “Nem eu nem ninguém tivemos muito tempo para acompanhar isso. Em poucas horas tudo se alterou. Partindo do princípio que isto tinha meio para começar e finalizar... Fim nunca acreditei que tivesse. O futebol, ao longo da história, é um jogo feito para pessoas, para o povo, um jogo em que os melhores criam um historial que é conquistado por resultados desportivos e não por um torneio em que nem todos tinham essa capacidade para lá chegar desportivamente. Não vou dizer que não acreditava, porque agora é mais fácil dizê-lo, mas é contra a natureza do desporto. As pessoas que têm paixão, noção e respeito pelo desporto nunca vão aderir a uma coisa dessas.” 21/04/2021 - Conferência de imprensa na véspera do jogo Portimonense vs Benfica

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futebol de rua Percorro a minha cidade em passeio e, enquanto isso, reflito e questiono-me: “onde estão os miúdos que gostam de jogar à bola?”. Surge-me o pensamento de que, provavelmente, estarão a jogar um video-jogo de Futebol, no telemóvel ou numa consola. Sinto que muitos dos meninos de hoje, não terão o prazer de sentir o Futebol em estado puro, como eu tive. Que sorte a minha ter vivido outros tempos. Nesses tempos já se ouvia dizer que o Futebol de rua estava em vias de extinção e a situação actualmente não é melhor, bem pelo contrário. Eu jogava à bola de manhã à noite, literalmente, e o jogar à bola é muito mais do que isso. Esses momentos fomentavam a amizade, o amor ao jogo, o desenrasque, o desenvolvimento pessoal e muito mais a nível de jogo jogado. Fomentava também a imaginação e o sonho de ser um ídolo para alguém como eram para mim Luís Figo, Antchouet, Jorge Andrade, Ronaldo fenómeno... E que bom foi sonhar! Cada “joguinho” era como uma final no Jamor ou da Champions. O primeiro era jogado de manhãzinha, no mercado municipal. Folhavamos uma das revistas de início de época e, na página onde a abrissemos, “saía” a equipa que cada um “representava”. Com brinquedos, marcavamos as balizas. Só acabava quando a bola caía em cima das bancas das peixeiras, ou quando partíamos as flores das floristas ou quando era hora de almoçar. Quando era tínhamos de ir comer, apesar do resultado, saía sempre um: “quem marcar ganha!”. Para esperança de uns e 87


desespero de outros. Na escola (primária) sentia-me ainda mais jogador. Havia um campo alcatroado com linhas brancas, o que já nos dava a sensação de estarmos num campo a sério. As balizas éramos nós que marcávamos e isso ajudava à discussão. Quando dava jeito a alguns, diziam: “Foi alta!”; “Foi por fora do poste!” e imitavam o caminho que a bola percorreu. Qual VAR, qual quê... Depois das aulas ainda dava para dar uns toques. Enquanto os outros miúdos ficavam à espera dos pais, eu atrasava a minha ida para casa, de forma a jogar “baliza a balizinha”, “bate um”, “três sai fora”, “Portugal-Espanha”, “paredinha”, “cruzamentos”, “meinho”... Depois era lanchar e fazer os deveres, para de seguida ir para o treino. Nas férias era ainda melhor! A minha malta do mercado já dava para fazer uma equipa regularmente e lá íamos nós em busca da glória nos diversos ringues da cidade. Eram, pelo menos, sete ringues e todos estavam sempre “à pinha”. Grandes dias, de muitos golos, picardias e amizades. Desses ringues saíram vários jogadores que ainda hoje são profissionais da bola e muitos mais que o foram. Outros tantos não chegaram a sê-lo por falta de sorte, outros por falta de apoio familiar, outros por falta de maturidade. No Futebol de rua encontrava-se muito talento por lapidar. Hoje também o há, mas a sociedade e o Futebol mudaram bastante. Actualmente, só dois dos sete ringues da minha cidade estão abertos a todos nós de forma gratuita. Entretanto, outros dois foram desmantelados e dão lugar a rigorosamente nada. Os outros três que restam só abrem portas se a malta pagar. Isto não é benéfico para a juventude, nem para o futuro do desporto, ainda mais numa era em que o comodismo, o sedentarismo, as novas tecnologias e a protecção das crianças ganharam um enorme lugar no dia-a-dia. Ganho verdadeira noção da triste realidade quando dou por mim feliz ao ver um miúdo a jogar sozinho contra uma parede de um prédio. Em contraste, diariamente posso observar grupos de miúdos a jogar e a sonhar, durante os intervalos das aulas. Há uns tempos atrás, via o improviso dos meninos menos abastados. Actualmente, todos 88


têm de se desenrascar e ser criativos para ter uma “bola” e, à posteriori, para fazer magia com “ela”. A pandemia e as suas restrições não deixam que putos partilhem bolas na escola. Voltaram a rolar as bolas de papel e fita cola, as embalagens de iogurtes de beber, as garrafas de plástico ou apenas as tampas. Já não me lembrava de ver tanta magia sem as redondinhas em cena. Apesar de notar que, ao longo dos anos, diminuiu o número de interessados em participar nos “joguinhos” dos intervalos, ganho nova esperança e recupero algum gosto pelo jogo ao ver aqueles “meia-leca” a correr desde da sala até ao recreio para jogarem. Algumas características dos “joguinhos” são intemporais, tais como a escolha das equipas, os festejos efusivos dos golos, a polémica sobre as faltas ou sobre os golos, o cântico “campeões, nós somos campeões” entoado com alegria, a azia dos vencidos... Con-

tinua a haver também aqueles que só querem estar “na mama”. Ainda se usam roupas para fazer os postes das balizas e nos penaltis aparecem sempre aqueles que se acham melhores que o guarda-redes para defender. A única diferença significante que encontro entre o passado e o presente, é que “o gordo” já não vai à baliza sistematicamente, isto porque há mais miúdos a sonhar serem “guardiões”. No fundo, o que fica é que, vê-los a fintar, a marcar golos, a voar para defender o remate adversário, a fazer carrinhos e a dar tanta sarrafada uns aos outros, faz-me estar concentrado neles e leva-me a tentar retribui-lhes a alegria que me dão, ao “relatar” o jogo e a “entrevistar” o “homem do jogo”. Eles, além de sonharem, sentem-se como eu me sentia em criança: um verdadeiro futebolista. Por L. Cruz

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visto de fora, cá dentro! Uma voz lá de fora, cá dentro. Sempre vi o evento de futebol não apenas como um simples evento desportivo, mas um evento cultural. O futebol é, no geral, cultura, não atribuível exclusivamente à simples competição desportiva. Daí também o meu interesse em tentar conhecer, sempre que viajo, o estádio local, o seu entorno, o seu fenómeno social, aqueles que Saramago definia como “os heróis das bancadas”. Neste artigo vou tentar percorrer rapidamente a história e as mudanças geracionais e culturais que afetaram o futebol italiano (o das bancadas) ao longo dos anos, e que redesenharam a geografia dentro das curvas italianas, que são as que melhor conheço, deixando-vos a interpretação dos pontos comuns e diferenças com o vosso futebol. Para compreender o movimento ultra é necessário enquadrá-lo como movimento social, um movimento social atípico. Atípico pela incapacidade de criar uma dimensão unitária, devido às inúmeras rivalidades entre grupos individuais. Por outro lado existem características comuns e uma mentalidade de fundo: a partilha duma subcultura e dos seus códigos, a necessidade de identificar causas e fazer frente comum e, em geral, uma ideia de transformação do mundo em relação ao seu status quo. Embora parte da sociologia de orientação marxista enquadre o estádio numa perspetiva de “ópio do povo”, paliativo para distrair as pessoas das tensões provocadas pelas desigualdades sociais, as bancadas sempre foram um campo de batalha com as instituições, lugares de crítica às formas de homologação social, 90


de contestação e rejeição de lógicas conformistas, sejam elas políticas, sociais ou simplesmente desportivas. A beleza das curvas italianas, a sua harmonia e coesão têm iguais apenas em algumas bancadas da América do sul. Fizeram escola em todo o mundo, também aqui em Portugal (é de 2018 a faixa que os adeptos da Torcida Verde dedicaram aos ultras italianos “diversi nei colori, uniti nei valori, ultras da sempre aggregazione e fonte di ispirazione”) Os primeiros grupos de adeptos organizados italianos nascem nos anos 50 (os Moschettieri Nerazzurri do Inter foram os primeiros em 1950, seguidos pelos Fedelissimi do Torino em 51) mas só nos anos 60 é que se começa a falar de ultras (com a Fossa dei Leoni do Milan em 68 e os Ultras Tito Cucchiaroni da Sampdoria em 69). Nessa altura as ações ultras nascem da guerrilha urbana dos protestos de 68, os cânticos são muitas vezes emprestados das manifestações políticas e até o estilo faz lembrar o rebelde guevariano (cabelo comprido, cachecóis, chapeu de lã, parka) antes de ser substituído pelos bombers, camisolas com capuz e botas da tropa com influências das subculturas oi!, mod e punk. Os ultras são diferentes dos adeptos “normais”: ficam em pé durante o jogo todo, cantam por mais de 90 minutos, criam coreografias em competição com os grupos ultras rivais e, ao contrário dos clubes oficiais, que são a extensão dos desejos das sociedades, os ultras agem de forma independente e crítica, não só em relação ao jogo, mas também relativamente às escolhas de gestão do clube e, sobretudo, no que diz respeito às transformações no sentido comercial e espetacular progressivamente impostas pelo sistema do futebol comercial. Nas curvas italianas as pessoas não vêm exclusivamente da working class como na Inglaterra, são curvas interclassistas e agregam indivíduos de todas as origens sociais, funcionando como um cocktail social e reduzindo distâncias económicas e culturais. Não é por acaso que o fenómeno casual inglês, dos “cani sciolti”, não pegou na esmagadora maioria das claques italianas, onde quase sempre prevaleceu a lógica do grupo maioritário.

Já na década de 70, jogadores, dirigentes, clubes das Serie A e B começam a viciar jogos e gerir apostas ilícitas e, em 1980, as imagens das detenções ao vivo durante o histórico programa “90º minuto”, dão início a uma degeneração geral que virá a desgastar o futebol. Ao mesmo tempo, a partir dos anos 80, as curvas italianas começam a refletir a ideologia da extrema-direita e tornam-se palco das primeiras formas de xenofobia, nacionalismo e apologia do nazifascismo, com toda aquela simbologia arcaica composta de suásticas, runas e celtas. (exemplo máximo os Irriducibili Laziali que em 2000 exibem a estremecedora faixa “Onore alla tigre di Arkan” o comandante ultranacionalista sérvio que nesses anos fez milhares de vítimas nas guerras dos Balcãs e que também emergiu do mundo ultra). Contudo também há realidades em que a ideologia de esquerda sempre foi dominante, é o exemplo do “Fronte di resistenza ultra” criado pelos grupos de Livorno, Terni e Ancona. É claro que a pertença política de uma curva não exclui que nela existam membros da outra facção política. A relação com a política sempre foi muito mais complexa e problemática do que possa parecer e existem muitas claques na Itália que se declaram apolíticas, o que não significa necessariamente que não tenham ideias sobre a política, mas sim que se livram dos seus jogos institucionais. São quase sempre curvas libertárias, anarcas, com mais pendor à esquerda do que à direita, ainda que o suposto apoliticismo muitas vezes envolva consideráveis ​​contradições, bem como a necessidade de uma estranha convivência com elementos da outra facção. É, porém, na década de 90 que o futebol muda completamente, são os anos das primeiras pay TV, dos contratos milionários, do aumento dos bilhetes e da comercialização do futebol. Estádios com espectadores sentados, cerveja sem álcool e pipocas, altifalantes que disparam música alta (de mau gosto) a cada intervalo de jogo e speakers zelosos. Atualmente , devido aos novos ritmos impostos pelas televisões e à multiplicação dos jogos das várias Taças, o futebol é um espetáculo que passa nas televisões toda a semana. 91


Muitos líderes das curvas andam de Porsche, abrem lojas de merchandising, vivem exclusivamente dos lucros da claque ou até mesmo pagos pelos próprios clubes, também eles servos do futebol-negócio. O futebol à moda antiga, das rádios (clássico “o allo stadio o alla radio”), dos jogos ao domingo (e todos à mesma hora), dos números nas camisolas de 1 a 11, dos presidentes adeptos, dos jogadores em corpos magros mas com coração de gladiador, foi à vida: foi sacrificado em nome do deus-dinheiro. Isto determinou o descontentamento da velha guarda, nas curvas nasce então um sentimento anti-futebol moderno, especialmente nos cânticos, o que vem a criar um distanciamento daqueles jogadores “mercenários”, perfeitamente incorporados ao sist€ma futebolístico, mais amarrados ao próximo contrato do que à própria camisola.

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O primeiro a denunciar esta deturpação do desporto é o mestre Zdenek Zeman, um dos poucos personagens ligados a valores e códigos de comportamento, que em 1998 acusa o mundo do futebol, e em particular a Juventus, do uso indiscriminado de anabolizantes e substâncias dopantes e paga esta afronta com uma difamação e exclusão quase total do futebol italiano. Em 2006, um novo escândalo Calciopoli envolvendo vários dirigentes, treinadores e árbitros e que vê a Juventus na Serie B, determina uma inevitável reformulação do futebol italiano. A vitória do mundial não serve para disfarçar a podridão que veio à tona, até porque na Itália os ultras nunca tiveram um vínculo forte com a seleção, sempre relutantes a uma união entre grupos em nome da equipa nacional. No ano seguinte, a 2 de fevereiro de 2007, durante o derby Catania-Palermo, morre


o Inspetor Raciti em circunstâncias ainda pouco claras. O que resulta é uma enorme repressão ao movimento, que determina um ponto de contacto e solidariedade interna nunca antes vistos. A necessidade de responder à criminalização do movimento fez com que as iniciativas unitárias se multiplicassem. A sigla ACAB destaca-se em muitas realidades e o inimigo número 1 dos ultras passa a ser as “forças da ordem”, a violência mantem-se uma constante nos ultras, mas os lugares de confronto mudam. Muitos grupos, embora historicamente opostos, encontraram nos últimos anos motivos para uma espécie de aliança fora e dentro do estádio tendo um inimigo comum. A curva do meu clube do coração, os Ultras Lecce (UL), nasceu em 1996, representando uma ruptura com os grupos anteriores: recusa de qualquer ligação com a sociedade comercial

detentora do clube (U.S. Lecce), o apoliticismo, e o posicionamento constante contra a polícia, zero contacto com a imprensa, autofinanciamento e autogestão das suas atividades. Nenhum bilhete é aceite como apoio para a claque, não há cânticos para os jogadores, o material é produzido em poucos exemplares e a sua difusão é controlada. Nenhuma entrevista é concedida aos Media, apenas faixas, panfletos e pintadas nas paredes para transmitir a própria voz. Ao “decreto-lei Maroni”, que prevê a obrigação da autorização para exibir faixas, os UL respondem com um eloquente “meglio una curva senza colore che con il permesso del questore” (“melhor uma bancada sem cor, que com a aprovação da autoridade”). Também como os UL, poucos outros grupos, nunca aceitaram a “tessera del tifoso” (o cartão do adepto), dispostos a seguir as suas pró-

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prias cores (em casa e fora), mesmo ficando fora do estádio (faixa “in trasferta meglio fuori dagli stadi, che dentro servi tesserati”). No entanto, nos últimos anos, muitos ultras revoltados com os interesses económicos inerentes às curvas e desencorajados pela imposição do cartão de adepto, têm-se arrastado para outros projectos de Calcio Popolare, como o Spartak Lecce nascido em 2011, o ASD Quartograd ou o Partizan Leverano. A minha história pessoal é a história de alguém que nasce numa aldeia do sul da Itália e sempre apoiou a equipa da sua cidade, independentemente da categoria (faixa dos UL “rinnegati poveri coglioni, tifate le squadre di chi vi chiama terroni”, traduzido: “renegados idiotas, que torcem pelas equipas que vos chamam labregos”), e que aterra num país onde só os três “big” são apoiados (e, pior, o “big” da cidade onde vives anda de mão dada com a claque da Lazio). Apesar do branco e vermelho serem as cores dos nossos inimigos figadais do Bari, o meu clube português não podia deixar de ser o Salgueiros, clube sempre ligado a ideais antifascistas, e cuja bancada me adoptou nos últimos anos. Clube do povo que, depois de jogar durante muitos anos na primeira divisão, em 2008, para fazer face a uma crise financeira inultrapassável foi obrigado a mudar de nome, do histórico “Sport Comércio e Salgueiros” para “Salgueiros 2008”, e recomeçar a sua vida no último escalão do futebol nacional. A sua fiel massa adepta de sempre, de uma férrea paixão, conseguiu sempre cerca de 3000 pessoas nos jogos em casa. Queria fechar este artigo com um episódio, já antigo, que para mim resume aquele sentimento romântico coletivo que o futebol, apesar

de tudo, ainda consegue transmitir. Era 25 de junho de 1989. O Lecce e o Torino jogam a permanência na Série A. Durante toda a semana anterior ao jogo, os Media alinham-se abertamente ao lado do famoso Torino contra a pequena “Cinderela do taco da bota”. Até a família Agnelli, donos da rival Juventus, gasta palavras de mel para os seus concidadãos: o seu jornal “La Stampa” nesse dia titula em letras grandes “Vecchio Toro, l’Italia è con te”. Como se Lecce ou os lecceses não fossem italianos, ou o fossem menos que os outros. Ao primeiro golo do giallorosso Barbas aos 30 minutos, o rugido no estádio leccese “Via del Mare” é infernal, cheio de rancor, não tanto pelo Torino, uma equipa digna, ou pelos adeptos granata, mas por tudo o que esse jogo representava. A raiva de um território maltratado, ferido e ofendido, um turbilhão de discriminação contra a cidade e o clube que viria a ser resgatado nesses 90 minutos. O jogo acabou 3-1, o que determinou a primeira permanência da história do Lecce na Série A e o amargo retrocesso do Torino para a Série B após 30 anos. Em Lecce, como em muitos lugares do mundo, o futebol não é apenas um desporto, mas um fenómeno que fala do povo, da sua história, da sua vingança social e das suas emoções coletivas. Por Lorena Stella Bibliografia: - Andrea Ferreri “Ultras, i ribelli del calcio” - Valerio Marchi “La sindrome di Andy Capp: cultura di strada e conflitto giovanile” - Sébastien Louis “Ultras. Gli altri protagonisti del calcio”

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cultura de adepto

Por P. Alves e M. Bondoso

Estamos de volta e novamente num formato de 2 livros, 1 internacional e 1 nacional. Iremos manter este formato até esgotarmos as publicações nacionais, procurando assim mostrar o que se fez tanto lá fora como cá dentro. Caso tenham outras sugestões para falarmos ou alguma dúvida/curiosidade sobre algo publicado enviem email ou contactem por mensagem privada na página do Facebook. Boas leituras!

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Internacional

Nobilta’ Ultras

Autor Maurizio Martucci Equipa: Lazio Ano 1996 Páginas 336 Preço 30.000 liras italianas (15 euros)

Publicado como suplemento à Voce della Nord dos Irriducibili, o livro começa por falar da história da Lazio desde o seu início, em 1900, até aos anos 70 a partir de onde é contado, época a época, o relato da equipa e dos adeptos. Esta forma de escrita permite interligar os acontecimentos no campo ao que se passava nas bancadas, dando também um excelente contexto social que permite a percepção dos acontecimentos e a sua envolvência. Assim, percorre o nascimento dos vários grupos de apoio à Lazio e o seu papel durante o seu tempo de militância, aborda com principal destaque os Eagles e os Irriducibili, sem nunca ter medo de contar os pormenores menos positivos, presentes em todas as curvas. Excelente material fotográfico e conta, no final, com as entrevistas realizadas aos grupos para a redação do livro.

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Nacional

Mancha Negra 20 Anos. 20 Viagens

Autor Mancha Negra Equipa Académica de Coimbra Ano 2005 Páginas 253 Preço 30€

Por ocasião dos seus 20 anos, a Mancha Negra editou um livro que ainda hoje é uma referência no panorama Ultra Nacional. 20 Viagens lançam o mote, numa abordagem diferente do habitual, para festejar as duas décadas do grupo de Coimbra. O livro encontra-se dividido em 6 partes. As três primeiras focam-se na essência do clube e na forma como este se funde com a tradição estudantil desta cidade do Mondego, remetendo às origens que levaram à formação da Mancha Negra. Posteriormente, são relatadas 20 viagens, escolhidas e narradas por alguns dos notáveis que fizeram parte da história deste grupo Ultra. Por fim, as duas últimas seções são dedicadas à partilha de fotos e outros conteúdos diversos, identificativos da claque. Editado em capa rija, tem ainda a particularidade de ter o símbolo oficial do grupo gravado em relevo na capa, mantendo a tradição de o grupo nos presentear com material de elevada qualidade. Um habitué deste grupo Beirão. Uma peça que qualquer colecionador deve almejar de possuir na sua estante. 98


bandeiras que ficam na história Já pensaram como seria viver o futebol sem a existência dos nossos rivais? Eu já pensei e posso dizer, sem qualquer dúvida, que não seria o mesmo que experienciamos hoje! Senão observem, em cada clássico ou derby, a forma como os adeptos se esforçam por se superiorizar nos duelos de bancada, como se fosse um desafio dentro de outro. Não só os adeptos sentem estes jogos de forma diferente, os jogadores também vestem uma nova pele nestes jogos, consequência da influência dos adeptos. Não é então de estranhar que os adeptos se motivem mais nestes jogos, é a competição levada ao extremo, pelo orgulho de levantar ainda mais alto as suas cores ou até rebaixar ao máximo as do rival! Estes jogos, como não poderia deixar de ser, são vividos de forma diferente de todos os outros e por isso também estão carregados de episódios, histórias presentes no imaginário dos adeptos que se confundem com lendas. Para uns 99


é um motivo de orgulho e para outros vergonhas que preferiam esquecer. Hoje escolhi trazer uma história, ocorrida na Turquia, cujas imagens ainda fazem parte da memória de muitos de nós. Tudo teve início, a 24 de Abril de 1996, após a vitória do Galatasaray sobre o Fenerbahce, num jogo a contar para a final da Taça da Turquia. Nesse dia, após o apito final, o escocês Graeme Souness, treinador do Galatasaray, foi festejar a vitória juntamente com os seus jogadores para perto da bancada onde se encontravam os seus adeptos. Nesse momento, os adeptos passaram por cima da vedação uma bandeira que prontamente foi levada para o centro do campo. Como se isto não fosse provocatório o suficiente, para os adeptos da casa, Souness espetou-a lá, como se de uma conquista se tratasse. As reacções não se fizeram esperar, o que se seguiu foi o cenário de um verdadeiro motim com os adeptos da casa a tentar acertar contas com o treinador adversário e os seus adeptos.

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Souness, ao ver os adeptos a invadir o relvado, só teve tempo de correr e refugiar-se no túnel, onde ainda teve que se envolver fisicamente com um adepto que conseguiu furar a segurança. Posteriormente ao jogo, em declarações à imprensa, o treinador Graeme Sounesse partilhou a sua explicação sobre este acontecimento. Fazendo fé nas palavras do próprio, este acto deveu-se a um desentendimento com um vice-presidente do Fenerbahce que havia lhe chamado aleijado, fazendo, nestes termos, alusão a uma cirurgia cardíaca à qual o treinador tinha sido submetido. Foi então que, passados 9 meses, acabado de vencer um troféu em casa do adversário, se dirigiu com a bandeira ao centro do terreno para receber a taça junto dos seus jogadores e, nesse momento, identificou na bancada o tal vice-presidente que havia sido desagradável com os seus comentários. Segundo Souness a reacção nesse momento foi a seguinte: “Já vais ver quem


é o aleijado” e foi então que após duas tentativas conseguiu espetar a bandeira na relva. Não havia volta a dar, o mal estava feito, e Souness sentia o peso da gravidade dos seus actos. Sabia que o mais certo era ter à sua espera um bilhete de regresso a casa só que não foi bem assim. Ao contrário do que esperava, foi agraciado por toda a direcção que, de lágrimas nos olhos, dizia que era a melhor coisa que havia acontecido no clube! Quem diria que esta seria a reacção! Souness revelou que nunca tinha sido beijado por tantos homens na vida como nesse dia. Parecia que o episódio da bandeira superava a importância da vitória da final da taça. Quanto à bandeira, só permaneceu alguns segundos no centro do relvado, tendo sido retirada de seguida por adeptos do Fenerbahce, mas há segundos que parecem durar uma vida. Talvez tenha sido esse o sentimento dos adeptos da casa que, dois anos depois deste incidente, davam mostras que o mesmo ainda estava bem

presente na memória, prepararando a sua vingança. No ínicio da época 1997/1998, na noite anterior ao primeiro jogo do Galatasaray no seu estádio, Okan Guler, um adepto do Fenerbahce, invadiu o recinto e escondeu-se, dentro de um painel de publicidade sem que ninguém desse conta da sua presença. Momentos antes do apito inicial da partida eis que o Rambo Okan, alcunha pela qual ficou conhecido a partir deste momento, invade o relvado de faca na mão e espeta uma bandeira da sua equipa no centro do relvado, da mesma forma que havia feito Graeme Souness. Os anos passaram, mas a memória guarda o mais importante e em 2014, 18 anos depois, os adeptos do Galatasaray imortalizavam o momento numa coreografia que homenageava Graeme Souness. As suas acções foram comparadas com as do general otomano Ulubatli Hasan, que levantou a bandeira da vitória no Cerco de Constantinopla em 1453. Por J. Lobo

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